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Haruki Murakami - 1Q84

1. Voc sabe disso porque eu morri uma vez disse ela penoso morrer Muito mais do que voc possa imaginar Tengo Voc se sente infinitamente solit rio surpreendente que uma pessoa possa se sentir t o solit ria N o se esque a disso Mas quer saber No final das contas se voc n o morrer n o h como renascer Sem morrer n o h como renascer assentiu Tengo Mas a pessoa pode ser for ada a morrer durante a vida For ada a morrer durante a vida repetiu Tengo sem ainda conseguir entender o que isso significava A cortina branca balan ava com o vento O ar da sala de aula estava impregnado com o cheiro do apagador de lousa misturado com o de detergente Cheiro da fuma a queimando as folhas secas Algu m est treinando flauta Uma menina est segurando sua m o com for a Ele sentia uma leve pontada na parte inferior do corpo mas n o havia ere o Isso aconteceria muito tempo depois As palavras muito tempo depois selavam com ele um compromisso eterno A eternidade era uma linha comprida que se estendia at o infinito A tigela novamente se inclinou fazendo seu c rebro pastoso balan ar Ao acordar Tengo ficou um bom tempo sem saber onde estava Demorou at se lembrar o que havia feito na noite anterior A luz ofuscante do sol da manh entrava por entre as cortinas de estampas florais e os p ssaros cantavam alegremente Ele havia dormido numa cama pequena com o corpo
2. Acho que j te disse isso antes voc uma pessoa muito cautelosa pragm tica e perseverante E n o tem uma autoconfian a excessiva Mas uma vez que se perde o poder de concentra o por mais que a pessoa seja extremamente cuidadosa ela acaba cometendo um ou dois erros A solid o um cido capaz de corroer a pessoa Eu n o sinto solid o respondeu Aomame em parte para Tamaru em parte para si pr pria Estou sozinha mas n o solit ria O sil ncio tomou o outro lado da linha Talvez estivesse considerando a diferen a entre estar sozinha e ser solit ria De qualquer modo vou redobrar ainda mais a aten o Agrade o a sua advert ncia disse Aomame Gostaria de dizer mais uma coisa disse Tamaru Saiba que faremos de tudo para te proteger Mas caso ocorra algum tipo de emerg ncia seja qual for voc ter de tomar as medidas cab veis Por mais que eu v com urg ncia at a posso n o chegar a tempo Ou dependendo da situa o posso estar impossibilitado de socorr la Por exemplo se o nosso envolvimento n o com voc n o for o mais desej vel Sei muito bem disso Fui eu que quis ficar aqui e por isso estou ciente de que eu mesmo devo me proteger Com o aux lio do bast o de metal e com aquilo que voc me deu Este mundo duro Onde existe desejo sempre existe prova o disse Aomame Tamaru novamente se calou por alguns segundos E prosseguiu
3. Assim est timo Eu n o sei de nada disse Ushikawa Se fosse poss vel evitar amos falar da morte do L der com pessoas de fora do grupo mas quem realizou a investiga o sobre Aomame e deu o sinal verde para que a contrat ssemos foi o senhor e sendo assim o senhor j est efetivamente envolvido no caso Precisamos de sua ajuda para encontr la E o senhor possui a reputa o de ser uma pessoa sigilosa Guardar segredo fundamental na minha profiss o Quanto a isso n o se preocupe N o h nenhum perigo de algo escapar de minha boca Caso o segredo seja revelado e descobrirmos que a informa o partiu do senhor saiba que poder acontecer algo desagrad vel Ushikawa novamente olhou para os dez dedos entrela ados pesadamente apoiados sobre a mesa com uma express o de quem est surpreso em constatar que aqueles dedos lhe pertencem Algo desagrad vel repetiu Ushikawa erguendo o rosto e dirigindo o olhar para o rapaz Onda estreitou levemente os olhos Seja como for a morte do L der deve ser mantida em segredo Para que isso se cumpra nem sempre podemos escolher os meios Vou guardar segredo N o se preocupe disse Ushikawa At agora nossa parceria tem dado certo Aceitei trabalhos que lhes eram inconvenientes e os resolvi discretamente s vezes eram trabalhos dif ceis mas fui fartamente remunerado Tenho dois z peres fechando a minha boca N o tenho nenhum ti
4. Nunca ouvi falar O livro foi escrito em 1937 e Dinesen uma escritora dinamarquesa Ela se casou com um aristocrata su o e antes de eclodir a Primeira Guerra Mundial o casal foi para a frica administrar uma fazenda Um tempo depois eles se divorciaram e ela passou a cuidar da fazenda sozinha O livro fala sobre a vida dela durante esse per odo A enfermeira mediu a temperatura de seu pai anotou alguns dados no caderno de registros enfiou a caneta de volta no coque e jogou a franja para o lado Posso ficar aqui e escutar um pouquinho N o sei se voc vai gostar disse Tengo Ela se sentou no tamborete e cruzou as pernas Suas pernas eram bonitas e bem torneadas levemente musculosas Vamos l pode come ar Tengo come ou a ler devagar sem pressa a partir do ponto em que havia parado Era um tipo de texto que exigia uma leitura lenta como o tempo a fluir sobre o continente africano Na frica quando come am as longas chuvas em mar o ap s quatro meses de tempo quente e seco a abund ncia da vegeta o e o frescor e a fragr ncia por toda parte s o avassaladores Mas o fazendeiro cont m seu cora o e n o ousa confiar na generosidade da natureza ele fica de orelhas em p temendo notar qualquer diminui o no barulho da chuva que cai A gua que agora refresca a terra deve permitir que a fazenda e toda a sua vida vegetal animal e humana enfrentem os quatro meses sem chuva que vir
5. Era a primeira vez que eu fumava e senti como se o meu corpo estivesse flutuando no ar N o nas alturas mas a uns cinco ou seis cent metros do ch o E quer saber Flutuar a essa dist ncia foi uma experi ncia muito boa Uma dist ncia ideal Nessa altura se cair n o machuca Isso mesmo uma dist ncia ideal para se sentir segura A gente se sente protegida como estar dentro de uma cris lida de ar Eu sou a dohta totalmente envolta pela cris lida de ar e enxergo vagamente a maza do lado de fora Dohta indagou Tengo Sua voz era baixa e dura Maza A jovem enfermeira assobiava alguma can o enquanto balan ava a m o que segurava a de Tengo caminhando pela estrada deserta A diferen a de altura entre os dois era grande mas Kumi Adachi n o se importava De vez em quando um carro passava por eles Maza e dohta do livro Cris lida de ar N o conhece disse ela Conhe o Leu o livro Tengo assentiu balan ando a cabe a Que bom Isso facilita a conversa Eu 4 DO RO aquele livro Comprei no ver o e j li umas tr s vezes Saiba que muito raro eu ler um livro tr s vezes Pois ent o enquanto eu fumava haxixe pela primeira vez senti como se eu estivesse dentro da cris lida de ar Eu estava dentro da cris lida de ar aguardando o meu anivers rio E a maza observava atentamente a chegada desse momento Voc consegue ver a maza perguntou Tengo Sim Eu co
6. Isso mesmo disse Tengo Era como voc imaginava Ainda n o consigo acreditar que isso est acontecendo de verdade disse Tengo com sinceridade Tenho a impress o de que ainda estou imaginando Mas real bom demais para ser verdade Aomame sorriu em meio escurid o Depois o beijou na boca Suas l nguas exploraram um ao outro Os meus peitos n o s o muito grandes disse Aomame S o perfeitos disse Tengo acariciando os Voc est falando s rio daro que estou disse Tengo Se fossem maiores deixaria de ser voc Obrigada disse Aomame E complementou Mas n o s isso O tamanho do lado direito diferente do esquerdo Eles s o perfeitos do jeito que s o disse Tengo O lado direito o lado direito e o esquerdo o esquerdo N o precisa mudar nada Aomame encostou o ouvido no peito de Tengo Durante muito tempo eu me senti sozinha E muitas coisas me feriram profundamente Teria sido t o bom se eu tivesse te encontrado antes Se isso tivesse acontecido eu n o precisaria ter desviado tanto do caminho Tengo balan ou a cabe a num gesto negativo Eu n o acho Penso que assim foi melhor Agora que era o momento certo para n s dois Aomame chorou As l grimas contidas durante muito tempo come aram a correr Ela n o conseguia evit las Gotas enormes ca am sobre o len ol fazendo um barulho com
7. N o se preocupe N o vou larg lo N s viemos para este mundo para que pud ssemos nos encontrar N s mesmos n o sab amos disso mas esse foi o objetivo de estarmos aqui Foi preciso passar por todos os tipos de complica o Situa es sem sentido desprovidas de uma explica o plaus vel situa es estranhas situa es sangrentas e situa es tristes De vez em quando aconteceram coisas maravilhosas N s tivemos que fazer uma promessa e a cumprimos N s tivemos que enfrentar uma prova o e conseguimos venc la Estamos aqui por termos alcan ado essa meta Mas agora o perigo est perto O que eles querem a dohta que existe dentro de mim Voc deve saber o que significa dohta n o Tengo respirou fundo e disse Voc vai ter nossa dohta minha e sua Isso mesmo N o sei os detalhes que regem esse princ pio mas estou tentando criar uma dohta atrav s da cris lida de ar ou cumprindo a minha fun o de ser a pr pria cris lida de ar E o que eles querem pegar a n s tr s Como um novo sistema para ouvir a voz Qual seria a minha fun o Se houver alguma outra que n o seja apenas ser o pai da dohta Voc Aomame interrompeu o que ia dizer Faltavam lhe palavras Ainda existiam algumas lacunas entre eles Lacunas que precisariam preencher juntos com o decorrer do tempo Eu estava decidido a te encontrar disse Tengo Mas n o consegui Foi voc que me enco
8. Realmente um mundo estranho N o se sabe at onde ele uma hip tese e a partir de onde ele se torna real Com o passar do tempo cada vez mais dif cil discernir a fronteira que separa o mundo hipot tico do mundo real Me diga uma coisa Tengo como escritor como voc definiria o conceito de realidade O mundo real aquele em que quando se espeta algu m com uma agulha sangue vermelho derramado disse Tengo Se assim n o h d vidas de que este mundo real disse Komatsu esfregando vigorosamente o antebra o com a palma da m o Veias azuladas destacavam se na superf cie da pele Suas veias n o pareciam muito sadias Eram vasos sangu neos danificados ao longo de v rios anos de bebida e cigarros uma vida desregrada com in meras tramoias liter rias Komatsu tomou de um s gole o u sque e balan ou ruidosamente o gelo do copo vazio Voltando ao assunto fale um pouco mais sobre as hip teses que voc levantou A conversa est ficando interessante Tengo prosseguiu Eles devem estar procurando o sucessor dessa pessoa que escutava a voz N o s o sucessor como tamb m um novo dohta capaz de cumprir corretamente essa fun o Para um novo receptor preciso encontrar um novo perceptor Quer dizer que eles precisam encontrar um novo maza Isso significa que tamb m precisam criar uma nova cris lida de ar Uma tarefa e tanto n o por isso que est o levando esse assun
9. Era o que seu pai queria Quanto mais simples melhor Para pagar o custo do vel rio temos um fundo de reserva que ser o suficiente para cobrir as despesas e quanto s despesas hospitalares assim que seu pai se internou neste hospital ele deixou um dep sito de fian a cujo valor tamb m suficiente para quit las De modo que o senhor n o ter de arcar com nenhum encargo de ordem financeira Quer dizer que ele n o possui nenhuma d vida Isso mesmo Ele deixou tudo pago Seu pai tamb m possui uma conta corrente no correio de Chikura e o valor depositado nessa conta ser herdado pelo seu filho Para isso temos que fazer a transfer ncia de titularidade Os documentos necess rios para a transfer ncia s o o certificado de baixa do nome de seu pai do registro familiar o seu registro civil e o registro oficial de autenticidade do carimbo O senhor deve levar esses documentos ao correio de Chikura e preencher pessoalmente o formul rio de transfer ncia Esse procedimento costuma levar um certo tempo Como deve ser de seu conhecimento no Jap o os bancos e os correios s o exigentes em rela o aos formul rios O advogado tirou do bolso do palet um enorme len o branco e limpou o suor da testa O que eu precisava dizer a respeito de sua heran a isso A heran a neste caso refere se poupan a na conta do correio N o h nenhuma outra esp cie de bens como seguros de vida im veis pedras preciosas obje
10. Essa n o foi uma resposta correta Se o grupo j tivesse conhecimento disso isto se eles soubessem que h uma liga o entre Tengo Kawana e Aomame eles n o deixariam essa responsabilidade em suas m os Eles formariam uma equipe com os pr prios membros do grupo A possibilidade de cometer erros seria menor e caso necess rio eles poderiam usar o poder que possuem Mas estou dizendo a verdade Apenas cumpro ordens Eu tamb m n o sei por que eles resolveram me contratar a voz de Ushikawa ficou novamente inst vel e vez por outra falhava Se ele souber que o grupo Sakigake ainda n o sabe da rela o entre Tengo Kawana e Aomame ele vai me apagar pensou Ushikawa Se eu deixar de existir ningu m vai saber que h uma liga o entre eles N o gosto de respostas erradas disse o homem com a voz fria Voc vai sentir na pele o que isso significa Posso socar novamente o seu rim mas se eu o fizer com toda a minha for a minha m o vai doer e no momento meu objetivo n o provocar uma les o grave em seu rim Eu n o odeio voc O meu objetivo apenas um obter respostas corretas Por isso vou usar uma outra estrat gia Vou faz lo conhecer o fundo do mar Fundo do mar pensou Ushikawa O que ele quer dizer com isso O homem parecia tirar alguma coisa do bolso Ushikawa escutou um barulho seco que parecia pl stico sendo friccionado De repente alguma coisa cobriu toda a
11. Voc est lendo Proust N o consigo avan ar na leitura respondeu Aomame O di logo parecia uma troca de senhas N o gostou N o isso dif cil de explicar mas como ler uma hist ria sobre um outro mundo totalmente diferente do nosso Tamaru aguardou em sil ncio Ele parecia n o ter pressa como ler algo de um outro mundo Sinto como se estivesse diante de um relat rio detalhado sobre um asteroide distante milh es de anos luz deste mundo em que vivemos Consigo aceitar e entender todas as informa es e as cenas por serem descritas de modo v vido e minucioso Mas n o h como associar as cenas daqui com as de l Existe uma dist ncia concreta muito grande entre elas Por isso mesmo avan ando na leitura chego num ponto em que preciso voltar e ler novamente as p ginas Aomame tentou encontrar palavras para prosseguir a explica o Tamaru continuava aguardando em sil ncio Mas isso n o significa que a leitura seja cansativa A escrita bela e as palavras s o precisas e ainda que do meu jeito consigo entender o que vem a ser esse asteroide solit rio O nico problema que n o consigo avan ar como remar num bote rumo nascente do rio Voc pega o remo e durante um tempo se empenha em avan ar mas quando voc resolve parar para descansar o bra o e est pensando em algo de repente percebe que o bote voltou para onde estava disse Aomame Mas neste mome
12. Voc j ouviu falar do teste a que os candidatos ao cargo de interrogador da pol cia secreta de Stalin eram submetidos Acho que n o O candidato ficava dentro de um quarto quadrangular e nele havia uma nica cadeira pequena de madeira dessas bem simples E o superior ordenava Fa a a cadeira confessar e me apresente um relat rio Enquanto n o conseguir essa confiss o voc n o poder sair do quarto Que hist ria surreal N o n o se trata de uma hist ria surreal real Stalin criou um sistema man aco paranoico e sob o seu comando foram mortos cerca de dez milh es de pessoas a maioria seus compatriotas N s na realidade vivemos nesse tipo de mundo Tenha sempre isso em mente jamais se esque a disso Voc conhece muitas hist rias reconfortantes n o Nem tanto Apenas uso meu estoque de acordo com a necessidade N o tive uma educa o formal e por isso fui aprendendo as coisas com as experi ncias que tive Onde existe desejo existe prova o Voc tem raz o isso mesmo Mas o desejo limitado e geralmente de valor abstrato enquanto as prova es s o in meras e desagradavelmente concretas Isso uma das coisas que me custou caro aprender Que tipo de confiss o os candidatos que se submetiam ao exame conseguiam tirar da cadeira de madeira Essa uma indaga o sobre a qual vale a pena refletir disse Tamaru E como um tema para medita o Zen
13. De qualquer maneira o c rculo estava se fechando Aomame e Tengo por m desconheciam esse fato Ushikawa por sua vez sentia que o c rculo se fechava ainda que de modo parcial pois ele era o respons vel por isso Mas faltava lhe a vis o do todo Ele ainda n o sabia de um detalhe muito importante Que Aomame estava a algumas dezenas de metros de dist ncia do parque E apesar de isso ser algo raro de acontecer ao sair do parque Ushikawa estava confuso e n o conseguia raciocinar claramente s dez horas o frio se tornou ainda mais intenso Aomame resolveu desistir levantou se e entrou no apartamento Tirou a roupa e tomou um banho quente de ofur Enquanto estava mergulhada na banheira para expulsar o frio impregnado no corpo ela colocou a m o sobre o ventre Sentiu um pequeno volume saliente Fechou os olhos e tentou sentir a presen a desse ser pequenino que existia dentro dela Restava lhe pouco tempo Aomame precisava avisar Tengo Avis lo de que estava gr vida do filho dele E que estava fazendo de tudo para proteg lo Aomame trocou de roupa deitou se na cama e dormiu de lado no quarto escuro Um pouco antes de entrar no sono profundo sonhou com a velha senhora Aomame estava na estufa da Mans o dos Salgueiros e observava as borboletas ao lado dela A estufa estava na penumbra com a temperatura um pouco mais alta como num tero O p de f cus que ela havia deixado no apartamento tamb m estava ali Bem cuidado
14. TV tomando alguma bebida quente As ruas estavam praticamente desertas Ushikawa manteve uma dist ncia segura e continuou a segui lo Tengo era uma pessoa f cil de ser seguida Alto e forte era dif cil perd lo de vista em meio multid o Ao caminhar ele n o se distra a com outras coisas Mantinha o rosto levemente abaixado e caminhava absorto em pensamentos Era um homem sincero e honesto incapaz de manter segredos Uma pessoa diga se de passagem bem diferente de mim pensou Ushikawa A mulher com quem Ushikawa se casara tamb m gostava de manter segredos N o n o era exatamente que ela gostasse Ela simplesmente n o podia viver sem segredos Se algu m lhe perguntasse as horas ela certamente n o daria a informa o correta Esse tipo de comportamento diferia do de Ushikawa Ele s deixava de revelar uma informa o em casos estritamente necess rios Ou seja mentia somente nos casos em que pressionado e sem alternativa o assunto exigia essa postura Se algu m lhe perguntasse as horas e ele n o tivesse motivos para n o inform la honestamente certamente daria a informa o correta E o faria gentilmente Em compensa o sua mulher mentia descaradamente em qualquer situa o e para qualquer assunto Escondia com afinco at o que n o precisava Mentia por exemplo a pr pria idade dizendo ter quatro anos a menos Ushikawa descobriu a verdadeira idade somente ao dar entrada no registro de casamento mas
15. pensou Aomame Ela desceu as escadas lan ou um r pido olhar s caixas de correio e deixou o pr dio Ao passar sob a ilumina o amarelada escondeu o rosto e seguiu em dire o cal ada Deu uma olhada para tr s para se certificar de que ningu m a seguia Havia muitas coisas a pensar E igualmente havia muitas coisas para decidir Apalpando a pistola ela acionou a trava de seguran a Em um local ermo ela a colocou de novo atr s da cal a jeans N o devo ter muitas expectativas Aomame disse para si mesma N o devo desejar demais Aquele morador chamado Kawana pode ser Tengo e pode n o ser Uma vez que surge uma expectativa o cora o passa a agir de modo aut nomo E quando a expectativa frustrada a pessoa se decepciona e a decep o leva a um sentimento de impot ncia diminuindo o senso de precau o Naquele momento a falta de precau o era o fator de maior risco N o h como saber at que ponto aquele cabe o do boneco da felicidade conseguiu desvendar os fatos Mas a quest o fundamental que aquele homem est se aproximando de mim Se ele esticar o bra o capaz de me pegar preciso fortalecer o cora o e n o baixar a guarda N o h d vida de que aquele homem muito perigoso Um pequeno erro poder significar o fim Para come ar n o h como se aproximar facilmente daquele pr dio Ele est escondido em algum lugar e deve estar fazendo planos para me capturar como uma
16. pensou Mas isso ela n o disse Desde o come o voc estava com a inten o de subir essas escadas n o estava perguntou Tengo Isso Mas dependia de eu encontr las Mesmo tendo isso em mente voc veio de minissaia e saltos altos Acho que n o s o adequados para subir uma escada t o ngreme Aomame sorriu Eu precisava estar vestida desse jeito Um dia eu te explico o motivo Voc tem belas pernas disse Tengo Voc gostou Muito Obrigada disse Aomame Ela se curvou na passarela estreita e deu um leve beijo na orelha de Tengo Na orelha amarrotada que lembrava uma couve flor Sua orelha estava gelada Aomame continuou em frente e caminhou pela passarela Ao chegar outra extremidade come ou a subir o pr ximo lance de uma estreita e ngreme escada As plantas de seus p s estavam geladas de modo que mal conseguia sentir as pontas dos dedos Era preciso tomar muito cuidado para n o pisar em falso e escorregar Ela continuou subindo enquanto afastava os cabelos emaranhados que ca am no rosto O vento gelado fazia seus olhos lacrimejarem Ela segurava firmemente o corrim o para n o perder o equil brio com os ventos e passo a passo subia os degraus com muito cuidado enquanto pensava em Tengo que a seguia Pensou na m o grande e quente e na orelha gelada que parecia uma couve flor Ela pensou na coisa pequenina que dormia dentro dela Pensou na pistola negra dentro de su
17. Aomame permaneceu em sil ncio Tamaru indagou Existe alguma rela o de causa e efeito entre o assassinato do L der e essa sua misteriosa gravidez N o saberia dizer H alguma possibilidade de o feto que est no seu tero ser o filho do L der N o sei que tipo de m todo ele poderia ter usado para fazer isso mas ser que naquela noite ele n o usou esse m todo para te engravidar A sim posso entender por que o grupo quer te encontrar Eles precisam do sucessor do L der Aomame apertou o fone e balan ou a cabe a num gesto negativo Isso imposs vel Estou gr vida de Tengo Eu sei disso Quanto a isso s me resta acreditar em voc ou n o Eu n o sei como explicar Tamaru novamente suspirou Tudo bem A princ pio vou aceitar essa sua explica o de que o filho seu e de Tengo Voc parece ter certeza Mesmo assim n o consigo enxergar uma l gica nesse seu argumento De in cio o grupo queria te capturar e aplicar uma tremenda puni o A partir de certo ponto algo aconteceu Ou algo foi esclarecido Desde ent o eles passaram a necessitar de voc Eles garantem a sua seguran a e segundo eles existe algo que eles podem lhe oferecer sobre isso que eles querem conversar com voc O que aconteceu O que eles querem n o sou eu disse Aomame O que eu acho que eles querem a crian a no meu ventre Em algum momento eles descobriram isso Ho ho disse
18. Haruki Murakami 1Q84 Livro 3 Em um ano pr ximo a 1984 dois personagens repletos de segredos e envolvidos em tramas obscuras tentam sair de uma realidade implac vel o mundo de 1084 No ltimo volume da trilogia Haruki Murakami os protagonistas Tengo e Aomame continuam presos ao mundo paralelo onde coisas estranhas podem acontecer Eles precisam escapar n o s dessa terr vel realidade alternativa em que duas luas pairam no c u mas tamb m da amea a do chamado Povo Pequenino e de um sinistro grupo religioso em busca de um acerto de contas E ter o em seu encal o um implac vel detetive que se aproxima cada vez mais do esconderijo de Aomame enquanto desvenda a real conex o entre ela e Tengo Conforme 1084 caminha para uma resolu o acompanhamos o incerto destino se fechar ao redor deles Aomame e Tengo n o sabem se finalmente ir o se encontrar ou se ser o encontrados antes Com milh es de exemplares vendidos no mundo e uma legi o de f s 1084 um romance cosmopolita Entre as refer ncias Murakami rememora George Orwell a m sica ocidental e elementos da cultura pop Ao costurar trechos de suspense viol ncia e distopia com momentos de nostalgia amor e uni o o escritor japon s alcan a na trilogia o pice de sua criatividade liter ria 1 Ushikawa Algo que chuta na remota conex o do consciente Por gentileza senhor Ushikawa poderia n o fumar disse o rapaz de estatura mais baixa
19. Tengo discou o n mero do trabalho de Komatsu que ca a direto na mesa dele Ningu m atendeu Ap s o d cimo quinto toque desistiu e colocou o fone de volta no gancho Para quem mais eu poderia telefonar pensou Tengo sem conseguir se lembrar de algu m Pensou ent o em ligar para Kumi Adachi mas ele se deu conta de que n o tinha o n mero dela Em seguida pensou no buraco escuro que continuava aberto em algum lugar do mundo N o era um buraco muito grande mas era bem profundo Se olhasse para dentro dele e come asse a falar bem alto ser que conseguiria conversar com o pai O falecido pai lhe contaria a verdade Mesmo que voc o fa a isso n o vai te levar a lugar nenhum foi o que dissera Kumi Adachi O melhor seguir em frente Mas Tengo n o concordava com isso N o somente disso que se tratava Desvendar um segredo pode n o me levar a lugar nenhum mas era preciso saber o motivo Quem sabe se o motivo me faria seguir em frente rumo a algum lugar N o me importo se voc o meu pai de verdade ou n o Tengo disse voltando se para dentro desse buraco escuro Para mim tanto faz Mas voc morreu levando consigo uma parte de mim e eu continuo vivo com uma parte sua Se existe ou n o uma rela o de sangue entre n s isso n o mudar os fatos O tempo passou e o mundo continua seguindo em frente Tengo teve a impress o de ter escutado o canto da coruja pela janela Mas s poderia
20. est escutando os meus passos Creio que n o pois estou caminhando sem fazer barulho Mas saiba que passo a passo estou cada vez mais pr ximo de voc Posso ser apenas uma est pida tartaruga mas saiba que estou definitivamente avan ando em sua dire o Muito em breve estarei vendo as costas do coelho Me aguarde com expectativa Ushikawa esticou as costas contra o encosto da cadeira olhou para o teto e soltou lentamente a fuma a 8 Aomame A porta n o das piores Nas duas semanas seguintes ningu m visitou Aomame com exce o daquele pessoal silencioso que fazia a reposi o nas ter as feiras tarde Mesmo aquele homem que dizia ser o cobrador da NHK e que prometera voltar sem falta n o apareceu mais a despeito de naquela ocasi o sua voz delatar uma resoluta animosidade Ao menos foi assim que aquela voz ecoou aos ouvidos de Aomame No m nimo ele devia estar ocupado fazendo outra rota Aparentemente os dias transcorreram tranquilos e sossegados Nada aconteceu ningu m apareceu nem telefonou Por uma quest o de seguran a Tamaru restringia ao m ximo as liga es Aomame sempre mantinha as cortinas fechadas procurava n o dar sinais de sua presen a e ficava quieta em seu canto evitando chamar a aten o das pessoas Ao anoitecer acendia poucas luzes apenas o m nimo necess rio Tomava tamb m o m ximo de cuidado para n o fazer barulho enquanto se exercitava com cargas pesadas nos aparel
21. lo para o jantar no refeit rio Tengo n o tinha apetite Mesmo dizendo isso a enfermeira alta e de seios fartos n o era do tipo que desistia facilmente Voc precisa comer nem que seja um pouquinho ela tornou a insistir Era praticamente uma ordem Desnecess rio dizer que em rela o sa de do corpo ela era uma profissional sabia se impor com conhecimento de causa Tengo era do tipo que n o sabia contrariar um argumento com conhecimento de causa principalmente quando essa ordem era de algu m do sexo feminino e de uma mulher mais velha do que ele Ao descer as escadas Kumi Adachi j se encontrava no refeit rio A enfermeira Tamura n o estava mais l Tengo compartilhou a mesma mesa com as enfermeiras mura e Kumi Adachi Comeu um pouco de salada e verduras cozidas e tomou uma sopa de soja com cebolinha e am ijoa Depois bebeu uma x cara de h jicha quente Quando ser a crema o Kumi Adachi perguntou para Tengo Amanh uma da tarde disse Tengo Ap s a crema o pretendo voltar direto para T quio Tenho de trabalhar Algu m mais al m de voc vai comparecer crema o N o Creio que n o Acho que serei somente eu Ser que eu posso te acompanhar perguntou Kumi Na crema o do meu pai indagou T engo surpreso Sim Para falar a verdade eu at que gostava dele Tengo colocou o hashi sobre a mesa e olhou para o rosto de Kumi como que
22. morreu uma vez repetiu Tengo Numa noite de chuva fria disse ela Por que voc morreu Para poder renascer como agora Voc renasce disse Tengo De um jeito ou de outro disse ela sussurrando bem devagarzinho h v rias maneiras de renascer Tengo refletiu sobre o que acabara de ouvir O que ser que ela quis dizer com de um jeito ou de outro h v rias maneiras de renascer Seu c rebro estava pastoso e denso como um oceano primitivo repleto de vida a germinar Mas isso n o o levava a lugar nenhum De onde vem a cris lida de ar Pergunta errada disse Kumi Adachi Ho ho Ela se virou sobre o corpo dele e Tengo sentiu sobre suas coxas os pelos pubianos Pelos espessos e abundantes Pelos que pareciam fazer parte dos pensamentos dela O que preciso fazer para renascer indagou Tengo O mais dif cil para renascer disse a pequena enfermeira como a revelar um segredo que a pessoa n o consegue renascer para si mesma n o ser que seja por algu m isso que significa de um jeito ou de outro h v rias maneiras Ao amanhecer voc deve ir embora Antes de a sa da se fechar Ao amanhecer devo ir embora Tengo repetiu as palavras da enfermeira Ela esfregou novamente os pelos pubianos na coxa de Tengo como a deixar um sinal cris lida de ar n o algo que vem de algum lugar Por mais que voc espere ela n o vir
23. o Tamaru anotou o n mero O nome N o sei Ushikawa mentiu Mas o homem n o parecia ter se importado com a omiss o da informa o S o violentos Muito Mas n o s o profissionais S o habilidosos e acatam as ordens dos superiores sem questionar Mas n o s o profissionais O que voc descobriu sobre Aomame perguntou Tamaru Descobriu onde ela est escondida Ushikawa balan ou a cabe a num gesto negativo Ainda n o e por isso que continuo aqui vigiando Tengo Kawana Se eu soubesse do paradeiro dela j teria me mudado daqui h muito tempo Faz sentido disse Tamaru Mas me diga uma coisa como voc descobriu a rela o entre Tengo Kawana e Aomame Gastando a sola do sapato Como Fiz um levantamento completo sobre o hist rico de Aomame Desde a sua inf ncia Ela frequentava uma escola municipal da cidade de Ichikawa e Tengo Kawana nasceu nessa cidade Foi ent o que pensei numa hip tese e fui at l verificar Descobri que eles estudaram na mesma classe durante dois anos Tamaru emitiu um grunhido bem baixinho no fundo da garganta como o de um gato Voc realmente muito perseverante em suas investiga es Isso deve ter dado muito trabalho e levado muito tempo Estou admirado Ushikawa manteve se em sil ncio Por enquanto n o havia mais o que dizer Vou perguntar novamente disse Tamaru Voc a nica pesso
24. Antes daquela tarde Tengo fizera duas visitas a seu pai em outubro nos seus dias de folga e voltava para casa no mesmo dia Pegava o trem expresso da manh sentava se cabeceira do pai e de vez em quando conversava com ele Mas nunca houve nenhum tipo de rea o Seu pai permanecia deitado imerso num sono profundo A maior parte do tempo Tengo observava a paisagem pela janela e ao anoitecer ficava na expectativa de que algo pudesse acontecer Em v o O dia terminava placidamente tingindo o quarto com uma t nue escurid o Por fim desistia de esperar levantava se e voltava para T quio no ltimo trem expresso Preciso ter paci ncia e passar mais tempo com meu pai foi o que Tengo cogitou certo dia As visitas de um s dia n o devem ser suficientes Talvez seja necess rio um comprometimento maior de minha parte N o tenho provas concretas mas o que sinto No final de novembro Tengo resolveu tirar f rias Na escola explicou que o estado de sa de de seu pai era grave e que precisava cuidar dele O que n o deixava de ser verdade Solicitou a um amigo da faculdade para que o substitu sse durante a sua aus ncia Era um dos poucos amigos que mesmo ap s a formatura ainda mantinha contato com ele ao menos uma ou duas vezes por ano No departamento de matem tica rea em que se concentram caras esquisitos esse amigo era particularmente estranho e excepcionalmente inteligente Ap s se formar n o quis trabalh
25. Completamente s A m e de Tengo morreu estrangulada num balne rio da prov ncia de Nagano antes de Tengo completar dois anos O assassino acabou n o sendo preso Ela havia abandonado o marido e pisgou se com um rapaz levando consigo o beb Tengo Pisgar se que termo mais antigo Ningu m mais usa essa palavra Mas dependendo do tipo de fuga o termo mais adequado O motivo que levou o rapaz a mat la era desconhecido N o O fato que n o se sabe ainda se foi realmente ele quem a matou Num dos quartos da hospedaria a mulher foi estrangulada com o cinto do roup o durante a noite e o homem que estava com ela desapareceu Mas dif cil n o suspeitar do rapaz Essa a quest o O pai de Tengo foi informado do ocorrido e veio de Ichikawa buscar seu filho beb abandonado na hospedaria Eu devia ter contado isso para Tengo Kawana Ele tem todo o direito de saber Mas ele n o quis escutar a hist ria de sua m e da boca de uma pessoa como eu Foi por isso que n o contei Paci ncia N o problema meu dele De qualquer modo estando Tengo no apartamento ou n o a nica coisa que cabia a Ushikawa era continuar a vigil ncia E ele tentava se convencer disso Na noite anterior vira uma mulher misteriosa que poderia ser Aomame N o havia provas mas a possibilidade era muito grande Sua cabe a disforme lhe dizia isso Em termos de apar ncia ele deixava a desejar mas em compensa o possu a uma intui
26. Depois de ela falecer seu pai n o se casou novamente e sozinho cuidou de voc Os pais e os irm os de seu pai j s o falecidos Nesse caso o senhor o nico e leg timo herdeiro do senhor Kawana O advogado se levantou disse algumas palavras de condol ncia e se retirou Tengo permaneceu no refeit rio sozinho e durante um tempo ficou sentado olhando o envelope pardo sobre a mesa Seu pai era o seu verdadeiro pai biol gico e sua m e havia morrido de verdade Foi o que o advogado lhe dissera Talvez aquela fosse a verdade Pelo menos legalmente aquela era a verdade Mas quanto mais os fatos eram revelados mais a verdade parecia se distanciar Por qu Tengo foi para o quarto e sentado diante da mesa tentou abrir o envelope pardo exageradamente lacrado Dentro dele poderia encontrar a chave para desvendar o mist rio Mas n o era uma tarefa f cil No quarto n o havia tesoura estilete ou coisa que o valha por isso precisou arrancar as v rias camadas de fita adesiva com a unha Quando finalmente conseguiu abri lo ap s muito trabalho havia outros tantos envelopes todos eles igualmente bem lacrados com fita adesiva S podia ser coisa de seu pai Num dos envelopes havia quinhentos mil ienes Eram cinquenta notas de dez mil ienes novinhas em folha envoltas em papel de seda Havia um bilhete escrito dinheiro para emerg ncias Sem d vida era a letra de seu pai Uma letra pequena feita sem muito capricho O que s
27. Estavam com pressa de seguir em frente Naquele exato momento Tengo se reencontrava com Aomame no escorregador do parque infantil Os rapazes por m n o tinham como saber onde Tengo estava Acima de Tengo e Aomame havia duas luas pairando no c u O corpo de Ushikawa jazia na escurid o do recinto resfriado N o havia ningu m a n o ser ele A l mpada estava apagada e a porta trancada A luz p lida da Lua entrava pela janela pr xima ao teto Ushikawa estava num ngulo que n o lhe permitiria ver a Lua por isso ele n o saberia dizer se havia uma ou duas luas N o havia rel gio ali raz o pela qual n o dava para saber que horas eram Provavelmente havia se passado cerca de uma hora desde que o rapaz de cabelo rente e o de rabo de cavalo partiram para T quio Se algu m estivesse naquele recinto e presenciasse o momento em que a boca de Ushikawa come ou a se mexer essa pessoa certamente ficaria extremamente assustada Era um acontecimento excepcional amedrontador Principalmente pelo fato de Ushikawa estar morto e o corpo em estado de rigidez cadav rica Mas mesmo nesse estado sua boca come ou a tremer at que finalmente se abriu com um barulho seco Se algu m estivesse ali ficaria apreensivo achando que Ushikawa come aria a falar Alguma informa o importante que provavelmente s ele deveria saber Essa pessoa mesmo apavorada engoliria em seco e aguardaria o que ele teria a dizer A expectativa de saber que ti
28. Ficava triste por elas n o existirem mais neste mundo Lamentava que aqueles seios maravilhosos tivessem desaparecido sem deixar vest gios Por favor me proteja Aomame suplicou em seu cora o Por favor eu preciso que voc s me ajudem A voz silenciosa de Aomame devia estar sendo ouvida pelas infelizes amigas Elas com certeza v o me proteger Ao terminar de subir a escada ngreme havia uma passarela que seguia em dire o rodovia Havia um corrim o mas s era poss vel atravess la recurvando o corpo Na outra extremidade havia uma outra escada em zigue zague N o era uma escada propriamente dita mas era bem melhor que essa que ela acabara de subir Pelo que Aomame se recordava essa outra escada a conduziria at o espa o reservado para o acostamento da rodovia A vibra o do tr fego de caminh es grandes na pista fazia tremer a passarela tornando o ch o inst vel e fazendo a se sentir como num pequeno bote merc das ondas Ap s verificar que Tengo subira as escadas e estava logo atr s dela ela estendeu a m o e pegou a dele Estava quente Numa noite t o fria como aquela e ap s segurar o corrim o gelado como a m o dele continuava quente Aomame estranhou S mais um pouco disse Aomame bem perto de seu ouvido Para sobrepujar o ru do dos carros e o silvo dos ventos precisava falar bem alto Subindo aquela escada chegaremos rodovia Se a escada n o estiver bloqueada
29. Mesmo ciente disso Ushikawa resolveu visitar a escola prim ria de Ichikawa Era de suma import ncia faz lo pessoalmente Ele havia telefonado para a secretaria e agendado com uma das respons veis um encontro uma e meia A vice diretora era uma mulher mi da com cerca de quarenta e cinco anos Era magra bonita e se vestia bem Vice diretora Ushikawa hesitou At ent o ele nunca ouvira falar desse cargo Fazia muito tempo que ele havia se formado na escola prim ria e desde ent o muitas coisas haviam mudado Ela parecia estar acostumada a lidar com diferentes tipos de pessoas e a despeito da apar ncia incomum de Ushikawa n o se mostrou surpresa ao conhec lo pessoalmente Ou simplesmente era uma pessoa muito educada Ela acompanhou Ushikawa at a sala de visitas limpa e bem arrumada e convidou o a se sentar Ela ent o se sentou de frente para ele e sorriu como que ansiosa em saber que tipo de conversa agrad vel desfrutariam juntos Ela o fez se lembrar de uma garota que estudara com ele no prim rio Era bonita inteligente simp tica e respons vel Teve uma boa educa o e tocava piano muito bem Era a queridinha dos professores Durante as aulas Ushikawa sempre olhava para ela Principalmente as suas costas Mas nunca chegou sequer a conversar com ela O senhor est fazendo um levantamento sobre um de nossos formandos perguntou a vice diretora Desculpe me a indelicadeza disse Ushikawa entregando lhe
30. O normal seria pensar que ele estava vigiando algu m que mora naquele pr dio ou alguma outra pessoa das redondezas Os homens que deixei em T quio est o fazendo esse levantamento mas at agora n o entraram em contato Eles est o demorando muito para colher essas informa es Estive pensando se n o seria melhor voltar para T quio e eu mesmo averiguar isso O rapaz de cabelo rente parecia n o confiar muito na capacidade dos seus subordinados de T quio Eles eram leais mas a habilidade de lidar com esse tipo de servi o estava longe de ser satisfat ria Ele ainda n o havia relatado os detalhes da situa o O melhor e mais eficiente seria ele mesmo fazer o servi o Talvez o melhor fosse verificar minuciosamente o que havia no escrit rio de Ushikawa Talvez aquele homem do telefonema j tivesse feito isso Mas seus superiores n o lhe permitiram voltar a T quio At que as coisas ficassem um pouco mais claras ele e o rapaz de rabo de cavalo deveriam permanecer na sede Era uma ordem O superior perguntou se por acaso Ushikawa n o estava vigiando Aomame N o N o creio que fosse Aomame respondeu o rapaz de cabelo rente Se a pessoa que morava naquele pr dio fosse a Aomame assim que soubesse do endere o dela ele imediatamente entraria em contato conosco Com isso ele cumpriria sua responsabilidade e o servi o estaria conclu do Provavelmente a pessoa que Ushikawa estava vigiando possu a alguma liga o
31. O rosto em si n o esbo ava qualquer rea o Era somente um pobre velho e magro de olhos fechados que dormia O corpo n o se mexia e a respira o era inaud vel Seu pai respirava mas isso somente poderia ser constatado com o ouvido bem pr ximo do nariz ou aproximando um espelho e vendo o emba ar O soro era injetado e o cateter recolhia as poucas excre es que o corpo expelia A lenta e silenciosa entrada e sa da de l quidos eram os nicos ind cios de que ele estava vivo De vez em quando a enfermeira lhe fazia a barba com um aparelho el trico cortava os pelos brancos que despontavam das orelhas e das narinas com uma tesoura de ponta arredondada e aparava as sobrancelhas Apesar do estado de inconsci ncia eles continuavam a crescer Quanto mais Tengo observava o pai menos conseguia discernir a diferen a entre vida e morte Existiria alguma diferen a realmente vis vel Ou ser que queremos nos convencer de que ela existe por uma quest o de conveni ncia O m dico apareceu por volta das tr s da tarde para falar sobre o estado cl nico de seu pai A explica o foi sucinta a mesma de sempre Seu estado n o apresentava altera es O idoso permanecia dormindo A for a vital estava se dissipando aos poucos Em outras palavras seu pai estava gradativa e irreversivelmente indo ao encontro da morte Clinicamente n o havia mais nada a fazer A n o ser mant lo ali e deix lo dormir tranquilamente Isso era tudo que o m di
32. Por isso n s achamos importante saber de fatos que est o relacionados a ela Quando voc diz n s a quem se refere perguntou Tengo Komatsu esbo ou no rosto uma estranha inquieta o Para falar a verdade quem realmente quer saber se voc e Fukaeri tiveram alguma rela o sexual n o sou eu mas o professor Ebisuno Ent o o professor Ebisuno tamb m sabia que ela estava comigo daro que sabia Desde o dia em que ela foi para o seu apartamento ele sempre se manteve informado A pr pria Fukaeri reportava minuciosamente onde ela estava Eu n o sabia disse Tengo surpreso Fukaeri havia dito que n o contara a ningu m onde ela estava Mas agora isso era o de menos N o consigo entender O professor Ebisuno o tutor e o respons vel legal por Fukaeri e por isso seria de esperar que ele tivesse certa preocupa o com esse tema Mas na atual situa o disparatada em que estamos o normal seria ele se preocupar prioritariamente com a seguran a dela Acho dif cil acreditar que o professor Ebisuno tenha colocado no topo da lista de preocupa es a virgindade e a vida sexual dela Komatsu entortou a boca para um lado Pois ent o desconhe o os motivos dele Eu apenas estou atendendo a um pedido do professor Ele me pediu para me encontrar pessoalmente com voc e perguntar se voc s tiveram uma rela o sexual Eu fiz a pergunta e sua resposta foi negativa isso mesmo Eu e
33. Um momento disse Tengo rapidamente Tenho uma pergunta Uma pessoa me alertou que havia algu m me vigiando E ela me disse que eu deveria tomar cuidado Desculpe me perguntar isso mas ser que por acaso esse algu m seria o senhor N o N o sou eu o homem respondeu de imediato Quem o estava vigiando provavelmente era outra pessoa De qualquer modo sempre bom tomar cuidado Essa pessoa que o alertou est coberta de raz o O fato de eu estar sendo vigiado possui alguma rela o com essa situa o extremamente especial em que Aomame se encontra Uma situa o um pouco tensa corrigiu o homem Sim Possivelmente h uma liga o Em algum ponto E algo perigoso O homem fez uma pausa como se estivesse separando diferentes tipos de feij o misturados e escolhendo cuidadosamente as palavras disse Se voc considera perigoso o fato de n o ver nunca mais Aomame com certeza a situa o pode ser chamada assim Tengo procurou traduzir mentalmente esse modo cifrado de o homem se expressar para torn lo mais compreens vel Ele n o podia identificar as circunst ncias e saber dos acontecimentos mas conseguia sentir uma atmosfera de n tida tens o Se houver um deslize poss vel que nunca mais possamos nos encontrar Exatamente Entendi Tomarei cuidado disse Tengo Desculpe t lo incomodado assim t o cedo Parece que eu o acordei Assim que o homem disse
34. Ushikawa fitou momentaneamente o homem sentado do outro lado da mesa para em seguida lan ar um r pido olhar ao Seven Stars preso entre os dedos O cigarro estava apagado Agradeceria muito acrescentou o homem refor ando o pedido educadamente Ushikawa esbo ou confus o e surpresa como se imaginando de que forma aquilo fora parar em sua m o Ah Sinto muito Nem sei o que estou fazendo claro que n o vou acender que minhas m os agem sem eu perceber O queixo do rapaz balan ou discretamente cerca de um cent metro sem contudo desviar seu olhar fixo em Ushikawa Sob esse olhar Ushikawa devolveu o cigarro sua embalagem e prontamente guardou o ma o na gaveta O rapaz alto cujos cabelos pendiam num rabo de cavalo permanecia em p ao lado da porta com o corpo quase encostado ao batente fitando o como quem observa uma mancha incrustada na parede Dupla sinistra pensou Ushikawa Era o terceiro encontro mas sempre que se viam Ushikawa sentia desassossego No escrit rio n o muito grande de Ushikawa havia uma nica mesa e o rapaz baixo de cabelo rente estava sentado bem sua frente O rapaz se incumbia de conversar enquanto o outro o de rabo de cavalo mantinha se em sil ncio totalmente im vel e com o olhar fixo em Ushikawa como as est tuas de c es guardi es entrada de santu rios xinto stas J se passaram tr s semanas disse o rapaz de cabelo rente Ushikawa pegou o calend rio
35. Voc j experimentou Claro que j E bem divertido Divertido disse Tengo Voc vai entender assim que provar disse Kumi Adachi soltando risadinhas Voc sabia que a rainha Vit ria da Inglaterra sempre fumava haxixe como se fosse um analg sico quando sofria de c licas menstruais O haxixe era uma prescri o oficial de seu m dico particular Verdade s rio Estava escrito num livro Tengo pensou em perguntar em que livro mas desistiu para n o complicar a conversa Ele n o queria aprofundar seus conhecimentos sobre as c licas menstruais da rainha Vit ria Quantos anos voc fez no m s passado perguntou Tengo para mudar de assunto Vinte e tr s J sou adulta Certamente disse Tengo Ele tinha trinta mas nunca se vira como adulto Para ele significava apenas que fazia trinta anos que estava vivendo neste mundo Hoje a minha irm mais velha n o est em casa ela vai dormir na casa do namorado por isso n o precisa fazer cerim nia Amanh a minha folga e posso relaxar Tengo n o conseguiu encontrar palavras para lhe responder Ele nutria uma espont nea simpatia por ela E ela aparentemente sentia o mesmo por ele Ela estava convidando o a entrar Tengo olhou para o c u mas ele estava coberto por espessas nuvens em tons de cinza N o era poss vel ver a lua Outro dia eu e essa minha amiga fumamos haxixe juntas disse Kumi Adachi
36. a e recolocou a pistola sobre a mesa Ao fechar os olhos sentiu que em meio escurid o havia alguma coisa que emitia uma min scula e t nue luz que desaparecia gradativamente Algo bem pequenino como part culas de poeira de luz Algo que ela n o tinha ideia do que poderia ser Ela sentou no sof e concentrou se na leitura de No caminho de Swann Imaginava as cenas descritas na hist ria esfor ando se para n o deixar que outros pensamentos invadissem sorrateiramente o seu c rebro L fora come ava a cair uma chuva gelada A previs o meteorol gica divulgada pelo r dio informava que uma chuva leve persistiria at a manh do dia seguinte A frente fria de outono que vinha do oceano Pac fico havia estacionado como uma pessoa que esquece o tempo e se entrega a pensamentos de solid o Tengo n o deve vir O c u estava todo coberto de nuvens densas e n o dava para ver a lua Mesmo assim Aomame ficar na varanda a observar o parque tomando chocolate quente O bin culo e a pistola est o ao seu alcance e vestida de modo a poder sair para a rua a qualquer momento ela continuar a observar atentamente o escorregador que se molha com a gua da chuva Essa era a nica coisa que fazia sentido para ela s tr s da tarde algu m na entrada do edif cio tocou a campainha de seu apartamento Algu m queria entrar no pr dio Aomame n o deu aten o a isso A possibilidade de algu m visit la era impens vel Aomame estava
37. a parecia muito mais achatada e enigm tica do que quando estava vivo e ainda se mexia E os fios crespos grossos e negros de seus cabelos que lembravam pelos pubianos rodeavam lastimavelmente aquela cabe a O rapaz de cabelo rente vestia um casaco de n ilon azul marinho e o de rabo de cavalo uma jaqueta de vaqueiro marrom com detalhes de pele na gola As roupas eram ligeiramente fora do tamanho como se tivessem sido escolhidas s pressas entre um limitado estoque Mesmo no interior do recinto o ar que expiravam era esbranqui ado Somente tr s pessoas estavam ali o rapaz de cabelo rente o de rabo de cavalo e Ushikawa Numa das paredes havia tr s janelas corredi as de alum nio pr ximas ao teto e uma delas estava totalmente aberta para manter a temperatura do ambiente baixa N o havia nenhuma mob lia exceto as mesas em que o corpo de Ushikawa jazia Um recinto impessoal e funcional O cad ver ainda que fosse o cad ver de Ushikawa ao ser exposto num local como aquele adquiria caracter sticas igualmente im pessoais e funcionais Ningu m falava Reinava um completo sil ncio no recinto O rapaz de cabelo rente precisava pensar em in meras coisas e o outro o de rabo de cavalo jamais abria a boca Ushikawa era um homem eloquente mas havia dois dias que estava morto O rapaz de cabelo rente andava lentamente ao lado da mesa em que estava o cad ver de Ushikawa indo de um lado para outro perdido em pensamentos Excet
38. acho que a dohta conseguia cumprir sua fun o de m dium mesmo sem a presen a da maza Komatsu mantinha os l bios cerrados e levemente arqueados Um tempo depois indagou Tengo por acaso voc acha que tudo o que est escrito na Cris lida de ar realmente aconteceu N o isso Estou apenas levantando uma hip tese Imagino que aquilo realmente aconteceu e analiso os desdobramentos com base nessa suposi o Est bem disse Komatsu Ent o quer dizer que o alter ego de Fukaeri cumpre a fun o de m dium apesar de estar distante de seu corpo por isso que o grupo religioso n o faz quest o de traz la de volta for a mesmo sabendo onde ela est No caso dela a dohta cumpre sua fun o mesmo sem a maza por perto Mesmo dist ncia existe uma liga o muito forte entre elas Realmente Tengo prosseguiu Acho que eles possuem v rias dohtas Na medida do poss vel o Povo Pequenino deve criar v rias cris lidas de ar Ter apenas um elemento perceptivo deve deix los numa situa o inst vel Ou talvez as dohtas capazes de cumprir corretamente essa fun o perceptiva sejam de fato muito poucas Pode ser que exista uma dohta central mais forte e as demais n o t o fortes s o apenas secund rias raz o pela qual elas devem trabalhar em conjunto Est dizendo que a dohta que Fukaeri deixou na sede a dohta central que cumpre corretamente essa fun o perceptiva Acho q
39. agora estou praticamente na mesma situa o que aquela aranha pensou Aomame Preciso de uma fita cassete com a Sinfonietta de Jan cek Preciso dela na hora de me exercitar Aquela m sica me conecta a algum lugar algum lugar que n o sei exatamente qual Ela me conduz a algo Preciso inseri la na pr xima lista de provis es Era outubro e faltavam tr s meses para expirar o prazo O rel gio marcava as horas sem descanso Sentada na cadeira da varanda ela observava por entre os v os do parapeito o parque e o escorregador A l mpada de merc rio iluminava o parquinho dando lhe um p lido tom branco azulado Aomame associava aquele cen rio ao de um corredor deserto de um aqu rio durante a noite Peixes imagin rios e invis veis nadavam silenciosa e ininterruptamente por entre as rvores As duas luas pairavam no c u solicitando a aten o de Aomame Tengo sussurrava ela Onde voc est 3 Tengo As feras est o vestidas No per odo da tarde Tengo visitava o pai no quarto do hospital sentava se ao lado da cama abria o livro que trazia consigo e o lia em voz alta Ap s umas cinco p ginas descansava um pouco e retomava a leitura avan ando mais cinco Levava o que ele pr prio estivesse lendo naquele momento podendo ser fic o biografia ou um livro de ci ncias naturais U importante era ler o texto em voz alta e n o o seu conte do Tengo n o sabia se seu pai escutava ou n o sua voz
40. algu m o senhor que considero ser o meu pai E assim que acho que deve ser N o sei se posso chamar o que sinto como uma reconcilia o Talvez o mais certo seja dizer que eu me reconciliei comigo mesmo Tengo respirou fundo e abaixou o tom de voz No ver o o senhor ainda estava consciente Ainda que de modo confuso sua consci ncia cumpria a sua fun o Naquela poca reencontrei uma menina neste quarto Ela apareceu aqui enquanto o senhor estava na sala de exames Creio que tenha sido o alter ego dela Desta vez o motivo de eu voltar para esta cidade e alongar a minha estadia foi porque achei que poderia reencontr la Esse foi o meu verdadeiro motivo de estar aqui Tengo suspirou e colocou as m os sobre o colo Mas ela n o apareceu Ela foi transportada at aqui por uma coisa que se chama cris lida de ar uma esp cie de c psula que a protege Se eu for explicar isso a conversa vai ficar longa mas digamos que a cris lida de ar um produto da imagina o um objeto da fic o Mas agora ela deixou de ser um objeto da fic o A linha entre o mundo real e o da imagina o tornou se imprecisa Duas luas pairam no c u E elas tamb m foram trazidas do mundo da fic o Tengo olhou o rosto do pai Ser que ele acompanhava o fio da conversa Seguindo essa linha de racioc nio n o seria nada estranho se sua consci ncia tivesse se separado do corpo e passasse a viver livremente em algum outro mun
41. cerca de um ano no tempo em que seu pai ainda estava l cido ele me entregou isso disse a enorme enfermeira mura Ele disse que queria ser colocado no caix o vestindo este uniforme Por isso mandei tinturaria e depois o deixei guardado com naftalina Aquela roupa era sem sombra de d vida o uniforme de cobrador da NHK A cal a que fazia parte do conjunto estava bem passada e com vinco Tengo sentiu o cheiro de naftalina Ficou durante um tempo sem palavras O senhor Kawana queria ser cremado vestindo este uniforme disse a enfermeira mura Ela dobrou novamente o uniforme e o guardou na sacola Por isso vou deix lo com voc Amanh leve este uniforme at a funer ria e pe a para que eles o vistam Mas n o vai ser estranho vestir o uniforme Ele emprestado e quando a pessoa se aposenta precisa devolv lo NHK disse Tengo sem convic o N o se preocupe disse Kumi Adachi Se ficarmos de bico calado ningu m vai saber A NHK n o vai ficar no preju zo por causa de um uniforme velho A enfermeira mura concordou O senhor Kawama dedicou se NHK e andou dia e noite fazendo a cobran a durante mais de trinta anos Ele deve ter passado por maus bocados e precisava seguir normas e mais normas N o deve ter sido nada f cil Quem vai se importar com um uniforme Ele n o vai fazer alguma coisa ruim com ele vai isso mesmo Eu tamb m tenho o uniforme da poca
42. com Sakigake poderia ter sido obra do acaso e foram impelidos a agir merc dos acontecimentos Por mais que fosse dif cil acreditar nessa suposta casualidade essa era a hip tese que sua intui o aceitava mais do que a da teoria da conspira o Juntos eles conseguiram abalar a estrutura de Sakigake ao acaso cada qual com seus pr prios objetivos suas pr prias motiva es e meios Duas hist rias originalmente diferentes que caminhavam lado a lado Mas ser que Sakigake aceitaria uma hip tese baseada na intui o Ushikawa sabia que n o O que eles com certeza aceitariam seria a teoria da conspira o Afinal gostavam de fazer intrigas e jogos secretos Antes de revelar as informa es ele precisava obter provas concretas Caso contr rio havia o perigo de incorrer em um erro e isso poderia se reverter em algo prejudicial para o pr prio Ushikawa Ushikawa ficou ruminando essas coisas durante todo o trajeto de Ichikawa a Tsudanuma Enquanto repassava essas ideias deve ter feito caretas suspirado ou encarado o vazio Algumas meninas da escola prim ria que sentavam na sua frente olhavam para ele de forma espantada Para tentar disfar ar a vergonha Ushikawa relaxou a express o do rosto e passou a m o em sua cabe a calva e deformada Mas ao contr rio do que esperava esse seu gesto as deixou mais assustadas Todas se levantaram um pouco antes da esta o Nishi Funabashi e t o logo saltaram do trem sa ram em disparad
43. confinada num nico lugar n o chegava a ser motivo de sofrimento para Aomame Sua rotina era acordar s seis e meia e tomar um caf da manh bem simples Depois levava cerca de uma hora para lavar e passar as roupas ou limpar o ch o Uma hora e meia antes do almo o exercitava vigorosamente o corpo de modo eficiente e concentrado utilizando os aparelhos enviados por Tamaru A experi ncia adquirida como instrutora profissional lhe permitia discernir quais m sculos deveriam ser trabalhados diariamente adequando o tipo de exerc cio e dosando sua intensidade e carga sem o perigo de se exceder O almo o consistia basicamente de saladas legumes e frutas Ap s a refei o geralmente sentava se no sof para ler e tirar um pequeno cochilo Ao entardecer levava cerca de uma hora para preparar a refei o e jantava antes das seis Quando escurecia ia para a varanda sentava se na cadeira de jardim e observava o parque infantil E s dez e meia ia para a cama dormir Essa era sua rotina Mas isso n o a deixava entediada Para in cio de conversa ela n o era uma pessoa muito soci vel Nesse sentido ela n o se importava de n o poder se encontrar nem conversar com ningu m Na escola prim ria ela praticamente n o conversava com nenhum de seus colegas de classe Ou melhor ningu m costumava falar com ela a n o ser quando estritamente necess rio Consideravam na um elemento estranho um nada que deveria ser exclu do e
44. coruja toa e sentindo os cabelos de Kumi Adachi ro ando seu pesco o olhava para a lumin ria falsa da Tiffany Kumi Adachi preparou o haxixe assobiando uma m sica alegre Ela cortou com um estilete um bloco de resina de c nhamo em lascas bem finas encheu a boca de um cachimbo especial pequeno e reto e com o olhar s rio riscou um f sforo Uma fuma a caracter stica de cheiro adocicado pairou delicadamente no ar Kumi Adachi foi a primeira Tragou fundo a fuma a prendendo a durante um tempo nos pulm es e a soltou lentamente Ela indicou com um gesto para que Tengo fizesse o mesmo Ele pegou o cachimbo e a imitou Procurou manter ao m ximo a fuma a em seus pulm es para depois solt la lentamente Durante um bom tempo eles revezaram o cachimbo em sil ncio O morador do apartamento vizinho ligou novamente a TV e as risadas do programa humor stico ressoaram atrav s das paredes O volume estava um pouco mais alto que da vez anterior De s bito a plateia come ava a rir animadamente e essas risadas s paravam quando entrava o comercial Tengo e a enfermeira revezaram o cachimbo durante cinco minutos mas nada acontecia O mundo ao redor n o parecia diferente As cores os formatos e os cheiros eram os mesmos de sempre A coruja continuava a dizer ho ho no meio da mata e os cabelos de Kumi Adachi continuavam a espetar lhe a nuca O sof de dois lugares continuava desconfort vel Os ponteiros do rel gio que marcavam os
45. de vez em quando ecoava pela janela No final resolvemos recuar e bater em retirada do campo minado indagou Tengo Uma nova dose de u sque com soda foi trazida Komatsu umedeceu a boca com a bebida O professor Ebisuno disse que precisava de um tempo para pensar e de imediato n o quis comentar nada Mas afinal que outra op o haveria a n o ser fazer o que os caras disseram Eu comecei a agir sem perder tempo Na empresa fiz de tudo para suspender a reimpress o da Cris lida de ar fazendo com que a edi o se esgotasse A edi o de bolso tamb m foi suspensa A quantidade de livros vendidos foi grande e a editora j havia faturado muito A editora em si n o teria nenhum preju zo com a suspens o do t tulo claro que a coisa n o foi t o simples pois tive de realizar reuni es e ter a aprova o do presidente Mas quando revelei que havia a possibilidade de vir a p blico que o livro foi redigido por um ghost writer e ressaltei o tremendo esc ndalo que isso provocaria os meus superiores tremeram na base e acabaram cedendo Desde ent o passaram a seguir as minhas instru es De agora em diante sei que a empresa vai me tratar friamente mas isso o de menos j estou acostumado com esse tipo de coisa Quer dizer que o professor Ebisuno aceitou a informa o de que os pais de Fukaeri morreram sem contestar Possivelmente disse Komatsu Acho que ele precisava de um tempo para assimilar
46. depois que virou a chave e abriu a porta O apartamento estava silencioso e surpreendentemente limpo As lou as estavam guardadas no arm rio as mesas e as prateleiras estavam impecavelmente arrumadas e o lixo devidamente recolhido Havia ind cios de que o ch o fora aspirado cama estava arrumada e n o se via nenhum livro ou disco fora do lugar As roupas lavadas e secas estavam dobradas sobre a cama A bolsa grande de Fukaeri tamb m n o estava mais l Aparentemente ela n o deixara o local s pressas para resolver algum imprevisto Tampouco parecia ter dado uma sa da moment nea Ela resolvera ir embora e sem se afobar limpou e arrumou o apartamento com capricho antes de partir Tengo imaginou Fukaeri sozinha passando aspirador de p e limpando os m veis com um pano Uma cena t o inusitada que era dif cil de associar com a imagem que ele fazia dela Ao abrir a caixa de correio do hall encontrou a c pia da chave do apartamento A contar pelo volume da correspond ncia ela havia partido um ou dois dia antes Fazia dois dias que ele telefonara pela ltima vez Fora no per odo da manh e ela ainda estava no apartamento Na noite anterior ele jantou com as enfermeiras e depois aceitou o convite de passar a noite no apartamento de Kumi Adachi Acabara n o telefonando para Fukaeri Ele esperava que Fukaeri tivesse deixado alguma mensagem escrita com sua peculiar letra cuneiforme Mas Tengo n o encontrou nada Ela simp
47. estava totalmente recuperado e revigorado exibia folhas vividamente verdes Nem parecia o mesmo f cus Uma borboleta ex tica de algum pa s do Hemisf rio Sul estava pousada em sua folha carnuda A borboleta tinha as enormes asas dobradas e parecia dormir tranquilamente Aomame sentiu se feliz ao ver essa cena No sonho ela tinha a barriga bem grande O momento do parto parecia pr ximo Ela conseguia ouvir as batidas do cora o desse ser pequenino As batidas de seu cora o e as do ser pequenino se mesclavam num agrad vel ritmo composto A velha senhora estava sentada ao lado de Aomame e como de costume mantinha as costas eretas o l bio cerrado e respirava discreta e silenciosamente As duas preservavam o sil ncio para n o acordar as borboletas A velha senhora estava num estado de total concentra o a ponto de n o perceber a presen a de Aomame ao lado dela claro que Aomame sabia o quanto a velha senhora sempre se preocupou em proteg la Mas mesmo ciente disso a inseguran a n o queria deixar o seu cora o As m os da velha senhora apoiadas sobre o colo lhe pareceram muito pequenas e fr geis As m os de Aomame inconscientemente procuravam a pistola Mas n o conseguiam encontr la em lugar nenhum Aomame passou para o estado de sono profundo mas ao mesmo tempo mantinha se consciente de que aquilo era um sonho Aomame costumava ter esse tipo de sono Ela estava numa realidade cristalina e ao mesmo tempo sabi
48. fotografia velha e desbotada sem nenhuma explica o Por qu Para ajud lo ou para deix lo ainda mais confuso A nica coisa que Tengo sabia era que seu pai n o tivera inten o de explicar nada Enquanto estava vivo ele nunca tivera essa preocupa o e depois de morto continuava n o tendo Olha Aqui tem uma foto Vou te entregar somente isso Tire as suas pr prias conclus es era o que seu pai provavelmente lhe diria Tengo deitou se sobre o colch o sem len ol e ficou um bom tempo olhando o teto Era um teto de compensado pintado de branco A superf cie era lisa sem textura ou n de madeira e havia algumas jun es retil neas Era a mesma imagem que seu pai teria visto durante os ltimos meses de vida atrav s daqueles olhos encovados Ou talvez aqueles olhos n o tenham visto nada De qualquer modo seus olhos estavam direcionados quele teto Vendo ou n o Tengo fechou os olhos e o imaginou deitado ali com a vida se esvaindo lentamente Mas para um homem saud vel de trinta anos a morte era algo muito distante dif cil de imaginar Tengo respirava calmamente observando o movimento das sombras que a luz do entardecer desenhava nas paredes do quarto N o queria pensar em mais nada Para Tengo n o era t o dif cil Ele estava cansado demais de pensar Queria dormir um pouco mas justamente por estar cansado demais n o conseguia dormir Um pouco antes das seis a enfermeira mura veio at o quarto cham
49. indicado no poste Decorridos cinco minutos Aomame aproximou se da entrada do pr dio Passou rapidamente sob a luz amarela e abriu a porta de entrada N o havia ningu m no pequeno hall um espa o vazio e pouco convidativo Uma l mpada fluorescente prestes a queimar emitia um t nue zumbido Dava para ouvir o som de uma TV ligada Uma crian a pedia algo em voz alta para a m e Aomame tirou do bolso a chave do seu apartamento para que no caso de algu m aparecer ela fingir que era moradora do pr dio Com a chave balan ando na m o ela olhou os nomes das caixas de correio Uma delas deve ser a do cabe o do boneco da felicidade N o devia ter muitas expectativas mas n o custava averiguar O pr dio era pequeno e n o havia muitos moradores No instante em que viu uma placa com o nome Kawana todos os sons em seu entorno desapareceram Aomame ficou petrificada diante da caixa de correio O ar se tornou rarefeito dificultando a respira o Seus l bios se entreabriram levemente e come aram a tremer O tempo continuava a fluir Ela sabia que seu comportamento era tolo e perigoso O cabe o estava em algum lugar daquele pr dio A qualquer momento ele poderia aparecer no hall Mas ela estava impossibilitada de se afastar da caixa do correio pequena placa escrita Kawana entorpecera seu racioc nio e congelara seu corpo N o havia como saber se aquele morador chamado Kawana era Tengo Kawana O sobrenome n o era comum mas t
50. m ouvia m sica A velha senhora havia lhe mandado uma caixa cheia de fitas cassete de m sicas cl ssicas de variados tipos e g neros sinfonias de Mahler m sica de c mara de Haydn m sicas de solo para teclado de Bach Entre elas havia tamb m a Sinfonietta de Jan ek que ela havia solicitado Uma vez por dia ela ouvia a Sinfonietta enquanto praticava em sil ncio seus exerc cios f sicos O outono serenamente se instalava A impress o que tinha era de que seu corpo se tornava mais transparente com o decorrer dos dias Ela procurava na medida do poss vel n o pensar em nada mas era imposs vel Se existe um vazio algo ir preench lo Mas pelo menos naquele momento ela n o sentia a necessidade de nutrir algum tipo de dio N o havia mais a necessidade de sentir dio dos seus colegas de classe nem dos professores Ela n o era mais uma crian a indefesa e ningu m a obrigava a ter de seguir uma religi o N o precisava mais odiar os homens que batiam e machucavam as mulheres Aquele dio que at ent o invadia o seu corpo como uma mar alta aquele sentimento de intensa irrita o que fazia com que tivesse vontade de socar a parede desaparecera por completo sem que percebesse Ela n o sabia o por qu mas o fato que esse sentimento jamais voltou Para Aomame isso era gratificante Na medida do poss vel n o queria mais machucar ningu m Assim como n o queria que ningu m a machucasse Nas noites em que n
51. mais seguro Mas se voc insiste em ficar ainda que n o saibamos o motivo de nossa parte na medida do poss vel respeitaremos sua vontade Sou grata por isso N o Eu que devo agradecer Voc realizou um excelente trabalho Houve um breve sil ncio antes de a velha senhora prosseguir Soube que voc solicitou um teste de gravidez Faz tr s semanas que a minha menstrua o est atrasada O ciclo sempre foi regular Desde que come ou aos dez anos a cada vinte e nove dias sem falhar regular como as fases da lua Nunca falhou um m s sequer situa o em que voc se encontra n o comum Em casos assim o equil brio emocional e o ritmo do corpo podem sofrer altera es A possibilidade de o ciclo se interromper temporariamente e vir a falhar n o seria plaus vel Nunca me aconteceu antes mas poss vel Segundo Tamaru voc n o sabe como poderia ter engravidado A ltima rela o sexual que tive foi em meados de junho Depois disso nunca mais Mesmo assim voc acha que h uma chance de estar gr vida H alguma evid ncia para levantar essa hip tese Algo al m da menstrua o atrasada Eu apenas s nto Apenas sente algo que sinto dentro de mim Voc sente que est gr vida Aomame disse Uma vez a senhora comentou sobre os vulos Foi naquela tarde em que fomos visitar Tsubasa lembra se A senhora disse que a mulher
52. muito boa Desse jeito acho que vou ter de vir aqui periodicamente bater nela sen o n o vou ficar tranquilo At breve senhorita Takai Ap s dizer isso o sil ncio passou a reinar O cobrador parecia ter ido embora mas n o se ouviam passos Pode ser que ele esteja fingindo e ainda continue em p diante da porta Aomame segurou o bast o com mais for a E decidiu aguardar mais dois minutos Ainda estou aqui disse o cobrador Ha ha ha Achou que eu j tinha ido embora Pois ent o ainda n o fui Menti Desculpe me senhorita Takai mas que eu sou assim Ouviu se um pigarro para limpar a garganta Um desagrad vel som de tosse for ada Trabalho neste ramo h muito tempo e com os anos passamos a enxergar a pessoa que est do outro lado da porta N o pense que estou mentindo Muitas pessoas se escondem atr s da porta para n o ter de pagar a taxa de recep o da NHK Eu lido com esse tipo de gente h dezenas de anos Sabe de uma coisa senhorita Takai Pela terceira vez ele bateu na porta Desta vez bem mais forte que das outras vezes senhorita sabe se esconder muito bem como uma solha que se cobre de areia no fundo do mar Isso se chama mimetismo Mas n o adianta fazer isso pois n o conseguir fugir para sempre Com certeza algu m vai chegar aqui e abrir a porta verdade Posso lhe garantir isso como cobrador veterano da NHK Por mais que a senhorita consiga se esconder habilmente o
53. n o disse nada Apenas fitava Komatsu com aqueles olhos vermelhos A apar ncia do rapaz de rabo de cavalo n o havia mudado Como da vez anterior ele ficou em p com as costas eretas perto da porta e com o olhar inexpressivo observava atentamente um ponto no espa o vazio Ambos vestiam cal as pretas e camisas brancas Provavelmente era o uniforme deles Vamos continuar a nossa conversa disse o rapaz de cabelo rente Ela foi interrompida depois de falarmos que eles podiam fazer o que quisessem com voc enquanto estiver aqui n o Komatsu concordou E que poderiam pensar em uma sa da que certamente n o seria agrad vel Voc tem uma tima mem ria disse o rapaz de cabelo rente Isso mesmo N o descartamos a possibilidade de escolher uma sa da n o muito agrad vel Komatsu manteve se em sil ncio O rapaz de cabelo rente prosseguiu Mas isso uma solu o estritamente te rica Na pr tica eles n o querem optar por essa alternativa t o extremista Se voc sumir de repente a situa o ficar inevitavelmente mais complexa Foi o que aconteceu com o desaparecimento de Eriko Fukada N o haveria muitas pessoas tristes caso voc desaparecesse mas voc muito respeitado como editor e muito conhecido nos meios liter rios E certamente sua ex mulher n o vai ficar quieta se voc deixar de pagar a pens o aliment cia Esse tipo de desdobramento n o muito agrad vel para eles
54. nem a ningu m Se eu disser o que pretendo fazer no mesmo instante isso ser revelado ao mundo As luas estavam com os ouvidos atentos O Povo Pequenino tamb m O quarto tamb m Isso era algo que n o poderia dar um passo para al m do cora o Ela precisava proteger o seu cora o cercando o com um muro bem espesso Do outro lado da linha Tamaru batia a ponta da caneta na mesa Aomame podia escutar o som seco e ritmado toc toc toc Um som solit rio e sem eco Est bem Vou entrar em contato com Tengo Kawana Mas antes preciso ter o consentimento da madame Minha miss o era levar voc o quanto antes para um outro lugar Mas voc diz que n o vai sair da enquanto n o falar com Tengo Vai ser dif cil explicar isso a ela Voc entende n o Explicar algo il gico de modo l gico muito dif cil Isso mesmo t o dif cil como encontrar uma p rola verdadeira numa barraca de ostras de Roppongi Mas vou me esfor ar Obrigada disse Aomame s coisas que voc afirma n o fazem nenhum sentido para mim N o h conex o l gica de causa e efeito Mas durante a nossa conversa aos poucos comecei a sentir que a princ pio posso aceitar a sua argumenta o Por que ser Aomame permaneceu em sil ncio A madame confia em voc disse Tamaru Por isso se voc insiste que quer se encontrar com Tengo creio que ela n o ter argumentos para se opor Acho que voc e Tengo Kawana est
55. o Aomame queria encontrar Ayumi Talvez se subisse a escada de emerg ncia da Rodovia Metropolitana poderia retornar para o mundo de 1984 e rev la Naquele mundo Ayumi pode ainda estar viva e saud vel e os caras de Sakigake n o estar o me perseguindo Poder amos ir novamente quele pequeno restaurante de Nogizaka e tomar uma garrafa de Borgonha Talvez Subir a escada de emerg ncia da Rodovia Metropolitana Aomame voltou o pensamento como se rebobinasse uma fita cassete Por que n o pensei nisso antes Minha inten o era descer novamente a escada de emerg ncia mas n o consegui encontr la A escada que deveria estar em frente ao outdoor da Esso havia desaparecido Talvez se eu tivesse feito o contr rio poderia ter dado certo Em vez de descer deveria ter subido Deveria ter entrado naquela rea embaixo da rodovia que funcionava como dep sito de materiais e subir at a Rota 3 Devia ter feito o caminho inverso Era isso que eu devia ter feito Ao pensar nisso Aomame teve mpetos de sair imediatamente e ir at a Sangenjaya tentar essa possibilidade Podia dar certo Ou n o De qualquer forma valia a pena tentar Vestiria o mesmo conjunto de blazer e saia os sapatos de salto alto e subiria as escadas cheias de teias de aranha Mas ela tratou de conter esse mpeto N o N o posso fazer isso Foi por eu estar aqui no mundo de 1Q84 que pude reencontrar Tengo e provavelmente estou gr vida do filh
56. o algo que lhes d muito trabalho Por outro lado se eles acharem melhor encurtar o tempo de sua estadia certamente pensar o em outras sa das Algumas delas certamente n o s o agrad veis De qualquer modo eles possuem poder e meios para fazer o que acharem melhor Quanto a isso creio que voc j deve estar ciente Acho que sim respondeu Komatsu timo disse o rapaz de cabelo rente O rapaz de cabelo rente levantou um dedo sem dizer nada e no mesmo instante o de rabo de cavalo deixou o quarto Pouco depois voltou com um aparelho telef nico Conectou o cabo no ponto localizado no ch o e entregou o fone para Komatsu O rapaz de cabelo rente pediu para Komatsu ligar para a editora Diga que voc est muito gripado e que esteve de cama com febre Avise que por enquanto voc n o vai poder trabalhar Em seguida desligue o telefone Komatsu mandou chamar um colega transmitiu rapidamente o que precisava dizer e sem responder s perguntas desligou o telefone Ao sinal de aprova o do rapaz de cabelo rente o de rabo de cavalo desconectou o telefone e saiu levando consigo o aparelho O de cabelo rente observou o durante um tempo como se estivesse examinando o dorso de suas pr prias m os Em seguida voltou se para Komatsu e disse Por hoje s sua voz agora denotava um tom um pouco mais cordial Vamos continuar num outro dia Enquanto isso reflita sobre a nossa conversa de hoje
57. o conseguia dormir Aomame pensava em Tamaki tsuka e em Ayumi Nakano Ao fechar os olhos lembrava se vividamente do contato de seus corpos ao abra las Elas possu am uma tez macia sedosa e quente Corpos delicados pungentes por onde o sangue bombeado pelo cora o circulava numa cad ncia ritmicamente regular e sonoramente benevolente Suspiros breves e risadinhas entrecortadas Dedos delgados bicos dos seios duros coxas macias Mas elas n o est o mais neste mundo E como gua fluida e turva a tristeza preenchia o cora o de Aomame silenciosa sorrateira Nessas horas ela procurava mudar a posi o do disjuntor de suas lembran as e canalizava o pensamento em Tengo Recordava o breve toque da m o do Tengo de dez anos quando estavam naquela sala ap s as aulas Em seguida lembrava a imagem recente do Tengo de trinta anos sentado no topo do escorregador E imaginava aqueles bra os grandes e fortes a envolv la Ele estava quase ao alcance de minhas m os Da pr xima vez talvez eu consiga esticar os bra os e possa realmente alcan lo Aomame cerrava os olhos em meio escurid o e se entregava confiante a essa possibilidade Dava um voto ao seu desejo Mas e se eu nunca mais encontr lo O que devo fazer Seu cora o estremeceu Antes de existir um ponto real de conex o com Tengo a hist ria era bem mais simples At ent o encontrar se com o Tengo adulto n o passava de um sonho uma hip tese
58. o deixa de ser uma mulher atraente Dito isso Ushikawa olhou para o rapaz de rabo de cavalo que estava em p na porta Ele mantinha a mesma postura e olhar Um rosto essencialmente inexpressivo e categoricamente inalter vel Ser que ele tem um nome pensou Ushikawa N o seria de admirar caso n o tivesse Voc s s o os nicos que viram o rosto de Aomame comentou Ushikawa E ent o Ela possui alguma particularidade Onda balan ou a cabe a negativamente como o senhor acabou de dizer Ela jovem e possui um certo encanto mas n o chega a ser uma mulher estonteante que chama a aten o por sua beleza uma pessoa serena e calma Parecia ser muito segura e confiante em sua habilidade profissional Fora isso nada mais chamou especial aten o A impress o que se tem de sua apar ncia um tanto vaga e n o consigo lembrar nenhum detalhe de seu rosto Chega a ser estranho Ushikawa lan ou novamente o olhar em dire o ao rapaz na porta Quem sabe quisesse comentar algo Mas ele n o demonstrou nenhuma inten o de falar Ushikawa olhou para o rapaz de cabelo rente Voc s obviamente j devem ter verificado os registros telef nicos de Aomame dos ltimos meses n o Onda balan ou a cabe a negativamente Isso ainda n o fizemos Pois recomendo que fa am Sem falta disse Ushikawa esbo ando um sorriso As pessoas telefonam para diversos lugares e igualmente recebem l
59. o deixou nenhum vest gio Possivelmente a v tima n o teve sequer condi es de gritar Como aquilo aconteceu durante a madrugada se ele tivesse gritado de dor certamente o pr dio todo teria escutado Um amador n o conseguiria fazer esse tipo de servi o Mas por que Ushikawa fora morto por um profissional O rapaz de cabelo rente escolheu cuidadosamente as palavras Acho que sem querer Ushikawa andou vigiando algu m que n o deveria Creio que nem ele pr prio sabia disso a mesma pessoa que matou o L der N o h como provar mas acho que a possibilidade grande disse o rapaz de cabelo rente Acho que Ushikawa foi de certa forma torturado N o sei exatamente como mas com certeza deve ter sido duramente interrogado At que ponto ele disse o que sabe Ele deve ter dito tudo o que sabia disse o rapaz de cabelo rente N o h d vidas quanto a isso Mas as informa es que Ushikawa possu a eram limitadas Por isso mesmo que tenha dito tudo n o vai nos causar danos reais As informa es que o rapaz de cabelo rente possu a tamb m eram limitadas mas ele sabia muito mais do que Ushikawa uma pessoa de fora do grupo O superior indagou se o termo profissional significava que o homem que matara Ushikawa pertencia a algum grupo criminoso Aquela maneira de ele proceder n o a das yakuza nem do crime organizado respondeu o rapaz de cabelo rente balan ando a cabe a num gesto n
60. o importa o que diga jamais abra a porta est bem N o vou abrir a porta Ao dizer isso Fukaeri desligou o telefone abruptamente Mas talvez n o tenha sido abrupto Para ela desligar naquele ponto da conversa era algo mais que natural e l gico Aos ouvidos de Tengo por m soava abrupto Afinal de contas Tengo sabia muito bem que de nada adiantaria tentar imaginar o que Fukaeri estava pensando ou sentindo Como um modelo experimental Tengo desligou o telefone e voltou para o quarto do pai Seu pai ainda n o havia voltado para o quarto O len ol da cama marcava uma depress o com o formato de seu corpo E como era de se esperar n o encontrou nenhuma cris lida de ar No quarto que se tingia de um tom crepuscular t nue e frio havia somente um pequeno vest gio da pessoa que o ocupava havia pouco Tengo suspirou e se sentou na cadeira Com as m os no colo observou longamente a depress o no len ol Depois levantou se e foi at a janela observar a paisagem chuva havia parado Por sobre a fileira de pinheiros as nuvens de final de outono pairavam numa faixa homog nea H tempos n o contemplava t o belo entardecer Tengo n o entendia por que o cobrador da NHK dissera que o conhecia muito bem A ltima vez que um cobrador da NHK veio at a sua casa foi cerca de um ano atr s Naquela ocasi o ele atendeu o cobrador na porta e explicou lhe educadamente que n o possu a televis o Explicou que jamais assisti
61. o tempo estivera quente e agrad vel mas ao anoitecer a temperatura havia esfriado rapidamente acompanhada de ventos gelados Os sucessivos dias ensolarados e quentes do outono estavam cedendo definitivamente lugar para o inverno As extremidades dos galhos da zelkova balan avam como os dedos de um anci o a dar uma advert ncia emitindo um som seco Algumas janelas dos edif cios ao redor estavam com as luzes acesas mas o parque estava vazio O cora o de Tengo sob a jaqueta de couro batia num ritmo lento mas forte Ele esfregou v rias vezes as m os para se certificar de que conseguia senti las Est tudo bem estou preparado N o h nada a temer pensou Tengo e decidido subiu os degraus do escorregador Ao chegar ao topo sentou se como da outra vez O piso do escorregador estava gelado e levemente mido Com as m os nos bolsos da jaqueta encostou se no corrim o e olhou o c u Nuvens pairavam em profus o Havia uma mistura de tamanhos algumas grandes e outras pequenas Tengo estreitou os olhos e procurou as luas Naquele momento estavam escondidas por tr s das nuvens nem densas nem pesadas mas leves e brancas Mas eram espessas o suficiente para esconder as luas Movimentavam se de norte a sul com lentid o Os ventos no alto n o pareciam fortes Ou talvez as nuvens estivessem bem mais altas do que pareciam De qualquer modo n o estavam com pressa Tengo olhou o rel gio de pulso Os ponteiros indicavam sete hor
62. que havia algum motivo para ele n o sentir desejo por ela Naquela noite de trovoadas Fukaeri tivera uma rela o sexual com Tengo N o que ele quisesse mas ela sim O termo exato para descrever o ato que praticaram era rela o sexual Ela ficou em cima do corpo adormecido e imobilizado de Tengo e colocou o p nis enrijecido dentro dela Fukaeri parecia estar fora de si como uma fada possu da por um sonho obsceno Depois disso continuaram a viver naquele pequeno apartamento como se nada tivesse acontecido A chuva torrencial parou e quando amanheceu Fukaeri parecia ter esquecido o que havia ocorrido na noite anterior Tengo tamb m n o fez quest o de tocar no assunto Ele achou que caso ela houvesse esquecido era melhor assim Tengo tamb m achou que deveria esquecer aquilo Mas uma d vida pairava em seu ntimo Por que Fukaeri fez aquilo Teria havido algum motivo Ou foi um tipo de possess o diab lica tempor ria A nica certeza de Tengo era que aquilo n o fora um ato de amor Fukaeri nutria um carinho espont neo por Tengo n o havia d vidas Mas sentir amor ou desejo sexual era improv vel Ela n o sentia desejo sexual por ningu m Tengo n o podia afirmar categoricamente apenas com base em sua capacidade de observa o mas mesmo assim ele n o conseguia nem imagin la ofegante transando de forma ardente com um homem N o N o conseguia nem mesmo imagin la praticando um simples ato sexual Era algo que
63. rio ter algumas pe as desse tipo no arm rio Tudo muito bem pensado Aomame levou as roupas para o quarto guardou as nas gavetas e nos cabides do closet Voltou para a cozinha e enquanto tomava uma x cara de caf o telefone tocou Chamou tr s vezes desligou e novamente come ou a tocar As mercadorias chegaram perguntou Tamaru Obrigada Veio tudo o que eu precisava Os aparelhos de gin stica tamb m s o mais que suficientes De resto s falta ler o Proust Se esquecemos algo nos diga sem cerim nia Pode deixar respondeu Aomame Se bem que dif cil voc s esquecerem de algo Tamaru deu uma leve tossida Sei que n o da minha conta mas ser que posso fazer uma advert ncia Pode sim Na pr tica n o se encontrar com ningu m n o falar com ningu m e ainda por cima ter de ficar sozinha num local apertado durante muito tempo n o nada f cil Por mais que a pessoa seja resistente uma hora ela deixa escapar algum som Principalmente se estiver sendo perseguida Mas at hoje eu nunca vivi num local muito grande Isso pode ser uma vantagem disse Tamaru Mas mesmo assim melhor tomar o m ximo de cuidado Quando uma pessoa vive em constante tens o durante muito tempo os nervos ficam abalados e sem que a pessoa perceba eles se esticam como um el stico e uma vez esticados dif cil faz los voltar ao normal Vou tomar cuidado disse Aomame
64. senhor Kawana murmurou Ushikawa apertando tr s vezes o bot o do motor de acionamento da c mera O seu pai est bem Voc deve estar cansado Por favor descanse tranquilamente N o h nada melhor do que voltar para casa Ainda que seja um apartamento t o miser vel como este Ah Ia me esquecendo de contar que Eriko Fukada pegou suas coisas e partiu enquanto voc esteve ausente claro que a voz de Ushikawa n o chegou aos ouvidos de Tengo Suas palavras n o passavam de um sussurro Ushikawa olhou o rel gio e anotou o hor rio num caderno ao alcance das m os Tengo Kawana voltou da viagem s tr s e cinquenta e seis da tarde Ao mesmo tempo em que Tengo Kawana apareceu na entrada do pr dio uma porta se escancarou trazendo de volta o senso de realidade consci ncia de Ushikawa Era como se o ar preenchesse o v cuo e em quest o de segundos sua sensibilidade tornou se agu ada e uma energia vital repleta de frescor perpassou todo o seu corpo Ele passou a fazer parte de um mundo concreto como uma pe a eficiente Um agrad vel som de encaixe ecoou em seus ouvidos Sua circula o sangu nea acelerou e uma quantidade de adrenalina espalhou se por todo o corpo Agora est bom assim que deve ser Esse quem eu sou de verdade esse o mundo como deve ser pensou Ushikawa Tengo reapareceu na entrada do pr dio pouco depois das sete Ao anoitecer os ventos come avam a soprar e o entorno rapidamente es
65. vel disse Tengo num tom de voz alegre e jovial No bom sentido A enfermeira esbo ou um sorriso meio lastimoso e inclinou levemente a cabe a Ao ver o livro fechado sobre o colo de Tengo indagou Est lendo esse livro para ele Tengo assentiu Mas dif cil saber se ele est escutando Mesmo assim acho que isso bom disse a enfermeira Bem ou mal n o me ocorre mais nada que possa fazer por ele Nem todos conseguem fazer o que desejam A maior parte das pessoas ao contr rio de mim possui uma vida cheia de afazeres disse Tengo A enfermeira pensou em dizer algo mas hesitou No final decidiu por n o falar nada Ela olhou para o seu pai que dormia e em seguida para Tengo Espero que ele melhore ela disse Obrigado disse Tengo Assim que a enfermeira Adachi deixou o quarto Tengo fez um longo intervalo antes de recome ar a leitura No final da tarde quando levaram o pai sala de exames na maca Tengo foi para o refeit rio tomar um ch e ligar para Fukaeri do telefone p blico que havia no local Alguma novidade Tengo perguntou para Fukaeri Nenhuma em especial ela respondeu o mesmo de sempre Tamb m n o tenho nenhuma Todos os dias fa o a mesma coisa Mas o tempo n o para Isso mesmo disse Tengo O tempo avan a um dia todos os dias E o que avan ou n o se pode retroceder pensou O corvo novame
66. vel obt lo Havia alguns fatos incompreens veis As linhas daquela hist ria tamb m estavam emaranhadas Era dif cil identificar os fios que se entrela avam e quais as rela es de causa e efeito existentes entre eles Pensando bem desde que Fukaeri aparecera ele tinha a impress o de estar sempre vivendo num lugar em que o normal era ter muitas perguntas e poucas respostas Mas essa situa o ca tica parecia estar aos poucos chegando ao fim essa era a impress o ainda que vaga que Tengo sentia Seja como for s sete da noite algumas dessas d vidas poder o ser sanadas pensou Tengo Vamos nos encontrar no topo do escorregador N o como duas crian as desamparadas de dez anos mas como dois adultos um homem e uma mulher livres e independentes Como um professor de matem tica de uma escola preparat ria e uma instrutora de um clube esportivo O que ser que vamos conversar N o sei Seja o que for vamos ter de conversar Precisamos preencher as lacunas e compartilhar o que sabemos Tomando emprestado o modo estranho de aquele homem se expressar n s vamos ter de nos mudar para algum lugar Por isso preciso juntar tudo o que for importante para mim e que n o posso deixar para tr s E colocar numa bolsa que eu possa carregar deixando as m os livres Abandonar este lugar n o me deixa particularmente triste Morei neste apartamento durante sete anos e tr s vezes por semana dei aulas na escola preparat ria mas n
67. Aomame que subia aquela escada inst vel sentindo se insegura hesitante e com bra os e pernas quase congelados Est tudo bem O que estou fazendo percorrendo o caminho inverso ao que fiz da outra vez e por isso agora estou subindo as escadas O f cus est cumprindo a fun o de me transmitir um sinal De modo extremamente discreto Quando eu desci as escadas daquela vez vi algumas pobres teias de aranha Depois comecei a pensar em Tamaki tsuka Lembrei me do dia em que viajei com essa minha melhor amiga do colegial durante o ver o e que de noite na cama ficamos nuas tocando o corpo uma da outra Por que ser que de repente me veio essa lembran a justamente no momento em que eu estava descendo as escadas de emerg ncia da rodovia metropolitana Aomame pensou novamente em Tamaki enquanto subia as escadas Lembrou se da pele sedosa e do belo formato de seus seios Sempre sentiu inveja daqueles seios fartos Eles eram totalmente diferentes dos meus pobres seios mirrados e mal desenvolvidos Mas aqueles seios deixaram de existir Em seguida Aomame pensou em Ayumi Nakano A policial solit ria que numa noite de agosto foi encontrada com as m os algemadas e estrangulada com o cinto de um roup o de banho num quarto de hotel em Shibuya Uma jovem mulher com in meros problemas sentimentais que caminhava em dire o ao abismo Seus seios tamb m eram fartos Aomame lamentava profundamente a morte das duas amigas
68. Aomame sair do quarto e n o permitir que ningu m entre Eles est o aguardando esse ser pequenino nascer Assim que nascer ir o tir lo dela Aomame tenta gritar Pede desesperadamente por socorro Mas esse quarto fora constru do com um material especial As paredes o ch o e o teto absorvem instantaneamente todos os sons Nem a pr pria voz ela consegue ouvir Ela pede para que a senhora da Mercedes venha salv la Salvar ela e esse ser pequenino Mas sua voz tragada pelas paredes brancas do quarto Esse ser pequenino absorve os nutrientes de seu cord o umbilical e est crescendo Est querendo sair dessa escurid o morna e chuta a parede do tero Ele deseja a luz e a liberdade O rapaz alto de rabo de cavalo est sentado ao lado da porta Com as m os sobre o colo observa atentamente um ponto no espa o Talvez uma nuvem pequena e densa possa estar flutuando naquele espa o Ao lado da cama est o rapaz de cabelo rente Os dois vestem o mesmo conjunto de palet e cal a pretos De vez em quando o rapaz de cabelo rente olha o rel gio de pulso como se aguardasse um trem importante na esta o Aomame percebe que n o consegue mexer os bra os e as pernas N o pareciam estar amarrados mas mesmo assim n o consegue mov los N o sente a ponta dos dedos Pressente as dores do parto Era como se o fat dico trem estivesse se aproximando no hor rio previsto Ela conseguia escutar o sutil tremor dos trilhos Nesse ponto el
69. Depois de uma tosse seca Komatsu engoliu a saliva Saiba que a inten o deles n o critic lo ou puni lo Eles sabem que a publica o da Cris lida de ar n o foi planejada para atacar um grupo religioso espec fico No come o voc s sequer sabiam que existia uma rela o entre a Cris lida de ar e o grupo religioso Desde o in cio voc planejou essa fraude meio que por brincadeira meio que por ambi o Com o tempo o plano passou a envolver uma consider vel soma de dinheiro Para um simples assalariado e divorciado n o deve ser f cil pagar a pens o das crian as Ainda por cima voc envolveu nesse plano um professor de uma escola preparat ria e aspirante a escritor que desconhecia totalmente o quadro geral O plano em si era simples e divertido mas a escolha da obra e da parceria que foi infeliz Por isso seu plano inicial tomou uma propor o muito maior do que voc imaginava Voc s s o como os civis que por engano ficam na linha de frente e acabam entrando num campo minado N o conseguem seguir adiante nem retroceder N o isso senhor Komatsu Ser que isso mesmo respondeu Komatsu de modo amb guo Pelo visto voc ainda n o sabe de muitas coisas disse o rapaz de cabelo rente estreitando sutilmente os olhos que fitavam Komatsu Se soubesse n o falaria desse modo leviano como se isso n o lhe dissesse respeito Vamos deixar a situa o bem clara Saiba que voc est real
70. E essa silhueta enegrecida est entorpecendo as partes macias do meu c rebro como uma esp cie de abelha que pica e paralisa uma lagarta para nela depositar seus ovos As larvas da abelha fazem da lagarta imobilizada a sua fonte de alimento devorando a viva Ushikawa franziu as sobrancelhas e expulsou essa imagem agourenta da mente Tudo bem ele pensou N o preciso ficar a noite inteira esperando Tengo voltar Tanto faz que horas ele retorne problema dele Mesmo porque ele deve dormir logo Ele n o tem nenhum outro lugar para voltar al m deste apartamento Provavelmente Ushikawa tirou a cal a e a blusa sem muito nimo e entrou no saco de dormir apenas de camisa de manga comprida e ceroulas Encolheu o corpo e logo adormeceu Um sono profundo muito pr ximo ao estado de coma Quando pegava no sono ele achou ter ouvido batidas na porta do apartamento mas o mago de sua consci ncia estava sendo transportado para outro mundo N o conseguia mais discernir corretamente as coisas Quando tentava for osamente discerni las todo o seu corpo rangia Por isso ele continuou com os olhos fechados e desistindo de buscar uma explica o para o barulho que acabara de ouvir deixou se afundar no lodo do sono profundo Tengo despediu se de Komatsu e voltou para o apartamento meia hora depois de Ushikawa cair nesse sono profundo Ele escovou os dentes pendurou no cabide a jaqueta impregnada com o cheiro de cigarro colocou o pija
71. Em seguida como se lembrasse de alguma coisa virou o pesco o e olhou em dire o janela onde Ushikawa se escondia Ela tirou os culos e guardou os no bolso do casaco Em seguida franziu as sobrancelhas e olhou diretamente para a lente telesc pica camuflada no canto da janela Ela sabe Ushikawa pensou novamente Ela sabe que estou aqui e que vigiada Ap s se concentrar na lente seu olhar subiu para o visor e passou a observar Ushikawa como o refluxo da gua passando por uma tubula o curva Ushikawa sentiu arrepios nas m os e nas pernas Fukaeri piscava de vez em quando As p lpebras abriam e fechavam calma e discretamente como um ser vivo silencioso e aut nomo Mas as outras partes do corpo n o apresentavam nenhum movimento Ela permaneceu em p em sil ncio fitando atentamente Ushikawa mantendo o pesco o inclinado como um p ssaro divino de corpo comprido Ushikawa n o conseguia desviar o olhar dessa garota Era como se o mundo momentaneamente parasse N o havia nenhum vento e o ar deixou de vibrar e emitir sons Um tempo depois Fukaeri parou de olhar para Ushikawa levantou o rosto e olhou novamente para a mesma rea do c u que acabara de ver Desta vez por apenas alguns segundos A express o dela n o se alterou Em seguida tirou do bolso os culos de sol colocou os e seguiu caminhando pela rua Seus passos eram leves e firmes sem hesita o Ser que devo segui la imediatamente Tengo ain
72. Eu apenas ajudava a puxar essa energia de modo programado e ficava ao lado para auxili la Mesmo sem mim a senhora consegue seguir em frente com sua pr pria energia Para falar a verdade era exatamente isso que eu pensava disse a velha senhora soltando um riso discreto Um riso sem alegria Eu me achava uma pessoa especial e me orgulhava disso Mas o tempo rouba aos poucos a vida de todos As pessoas n o morrem porque chegou a hora Elas morrem gradativamente a partir de dentro e por fim chega o dia do acerto de contas Ningu m consegue escapar disso Todos precisam pagar o pre o das coisas recebidas Somente agora que estou aprendendo essa verdade Todos precisam pagar o pre o das coisas recebidas Aomame franziu as sobrancelhas Eram as mesmas palavras ditas pelo cobrador da NHK Foi naquela noite de intensa chuva de setembro quando os trov es ressoavam sem parar que cheguei a essa conclus o disse a velha senhora Eu estava sozinha na sala pensando em voc enquanto observava os rel mpagos Aqueles clar es iluminaram vivamente essa verdade diante dos meus olhos Naquela noite perdi voc e ao mesmo tempo perdi muitas coisas que havia dentro de mim Ou melhor perdi v rias coisas Coisas que eram o centro de minha exist ncia que serviam de suporte para essa exist ncia Aomame indagou sem hesitar Por acaso a raiva estava nessa perda Houve um momento de sil ncio como o da mar retroced
73. Isso n o vai acontecer e ela sabia Eles n o podem abrir a porta Ela tem um mecanismo que s permite abri la pelo lado de dentro imposs vel abri la pelo lado de fora por isso que ele est com raiva e falando pelos cotovelos Ele usa as palavras para tentar me desequilibrar emocionalmente e me deixar vulner vel Passados dez minutos o homem se foi Depois de berrar in meras amea as de zombar dela de usar sua ast cia para tentar fazer uma concilia o e pouco depois voltar a xingar e por fim avisar que voltaria em breve Senhorita Takai saiba que n o conseguir fugir para sempre Enquanto a senhorita estiver recebendo os sinais de transmiss o eu sempre voltarei aqui isso mesmo n o sou um homem que desiste f cil Esse o meu jeito de ser Em breve nos veremos de novo N o poss vel ouvir os passos desse homem Mas ele n o est mais diante da porta Aomame se certifica observando pelo olho m gico Ela aciona a trava de seguran a da pistola e vai at o banheiro lavar o rosto Suas axilas est o ensopadas de suor Ao trocar a camiseta por uma limpa parou diante do espelho para observar seu corpo nu A barriga ainda n o estava grande o suficiente para chamar a aten o Mas l no fundo ocultava se um segredo importante Aomame conversou com a velha senhora ao telefone Ap s Tamaru falar sobre alguns assuntos ele passou o telefone para a velha senhora sem avisar As conversas costumavam t
74. Tengo por algum tempo pensou Ushikawa N o h alternativa Eis um exemplo perfeito de como realizar um m todo de elimina o T o perfeito que d vontade de imprimi lo em forma de panfleto e distribuir s pessoas E a tudo bem Venham conhecer um belo exemplo de m todo de elimina o Tengo sempre foi um jovem ador vel Matem tico e escritor Campe o de jud e o queridinho das professoras do prim rio O jeito us lo para conseguir desembara ar os fios dessa situa o complexa Uma situa o extremamente confusa Quanto mais se pensa no assunto mais dif cil se torna resolv lo Meu c rebro parece um tofu com a validade vencida E Tengo Ser que ele j consegue ver a situa o como um todo Creio que n o Ushikawa achava que Tengo devia estar lidando com a situa o na base da tentativa e erro apenas indo de um lado para outro Ele tamb m deve estar confuso formulando in meras hip teses Afinal um matem tico nato Um perito em juntar pe as e montar quebra cabe as Como Tengo est diretamente envolvido nisso deve ter muito mais pe as do que eu Vou vigiar seus movimentos por um tempo Ele certamente me conduzir para algum lugar Se tudo der certo vai me levar at o esconderijo de Aomame Ushikawa se gabava de ser como uma r mora que uma vez grudada na rocha jamais se solta Uma vez decidido a ficar ningu m era capaz de arranc lo de l Ao decidir vigiar Tengo Ushikawa
75. Tudo bem disse Aomame Na verdade contra a lei pegar passageiros na via expressa Que lei essa indagou Aomame O rosto dela refletido no retrovisor tinha as sobrancelhas ligeiramente franzidas Questionado assim de repente o motorista n o conseguiu se lembrar do nome da lei que proibia o taxista de pegar passageiros na via expressa E o rosto de Aomame o deixava um pouco intimidado Mas tudo bem disse o motorista encerrando o assunto Para onde devo ir Voc pode nos deixar perto da esta o Shibuya disse Aomame N o vou ligar o tax metro disse o motorista Vou cobrar o valor somente a partir da sa da da via expressa Por que um t xi vazio est circulando numa via expressa congestionada Tengo perguntou ao motorista uma hist ria meio complicada disse o motorista com a voz cansada Voc s querem mesmo saber Eu quero disse Aomame N o importava o quanto a hist ria podia ser longa e enfadonha Ela queria ouvir as hist rias que as pessoas tinham para contar nesse novo mundo Quem sabe haveria um novo segredo uma nova pista Peguei um passageiro de meia idade perto do parque Kinuta e ele me pediu para tomar a via expressa at as proximidades da Universidade Aoyama Gakuin que indo por baixo certamente pegar amos um congestionamento na altura de Shibuya At aquele momento n o havia informa o de que a via expressa estava conges
76. Um grupo muito interessante n o disse Tengo Komatsu por m n o percebeu o tom de ironia no coment rio Estava concentrado no assunto que precisava discutir Cada um dos componentes do grupo participou deste plano com suas pr prias expectativas e nem todos possu am a mesma motiva o ou seguiam na mesma dire o para alcan ar um objetivo comum Em outras palavras cada um remou o barco mantendo o seu pr prio ritmo e seguindo seu pr prio ngulo E desde o come o esse grupo n o era propenso a um trabalho em equipe isso mesmo E o barco foi arrastado pela forte correnteza rumo cachoeira O barco foi arrastado pela forte correnteza rumo cachoeira admitiu Komatsu N o estou tentando me retratar mas o plano inicial era muito simples Voc reescreveria a Cris lida de ar da Fukaeri e a obra ganharia o pr mio de escritor revela o da revista liter ria Publicar amos o livro e vender amos muito Enganar amos a sociedade e de quebra ganhar amos uma quantia razo vel de dinheiro Meio travessura meio lucro Esse era o plano Mas a partir do momento em que o professor Ebisuno se envolveu a coisa come ou a ficar complexa Por baixo da superf cie as coisas se complicaram e a correnteza passou a fluir cada vez mais rapidamente O texto que voc reescreveu superou as minhas expectativas e com isso o livro foi bem recebido pela cr tica e obteve uma venda excepcional Como result
77. Um tempo depois a voz foi se distanciando perdendo a sua raz o de ser at ser tragada pelo sil ncio O vazio que a circundava desapareceu e como se algu m tirasse a rolha de uma garrafa os ru dos do entorno voltaram abruptamente de uma s vez Ao voltar a si o desejo de se matar havia se esva do Acho que posso me reencontrar com Tengo naquele parquinho pensou Aomame A morte pode ficar para depois Quero novamente apostar que posso rev lo Viver ou deixar de morrer ter a oportunidade de me reencontrar com Tengo Quero viver pensou Aomame com convic o Era um sentimento estranho Ser que algum dia eu realmente desejei isso Ela desarmou o gatilho acionou o dispositivo de seguran a e guardou a pistola na bolsa Endireitou a postura colocou os culos escuros e caminhando na contram o voltou para o t xi Silentes as pessoas a observavam andar a passos largos com seus sapatos de salto alto N o foi preciso caminhar muito O t xi que a trouxe preso no engarrafamento avan ara somente alguns metros e continuava bem pr ximo ao local em que ela estava Ao dar uma leve batidinha na janela o taxista abaixou o vidro O senhor me deixa voltar para o t xi O motorista hesitou Aquilo que a senhorita colocou na boca por acaso era uma pistola Era De verdade claro que n o respondeu Aomame contraindo os l bios O motorista abriu a porta e ela se sentou no ba
78. a isso n o vai te levar a lugar nenhum O melhor seguir em frente O buraco precisa ser fechado disse Tengo Isso mesmo disse Kumi Adachi A dona coruja tamb m est dizendo isso Voc se lembra da dona coruja claro que sim A coruja a protetora da floresta e ela sabe tudo por isso ela nos oferece a sabedoria da noite Ser que a coruja continua a cantar naquele bosque coruja n o ir para nenhum lugar disse a enfermeira Ela estar l para todo o sempre Kumi Adachi aguardou Tengo entrar no trem que partia para Tateyama como se precisasse ter certeza de que ele estava deixando aquela cidade Depois acenou para ele da plataforma at n o v lo mais Tengo voltou a K enji na ter a feira s sete da noite Acendeu a luz e sentado na mesa da cozinha olhou o apartamento Ele estava do jeito que o deixara na manh do dia anterior As cortinas estavam totalmente fechadas e sobre a mesa havia um punhado de folhas impressas Seis l pis bem apontados estavam dentro do porta l pis As lou as lavadas estavam no escorredor da pia da cozinha O rel gio marcava silenciosamente as horas e o calend rio pendurado na parede indicava que faltava um m s para o fim do ano O apartamento parecia muito mais quieto que de costume Uma quietude exagerada Mas isso poderia ser apenas uma impress o Afinal ele acabara de acompanhar o desaparecimento de uma pessoa O buraco ainda n o d
79. a tela de pl stico que cobria o anteparo da varanda soltando um som seco agressivo Ventos gelados sopravam por entre os galhos nus transmitindo advert ncias Os corvos come aram a grasnar de modo muito mais acentuado e agudo O inverno havia chegado Sua cren a de que seu tero abrigava o filho de Tengo foi se tornando cada vez mais forte com o transcorrer dos dias at que se tornou algo dado como certo Ainda n o havia argumentos coerentes para convencer outras pessoas mas para ela aquilo estava claro Era bvio Se fiquei gr vida sem ter mantido rela o sexual de quem a crian a poderia ser sen o de Tengo Desde o m s de novembro seu peso aumentara Apesar de ela n o sair do apartamento diariamente praticava exerc cios regulares de modo comedido e passou a fazer uma rigorosa dieta Desde os vinte anos seu peso nunca passou dos 52 quilos mas num certo dia a agulha da balan a marcou 54 e desde ent o o peso nunca mais diminuiu Seu rosto parecia um pouco mais arredondado Certamente esse ser pequenino est pedindo que sua m e o deixe crescer Ela e esse ser pequenino continuavam a observar o parquinho noite Esperam ver a silhueta de um jovem grande sentado sozinho no topo do escorregador Aomame observava as duas luas pairando uma ao lado da outra no c u de in cio de inverno enquanto acariciava suavemente seu ventre sobre o cobertor De vez em quando l grimas escorriam sem nenhum motivo Notou as quando a
80. a carreira o emprego e optasse por viver longe da sociedade Do ponto de vista de Ushikawa a morte de uma mulher de 36 anos por motivo de doen a n o era muito comum Obviamente havia exce es Afinal independentemente da idade e por mais que a pessoa viva em condi es satisfat rias ela pode repentinamente vir a ficar doente e morrer de c ncer tumor cerebral peritonite ou pneumonia aguda O corpo fr gil e vulner vel Mas se n o h uma causa natural o mais prov vel que uma mulher rica de 36 anos venha a falecer somente por motivo de acidente ou suic dio Vamos levantar uma hip tese pensou Ushikawa Vamos seguir o famoso princ pio da Navalha de Occam e levantar a hip tese mais simples Devem se eliminar todas as premissas desnecess rias e assumir uma nica linha de racioc nio Vamos seguir a premissa de que a filha da velha senhora n o tenha morrido por doen a mas que tenha se suicidado Ushikawa esfregou as palmas das m os enquanto cogitava essa hip tese Mentir publicamente que a filha morrera de doen a de modo a ocultar o suic dio n o seria algo t o dif cil Ainda mais sendo uma pessoa influente e rica Seguindo esse racioc nio podemos supor que a filha tenha sido v tima de viol ncia dom stica e sem motiva o para viver decidiu acabar com a pr pria vida Isso n o deixa de ser uma possibilidade plaus vel certo que muitas pessoas da chamada elite possuem um car ter repu
81. a indagar se ela realmente se referia ao seu pai O que voc gostava nele perguntou Tengo Ele era uma pessoa honesta e de poucas palavras disse ela Nesse ponto ele se parecia muito com o meu falecido pai mesmo disse Tengo O meu pai era pescador Morreu antes de completar cinquenta anos Ele morreu no mar N o Morreu de c ncer nos pulm es Fumava demais N o sei por qu mas todos os pescadores s o fumantes inveterados Seu corpo todo parecia soltar fuma a Tengo pensou a respeito Talvez tivesse sido melhor se meu pai fosse pescador Por que voc acha isso N o sei disse Tengo De repente tive essa impress o Em vez de ser cobrador da NHK talvez fosse melhor ele ter sido pescador Para voc teria sido mais f cil aceit lo como pescador Sendo pescador acho que muitas coisas teriam sido mais simples Tengo imaginou a cena em que ele menino sa a com o pai para pescar numa manh de folga no domingo Os ventos mar timos intensos do Pac fico e o borrifo das ondas espirrando em seu rosto O barulho mon tono do motor a diesel O odor nauseante das redes de pesca Um trabalho severo e perigoso Um pequeno erro que poderia ser fatal Mas comparado ao fato de ter sido levado de um lado para outro para fazer as cobran as da taxa de recep o da NHK na cidade de Ichikawa essa vida de pescador lhe pareceu muito mais natural e satisfat ria
82. a luz acesa Tengo observava atentamente o pr dio Ushikawa tamb m olhou o pr dio mas nada lhe chamou a aten o Era um pr dio como outro qualquer N o exatamente de luxo mas possu a um certo n vel de qualidade Seu desenho era elegante e n o havia d vidas de que haviam investido alto nos acabamentos externos A entrada era bonita e bem iluminada Muito diferente do edif cio barato prestes a ser demolido onde Tengo morava Ser que Tengo olhava o pr dio com o desejo de um dia morar num lugar como aquele N o N o mesmo At onde Ushikawa o conhecia Tengo n o era um tipo que se importava com moradia assim como n o se importava com as roupas que vestia Nesse sentido ele n o estaria insatisfeito em morar naquele apartamento barato Para ele desde que o local tivesse um telhado e o abrigasse do frio estava bom Era um homem desse tipo O que ele deve estar pensando sentado no topo do escorregador alguma outra coisa completamente diferente Depois de observar todas as janelas do pr dio Tengo olhou de novo para o c u Ushikawa fez o mesmo Do local em que se escondia os galhos da zelkova os cabos el tricos e o edif cio atrapalhavam sua vis o e portanto ele s podia enxergar uma parte do c u Assim ele n o via qual ponto Tengo observava Incont veis nuvens passavam seguidamente como um arrogante ex rcito em marcha Finalmente Tengo resolveu se levantar e como um aviador que acabou de aterrissar ap s um voo
83. anoitecer ela n o apareceu Os mesmos rostos como sempre sa am para fazer as compras no final da tarde para caminhar e aqueles que foram para o trabalho retornavam com os rostos ainda mais cansados do que quando sa ram Ushikawa apenas os observava N o via necessidade de tirar mais fotos Agora o interesse dele se concentrava em tr s pessoas Os demais eram apenas seres an nimos que ele aleatoriamente apelidou para passar o tempo Senhor Mao o corte de cabelo desse homem era parecido com o de Mao T s tung o senhor fez um bom trabalho Senhor orelha comprida hoje o dia est quente e timo para caminhada n o Senhora sem queixo vai sair novamente para as compras O que vamos ter para o jantar Ushikawa vigiou a entrada do pr dio at as onze Depois deu um grande bocejo e decidiu parar o servi o do dia Bebeu uma x cara de ch verde da garrafa t rmica comeu algumas bolachas de gua e sal e fumou um cigarro Foi para o banheiro escovar os dentes e aproveitou para tirar a l ngua para fora e examin la diante do espelho Fazia tempo que ele n o a observava Sobre a superf cie havia uma camada que parecia de musgos Como os musgos a cor era levemente esverdeada Ele olhou a l ngua detidamente sob a luz Era uma coisa desagrad vel de ver Essa coisa esverdeada estava presa por toda ela e parecia imposs vel de remover Se continuar assim vou me transformar no homem musgo pensou Ushikawa Esse mus
84. aranha venenosa que suga o sangue e tece sua teia no escuro Ao chegar ao apartamento Aomame estava decidida Ela s via uma sa da Desta vez Aomame discou todos os n meros do telefone de Tamaru Deixou tocar doze vezes e desligou Depois tirou o casaco guardou a pistola na gaveta da c moda e bebeu dois copos d gua Em seguida esquentou gua na chaleira para preparar um ch preto Deu uma espiada no parque por entre as cortinas para verificar se estava vazio Penteou os cabelos em p em frente ao espelho do banheiro Os dedos continuavam tensos tolhendo um pouco seus movimentos O telefone tocou bem na hora em que ela colocava gua quente na x cara S podia ser Tamaru Acabei de ver o cabe o do boneco da felicidade disse Aomame Houve um sil ncio Quando voc diz que acabou de ver significa que neste momento ele j n o est mais a Isso mesmo disse Aomame H pouco ele estava no parque em frente ao edif cio Mas agora n o est mais H pouco significa quanto tempo Uns quarenta minutos Por que voc n o me telefonou quarenta minutos atr s que eu precisava segui lo naquele mesmo momento e por isso n o tive tempo Tamaru expirou como se espremesse os pulm es Voc o seguiu N o queria perd lo de vista Se n o me engano eu disse para voc n o sair da em hip tese alguma Aomame escolheu cuidadosamente as palavras Eu n o podi
85. as sobrancelhas Voc descreveu minuciosamente o Povo Pequenino na Cris lida de ar Descreveu como eles eram e o que faziam Tengo assentiu Eles realmente existem neste mundo Exatamente com voc os descreveu Quando ele reescreveu a Cris lida de ar o Povo Pequenino n o passava de seres fant sticos inventados por uma garota de dezessete anos com uma imagina o f rtil Ou quando muito representavam um s mbolo ou uma met fora Mas neste mundo o Povo Pequenino realmente existe e eles de fato s o poderosos Agora Tengo conseguia acreditar nisso N o somente o Povo Pequenino que existe neste mundo Existe tamb m a cris lida de ar maza e dohta e as duas luas disse Aomame Voc conhece a passagem para sairmos deste mundo Vamos sair pela mesma passagem que me conduziu at aqui N o consigo pensar em outra sa da e Aomame acrescentou Voc trouxe o romance que est escrevendo Trouxe disse Tengo dando leves batidas na bolsa castanho avermelhada que carregava no ombro E estranhou Como que ela sabia disso Aomame abriu um sorriso hesitante Seja como for eu sei Parece que voc sabe de muitas coisas disse Tengo Era a primeira vez que ele a via sorrindo Era um sorriso singelo mas capaz de alterar o n vel das mar s do mundo ao seu redor Tengo sabia que isso estava acontecendo Jamais o deixe disse Aomame Trata se de algo importante para n s
86. bios mexiam se sutilmente tentando encontrar no ar alguma palavra adequada mas em v o De seus l bios vinha apenas um suspiro esbranqui ado como uma ilha solit ria a vagar Aomame fitou os olhos de Tengo e balan ou uma nica vez a cabe a discretamente Tengo entendeu esse seu gesto N o precisava dizer nada Ela continuava a segurar a m o de Tengo dentro do bolso da jaqueta e nem por um segundo ela fazia men o de larg la Estamos vendo a mesma coisa foi o que disse Aomame bem baixinho ainda mirando os olhos dele Era uma pergunta e ao mesmo tempo n o era Ela j sabia daquilo mas mesmo assim precisava de uma confirma o H duas luas pairando no c u disse ela Tengo concordou com a cabe a H duas luas pairando no c u pensou sem diz lo em voz alta Estranhamente sua voz n o sa a Ele apenas podia pensar Aomame fechou os olhos curvou se e encostou o rosto no peito de Tengo colocando o ouvido sobre o seu cora o Ela escutava atentamente o que Tengo mentalizava Eu preciso saber disse ela preciso saber se estamos no mesmo mundo e se vemos a mesma coisa Tengo sentiu que o enorme redemoinho que havia dentro dele desaparecera por completo Ao seu redor havia apenas uma noite serena de inverno As janelas iluminadas do pr dio do outro lado da rua o local em que Aomame estivera escondida durante os dias de fugitiva eram as nicas coisas que indicavam a exist ncia de outras pessoas vivend
87. cil O L der afirmou categoricamente antes de morrer que n o existia mais em nenhum lugar um caminho de volta ao mundo anterior Ser que aqui n o seria um outro lugar diferente Ser que n s mudamos de um mundo para outro um terceiro mundo Para um mundo em que o tigre est sorrindo com a face esquerda e n o com a direita voltada para n s Um mundo que nos aguarda com novos enigmas e novas regras poss vel pensou Aomame Agora n o sou capaz de afirmar o contr rio Mesmo assim uma coisa eu posso dizer com convic o Queira ou n o aqui n o mais aquele mundo em que pairavam duas luas no c u E agora estou segurando a m o de Tengo Hav amos entrado num local perigoso em que inexistia o poder da l gica passamos e superamos severas prova es nos reencontramos e deixamos aquele lugar Independentemente de termos chegado no antigo mundo ou num mundo novo o que temos a temer Se tivermos de passar por uma nova prova o basta super la apenas isso Seja como for n s agora n o estamos sozinhos Aomame relaxou o corpo e para acreditar no que achava por certo acreditar apoiou se no peito enorme de Tengo Encostou o ouvido e prestou aten o nas batidas de seu cora o E deixou se envolver em seu abra o Como uma ervilha dentro da vagem Para onde devemos ir agora Tengo perguntou para Aomame Quanto tempo teria se passado N o poderiam ficar ali para sempre Era mais que
88. contato com o l quido Ou ent o urinar diretamente num bast o e aguardar alguns minutos Se a cor ficar azul voc est gr vida Se n o houver nenhuma altera o voc n o est Ou se aparecerem duas riscas verticais numa das janelas voc est gr vida se aparecer uma nica voc n o est Apesar de esses m todos possu rem diferen as m nimas entre eles o princ pio era o mesmo A indica o de gravidez estava diretamente relacionada presen a ou aus ncia de gonadotrofina cori nica humana na urina Gonadotrofina cori nica humana Aomame franziu as sobrancelhas Fla era uma mulher com trinta anos e nunca tinha escutado esse termo antes Ser que durante todo esse tempo essa coisa estranha que estimulava os meus rg os reprodutores Aomame folheou algumas p ginas da Enciclop dia do corpo feminino e encontrou a seguinte explica o a gonadotrofina cori nica humana um horm nio produzido logo no in cio da gesta o e serve para garantir e proteger o corpo l teo no ov rio O corpo l teo produz a progesterona e o estr geno protege a membrana interna do tero inibindo a menstrua o Durante essa fase a placenta vai se formando gradativamente dentro do tero Entre a s tima e a nona semana de gesta o quando a placenta est completamente formada o corpo l teo perde a sua fun o e consequentemente a gonadotrofina cori nica humana tamb m deixa de ser produzida Em outras pal
89. conversou comigo Ele sabia sobre Tengo Sabia tamb m sobre a liga o que eu tinha com Tengo E pediu para que eu o matasse Queria se livrar o quanto antes do terr vel e cont nuo sofrimento f sico Ele disse que se o matasse em troca ele salvaria a vida de Tengo Por isso tomei a decis o de tirar lhe a vida Mesmo que eu n o fizesse nada ele certamente estava condenado a morrer e ao pensar no que aquele homem vinha fazendo at ent o a minha vontade era deix lo sofrer Voc n o contou sobre esse acordo para a madame Fui at l para mat lo e cumpri a miss o disse Aomame E de certo modo Tengo Kawana um assunto pessoal Tudo bem disse Tamaru em parte conformado Devo admitir que voc cumpriu perfeitamente a sua miss o Tengo Kawana um assunto pessoal Mas o fato que antes ou depois disso voc engravidou e isso n o pode passar despercebido N o foi antes nem depois Eu engravidei naquela noite de intensa chuva e trovoadas Naquela noite em que eu resolvi a quest o do L der Como eu j disse n o houve nenhuma rela o sexual Tamaru suspirou Levando em considera o as circunst ncias envolvidas nesta quest o s tenho duas op es acredito em voc ou n o At agora eu sempre confiei em voc e gostaria de continuar a confiar Mas neste assunto em particular n o consigo enxergar uma l gica Sou uma pessoa que s consegue raciocinar de modo dedutivo
90. convic o Desde que nasceu a religi o foi martelada na cabe a dela Ela cresceu com essa f a penetrar lhe fundo at deitar ra zes em seu mago N o era t o simples arrancar isso tudo N o era simples como trocar de roupa Isso significava que teria de viver isolada da fam lia Uma fam lia extremamente religiosa como a dela jamais aceitaria uma filha que abandonou as Testemunhas de Jeov Negar a f era o mesmo que negar a fam lia O que teria acontecido com Aomame aos onze anos O que ser que aconteceu para ela decidir fazer isso Escola municipal de primeiro grau da cidade de Ichikawa prov ncia de Chiba pensou Ushikawa Em seguida falou em voz alta o nome dessa escola Deve ter acontecido alguma coisa Sem d vida aconteceu algo E Ushikawa conteve brevemente a respira o Se n o me engano eu j ouvi esse nome em algum lugar pensou ele Onde ser Ushikawa n o tinha nenhum v nculo com a prov ncia de Chiba Ele era natural da cidade de Urawa prov ncia de Saitama Mudou se para T quio assim que ingressou na faculdade e desde ent o exceto no per odo em que morou em Chu rinkan sempre viveu na rea que engloba os vinte e tr s distritos de T quio Quase nunca precisou ir para Chiba a n o ser uma nica vez quando foi praia de Futtsu Sendo assim por que ser que o nome daquela escola prim ria de Ichikawa n o lhe era estranho Ushikawa levou um tempo at conseguir se lembrar
91. davam a impress o de que a qualquer momento um fio de baba escorreria dos cantos era apenas uma impress o isso nunca chegou a acontecer Os cabelos eram crespos e desajeitados Definitivamente n o tinha uma apar ncia que despertasse qualquer tipo de atra o Na poca em que frequentava o prim rio ele praticamente n o falava Sabia por m que se a situa o exigisse seria capaz de se expressar com eloqu ncia Mas n o tinha amigos para conversar ou oportunidade para falar diante de um p blico Por isso sempre ficava de boca fechada E tomou por h bito prestar muita aten o em tudo que as pessoas falavam independentemente do assunto obtendo e assimilando informa es do que escutava Um h bito que posteriormente iria se tornar uma ferramenta til para desvendar fatos muito importantes como por exemplo que a maior parte das pessoas n o era capaz de usar a pr pria cabe a para pensar E as pessoas que n o sabem pensar s o justamente as que n o sabem escutar o que os outros t m a dizer De qualquer modo o tempo do prim rio n o era exatamente uma fase da vida de Ushikawa que ele tinha vontade de relembrar S de pensar que naquele dia ele precisava visitar uma escola prim ria j ficava desanimado Havia algumas diferen as entre as escolas da prov ncia de Saitama e as de Chiba mas na pr tica as escolas prim rias do territ rio japon s eram todas iguais Todas do mesmo jeito seguindo as mesmas regras
92. de causar lhe algum mal Por mais que o corpo esfriasse por fora o l quido amni tico era capaz de conservar a mesma temperatura do sangue No mundo existem lugares muito mais frios do que aquele e nem por isso as mulheres deixam de ter filhos Esse frio um obst culo que preciso suportar para reencontrar Tengo pensou Aomame Como sempre uma lua grande e amarela e outra pequena e esverdeada pairavam no c u de inverno Nuvens de diversos tamanhos e formatos eram rapidamente levadas pelos ventos Nuvens brancas compactas e de contornos bem definidos que lembravam blocos de gelo a flutuar no rio eram transportadas pelo vento em dire o ao mar Ao observar as nuvens no c u noturno indo e vindo n o se sabe de onde nem para onde ela tinha a impress o de estar no fim do mundo no extremo norte da raz o onde nada mais existe al m daquela fronteira a n o ser O caos O vazio As portas de vidro estavam fechadas mantendo apenas uma pequena fresta entre elas abertura suficiente para se ouvir bem baixinho o toque do telefone A despeito de Aomame estar absorta em pensamentos seus ouvidos captaram rapidamente o telefone tocar tr s vezes parar e ap s vinte segundos tocar de novo Era Tamaru Ela afastou o cobertor que lhe cobria o colo abriu a porta de vidro esbranqui ado pelo frio e entrou no apartamento A sala estava escura e a calefa o mantinha a temperatura moderada Com os dedos frios ela pegou o fone
93. de dois meses Por que n o me contou N o sei dizer disse Komatsu inclinando levemente a cabe a Voc tem raz o Eu queria contar mas fui protelando protelando Por que ser Talvez n o tenha te contado por me sentir culpado Culpado indagou Tengo surpreso Ele nunca pensou em ouvir essas palavras da boca de Komatsu Fique sabendo que eu tamb m tenho sentimento de culpa disse Komatsu Em rela o a qu Komatsu n o respondeu Em vez disso estreitou os olhos e ficou um bom tempo com o cigarro apagado rolando o entre os l bios Fukaeri sabe que os pais dela morreram perguntou Tengo Creio que sim N o sei quando mas o professor Ebisuno deve ter contato Tengo assentiu Ele tinha a impress o de que Fukaeri sabia havia muito tempo O nico que n o sabia era ele Vamos descer do barco e voltar para a nossa vida em terra firme disse Tengo Isso mesmo Vamos deixar o campo minado Mas voc acha mesmo que podemos voltar a ter a mesma vida de antes O jeito tentar disse Komatsu Em seguida acendeu o cigarro com um f sforo Alguma coisa em particular o preocupa Sinto que in meras coisas nossa volta come aram a entrar num estranho padr o Algumas inclusive j n o possuem mais a mesma forma Acho que n o vai ser t o f cil voltar vida de antes Mesmo levando em considera o que a nossa preciosa vida est em jogo Te
94. de estar fraco com a vida por um fio e inconsciente n o alterava o funcionamento de seu metabolismo O pai continuava do lado de c da linha divis ria que separa a vida da morte e nesse caso estar vivo era o mesmo que dizer que ele exalava v rios cheiros A primeira coisa que Tengo fez ao entrar no quarto foi abrir as cortinas e as janelas Era uma manh agrad vel Precisava arejar o quarto O ar estava frio mas n o gelado Os raios de sol adentravam o quarto e a brisa do mar balan ava as cortinas Uma gaivota embalada pelo vento com as pernas elegantemente dobradas planava sobre os pinheiros Um bando de pardais pousados em desalinho nos fios de eletricidade mudava constantemente de posi o como se estivesse reordenando notas musicais Um corvo de bico grande pousou no topo de uma l mpada de merc rio e olhando atentamente ao redor parecia estar pensando no que faria a seguir Alguns filamentos de nuvens flutuavam bem alto no c u De t o distantes e altas davam a impress o de serem elementos abstratos alheios vida dos homens De costas para o paciente Tengo observava essa paisagem Coisas que possuem vida e coisas que n o possuem vida Coisas que se movem e coisas que n o se movem paisagem que ele contemplava pela janela era a mesma de sempre N o havia nada de novo O mundo seguia adiante pois era preciso avan ar Cumpria sofrivelmente a sua fun o predeterminada como um despertador barato Tengo observava ao ac
95. de magistratura e possuir licen a para advogar ele n o tinha uma boa rede de relacionamentos nem contava com o apoio de pessoas influentes Devido apar ncia n o conseguia emprego nos escrit rios de advocacia de prest gio Se abrisse uma firma normal de advocacia sozinho certamente os seus servi os seriam pouco requisitados Raras seriam as pessoas que contratariam um advogado de apar ncia t o incomum quanto a dele e ainda pagando lhe uma alta remunera o prov vel que fosse culpa daqueles dramas jur dicos da TV que sempre associam o advogado competente a um homem inteligente e bonito Por isso sua conex o com o submundo se deu de modo natural As pessoas daquele meio n o se importavam com sua apar ncia Muito pelo contr rio aquela sua particularidade era um dos motivos para que o aceitassem e confiassem nele A rejei o pela sociedade convencional colocava os homens do submundo e Ushikawa numa situa o semelhante Eles reconheciam sua intelig ncia habilidade capacidade administrativa e a prud ncia de n o falar o que n o devia Confiavam a ele processos que envolviam altas somas de dinheiro e que n o podiam ser expostos ao p blico e seus xitos eram generosamente remunerados Ushikawa era r pido para se inteirar do assunto e sabia como usar os recursos legais sem incorrer em irregularidades e cair nas malhas da lei Al m de possuir uma boa intui o era um homem cuidadoso Mas numa ocasi o ele foi tentado
96. de mesa e ap s verificar algumas anota es concordou Realmente Hoje fazem exatamente tr s semanas desde a ltima vez em que nos encontramos Durante esse per odo n o recebemos nenhuma informa o E como j lhe disse anteriormente senhor Ushikawa temos urg ncia em resolver este assunto o mais r pido poss vel n o dispomos de tempo Estou ciente disso disse Ushikawa mexendo o isqueiro dourado no lugar do cigarro N o temos tempo a perder Sei muito bem disso O rapaz de cabelo rente aguardou Ushikawa prosseguir a conversa quest o que eu n o sou do tipo que fornece informa es a conta gotas N o gosto de falar uma coisinha aqui e outra ali Quero antes de tudo ter uma ideia do conjunto entender as rela es existentes entre os fatos e o que est por tr s disso tudo Informa es mal transmitidas podem provocar inconvenientes desnecess rios Pode parecer um capricho da minha parte mas saiba senhor Onda que este o meu jeito para trabalhar disse Ushikawa O rapaz de cabelo rente chamado Onda lan ou lhe um olhar de indiferen a Ushikawa sabia que o rapaz n o tinha uma boa impress o dele mas isso era o de menos Das lembran as que guardava desde a inf ncia ele jamais causara boa impress o em ningu m Isso se tornou algo mais que normal Seus pais e os irm os nunca gostaram dele e tampouco os professores e os colegas de classe A esposa e os filhos tamb m n o gostav
97. de um valor equivalente a um jantar modesto num desses restaurantes familiares da vizinhan a Se voc pagar essa quantia irris ria n o ser mais chamada de ladra N o ser mais importunada com discursos difamat rios e n o bater o mais insistentemente na sua porta Senhorita Takai sei que est escondida atr s dessa porta Voc est pensando que sempre conseguir se esconder e escapar n o mesmo Tudo bem Fique escondida Mas por mais que voc tente conter a respira o algu m com certeza ir encontr la A desonestidade n o dura para sempre Pense bem Em todo o Jap o existem pessoas que possuem uma vida bem mais modesta que a sua e elas pagam todo m s honestamente a taxa de recep o Diante disso a sua atitude n o seria injusta Seguiram se mais quinze batidas na porta Aomame se p s a cont las Entendi senhorita Takai Voc parece ser uma pessoa muito teimosa N o tem problema Por hoje vou embora N o posso ficar somente aqui Mas voltarei Est ouvindo senhorita Takai Uma vez que estou decidido n o desisto com facilidade E n o gosto de pessoas que fingem estar ausentes Voltarei E baterei novamente nesta porta Vou bater at que o mundo todo possa escutar uma promessa Uma promessa selada entre mim e voc Estamos entendidos Ent o nos encontraremos novamente em breve N o se ouviram passos Provavelmente ele cal ava sapatos com solas de borracha Aomame aguardou cinco minutos co
98. de um homem jovem e saud vel Saud vel algo que posso garantir disse Tengo com pouca convic o Isso o que importa afirmou categoricamente a enfermeira como uma profissional Elas trabalhavam no mesmo local mas era dif cil que o hor rio de sa da das tr s enfermeiras coincidisse No entanto elas faziam de tudo para que ao menos uma vez por m s sa ssem na mesma hora Quando isso acontecia iam para a cidade comiam algo nutritivo bebiam cantavam no karaok e de certa forma era como que descarregavam por assim dizer as energias represadas Certamente elas precisavam disso para espairecer A vida nas cidades do interior era mon tona e no servi o al m dos m dicos e demais enfermeiras as nicas pessoas que elas viam eram os pacientes idosos sem vitalidade e sem mem ria As tr s enfermeiras comiam e bebiam muito Tengo n o conseguiu acompanhar o ritmo delas Sentado ao lado das superanimadas enfermeiras Tengo conversava de modo tranquilo apreciando a carne assada no espeto e tomando cerveja aos poucos para n o ficar b bado Ap s deixar o restaurante de yakiniku resolveram ir para outro bar das proximidades Pediram uma garrafa de u sque e come aram a cantar no karaok As enfermeiras cantaram suas m sicas preferidas e para finalizar as tr s cantaram em conjunto uma m sica das Candies com direito coreografia e tudo Coreografia que certamente havia sido previamente ensaiad
99. depois uma mulher vestindo um casaco preto de n ilon saiu do pr dio Era uma mulher que ele nunca tinha visto antes Ela cobria a parte da boca com um cachecol cinza Estava com culos de aro preto e bon de beisebol N o havia d vidas de que ela n o queria chamar a aten o e tentava esconder o rosto N o tinha nada nas m os e seus passos eram ligeiros As passadas tamb m eram largas Instintivamente Ushikawa apertou o bot o do obturador e tirou tr s fotos Ele pensou em segui la mas quando estava se levantando viu que ela havia sumido no meio da noite Ushikawa franziu as sobrancelhas e desistiu de ir atr s dela Do jeito que andava r pido at ele cal ar os sapatos e sair do pr dio n o daria mais tempo de alcan la Ushikawa tentou se lembrar do que acabara de ver Ela tinha cerca de um metro e setenta Vestia uma cal a jeans de boca estreita e cal ava t nis brancos As roupas eram estranhamente novas Devia ter de vinte e cinco a trinta anos Os cabelos estavam escondidos pela gola do casaco e por isso n o havia como saber o comprimento O casaco de n ilon forrado n o permitia ver a silhueta de seu corpo mas pelo formato das pernas devia ser magra A boa postura e o jeito ligeiro de andar levavam a crer que era uma mulher jovem e saud vel Possivelmente praticava algum esporte Todas essas caracter sticas eram exatamente as mesmas que ele havia descoberto sobre Aomame claro que n o poderia afirmar que a
100. dia de Tengo na cidade dos gatos beira mar Acordava cedo caminhava pela praia observava os barcos pesqueiros saindo e chegando no porto e um tempo depois voltava para a pousada e fazia a refei o matinal O card pio era sempre o mesmo peixe cavala seco ovos fritos tomate cortado em quatro alga temperada sopa de soja com conchinhas shzjimi e arroz e o estranho era que essa refei o di ria era sempre deliciosa Ap s a refei o sentava se diante de uma mesa pequena e escrevia Sentiu prazer em escrever com sua caneta tinteiro depois de muito tempo sem us la Trabalhar num local pouco familiar longe da rotina proporcionava uma nova disposi o o que n o era nada mal Do porto ouvia se o som mon tono dos motores dos barcos pesqueiros retornando ba a Tengo gostava desse som Ele escrevia um romance cujo enredo se desenvolvia num mundo com duas luas no c u O mundo do Povo Pequenino e da cris lida de ar Um mundo inspirado na Cris lida de ar de Fukaeri mas que agora se tornara uma hist ria inteiramente sua Ao escrev lo sua consci ncia passava a viver naquele mundo s vezes mesmo ap s deixar a caneta sobre a mesa sua mente continuava ali Isso lhe proporcionava uma sensa o especial como se o corpo e a mente estivessem prestes a se bifurcar incapacitando o de discernir a diferen a entre o mundo real e o da fic o O protagonista A cidade dos gatos possivelmente deve ter sentido essa mes
101. e aceitar a morte do casal como um fato real Na minha opini o aqueles caras n o est o blefando Acho que resolveram ceder um pouco para evitar problemas ainda mais graves Isso explica por que agiram de modo t o violento ao me sequestrar Eles queriam ter a certeza absoluta de que n s entender amos a mensagem Para transmitir o recado eles n o precisariam revelar que os corpos do casal Fukada foram secretamente cremados dentro da propriedade do grupo religioso Por mais que seja dif cil levantar provas a profana o de cad ver crime No entanto eles fizeram quest o de revelar isso Certamente colocaram as cartas na mesa com a inten o de exibir sua ast cia por isso que sou da opini o de que grande parte do que o rapaz de cabelo rente disse verdade N o tanto em rela o aos detalhes mas em termos gerais Tengo organizou mentalmente o que Komatsu lhe dissera O pai de Fukaeri era quem ouvia a voz Ou seja ele era uma esp cie de profeta Mas quando a filha dele Fukaeri escreveu a Cris lida de ar e o livro se tornou um best seller a voz deixou de falar com ele e em fun o disso ele teve uma morte natural Ou ele naturalmente quis p r um fim a sua pr pria vida disse Komatsu Para o grupo religioso encontrar um novo profeta tornou se a miss o mais importante a ser cumprida Se a voz deixou de se pronunciar o grupo perdeu a base de sua exist ncia por isso que eles n o t m mais interesse em
102. e magro com bon de beisebol e uma m scara branca cobrindo lhe a boca e o nariz Usava um conjunto de agasalho esportivo e um t nis bem sujo Ele trazia as refei es dispostas numa bandeja e assim que eu terminava voltava para recolh la Os recipientes eram descart veis de papel e a faca o garfo e a colher eram de material pl stico daqueles bem vagabundos e fr geis As refei es eram simples e consistiam de pratos prontos conservados v cuo N o eram exatamente saborosos mas tamb m n o t o ruins a ponto de serem intrag veis A quantidade servida n o era grande Com a fome que eu sentia comia tudo Isso tamb m era algo muito raro pois normalmente eu n o tinha apetite e s vezes at me esquecia de comer Como bebida me davam somente leite e gua mineral Nada de caf nem ch preto Muito menos u sque ou chope Fumar ent o nem pensar Mas o jeito era ter paci ncia Afinal eu n o estava num resort Ao dizer isso Komatsu puxou um ma o de Marlboro vermelho como se acabasse de lembrar que agora podia fumar Pegou um cigarro levou o boca e o acendeu com um f sforo Iragou a fuma a tranquilamente soltou a e franziu as sobrancelhas O rapaz que trazia as refei es n o falava nada Provavelmente por ordens superiores fora expressamente instru do a n o conversar comigo N o h d vidas de que ele era um tipo de ajudante um subalterno dentro da organiza o Mas a contar por sua forma f si
103. e reagir a todos os demais est mulos e sensa es Quando se deu conta algu m estava ao seu lado segurando sua m o direita A m o parecia um ser vivo pequenino que necessitava de calor e segurava sua m o grande dentro do bolso da jaqueta de couro Como se o tempo tivesse hesitado em algum momento quando sua consci ncia despertou tudo j havia acontecido Sem preliminares as coisas haviam avan ado para a etapa seguinte Que estranho pensou Tengo ainda com os olhos fechados Por que ser que acontece isso Em determinado momento o tempo flui insinuante e insuportavelmente devagar em outro ele passa r pido pulando de uma s vez v rias etapas Esse algu m apertou firmemente a m o larga de Tengo num gesto que parecia querer confirmar que ali havia algo de verdadeiro Eram dedos macios e longos que continham for a em seu n cleo Aomame pensou Tengo mantendo os olhos fechados sem pronunciar o nome Apenas retribuiu segurando sua m o Ele se lembrava daquela m o Nesses vinte anos ele jamais se esquecera da sensa o daquele toque N o era mais a m o de uma crian a de dez anos Era uma m o que nesses vinte anos tocou pegou e segurou muitas coisas In meras coisas de diferentes formas A for a nela tamb m se tornou maior Mas Tengo percebeu de imediato que se tratava da mesma m o O jeito de ela segur lo era o mesmo e o sentimento que ela queria transmitir tamb m Naquele momento Tengo sent
104. ele pr prio Precisava observ lo atenta e pacientemente e aguardar que algo acontecesse E ent o decidir imediatamente como agir Esse tipo de tarefa que exigia uma destreza sutil n o podia ser delegada a outro Tengo morava no terceiro pavimento de um pr dio de concreto armado bem antigo No hall de entrada ficavam as caixas de correio dos moradores e dentre elas havia uma com o nome de Tengo Kawana As caixas tinham partes oxidadas e a pintura descascada Todas possu am fechadura mas a maioria ficava destrancada Como a porta de entrada n o tinha chave qualquer um podia entrar e sair livremente do pr dio O corredor escuro exalava um odor caracter stico dos pr dios antigos Uma mistura peculiar de umidade resultante de uma constante e irrepar vel infiltra o de len is velhos lavados com sab o em p barato de leo ran oso de fritura de folhas de bico de papagaio secas e urina de gato proveniente do jardim de ervas daninhas que cresciam na frente do pr dio Quem morava havia muito tempo nesse lugar devia estar acostumado a esse odor mas por mais que estivesse habituado aquilo jamais representaria algum tipo de conforto O apartamento de Tengo tinha vista para a rua N o era exatamente uma rua movimentada mas n o eram poucos os transeuntes que passavam por ela Havia uma escola prim ria nas proximidades e dependendo do hor rio a circula o de crian as era grande Em frente ao pr dio havia algumas resid
105. ele se comprimisse at o tamanho de um punho de beb Seu cora o permaneceu desse tamanho por tanto tempo que a impress o era de que ele jamais voltaria a funcionar novamente Foi ent o que de repente come ou a inflar e ao voltar ao tamanho normal voltou a pulsar Com um som seco e uma velocidade tresloucada recome ou a bombear o sangue pelo corpo A consci ncia de Aomame emergiu rapidamente e ap s se sacudir ela ficou pronta para agir Tengo pensou instintivamente Aomame Mas assim que sua vis o se firmou ela percebeu que n o era ele Aquele homem era baixo do tamanho de uma crian a e com uma cabe a enorme e angulosa Vestia um gorro de l que n o disfar ava o formato esquisito da cabe a Ele estava com um cachecol verde enrolado no pesco o e um casaco azul marinho O cachecol era comprido demais e o casaco na altura da barriga estava t o estufado que parecia que o bot o ia se soltar a qualquer momento Foi ele que na noite anterior ela viu saindo do parque e achou ser uma crian a Na verdade n o era Provavelmente era um adulto de meia idade Mas era baixo gordo e tinha bra os e pernas curtos Tamb m possu a uma cabe a estranhamente grande e disforme De repente Aomame se lembrou da conversa que teve com Tamaru sobre o homem que tinha um cabe o como o do boneco da felicidade Aquele que estava rondando a Mans o dos Salgueiros em Azabu e investigando o abrigo A apar ncia do homem sentado no
106. eram indiv duos de natureza irremediavelmente superficial Med ocres com estreita vis o de mundo desprovidos de imagina o e preocupados somente com a opini o alheia N o possu am o saud vel ceticismo necess rio para atingir um n vel mais elevado de sabedoria Como m dico de uma cl nica do interior seu pai era razoavelmente bem sucedido mas era uma pessoa t o enfadonha a ponto de doer o peito Assim como naquela lenda em que tudo que o rei tocava se transformava em ouro tudo o que seu pai falava se transformava em uma conversa ins pida como gr os de areia Mas o fato de seu pai ser uma pessoa de poucas palavras muito provavelmente algo involunt rio dissimulava aos olhos da sociedade sua real ignor ncia o quanto ele era entediante Sua m e ao contr rio era uma tagarela esnobe de marca maior Era rigorosa em quest o de dinheiro mimada extremamente ego sta adorava coisas vistosas e quando tinha oportunidade falava mal das pessoas em alto e bom tom O irm o mais velho puxara o jeito do pai e o mais novo o da m e A irm ca ula era independente mas era irrespons vel e n o tinha nenhuma considera o pelas pessoas S pensava em garantir o seu pr prio bem estar Por ser a ca ula os pais a mimaram em demasia e acabaram por estrag la N o foi sem motivo que Ushikawa passou a juventude praticamente sozinho Voltava da escola enfurnava se no quarto e entregava se leitura Como n o tinha amigos a
107. eram geralmente excelentes mas oscilavam conforme a mat ria e eram especialmente ruins quando envolviam atividade f sica Ele sempre foi um corpo estranho nessa presun osa fam lia abastada e orgulhosa de pertencer elite Um elemento que perturbava a harmonia familiar uma nota musical dissonante Nas fotos em fam lia ele era o nico que claramente destoava Parecia um intruso inconveniente que entrara de penetra no grupo e casualmente acabara saindo na foto A fam lia n o se conformava que uma pessoa de apar ncia t o diferente houvesse surgido entre eles Mas n o havia d vidas de que ele nascera do ventre de sua m e ela se lembrava vivamente das intensas e sofridas dores do parto Ele n o havia sido colocado num cesto e abandonado na frente da porta Certo dia algu m mencionou que havia um parente da parte de seu pai que tinha uma cabe a desproporcional que lembrava o boneco da felicidade o fukusuke ningy Esse homem era o primo do av paterno de Ushikawa Durante a guerra esse primo av trabalhara numa metal rgica no distrito de K to mas na primavera de 1945 morreu num ataque a reo em T quio Seu pai n o o conhecera pessoalmente mas havia uma foto dele num lbum antigo Ao verem a foto todos da fam lia exclamaram em un ssono Nossa parecido mesmo e foi ap s essa constata o que finalmente eles se convenceram de que Ushikawa pertencia fam lia Esse primo av era incr vel e assus
108. eram relativamente grandes em rela o ao seu corpo mi do Ela media pouco mais de um metro e meio Os cabelos eram compridos retos e os olhos grandes e l mpidos Parecia uma fada aprendiz Ela encarou Ushikawa de frente e abriu um sorriso simp tico e afetuoso como a contemplar algo importante inesquec vel Entre os l bios pequenos dentes brancos e belamente alinhados exibiam se contentes Era provavelmente apenas um sorriso de neg cios Mesmo assim era raro encontrar uma pessoa que n o demonstrasse avers o ao v lo pela primeira vez Trouxe o material solicitado disse a jovem tirando dois envelopes enormes da bolsa de pano que trazia a tiracolo Como uma virgem dos santu rios xinto stas que leva nas m os uma pedra litogr fica antiga ela ergueu os envelopes com cuidado diante de si e os colocou sobre a mesa de Ushikawa Ele puxou um envelope da gaveta e o entregou jovem Ela o abriu tirou um ma o de notas de dez mil ienes e contou ali mesmo em p Ela manuseava o dinheiro com destreza Seus dedos finos e bonitos movimentavam se r pida e agilmente Ap s conferir o valor devolveu o ma o ao envelope e o colocou dentro da bolsa de tecido Em seguida olhou novamente Ushikawa e desta vez abriu um sorriso muito mais simp tico e afetuoso que o da vez anterior Parecia expressar o qu o feliz estava por t lo conhecido Ushikawa tentou imaginar que tipo de rela o ela tinha com o Morcego Mas ele claro nada
109. es que me eram trazidas dormia numa cama apertada quando anoitecia e acordava ao amanhecer fazia as necessidades num banheiro pequeno que havia no fundo do c modo separado por uma porta mas sem chave 0 calor de ver o continuava intenso mas como o sistema de ventila o era acoplado ao do ar condicionado n o cheguei a sentir calor Tengo escutava Komatsu em sil ncio As refei es eram servidas tr s vezes ao dia N o sei dizer em que hor rio Como eles me tiraram o rel gio de pulso e o quarto n o tinha janela n o havia como distinguir o dia da noite Mesmo tentando escutar atentamente algum som n o ouvia nada Assim como o som do quarto possivelmente n o podia ser ouvido N o sabia onde eu estava mas tinha uma vaga impress o de que o local devia ser afastado longe de qualquer rea habitada Enfim fiquei tr s dias nesse local sem que nada acontecesse Para falar a verdade n o posso afirmar que foram tr s dias A refer ncia que tenho que me serviram nove refei es que eu comi na ordem em que me foram trazidas Apagaram a luz do quarto tr s vezes e dormi tr s vezes O meu sono sempre foi leve e irregular mas n o sei como consegui dormir profundamente sem nenhuma dificuldade Sei que isso tudo parece muito estranho Voc est me acompanhando Tengo se limitou a balan ar a cabe a num gesto afirmativo N o conversei com ningu m durante tr s dias Quem trazia as refei es era um rapaz jovem
110. esse tal de Povo Pequenino Mas acabou n o puxando o gatilho No ltimo instante afrouxou o indicador da m o direita que estava sobre o gatilho e tirou o cano da boca E como algu m que finalmente emerge do fundo do oceano inspirou profundamente o ar e o soltou Era como substituir completamente o ar contido no corpo Aomame desistiu de se matar ao escutar uma voz distante Naquele momento ela estava imersa no sil ncio Desde que encostara o dedo no gatilho todos os sons ao redor deixaram de existir Era como se estivesse no fundo de uma piscina Ali a morte n o era escura nem amedrontadora A morte era como o l quido amni tico que envolve o feto algo natural e incontest vel N o t o ruim pensou Aomame esbo ando um sorriso E foi ent o que ela ouviu essa voz A voz parecia vir de um espa o e tempo long nquos Irreconhec vel Uma voz que ao percorrer um longo trajeto sinuoso perdera as caracter sticas originais Um eco vazio desprovido de significado Mas a despeito da aus ncia de significado Aomame sentiu nesse eco algo de nost lgico e afetuoso A voz parecia chamar lhe pelo seu nome Aomame reduziu a for a que o dedo aplicava no gatilho estreitou os olhos e ateve se a escutar o que a voz lhe dizia Mas a nica coisa que conseguiu escutar ou que achou ter escutado ainda que com muita dificuldade foi a voz de algu m chamando De resto escutava apenas o uivar de ventos que pareciam sair de uma caverna
111. este local 2 Tengo Kawana ainda n o retornou Agora no apartamento de Tengo Kawana no terceiro andar n o h ningu m As cortinas est o fechadas e o sil ncio impera no espa o inabitado O nico som que de vez em quando rompe esse sil ncio o do termostato da geladeira Ushikawa deixou fluir a sua imagina o Imaginar um quarto inabitado era como imaginar o mundo ap s a morte De repente lembrou se do cobrador da NHK que batia na porta de modo paranoico Ushikawa ficara espreita durante um bom tempo mas n o encontrara nenhum vest gio de que aquele cobrador misterioso tivesse sa do do pr dio Ser que ele era o antigo morador deste apartamento Ou ser que algum morador deste pr dio est se passando por cobrador da NHK para humilhar outro morador Se for isso qual seria o motivo de se fazer uma coisa dessas Sem d vida era uma hip tese terr vel Mas afinal como explicar um fato t o estranho como este Ushikawa por m n o tinha ideia Tengo Kawana apareceu na entrada do pr dio um pouco antes das quatro da tarde Era perto do anoitecer de s bado Ele vestia uma capa imperme vel surrada com a gola levantada um bon de beisebol azul marinho e trazia uma bolsa de viagem pendurada no ombro Entrou direto no pr dio sem parar nem olhar para os lados Ushikawa ainda estava um pouco atordoado mas n o p de deixar de perceber o corpo grande de Tengo passando diante de seu campo visual Seja bem vindo
112. existia um Deus n o posso dizer que foi gentil comigo Mesmo assim essas palavras conseguem penetrar silenciosamente numa pequena rea sens vel de minha alma s vezes fecho os olhos e repito v rias vezes essas palavras Ent o estranhamente me sinto calmo Fa a frio ou n o Deus est presente Por gentileza ser que voc poderia repetir essas palavras Fa a frio ou n o Deus est presente disse Ushikawa em voz baixa sem entender por que devia dizer isso N o consegui escutar direito Fa a frio ou n o Deus est presente desta vez Ushikawa repetiu a frase de modo que suas palavras fossem claramente ouvidas Tamaru fechou os olhos e durante um tempo apreciou a reverbera o daquelas palavras Depois finalmente respirou profundamente como se acabasse de decidir algo Abriu os olhos e observou suas m os com luvas cir rgicas descart veis que usava para n o deixar impress es digitais Sinto muito disse Tamaru O tom de sua voz denotava serenidade Em seguida pegou novamente o saco pl stico e o colocou de uma s vez na cabe a de Ushikawa Amarrou no pesco o o el stico grosso Uma a o r pida e precisa Ushikawa tentou protestar mas as palavras deixaram de ser pronunciadas e claro ningu m chegou a ouvi las Por qu pensou Ushikawa com a cabe a dentro do saco pl stico Fui honesto e disse tudo o que sabia Por que depois de ter dito tudo precis
113. fechou os olhos e desligou o interruptor do pensamento Vou descansar um pouco Hoje visitei duas escolas e conversei com duas professoras de meia idade A bela vice diretora e a professora que andava como caranguejo Preciso relaxar os nervos Um tempo depois sua cabe a enorme e deformada come ou a balan ar lentamente para cima e para baixo acompanhando o movimento do trem Parecia um boneco em tamanho natural que a qualquer momento soltaria pela boca um or culo de mau agouro O trem estava lotado mas nenhum passageiro quis sentar ao seu lado 11 Aomame N o h coer ncia nem bondade Na manh de ter a Aomame escreveu um bilhete para Tamaru informando que aquele homem que dizia ser cobrador da NHK havia aparecido novamente e batera insistentemente na porta xingando a e a insultando aos berros ou melhor amea ando a senhorita Takai suposta moradora do apartamento Havia nessa conduta algo de muito estranho Era necess rio tomar cuidado Aomame colocou o bilhete dentro de um envelope lacrou o e o deixou sobre a mesa da cozinha No envelope escreveu apenas a inicial T Os homens que repunham os mantimentos se encarregariam de entreg lo a Tamaru Um pouco antes da uma da tarde Aomame foi para o quarto trancou a porta deitou se na cama e retomou sua leitura de Proust Pontualmente uma a campainha tocou uma nica vez Um tempo depois algu m abriu a porta e a equipe de reposi o entrou no apartamento Como de
114. fosse por ora o melhor seria tentar dormir e na manh seguinte com a cabe a fresca poderia pensar melhor no assunto Mesmo assim sua consci ncia continuava totalmente desperta e o corpo pedia atividade Naquele momento dormir era impratic vel Aomame levantou se da cama e vestiu um roup o sobre o pijama Esquentou gua preparou um ch de ervas e sentada na mesa da cozinha bebeu o em pequenos goles Sua mente parecia estar pensando em algo mas ela n o conseguia discernir o qu Era como um nimbo denso e compacto visto dist ncia e que a despeito de seu n tido formato os contornos eram indefinidos Era como se existisse uma diferen a entre a forma e o contorno Aomame aproximou se da janela levando consigo a x cara e por entre o v o da cortina observou o parque infantil Obviamente n o havia ningu m Passava da uma da manh e a caixa de areia os balan os e o escorregador estavam abandonados Era uma noite especialmente calma Sem ventos sem nuvens As duas luas uma grande e a outra pequena pairavam no c u sobre a rvore gelada As luas haviam mudado de posi o desde a ltima vez em que as vira mas apesar de acompanharem a rota o da terra elas continuavam enquadradas dentro de seu campo visual Enquanto Aomame permanecia em p veio lhe mente a imagem do cabe o do boneco da felicidade entrando naquele pr dio antigo e da placa na caixa de correio do apartamento 303 No cart o de fundo bra
115. gios para te provocar Acho que sim disse Aomame Tamaru deu uma leve tossida e mudou de assunto Voc recebeu os kits para teste Estou gr vida respondeu Aomame sucintamente Significa que voc tinha raz o Isso mesmo Fiz dois testes e os dois deram o mesmo resultado Houve um sil ncio Um sil ncio como o de uma pedra litogr fica em que as letras ainda n o foram totalmente esculpidas N o h margem para erros indagou Tamaru Eu j sabia disso desde o come o Os testes apenas comprovaram Durante um tempo Tamaru acariciou a silenciosa pedra litogr fica com a ponta dos dedos Preciso perguntar uma coisa sem rodeios disse Tamaru Voc pretende ter essa crian a Ou pretende se desfazer dela N o pretendo me desfazer Quer dizer que voc vai ter essa crian a Se tudo correr bem ela deve nascer entre junho e julho Tamaru calculou mentalmente Isso significa que precisamos tomar algumas provid ncias Sinto muito N o precisa se desculpar disse Tamaru Toda mulher possui o direito de gerar o seu filho e temos de garantir esse direito Parece uma declara o universal dos direitos humanos disse Aomame Vou te perguntar novamente para evitar quaisquer d vidas Voc disse que n o tem ideia de quem o pai certo Desde junho n o tive nenhuma rela o sexual Ent o seria uma esp cie de gravidez ima
116. havia um ser pequenino que precisava ser protegido a todo custo e que para isso ela precisava acreditar na exist ncia de um Deus Ou aceitar o fato de que acreditava em Deus Aomame refletiu sobre a exist ncia de Deus Deus era uma entidade que n o tinha forma mas ao mesmo tempo podia assumir qualquer forma A imagem que ela tinha Dele era a de uma Mercedes Benz coup de linhas aerodin micas Um carro novo em folha que acabou de sair da concession ria Uma senhora distinta e elegante de meia idade que sai do carro em plena Rodovia Metropolitana Ela cobre o corpo nu de Aomame com um belo casaco de meia esta o protegendo a do vento gelado e dos olhares alheios E sem dizer nada ela volta para o coup prateado Ela sabia Sabia que Aomame estava com um beb dentro dela E que precisava proteg lo Aomame passou a ter um novo tipo de sonho Nele ela est confinada num quarto todo branco Um quarto pequeno de formato c bico N o existem janelas Apenas uma porta H uma cama simples sem adornos e ela est deitada sobre ela A luz sobre a cama ilumina sua barriga enorme como uma montanha N o parece ser parte de seu corpo Mas n o h d vidas de que a barriga sua A hora do parto est pr xima O quarto vigiado pelo rapaz de cabelo rente e o de rabo de cavalo Os dois est o certos de que desta vez n o v o falhar Na vez anterior eles falharam Agora precisam recuperar a reputa o A fun o deles n o deixar
117. indagou T engo N o entendi o que ele estava dizendo Pelo visto ela n o sabia o que era NHK Faltava lhe alguns conhecimentos b sicos da sociedade N o vou poder te explicar por telefone pois a conversa vai ficar longa mas em linhas gerais trata se de uma organiza o grande que emprega muitos trabalhadores Eles visitam as casas de todo o Jap o e mensalmente recolhem dinheiro Mas eu e voc n o precisamos pag los pois n o recebemos nada Em todo caso voc n o abriu a porta n o N o abri a porta Como voc me pediu timo Mas ele disse que eu era uma ladra N o ligue pra isso disse Tengo N o roubamos nada Claro que n o Voc e eu n o fizemos nada de errado Fukaeri novamente se calou do outro lado da linha Al disse Tengo Fukaeri n o respondeu Ela devia ter desligado o telefone apesar de ele n o ter escutado o som do aparelho ser colocado no gancho Al disse novamente Tengo desta vez com a voz um pouco mais alta Fukaeri deu uma leve tossida Essa pessoa disse que conhecia voc muito bem Esse cobrador O homem da Eneag c Ele te chamou de ladra Ele n o estava se referindo a mim Fra de mim Fukaeri n o respondeu De qualquer modo n o tenho televis o e n o estou roubando nada da NHK Ele ficou bravo por eu n o abrir a porta Isso o de menos Deixe ele ficar bravo N
118. infantil de m os dadas Foi o que sentira aos dez anos e agora vinte anos depois Ele sabia que precisava de tempo para assimilar esse novo mundo que surgia diante dele Precisava adaptar e reaprender todas as coisas uma por uma a maneira de pensar o modo de ver as coisas selecionar as palavras o jeito de respirar e de mover o corpo Para isso precisava juntar todo o tempo existente no mundo N o talvez o mundo todo fosse insuficiente Tengo Aomame sussurrou em seu ouvido Sua voz n o era baixa nem alta Era a voz que continha uma promessa Abra os olhos Tengo abriu os olhos O tempo recome ou a fluir no mundo L est o as luas disse Aomame 28 Ushikawa E uma parte de sua alma A luz da l mpada fluorescente do teto incidia sobre o corpo de Ushikawa calefa o estava desligada e uma nica Janela aberta mantinha o quarto frio como uma c mara frigor fica No centro desse recinto havia algumas mesas de reuni o agrupadas e Ushikawa estava deitado de costas sobre elas Ele estava com um conjunto de pe as intimas de inverno e um cobertor velho a cobrir lhe o corpo O cobertor tinha uma protuber ncia na altura da barriga como um formigueiro que se destaca no meio da campina Os indagadores olhos arregalados que ningu m conseguiu fechar estavam cobertos com um peda o de pano Os l bios estavam levemente entreabertos mas dali nunca mais haveria de escapar ar ou alguma palavra cabe
119. isso desligou imediatamente o telefone Tengo ficou olhando durante um bom tempo o fone em sua m o Assim como havia previsto ele n o conseguia mais se lembrar da voz daquele homem Olhou novamente o rel gio Oito e dez O que vou fazer para passar o tempo at s sete da noite pensou Ele come ou por tomar banho lavou os cabelos e tentou desembara los o melhor que podia Fez a barba diante do espelho Escovou os dentes com capricho e at passou fio dental Depois tirou da geladeira um suco de tomate e o bebeu Ferveu gua moeu gr os para preparar um caf e fez uma torrada Programou o timer para um ovo cozido Ele se concentrou em fazer cada uma dessas atividades levando um tempo maior do que o habitual Mesmo assim ainda eram nove e meia Vou me encontrar com Aomame no topo do escorregador Quando pensava nisso Tengo sentia como se seu corpo se desprendesse e se esparramasse por todos os lados Os bra os as pernas e o rosto pareciam cada qual seguir uma dire o diferente N o conseguia atar um sentimento num s lugar por muito tempo Quando tentava fazer algo n o conseguia se concentrar N o conseguia ler um livro e muito menos escrever N o conseguia ficar sentado e quieto por muito tempo A nica coisa que ele conseguia fazer era quando muito lavar as lou as roupas organizar as gavetas das c modas e arrumar a cama Mas seja l o que se propusesse a fazer a cada cinco minutos interrompia para dar u
120. jamais olhava para tr s e andava com passos regulares Uma velocidade comum aos que costumam pensar caminhando Que ironia Aomame pensou O ponto cego de um perseguidor que ele nunca acha que est sendo perseguido Um tempo depois Aomame notou que ele n o estava indo para a esta o K enji Ela conhecia bem as ruas do bairro pois no apartamento havia estudado em detalhes todas as ruas pr ximas ao seu pr dio num guia de T quio Ela o fizera porque precisava saber para onde ir em caso de emerg ncia No come o viu que o cabe o do boneco da felicidade seguia para a esta o mas logo percebeu que no caminho ele havia mudado de dire o E percebeu tamb m que ele n o conhecia as ruas do bairro Ele parou duas vezes numa esquina e hesitante sem saber para onde ir olhou a placa com o nome da rua num poste Ele era um estranho no bairro Finalmente os passos do cabe o ficaram um pouco mais acelerados Aomame intuiu que ele estava numa rea que lhe era familiar Ela tinha raz o Ele passou diante da escola prim ria municipal e ap s seguir uma rua n o muito larga entrou num pr dio antigo de tr s andares Aomame aguardou cinco minutos N o queria dar de cara com ele A entrada possu a uma marquise de concreto e uma l mpada redonda emitia uma luz amarelada N o encontrou nenhuma placa indicando o nome do pr dio Talvez n o tivesse nome Mas o fato que parecia ser bem antigo Ela memorizou o endere o
121. lhe ocorria nada para fazer Aomame limpava a arma Conforme instru es do manual desmontava a Heckler amp Koch em v rias partes limpava cada pe a com um pano e uma escova passava leo e a remontava Por fim verificava se todos os mecanismos estavam em perfeito estado de uso Uma tarefa que ela realizava com destreza A arma era como parte de seu corpo Por volta das dez horas costumava ir para a cama lia algumas p ginas e dormia Desde que se entende por gente ela nunca sentiu dificuldades para dormir Enquanto seus olhos acompanhavam as letras impressas naturalmente come ava a sentir sonol ncia Apagava a luz da cabeceira apoiava o rosto no travesseiro e fechava os olhos n o ser em casos excepcionais seus olhos somente reabriam na manh do dia seguinte Ela n o sonhava muito Quando sonhava n o se lembrava de quase nada ao acordar s vezes algumas cenas ficavam enroscadas na parede de sua consci ncia mas de t o vagas e fragmentadas era imposs vel resgatar o fio condutor do sonho a n o ser de forma desconexa O seu sono era profundo e os sonhos jaziam num local igualmente profundo como os peixes que habitam o fundo dos oceanos impossibilitados de vir superf cie E mesmo que consigam emergir com a press o da gua perdem as suas formas originais Mas desde que passara a viver naquele esconderijo ela sonhava praticamente todas as noites Os sonhos eram n tidos cheios de realidade Ao acordar no meio
122. lia Kawana Como ser o apartamento dele por tr s da porta Que tipo de vida Tengo estaria levando Dentro da banheira ela acariciou seus seios bem devagar repetidas vezes Eles estavam bem mais firmes e maiores do que antes E mais sens veis Que bom seria se essas m os que acariciam meus seios fossem as de Tengo pensou Aomame Ela imagina as m os grandes e largas dele M os que deveriam ser fortes e carinhosas As m os de Tengo envolveriam seus seios transmitindo uma sensa o de alegria e serenidade Aomame tamb m percebeu que estavam um pouco maiores do que antes N o era ilus o de tica N o havia d vida de que estavam maiores e mais cheios formando uma delicada curva Deve ser a gravidez N o Talvez eles simplesmente ficaram maiores sem nenhuma rela o com a gravidez Como parte da minha transforma o Aomame colocou as m os sobre o ventre Ele ainda n o estava suficientemente proeminente E estranhamente ela ainda n o sentia n useas matinais Mas dentro dele existia um ser pequenino Ela sabia disso Talvez pensou Aomame n o seja a mim que eles est o procurando desesperadamente mas sim essa coisa pequenina Como uma vingan a por eu ter matado o L der eles querem tir la de mim Esse pensamento fez Aomame ficar arrepiada Precisava a todo custo encontrar Tengo Aomame reiterou a sua convic o Precisava juntar for as com ele para proteger essa coisa pequenina Durante a
123. mas como sempre me empenhei de corpo e alma nesse trabalho Mas n o encontrei nada de estranho nenhuma suspeita que a desabonasse A ficha dela era totalmente limpa Voc s a chamaram para ir su te do hotel kura e o resto voc s j sabem Pois ent o quem foi e de onde surgiu essa recomenda o N o sei N o sabe indagou Ushikawa esbo ando uma express o como a de uma crian a que desconhece o sentido de uma palavra que acabou de ouvir Quer dizer que apesar de a indica o ter sido feita por algu m do pr prio grupo voc s n o sabem quem foi essa pessoa isso Onda respondeu sem alterar a express o do rosto Isso mesmo muito estranho disse Ushikawa surpreso Onda permaneceu em sil ncio Uma hist ria dif cil de desvendar pois se espalhou espontaneamente sem que se saiba de onde quando e quem indicou o nome dela isso Para falar a verdade quem estava realmente entusiasmado com essa ideia era o pr prio L der disse Onda escolhendo cuidadosamente as palavras Algumas pessoas do grupo eram da opini o de que era muito arriscado permitir que uma pessoa cuja hist ria pessoal nos era desconhecida fosse autorizada a tocar o corpo do L der N s seus guarda costas tamb m concord vamos com essa opini o Mas o L der parecia n o se importar com isso Muito pelo contr rio ele pr prio incentivava enfaticamente para que providenci ssemos o encontro Ushika
124. medo O que ser que Tengo estaria bebendo e comendo Quanto mais Ushikawa tentava imaginar mais sentia fome e frio Mas n o podia deixar de pensar nisso Para Ushikawa podia ser qualquer coisa n o necessariamente um saqu aquecido ou uma tigela de oyakodon O que ele realmente queria era estar num ambiente aquecido e comer uma refei o comum Mas se estava ali em p na escurid o exposto ao vento e recebendo o olhar desconfiado das pessoas ele poderia suportar qualquer coisa Ushikawa n o tinha escolha A n o ser aguardar tremendo de frio e exposto aos ventos gelados at Tengo terminar a refei o e sair do bar Ushikawa pensou nos tempos em que morava na casa de Ch rinkan e as refei es que lhe eram servidas Possivelmente as refei es de todas as noites deviam ser quentes mas ele n o conseguia se lembrar do tipo de comida O que eu comia naquela poca Parece uma outra vida Era uma vez uma fam lia que morava numa casa rec m constru da que ficava quinze minutos a p da esta o Ch rinkan da linha Odaky e tinha uma mesa em que se serviam refei es quentes As duas meninas pequenas tocavam piano e um cachorrinho com pedigree brincava no pequeno gramado Tengo saiu do bar sozinho depois de trinta e cinco minutos Nada mal Poderia ter sido pior Foi o que Ushikawa disse a si mesmo Foram trinta e cinco minutos terrivelmente longos mas era certamente melhor do que aguardar uma longa e terr vel hor
125. minha vida me roubaram muitas coisas que me eram caras Mas essa a nica coisa que n o vou entregar de jeito nenhum Aomame deitou se na cama e durante um tempo se concentrou na leitura Mas o sono n o veio Ela fechou o livro e dobrou levemente o corpo como para proteger o ventre Com o rosto apoiado no travesseiro imaginou a lua de inverno pairando no c u sobre o parque e a pequena lua esverdeada ao seu lado Maza e dohta As luzes das duas luas se mesclaram iluminando os galhos secos da zelkova Tamaru deve estar planejando algo para resolver esta situa o Sua mente deve estar trabalhando a mil por hora Aomame o imaginou com as sobrancelhas arqueadas batendo ruidosamente na mesa com a ponta da caneta Conduzida pelo ritmo mon tono e incessante da caneta contra a mesa Aomame foi finalmente envolvida pelo suave tecido do sono 21 Tengo Algum lugar dentro de sua mente 0 telefone tocou O despertador indicava 2 04 Duas e quatro da madrugada de uma segunda feira Ainda estava escuro e Tengo dormia profundamente Um sono tranquilo sem sonhos A primeira pessoa que lhe veio mente foi Fukaeri S ela seria capaz de telefonar numa hora dessas Pouco depois pensou em Komatsu que diga se de passagem tamb m n o era um exemplo de bom senso em rela o a hor rios Mas o tipo de chamada n o parecia ser de Komatsu O toque tinha algo de insistente de profissional E Tengo conversara um longo tempo com Komatsu poucas hor
126. morrer ent o vamos ver o lado bom das coisas Tamaru n o se recordava se a cita o era de Henrique IV ou Ricardo III Mas n o era uma quest o crucial a essa altura Ushikawa n o se importaria de n o saber a fonte Tamaru desamarrou as cordas que prendiam as m os e as pernas de Ushikawa Ele havia usado uma corda macia e dado um n especial que n o deixava marcas na pele Tamaru recolheu a corda o saco pl stico e o el stico e os colocou numa sacola de vinil que trouxera consigo Olhou rapidamente os pertences de Ushikawa e pegou todas as fotos que ele havia tirado Colocou a c mera e o trip na sacola para lev los embora Se descobrirem que ele estava vigiando algu m isso daria margem a futuras complica es V o querer saber quem estava sendo vigiado e a possibilidade de o nome de Tengo Kawana vir tona seria inevit vel Tamaru tamb m recolheu o caderno de anota es de Ushikawa com detalhes da investiga o Nada mais havia de importante As nicas coisas que ficaram no apartamento foram o saco de dormir alimentos mudas de roupa carteira chave e o lament vel corpo de Ushikawa Por fim Tamaru pegou o cart o de visita da carteira de Ushikawa escrito Diretor Efetivo Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes e o guardou no bolso do casaco Sinto muito Tamaru disse novamente antes de ir embora Tamaru entrou numa cabine telef nica perto da esta o inseriu o cart o tel
127. morte do L der certamente existe uma grande lacuna na organiza o E pelo visto eles ainda n o decidiram quem ser o sucessor e nem a diretriz que a organiza o dever seguir daqui para frente Mesmo assim uma coisa certa No que concerne quest o de achar voc a opini o deve ser un nime Isso o que sabemos por ora Um fato nada estimulante O que realmente importa em um fato sua relev ncia e sua exatid o Est mulo secund rio Seja como for disse Aomame se eu for capturada e os fatos forem esclarecidos isso vai causar transtornos a voc s por isso que queremos mandar voc o mais r pido poss vel para um lugar em que eles n o possam te pegar Sei disso Mas por favor aguarde mais um pouco Ela disse que vai esperar at o final do ano Sendo assim eu tamb m vou aguardar Obrigada N o a mim que voc deve agradecer Mas em todo caso disse Aomame tem uma coisa que eu gostaria que voc me arrumasse na pr xima reposi o E algo constrangedor para pedir a um homem Sou como um muro de pedra disse Tamaru E ainda por cima gay assumido Preciso de um teste de gravidez Houve um sil ncio Um tempo depois Tamaru disse Voc acha que h um motivo para fazer esse teste N o se tratava de um pergunta Por isso Aomame n o respondeu Voc acha que est gr vida indagou Tamaru N o bem iss
128. morte do pai n o o abalou muito Ele esteve durante cerca de duas semanas com o pai em coma Naquela ocasi o a impress o de Tengo era de que ele j havia aceitado a pr pria morte Soava estranho dizer isso mas para Tengo estava claro que seu pai estava decidido a morrer e ele pr prio desligara seu interruptor e entrara no coma Os m dicos por outro lado n o sabiam explicar o que o levara aquele estado Tengo por m sabia que ele queria morrer Ou que havia perdido a vontade de viver Segundo as palavras de Kumi Adachi seu pai era como uma folha de uma rvore aguardando a mudan a de esta o mantendo a luz da consci ncia apagada e com a porta totalmente fechada para os sentimentos Da esta o Chikura Tengo pegou um t xi e chegou casa de sa de s dez e meia Era um dia calmo de in cio de inverno como o dia anterior domingo A t pida luz do sol banhava gentilmente o gramado do jardim sem vi o e um gato malhado que Tengo nunca vira antes tomava sol lambendo meticulosamente o rabo sem nenhuma pressa As enfermeiras Tamura e mura o receberam na entrada do pr dio As duas discretamente sussurraram palavras de condol ncia T engo agradeceu O corpo de seu pai jazia num pequeno quarto num canto discreto da casa de sa de A enfermeira Tamura o conduziu at ali Seu pai estava deitado de costas com um len ol branco sobre o corpo O quarto era quadrangular sem janelas e a l mpada fluorescente conferia s p
129. motorista ir at a Sangenjaya margeando a Rodovia Nacional 246 Foi ent o que Tengo pela primeira vez reparou nas roupas de Aomame Ela vestia um casaco de meia esta o de cor clara um pouco fino para aquela poca do ano Tinha um cinto afivelado na frente Sob o casaco usava um blazer verde e minissaia justa Meia cal a fina e sapatos de salto alto lustrados Carregava no ombro uma bolsa de couro preta bolsa estava cheia e parecia pesada N o usava luvas nem cachecol Tamb m n o usava anel colar ou brincos N o usava perfume Aos olhos de Tengo tudo o que ela usava e que n o usava lhe conferia uma apar ncia extremamente natural N o havia nada que quisesse tirar ou acrescentar O t xi seguiu em dire o Rodovia 246 passando pelo anel vi rio 7 O tr nsito flu a excepcionalmente bem Durante o trajeto os dois permaneceram por um bom tempo quietos O r dio estava desligado e o jovem motorista mantinha se calado A nica coisa que se ouvia era o som mon tono dos pneus rodando incessantemente pela estrada Aomame estava sentada no banco com o corpo encostado ao de Tengo e continuava segurando sua m o grande Temia solt la de modo que nunca mais pudesse peg la novamente cidade noturna rodeava os dois como uma corrente mar tima tingida pela fosforesc ncia dos microsc picos seres luminescentes Tenho tantas coisas para dizer falou Aomame ap s um tempo Mas acho que n o vou conseguir te explicar t
130. n o convinha levar o processador de texto acrescentou cadernos e a caneta tinteiro na bagagem O que mais pensou Ele se lembrou do envelope que o advogado lhe entregara em Chikura Nele havia a caderneta de poupan a o carimbo registrado o registro civil e a misteriosa foto que parecia ser de fam lia Talvez fosse melhor lev lo consigo A caderneta escolar do prim rio e o diploma de reconhecimento da NHK obviamente n o seriam levados Resolveu tamb m n o levar roupas para troca nem objetos de toalete Isso tudo n o caberia dentro da bolsa e poderia compr los de novo Ap s colocar as coisas na bolsa Tengo n o tinha mais nada a fazer N o tinha lou as para lavar nem camisas para passar Ele olhou novamente o rel gio de parede Dez e meia Pensou em telefonar para o amigo e pedir que ele o substitu sse nas aulas mas lembrou se de que ele costumava ficar mal humorado quando Tengo ligava antes do almo o Tengo deitou se na cama e pensou em v rias possibilidades A ltima vez em que viu Aomame ele tinham dez anos Agora est o com trinta Durante esse per odo ambos tiveram muitas experi ncias Experi ncias boas e experi ncias n o t o boas possivelmente estas ltimas em maior n mero A nossa apar ncia o tipo de personalidade e o ambiente em que vivemos devem ser bem diferentes pensou Tengo N o somos mais um menino e uma menina Ser que a Aomame que est l realmente a que eu estava pro
131. n o passava de uma intui o De modo algum ele atendia a liga o tendo certeza absoluta de ser Komatsu Os dias de Fukaeri eram mon tonos como os de Tengo Ela n o dava um passo sequer para fora do apartamento e ficava sozinha quietinha em seu canto N o havia televis o e ela n o lia livros Quase n o se alimentava e por isso n o precisava sair para fazer compras N o me mexo muito por isso n o preciso comer muito disse Fukaeri O que voc fica fazendo sozinha todos os dias Pensando Voc pensa em qu Ela n o respondeu O corvo sempre vem aqui Uma vez por dia o corvo sempre aparece Ele n o vem s uma vez tem vindo v rias disse ela O mesmo corvo Tem vindo mais algu m O homem da Eneag c a veio de novo O mesmo da vez anterior Ele ficou berrando que o Kawana era um ladr o Ele ficou gritando isso na frente da porta Para que todos pudessem ouvir Tengo deu um tempo para pensar no assunto N o se preocupe Voc n o tem nada a ver com isso e ele n o vai lhe causar nenhum mal Ele disse que sabia que voc estava escondido N o se preocupe disse Tengo Ele n o tem como saber um blefe com o intuito de amedrontar O pessoal da Eneag c costuma usar esse tipo de ardil para intimidar a pessoa Tengo presenciou in meras vezes seu pai usando esse mesmo subterf gio Nas tardes de domingo sua voz ma
132. n o percebeu que existe um bilhete na porta informando que o pagamento realizado via d bito autom tico Aomame verificara a exist ncia dessa nota no canto da porta Pode ser que esse homem possua algum problema mental Mas mesmo assim o que ele falava tinha um estranho senso de realidade Ele parecia conseguir sentir a minha presen a do outro lado da porta Era como se farejasse habilmente o meu segredo ou parte dele Mas ele n o pode abrir a porta e entrar no apartamento A porta precisa ser aberta pelo lado de dentro E n o pretendo abri la N o N o posso afirmar categoricamente isso Pode ser que eu tenha de abrir a porta em algum momento Se Tengo aparecer no parque infantil certamente abrirei a porta sem hesitar e sairei correndo at l Independentemente do que esteja me aguardando Aomame afundou o corpo na cadeira de jardim da varanda e como sempre observou o parque infantil por entre os v os do parapeito Sentados no banco sob o p da zelkova um casal de colegiais uniformizados discutia algum assunto aparentemente s rio Duas jovens m es cuidavam de seus filhos que brincavam na caixa de areia crian as ainda em idade pr escolar Elas praticamente n o tiravam os olhos das crian as e mesmo assim conversavam entretidas Uma cena comum de um fim de tarde no parque Aomame observou durante um longo tempo o topo do escorregador onde n o havia ningu m Depois colocou a palma da m o sobre o ventre Fechou os olho
133. n o ser o seu cachorro ele n o tinha ningu m com quem conversar sobre o que aprendia e tampouco oportunidade de discutir algum assunto Mas Ushikawa tinha plena consci ncia de que era uma pessoa racional com uma l cida capacidade intelectual e que se exprimia de modo eloquente Empenhou se para lapidar sozinho suas aptid es Por exemplo ele lan ava uma proposi o e a debatia posicionando se de ambos os lados Primeiro ele argumentava exaustivamente a favor e depois passava a negar a proposi o criticando a e argumentando contra Em ambos os casos ele se dedicava causa com o mesmo desempenho em certo sentido com ntegra sinceridade a ponto de conseguir assimilar e se envolver de corpo e alma no debate Desse modo sem se dar conta ele desenvolveu a capacidade de se tornar c tico consigo mesmo O que para a grande maioria era uma verdade absoluta para ele n o passava de uma verdade relativa E ele aprendeu Aprendeu que n o h uma distin o n tida entre os valores subjetivos e objetivos como a maioria acredita existir e que se a linha divis ria entre eles n o clara n o seria tarefa dif cil deslocar intencionalmente esses valores Para tornar a l gica e a ret rica instrumentos persuasivos e eficazes ele foi adquirindo todo e qualquer conhecimento N o importava se o conhecimento seria til ou n o ou se naquele momento ele concordava com o que aprendia O conhecimento por ele adquirido n o se rest
134. n s Em resumo isso n o Provavelmente Eles dizem que a Cris lida de ar cont m in meras informa es importantes e que assim que a obra foi impressa e divulgada a voz se silenciou e a fonte se ocultou nas profundezas da terra Mas o que vem a ser exatamente essa tal informa o importante Nos ltimos quatro dias em que estive preso pensei muito a respeito disso disse Komatsu A Cris lida de ar n o um livro muito volumoso a hist ria de um mundo em que o Povo Pequenino aparece e desaparece Uma menina de dez anos a protagonista vive numa comunidade isolada O Povo Pequenino surge durante a noite e secretamente constr i uma cris lida de ar No interior dessa cris lida surge o alter ego da menina e a partir de ent o nasce a rela o maza e dohta Nesse mundo duas luas pairam no c u Uma grande e outra pequena ou seja simbolicamente representam a maza e a dohta Na hist ria a protagonista que deve ser a pr pria Fukaeri rejeita sua fun o como maza e foge da comunidade deixando para tr s a dohta No romance n o sabemos o que aconteceu com a dohta Tengo ficou um bom tempo observando o gelo que derretia dentro do copo Quem escuta a voz precisa da intermedia o da dohta disse Tengo atrav s da dohta que a pessoa consegue escutar a voz Ou melhor a dohta que traduz a voz em palavras compreens veis Para interpretar corretamente a mensagem que essa
135. na frente daquela casa de fora n o d para ver nada Mas creio que sempre h pessoas morando l Parece que no mundo existem muitos homens que batem nas mulheres A quantidade de pessoas que praticam o mal bem maior do que as que praticam o bem O velho novamente soltou uma gargalhada com a boca escancarada isso mesmo No mundo existem muito mais pessoas que fazem coisas ruins do que aquelas que fazem coisas boas De certa forma o velho parecia ter gostado de Ushikawa E isso o deixou desconfort vel Por falar nisso como a esposa do senhor Ogata perguntou Ushikawa num tom casual Para ser sincero n o sei quase nada sobre ela disse o velho franzindo veementemente as sobrancelhas como o esp rito de uma rvore seca Ela uma pessoa extremamente reservada Tenho o meu neg cio aqui h tempos mas s a vejo de vez em quando de relance e sempre a uma certa dist ncia Ela sai de carro com chofer e as empregadas que fazem todas as compras Tem tamb m um homem que deve ser o seu secret rio particular e que em geral se encarrega de resolver quase tudo De qualquer modo ela teve uma boa educa o e veio de uma fam lia rica por isso jamais conversaria diretamente com gente do pov o como n s o velho franziu as sobrancelhas e emoldurado pelas acentuadas rugas da face piscou para Ushikawa Segundo o velho de cara amarela o grupo que ele denominava sente do povo era const
136. nenhuma not cia de grande repercuss o N o engano seu Havia sim not cias de grande repercuss o Muitas pessoas no mundo perdiam suas vidas Para muitas as mortes eram tr gicas colis o de trens navios afundados e queda de avi es Uma guerra civil se estendia sem perspectivas de solu o com assassinatos e o lament vel massacre de civis Ocorriam secas devido s altera es clim ticas al m de enchentes e fome Aomame sentia uma sincera compaix o pelas pessoas envolvidas nessas trag dias e calamidades Apesar disso nenhum desses acontecimentos exercia uma influ ncia direta na vida atual de Aomame No parque infantil do outro lado da rua crian as da vizinhan a brincavam Gritavam alguma coisa entre elas em un ssono Pousados num telhado os corvos grasnavam entre si com um som agudo O ar tinha o cheiro do in cio do inverno em uma cidade grande De repente Aomame se deu conta de que desde que se mudou para aquele apartamento n o sentia nenhum desejo sexual N o sentia vontade de fazer sexo e tampouco se masturbava Talvez por estar gr vida sofrera uma altera o em seus horm nios De qualquer modo para Aomame isso era mais que desej vel Mesmo que tivesse vontade de transar n o haveria como resolver isso na situa o em que se encontrava O fato de ela n o menstruar tamb m era gratificante Seu per odo menstrual nunca fora penoso mas era como se tivesse tirado um peso que durante um longo tempo carregar
137. ningu m De agora em diante eu decido o que bom ou ruim e assumo a dire o que devo seguir Seja l quem for bom que saiba disso No dia seguinte s duas da tarde de quarta feira o telefone tocou O recado foi dado disse Tamaru como sempre sem as preliminares Agora ele est no apartamento Telefonei para ele hoje de manh Ele disse que estar no escorregador hoje noite s sete em ponto Ele se lembra de mim claro que sim E muito bem Ele tamb m estava sua procura Foi o que o L der me disse Que ele estava minha procura S saber isso j o bastante O cora o de Aomame se encheu de felicidade Nenhuma outra palavra do mundo fazia mais sentido para ela Ele ficou de trazer as coisas mais importantes como voc pediu Eu suponho que entre essas coisas ele deve trazer o romance que est escrevendo Certamente disse Aomame Verifiquei as redondezas daquele modesto pr dio e aparentemente estava tudo tranquilo N o vi nenhum suspeito sondando a rea O apartamento do cabe o do boneco da felicidade tamb m j estava vazio Est tudo calmo mas n o t o tranquilo Durante a madrugada os caras sorrateiramente deram um jeito na mercadoria e resolveram n o ficar muito tempo no local Eu observei atentamente toda a a o minha maneira e pelo que constatei acho que n o houve falhas por parte deles Que bom Mas ressalto que existe ap
138. nuvens ser grande elas surgiam sucessivamente uma ap s a outra Uma fonte inesgot vel no long nquo Polo Norte deve estar produzindo incessantemente essas nuvens Pessoas muito dedicadas em seus uniformes cinza escuros de tecido grosso estariam silenciosamente produzindo nuvens dia e noite obstinadas como as abelhas que fabricam o mel as aranhas que tecem suas teias e as guerras que fazem vi vas Tengo olhou o rel gio de pulso Faltava pouco para as oito No parque como era de se esperar n o havia ningu m De vez em quando algumas pessoas caminhavam apressadamente na rua em frente Seu modo de andar regressando s suas casas ap s um dia de trabalho era id ntico As janelas dos apartamentos do edif cio de seis pavimentos rec m constru do em frente ao parque estavam com as luzes acesas em pelo menos metade delas Numa noite de inverno e de ventos fortes a ilumina o criava uma atmosfera especial de um lar doce e aconchegante Tengo examinou as janelas iluminadas uma a uma como a observar de um pequeno barco de pesca um navio luxuoso flutuando no mar noturno Em todas elas as cortinas estavam fechadas como se os moradores em comum acordo decidissem deix las assim Ao observar o pr dio do topo do escorregador frio do parque noturno este parecia pertencer a outro mundo com princ pios e regras pr prias As pessoas que moravam do outro lado das cortinas teriam uma vida bem comum e provavelmente calma e feliz Uma vid
139. o N o me sinto mais insegura Nem hesitante Eu preciso me fortalecer ainda mais O meu corpo e a minha mente precisam se tornar um s Finalmente o sono se aproximou silenciosamente como uma fuma a a envolver lhe o corpo No c u ainda pairavam duas luas 24 Tengo Deixando a cidade dos gatos 0 corpo do pai de Tengo foi colocado num caix o simples vestido de maneira solene com o uniforme de cobrador da NHK impecavelmente bem passado Um caix o que provavelmente devia ser o mais barato N o passava de uma caixa de madeira um pouco mais resistente numa cor Clara que lembrava o p o de l extremamente simples Apesar de seu pai ser pequeno o corpo ocupava praticamente toda a extens o do caix o De compensado carecia de adornos O caix o pode ser esse mesmo perguntou o agente funer rio em tom cerimonioso para se certificar de que Tengo n o faria obje o Pode respondeu Tengo Seu pai escolhera aquele caix o do cat logo e o deixara pago Se o pr prio falecido n o tinha obje es Tengo tamb m n o haveria de ter O pai que estava dentro daquele caix o simples com o uniforme de cobrador da NHK n o parecia estar morto Era como se estivesse cochilando no intervalo do servi o e a qualquer momento fosse abrir os olhos colocar o bon e sair para fazer as cobran as pendentes A logomarca da NHK costurada no uniforme parecia parte de sua pele Ele nasceu neste mundo de uniforme e
140. o uma exist ncia inc moda n o s para mim como tamb m para Tamaru e se tornou um elemento perigoso que deve ser eliminado Mas e se por acaso Tamaru achar que por algum motivo desconhecido o meu encontro com Tengo n o apropriado o que ir acontecer Nesse caso Tamaru possivelmente vai eliminar quaisquer chances de eu me encontrar com Tengo Eu e Tamaru temos um sentimento rec proco muito pr ximo afei o N o h d vidas Mesmo assim sua prioridade seja qual for a situa o sempre ser a de promover o interesse e proporcionar a seguran a da velha senhora Esse o seu trabalho Ele n o agiria pensando exclusivamente em mim Ao pensar assim Aomame se sentiu insegura Ela n o tinha como saber em que ponto da escala de prioridades de Tamaru estava o fato de ela poder se encontrar e se unir a Tengo Revelar para Tamaru sobre Tengo pode ter sido um erro fatal Talvez tivesse sido melhor se ela pr pria houvesse tentado resolver a quest o entre ela e Tengo Mas agora n o havia mais volta Seja como for eu j revelei a situa o a Tamaru Eu n o tinha outra sa da O cabe o do boneco da felicidade provavelmente deve estar escondido naquele pr dio esperando eu voltar E se eu for l sozinha seria o mesmo que cometer suic dio E o tempo flui sem parar N o poderia deixar esse assunto pendente e apenas observar o desenrolar dos fatos Naquele momento a op o mais adequada era revelar o assu
141. o em v o nica coisa que se v o crep sculo envolto em semiescurid o como o pren ncio de morte iminente Isso tamb m pode ter sido algo que aquela garota deixou para tr s Ou quem sabe era a go que ela levou de mim pensou Ushikawa Mas de algum jeito Ushikawa conseguiu recuperar a energia Ficou at o final da tarde olhando pacientemente o material e anotando no caderno item por item as informa es mais relevantes separadas por assunto Ao se concentrar nessa tarefa ele finalmente conseguiu expulsar aquele sentimento de indefinida impot ncia O escrit rio come ou a ficar escuro e quando Ushikawa acendeu o abajur ele j come ava a achar que havia valido a pena desembolsar um valor t o alto para adquirir aquele material Ushikawa come ou pelo material coletado no clube esportivo Aomame passara a trabalhar no clube quatro anos antes e dava basicamente aulas de muscula o e artes marciais Tinha algumas turmas regulares que ela acompanhava e orientava O material coletado revelava que ela era uma instrutora competente e bem conceituada entre os associados Ao mesmo tempo em que dava aulas regulares tamb m aceitava dar aulas particulares O pre o dessas aulas era evidentemente mais caro mas para os que n o podiam frequentar as aulas convencionais ou que preferiam um ambiente mais privado elas eram muito convenientes Nesse sentido Aomame possu a muitos clientes particulares O hist rico cont
142. o apurada como um potente radar de ltima gera o Se aquela mulher for Aomame ela certamente voltar para procurar Tengo Ela n o deve saber que o pai de Tengo faleceu Essa era a hip tese que Ushikawa sustentava Possivelmente Tengo recebeu a not cia durante a noite e saiu logo pela manh E ao que parece deve haver algum motivo para que eles n o possam se comunicar por telefone Sendo assim ela com certeza voltar Mesmo ciente do risco que corre aquela mulher tem algo de muito importante para falar a Tengo Da pr xima vez aconte a o que acontecer Ushikawa a seguiria para descobrir o seu paradeiro Precisava planejar meticulosamente como fazer isso Quem sabe ao segui la ele consiga desvendar uma parte do mist rio e descobrir porque existem duas luas neste mundo Ushikawa queria saber como funcionava esse interessante mecanismo Mas isso era um assunto secund rio O importante era descobrir o esconderijo de Aomame e depois era s entreg la de bandeja com um bel ssimo la o de presente para aquela dupla de mal encarados At conseguir fazer isso preciso manter o senso pr tico sem me importar com as luas Esse o meu ponto forte Ushikawa foi at o est dio fotogr fico e entregou atendente cinco rolos com trinta e seis fotos cada Quando as fotos ficaram prontas ele foi at um restaurante caseiro das redondezas e enquanto comia frango com curry organizou as em ordem cronol gica A maioria era de m
143. o cart o de visitas O mesmo que entregara a Tengo e que especificava o seu cargo Diretor Efetivo Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes Ushikawa contou a mesma hist ria que inventara para Tengo Disse que Tengo Kawana ex formando daquela escola era um forte candidato como escritor a receber um aux lio financeiro da Funda o E que por isso precisava checar algumas informa es b sicas a respeito dele Que not cia maravilhosa disse a vice diretora sorridente uma honra para a nossa escola Teremos satisfa o de ajud lo no que for preciso Ser que posso conversar com a professora respons vel pela turma dele perguntou Ushikawa Vou verificar Como j se passaram vinte anos ela pode ter se aposentado Muito obrigado agradeceu Ushikawa Se poss vel gostaria de checar mais uma coisa O qu Talvez uma menina chamada Massami Aomame tenha estudado na mesma s rie que a do senhor Kawana Poderia por favor verificar se os dois estudaram na mesma classe A vice diretora esbo ou no rosto uma express o de ligeira desconfian a Existe alguma rela o entre a senhorita Aomame e o fato de o senhor Kawana receber o aux lio financeiro N o N o se trata disso que na obra liter ria escrita pelo senhor Kawana parece haver uma personagem com as caracter sticas da senhorita Aomame e nesse sentido n s da comiss o sentimos a necess
144. o da empresa Um documento de identidade antigo Registros de quita o do plano de aposentadoria e de sa de Alguns contracheques com descri es detalhadas de rendimentos que n o fazia sentido estarem ali havia tamb m alguns documentos das gratifica es recebidas por ocasi o da aposentadoria Para quem trabalhou mais de trinta anos como um camelo para a NHK o volume de coisas guardadas era muito pequeno Comparado aos registros do not vel desempenho de Tengo durante a escola prim ria os de seu pai eram quase nulos Para a sociedade a vida de seu pai n o valia nada mas para Tengo aquilo n o era verdade Para ele o pai deixou uma intensa e profunda sombra em seu cora o Acompanhada de uma caderneta de poupan a N o havia nenhum registro da vida de seu pai antes de ele come ar a trabalhar na NHK Era como se sua vida come asse a partir do momento em que se tornara cobrador da empresa O ltimo envelope pequeno continha uma foto em preto e branco Somente essa foto e mais nada Era uma foto antiga que al m de estar desbotada tinha uma fina camada a manchar lhe a superf cie como se a gua tivesse penetrado nela Era uma foto de fam lia O pai a m e e um beb Pelo tamanho o beb deve ter menos de um ano A m e vestida com um quimono est segurando o carinhosamente Atr s deles h um portal de um santu rio xinto sta Pelo tipo de roupas que eles usavam devia ser inverno e o fato de estarem num santu rio
145. o inabalavelmente unidos Mais do que ningu m disse Aomame Mais do que ningu m em qualquer mundo Aomame se corrigiu mentalmente Caso eu diga prosseguiu Tamaru que encontrar Tengo muito perigoso e me recusar a entrar em contato com ele voc vai dar um jeito de ir at o apartamento dele n o vai Com certeza farei isso Ningu m ser capaz de te impedir Acho que ser em v o Tamaru fez uma pequena pausa antes de prosseguir Qual o recado que preciso passar para Tengo Pe a para ele vir at o topo do escorregador ap s o anoitecer N o importa a hora desde que j tenha escurecido Diga que estarei esperando Ele vai entender Entendi Vou transmitir o recado ir at o topo do escorregador ap s o anoitecer Diga tamb m que se ele possui algo importante que n o quer deixar para tr s traga consigo Mas as m os devem estar livres Para onde ele vai levar essa bagagem Para longe disse Aomame O qu o longe N o sei disse Aomame Tudo bem Vou transmitir o recado desde que a madame autorize Vou me esfor ar para garantir a sua seguran a Do meu jeito Mesmo assim o perigo estar sempre por perto Eles est o desesperados Isso significa que voc precisa se proteger Sei disso disse Aomame calmamente Sua m o continuava apoiada no ventre N o somente eu pensou Ap s desligar o telefone Aomame desabo
146. o que viam era somente as nuvens brancas e a propaganda da Esso Ponha um tigre no seu tanque O tigre sorridente com o lado esquerdo do rosto voltado para os passantes sugeria que se consumisse mais gasolina O rabo listrado de laranja estava triunfalmente voltado para o c u Enfim as nuvens se dissiparam e a lua reapareceu no c u Havia uma nica lua A mesma lua amarela e solit ria de sempre Aquela velha e conhecida Lua que pairava em sil ncio sobre os campos que surgia sobre a superf cie calma do lago como um prato redondo e branco que discretamente iluminava o telhado da casa adormecida Aquela lua que levava a mar alta praia que iluminava suavemente os pelos dos animais selvagens e acolhia e protegia os viajantes noturnos Aquela mesma lua que s vezes se tornava uma afiada lua crescente e cortava a pele da alma Aquela lua nova que silenciosamente derramava sobre a superf cie da terra suas gotas escuras de solid o Essa lua estava posicionada bem acima da placa da Esso Ao lado dela n o havia nenhuma outra lua pequena esverdeada e deformada A lua pairava no c u em sil ncio sem acompanhante Ambos viam a mesma cena Aomame segurou a m o grande de Tengo sem dizer nada sensa o de refluxo havia desaparecido Voltamos para o ano de 1984 Aomame dizia a si mesma Aqui n o mais 1084 Aqui o antigo mundo de 1984 Mas era aquilo mesmo Era poss vel voltar para mundo anterior de modo t o f
147. o sei O ideal seria perguntar os detalhes para o pr prio Ushikawa mas como eu disse h pouco ele n o est em condi es de responder O homem fez uma breve pausa e prosseguiu Voc deve ser algu m que possui uma liga o com aquela jovem que foi ao Hotel kura n o Esse um tipo de pergunta que est fadada a n o ter resposta Eu j me encontrei com essa mulher Basta dizer lhe isso E gostaria que voc transmitisse um recado para ela Estou ouvindo N s n o temos a inten o de fazer lhe mal disse o homem At onde sei voc s estavam desesperadamente procura dela Isso mesmo N s estamos procura dela h um certo tempo Mas est me dizendo que voc s n o querem fazer mal a ela disse Tamaru Qual seria a raz o disso Antes de o homem responder houve um breve sil ncio Num determinado ponto a situa o mudou claro que muitas pessoas lamentam a morte do L der Mas isso j aconteceu e o assunto est encerrado O L der estava doente e sofrendo e em parte ele pr prio desejava p r um ponto final nessa dor Por isso de nossa parte resolvemos n o ir mais atr s dela O que queremos agora conversar Sobre o qu Um assunto de interesse comum Isso n o passa de uma solicita o que conveniente somente para voc s Ela pode n o querer isso H uma margem para negocia o N s temos algo para lhes oferecer como a lib
148. o valor de dois meses como garantia mais um m s de aluguel e dois meses de taxa de gratifica o Apesar de o aluguel n o ser t o caro e de o valor da garantia ser devolvido integralmente na rescis o do contrato o montante n o era t o pequeno Como precisara pagar o Morcego as economias de Ushikawa estavam escassas Mas na atual situa o precisava alugar esse apartamento de qualquer forma N o havia outra sa da Ushikawa voltou para a imobili ria e assinou o contrato de loca o fazendo o pagamento em dinheiro que havia providenciado de antem o O contrato foi feito em nome da Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes Ushikawa ficou de entregar posteriormente a c pia do registro da empresa O rapaz n o parecia preocupado com a papelada Assim que Ushikawa assinou o contrato ele novamente lhe entregou a chave Senhor Ushikawa se o senhor quiser pode se mudar hoje mesmo Luz e gua j est o ligadas mas quanto ao g s pe o que entre em contato diretamente com a companhia fornecedora pois ser necess rio que o pr prio locat rio solicite a liga o O que o senhor pretende fazer com o telefone O telefone eu mesmo providencio disse Ushikawa Contratar uma linha com a companhia telef nica era muito trabalhoso e os t cnicos precisariam entrar no apartamento O mais pr tico seria usar o telefone p blico que havia perto dali Ushikawa retornou para o apartamento rec m alu
149. ou talvez pudesse lev lo at o local em que ela estava N o consigo pensar em outra explica o Quer dizer que enquanto Ushikawa estava vigiando esse algu m o outro lado percebeu e decidiu colocar um ponto final Creio que sim disse o rapaz de cabelo rente Ele trabalhava sozinho e acabou se aproximando demais de um local perigoso Ele deve ter obtido alguma pista relevante e quis ver logo o resultado Se tivesse montado uma equipe teria se protegido mais e n o iria terminar desse jeito Voc conversou diretamente com esse homem Voc acha que h alguma possibilidade de marcarmos um encontro para conversar com Aomame N o sei dizer Se Aomame n o quiser conversar conosco creio que n o teremos nenhuma possibilidade de marcar esse encontro Eu percebi essa nuance pelo modo como o homem falou comigo ao telefone Tudo vai depender dela Eles deveriam estar gratos por termos nos disposto a esquecer o que aconteceu ao L der e garantir a seguran a dela Eles querem mais informa es Por que n s queremos nos encontrar com Aomame Por que estamos propondo uma tr gua O que de fato queremos negociar Se eles querem saber isso significa que n o possuem as informa es corretas Isso mesmo Por outro lado n s tamb m n o temos nenhuma informa o segura a respeito deles Sequer sabemos os motivos que os levaram a planejar e executar o assassinato do nosso L der Seja como for enquanto aguardamos a r
150. ou trocavam beijos r pidos e agitados como um casal de passarinhos O parque por m era pequeno demais para tanta ilumina o Geralmente eles ficavam um tempo ali mas acabavam desistindo por n o conseguirem ficar vontade e pouco depois iam para outro lugar Algumas pessoas passavam no parque para utilizar o banheiro p blico e ao depararem com a porta trancada ficavam decepcionadas ou irritadas e iam embora Havia um funcion rio que na volta do servi o sentava se sozinho no banco e ficava quieto de cabe a baixa possivelmente dando um tempo para passar a embriaguez Ou talvez ele apenas n o quisesse voltar direto para casa Havia tamb m um idoso solit rio que costumava passear durante a noite com o cachorro O cachorro tinha um ar tristonho tal qual o do idoso e ambos pareciam desanimados Mas na maior parte do tempo o local ficava vazio Nem sequer um gatinho passava por l Somente a luz impessoal da l mpada de merc rio iluminava os balan os o escorregador a caixa de areia e o banheiro p blico trancado Ao observar durante um tempo esse cen rio Aomame tinha a impress o de que fora abandonada em algum planeta desabitado Era como naquele filme que mostra o mundo ap s a guerra nuclear Como era mesmo o nome daquele filme A hora final Mesmo sentindo se abandonada Aomame continuou a observar atentamente o parque como um marujo que sozinho sobe at o topo de um mastro bem alto para descobrir algum cardume o
151. p blico trancado parecia uma tela pronta para levar uma picha o Nada havia no local capaz de alegrar o cora o ou estimular a imagina o Quem sabe numa agrad vel tarde de maio pudesse existir algo capaz de proporcionar isso mas numa noite de dezembro de fortes ventos n o havia chances Ser que Tengo marcou algum encontro neste parque Ser que ele est esperando algu m Ushikawa achava que n o O comportamento de Tengo n o parecia o de uma pessoa que estivesse aguardando algu m Ele entrou no parque e sem se ater a outros brinquedos foi direto para o escorregador Era como se em sua mente s existisse esse brinquedo naquele parque Tengo veio at o parque somente para subir no escorregador Era assim que Ushikawa interpretava a cena Ele teve a impress o de que n o era de hoje que Tengo gostava de subir no escorregador para refletir Para Tengo o topo do escorregador de um parque noturno devia ser o local adequado para pensar no enredo do romance e elucidar quest es matem ticas Quanto mais o entorno estiver escuro quanto mais frio soprar o vento e quanto mais sofr vel for o parque maior deve ser a atividade de seu c rebro Ushikawa n o conseguia imaginar como um escritor ou um matem tico desenvolvia seus pensamentos Seja como for a nica coisa que a mente pr tica de Ushikawa lhe dizia era que ele devia continuar a observ lo atenta e pacientemente Os ponteiros do seu rel gio de pulso indicavam exatament
152. passou a existir dentro de mim Ser que isso tamb m fazia parte do acordo Aomame fechou os olhos e parou de pensar Ao esvaziar a mente algo parecia fluir silenciosamente dentro dela Sem querer percebeu que estava orando Pai nosso que estais no C u santificado seja o Vosso Nome venha a n s o Vosso Reino Perdoai nossos pecados Conceda nos a Vossa b n o em nossa humilde caminhada Am m Por que estou orando numa hora dessas se n o acredito no C u no Para so ou em Deus Mas essa ora o parece esculpida em minha mente Desde quando eu tinha tr s quatro anos antes de eu entender o significado dessas palavras fui obrigada a decor la Se eu errasse uma nica palavra eles batiam bem forte na minha m o Mesmo que normalmente isso n o fosse dito quando acontecia algo essa ora o surgia como uma tatuagem secreta O que minha m e diria se soubesse que fiquei gr vida sem ter tido rela o sexual Para ela seria um tremendo sacril gio contra sua f Afinal isso n o deixava de ser um tipo de gravidez imaculada Obviamente Aomame n o era mais virgem mas mesmo assim Ou quem sabe sua m e nem se desse ao trabalho de prestar aten o ou dar ouvidos quilo Para ela eu sou uma tola um ser humano imperfeito que despencou de seu mundo Aomame tentou pensar na quest o de outro modo Em vez de buscar uma explica o plaus vel para algo implaus vel procurou olhar o fen meno sob outro
153. pelo diabo e cheio de ambi o ultrapassou os t nues limites Numa opera o de risco ele foi pego e ap s sofrer as penalidades criminais foi expulso da Ordem dos Advogados de T quio Ushikawa desligou o r dio e fumou um Seven Stars Iragou bem fundo a fuma a e soltou a lentamente Aproveitou a lata vazia de p ssegos em calda para improvisar um cinzeiro Se continuasse a viver assim provavelmente sua morte ocorreria em circunst ncias lastim veis Era uma quest o de tempo at ele pisar em falso e despencar sozinho na escurid o Se desaparecesse agora deste mundo possivelmente ningu m notaria Ningu m escutaria seu grito de socorro emitido de dentro dessa escurid o Mesmo ciente disso at que a morte chegasse ele teria de continuar a viver e para isso teria de viver a seu modo Apesar de n o ser digno de elogios era o nico modo que afinal ele conhecia e que lhe permitia sobreviver Para conduzir essa vida que n o era digna de elogios Ushikawa possu a uma capacidade acima do normal s duas e meia uma garota com bon de beisebol saiu do pr dio Sem levar nada nas m os ela passou rapidamente diante do olhar de Ushikawa que assim que a viu rapidamente apertou o bot o de acionamento autom tico e tirou tr s fotos com apenas um disparo Era a primeira vez que a via Uma garota magra de bra os e pernas compridos e rosto bonito Tinha uma boa postura e parecia uma bailarina Devia ter uns dezesseis ou dezessete
154. ponto de vista considerando o como algo por si s enigm tico Ser que considero essa gravidez como uma coisa boa que merece ser celebrada Ou ser que ela ruim e indesejada Por mais que pensasse n o conseguia chegar a uma conclus o Estou numa fase em que o medo me assombra Estou hesitante e confusa Dividida Ainda n o consegui enfrentar e digerir essa nova situa o Ao mesmo tempo ela n o podia deixar de admitir sua vontade de proteger essa pequena fonte de energia Independentemente do que fosse Aomame se sentia zelosa e queria acompanhar o seu crescimento claro que havia inseguran a e medo Zso era algo que ia al m de sua imagina o Um corpo estranho e hostil que a devoraria internamente Algumas possibilidades negativas espocavam em sua mente Mesmo assim ela tinha uma curiosidade saud vel E por fim um pensamento lhe ocorreu lan ando um raio de luz na escurid o O ser que est dentro do meu tero pode ser o filho de Tengo Aomame franziu levemente as sobrancelhas e durante um tempo pensou nessa possibilidade Por que tenho de conceber o filho de Tengo Vamos tentar pensar na seguinte hip tese Naquela noite turbulenta em que v rios fatos ocorreram sucessivamente alguma coisa deve ter acontecido neste mundo e o s men de Tengo alcan ou o meu tero Uma passagem especial imposs vel saber por que raz o foi aberta entre os trov es a chuva intensa a escurid o e o assassinato
155. pouco mais forte Senhorita Takai sei que est a dentro por isso n o vamos complicar as coisas Abra a porta por favor Voc est a e sei que est escutando a minha voz Aomame pegou a pistola que estava sobre a mesa da cozinha e liberou a trava de seguran a Envolveu a com uma toalha de m o e segurou a coronha Ela n o tinha ideia de quem era aquele homem nem o que queria De qualquer modo o sujeito parecia hostil e estava decidido a faz la abrir a porta Desnecess rio dizer que naquele momento aquela era uma situa o que ela estava longe de desejar Finalmente o homem parou de bater e sua voz novamente ecoou pelos corredores Senhorita Takai estou aqui para cobrar a taxa de recep o da NHK isso mesmo A NHK de todos n s Sei que est a Trabalho h muito tempo como cobrador e sei distinguir quem realmente est ausente e quem est se passando por ausente Por mais que voc n o fa a barulho as pessoas deixam um sinal de presen a As pessoas respiram o cora o bate o est mago faz a digest o Por isso senhorita Takai eu sei que neste momento voc est a dentro do apartamento Est aguardando que eu desista e v embora N o tem inten o de abrir a porta nem de me atender Porque voc n o quer pagar a taxa de recep o O homem falava em voz exageradamente alta Uma voz que ecoava por todo o corredor Algo que sem d vida era premeditado O intuito era o de chamar o nome da
156. que realmente havia a necessidade de pensar olhando para o c u no topo do escorregador numa noite de inverno e de ventos fortes No entanto Ushikawa n o tinha o direito de criticar Era ele que por sua pr pria vontade vigiava e seguia Tengo Sendo assim por mais que Ushikawa tivesse que passar por situa es adversas n o era culpa de Tengo Ele era um cidad o livre e como tal possu a o direito de contemplar o c u o quanto e onde quisesse independentemente de ser primavera ver o outono ou inverno Mesmo ciente disso Ushikawa sentia muito frio E fazia tempo que estava com vontade de urinar O jeito era aguentar firme O banheiro p blico estava trancado e o cadeado parecia bem forte Por mais que a rua estivesse deserta n o era o caso de ele urinar em p ao lado da cabine telef nica Vamos l Que tal irmos embora logo pensava Ushikawa enquanto tentava manter os p s firmes no ch o Por mais que voc esteja absorto em pensamentos entregue aos sentimentos ou observando os astros creio que voc tamb m deve estar com muito frio n o Tengo Volte logo para o seu apartamento e se aque a Sei que ningu m nos espera mas seria bem melhor do que ficar aqui Tengo por m parecia n o querer se levantar Um tempo depois finalmente parou de olhar o c u mas em seguida resolveu observar o pr dio de apartamentos do outro lado da rua Um edif cio novo de cinco andares em que metade das janelas estava com
157. queria que voc soubesse disso Enquanto eu estiver viva preciso me encontrar com Tengo Tenho algo a transmitir a ele Vou me lembrar disso disse Tamaru Mas saiba que levarei em conta somente enquanto houver espa o para isso Obrigada disse Aomame Vou ter de levar esse assunto para a madame uma quest o delicada N o posso decidir sozinho De qualquer modo vou desligar N o saia mais do apartamento Tranque a porta e fique a dentro Se voc sair a coisa pode se complicar Se j n o tiver se complicado Em compensa o conseguimos obter algumas informa es sobre o oponente Est certo disse Tamaru conformado Pelo que voc me contou sei que est agindo com precau o Isso eu tenho de admitir Mas n o se descuide Ainda n o sabemos o que ele est planejando Se levarmos em considera o as atuais circunst ncias possivelmente o grupo Sakigake deve estar por tr s disso Voc ainda possui aquilo que te entreguei n o Com certeza Melhor mant la por perto Farei isso Houve um breve sil ncio antes de ele recolocar o fone no gancho Aomame afundou na gua quente da banheira branca e enquanto aquecia demoradamente o corpo pensou em Tengo No Tengo que podia ou n o morar no apartamento do terceiro andar daquele pr dio antigo Em sua mente surgia a imagem daquela porta de a o grosseira e da placa com o nome dele na caixa de correio A placa onde se
158. queria se acostumar com o cen rio Preciso aceitar isso do jeito que tentava se convencer N o havia como explicar o porqu de isso estar acontecendo Naquele momento n o era o caso de ele investigar a fundo essa quest o O importante era como se adequar quela situa o Isso sim era uma quest o fundamental E para in cio de conversa ele precisava aceitar aquele cen rio sem contesta es Ushikawa permaneceu cerca de quinze minutos naquele parque com o corpo recostado no corrim o do escorregador tentando se adaptar ao novo cen rio Como um mergulhador que precisa de um tempo para se adaptar mudan a de press o ele se deixava banhar pela luz emitida pelas luas fazendo o seu corpo se acostumar luminosidade Seu instinto lhe dizia que isso era muito importante Um tempo depois o homenzinho com a cabe a disforme se levantou desceu do escorregador e concentrado em indescrit veis reflex es voltou caminhando para o apartamento As v rias coisas que formavam a paisagem ao redor pareciam diferentes de quando passara havia pouco Deve ser por causa da luz da lua pensou Ushikawa Aquela luminosidade deve ter deslocado as coisas Por isso algumas vezes quase deixei de virar uma esquina ou outra Antes de entrar no pr dio ele olhou a janela do apartamento de Tengo para ver se a luz estava acesa O professor grandalh o da escola preparat ria ainda n o havia voltado Pelo visto ele n o foi somente j
159. respondeu que n o tinha ideia O rapaz de cabelo rente o fitou por um tempo com um olhar sem profundidade Em seguida indagou Se voc fosse obrigado a levantar uma hip tese o que diria apesar de ele usar um vocabul rio formal e educado soava for ado nada espont neo Sua voz era extremamente dura e fria como uma r gua de metal que ficou na geladeira durante muito tempo Komatsu hesitou um pouco diante da pergunta mas como estava sendo for ado a respond la arriscou que estava ali por causa da Cris lida de ar Em parte era o que ele realmente achava e al m disso n o conseguia pensar em nenhuma outra raz o E Komatsu desconfiava de que aqueles rapazes pertenciam ao grupo religioso de Sakigake e que o local para onde o haviam levado era a sede deles Uma hip tese que Komatsu formulou desde o in cio O rapaz de cabelo rente n o confirmou nem negou a hip tese de Komatsu Ele apenas fitou o em sil ncio Komatsu se calou Vamos ent o conversar com base nessa sua hip tese disse o rapaz Est bem Tudo bem respondeu Komatsu Eles estavam tentando tocar indiretamente no assunto Isso era um bom sinal Se n o tivessem a inten o de deix lo vivo n o teriam o trabalho de fazer esse tipo de abordagem Voc um editor contratado por uma empresa e foi o respons vel pela publica o do romance Cris lida de ar de Eriko Fukada Estou certo Komatsu confirmou a informa o que de cer
160. ria Um estudante de matem tica de longa data costuma falar de modo sucinto Voc tem visto a lua ultimamente perguntou de repente Tengo Esse seu amigo era provavelmente a nica pessoa a quem Tengo poderia indagar sobre a lua sem gerar algum tipo de desconfian a Ap s pensar a respeito o amigo respondeu J que tocou no assunto n o me lembro de ter olhado para ela recentemente H algo de errado Quando tiver um tempinho voc poderia dar uma olhada Gostaria de ouvir as suas impress es sobre a lua Impress es Sob que ponto de vista Qualquer um Apenas quero que me diga o que lhe veio mente ao v la Houve um breve sil ncio N o sei se vou conseguir expressar direito o que penso N o se preocupe O importante dizer francamente o que a lua possui de mais caracter stico para voc Voc quer que eu olhe para a lua e aponte o que eu acho que ela tem de mais caracter stico Isso mesmo disse Tengo Se n o achar nada tudo bem mesmo assim Hoje o c u est nublado e creio que n o vai dar para ver a lua mas assim que o tempo melhorar darei uma olhada Se eu me lembrar claro Tengo agradeceu e desligou o telefone Se ele se lembrar Esse um dos problemas dos matem ticos de plant o As quest es que n o lhes interessam s o rapidamente esquecidas Ao encerrar o hor rio de visitas Tengo se despediu da enfermeira Tamura no balc o da recep
161. se assustou e ficou um bom tempo olhando o rosto de Ushikawa Ah mesmo Tem raz o Ent o como precau o o senhor poderia deixar o seu cart o pessoal ou algum outro documento Ushikawa tirou da carteira o mesmo cart o de sempre Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes e o entregou ao rapaz Senhor Ushikawa disse o rapaz com uma express o s ria ao ler o nome escrito no cart o E no momento seguinte desfez a express o que acabara de esbo ar que o senhor n o parecia uma pessoa capaz de fazer algo ruim Agrade o a confian a disse Ushikawa esbo ando um sorriso t o falso quanto o cargo de Diretor Efetivo que constava no cart o Era a primeira vez que algu m lhe dizia isso Para Ushikawa o rapaz devia ter achado a apar ncia dele chamativa demais para fazer algo ruim O rapaz podia descrever suas particularidades com muita facilidade Daria para desenhar num piscar de olhos o seu retrato falado Se o divulgassem com certeza o pegariam em menos de tr s dias O apartamento n o era t o ruim quanto imaginava Como o de Tengo ficava dois andares acima no terceiro pavimento obviamente era imposs vel vigi lo diretamente mas poderia observar de sua janela a porta da frente Poderia controlar a entrada e a sa da de Tengo e at tirar fotos do rosto dele com a lente telesc pica Para garantir o aluguel do apartamento Ushikawa precisava pagar antecipadamente
162. se fechar Realmente j estava na hora de ir embora Ele tirou f rias do trabalho e veio at esta cidade para tentar reencontrar a Aomame de dez anos dentro da cris lida de ar E todos os dias durante quase duas semanas ele visitava o pai na casa de sa de e lia em voz alta um livro Mas a cris lida de ar n o apareceu Em compensa o quando ele estava pensando em desistir Kumi Adachi preparou para ele um jeito diferente de lidar com o poder da imagina o E com isso ele reencontrou a menina Aomame e conversou com ela Me encontre enquanto ainda houver tempo foi o que ela disse N o Quem realmente disse isso pode ter sido Kumi Adachi Ele n o sabia Mas isso era o de menos Kumi Adachi morreu uma vez e renasceu N o para ela mas para algu m Ap s ela dizer isso que ele passou a acreditar no que escutava Isso que devia ser importante Provavelmente Essa a cidade dos gatos H uma coisa que s se pode obter aqui Foi por isso que ele pegou o trem e veio Mas para tudo o que se obt m aqui h um risco Se ele confiar na sugest o de Kumi Adachi esse risco pode ser fatal Seu polegar pinica e lhe diz que algo ruim est se aproximando Preciso voltar para T quio Antes de a sa da se fechar Enquanto o trem ainda para na esta o pensou Tengo Mas antes ele precisava passar na casa de sa de Precisava encontrar o pai e se despedir dele Havia tamb m mais uma coisa que ele precisava verificar 1
163. se livrar pacificamente dos inc modos intrusos O rapaz de cabelo rente cruzou os bra os Gostar amos que aceitasse essa nossa proposta Para eles tanto faz se voc s v o explodir em mil peda os ou n o mas provocar um estrondo nesse momento trar muitos inc modos para eles Por isso senhor Komatsu vamos lhe ensinar o caminho de fuga Ficaremos na retaguarda e os conduziremos at um local seguro Em troca o que queremos de voc que pare de publicar a Cris lida de ar N o fa a mais reimpress es ou edi es de bolso claro que isso inclui n o veicular novos an ncios De agora em diante vai cortar as rela es com Eriko Fukada O que me diz Creio que isso algo que voc pode fazer N o vai ser f cil mas posso tentar Talvez eu consiga disse Komatsu Senhor Komatsu n s n o o trouxemos at aqui para que a conversa fique no n vel do talvez os olhos do rapaz de cabelo rente ficaram ainda mais vermelhos e o olhar ainda mais penetrante N o estamos pedindo para que retire todos os livros que est o em circula o Se fizer isso a m dia certamente vai se alvoro ar Tamb m sabemos que voc n o tem tanto poder a ponto de conseguir fazer isso O que estamos pedindo que tente resolver as coisas discretamente O que j foi feito n o tem jeito Uma coisa danificada nunca mais volta a ser como antes O que eles desejam que o livro n o chame mais a aten o do p blico Est me enten
164. sem pensar em nada N o talvez sua consci ncia estivesse pensando em algo Mas de qualquer modo esse pensamento ficava como que reprimido sob a superf cie da gua Ela desconhecia o que sua pr pria consci ncia fazia sob essa superf cie mas regularmente ela emergia do mesmo modo que tartarugas do mar e golfinhos vez por outra colocam a cabe a para fora d gua para respirar Nessas horas que ela descobria que at ent o sua consci ncia permanecera pensando A consci ncia ent o enchia os pulm es de ar fresco e novamente submergia e desaparecia Aomame voltava a n o pensar em mais nada Ela se tornava um equipamento de vigil ncia envolto num delicado casulo com o olhar concentrado no escorregador Ela olhava para o parque mas ao mesmo tempo n o olhava Se alguma coisa diferente ocorresse diante de seus olhos imediatamente teria uma pronta resposta de sua consci ncia Mas naquele momento nada de novo acontecia N o havia ventos Os galhos secos e escuros da zelkova permaneciam im veis como sondas afiadas voltadas para o c u O mundo estava admiravelmente parado Ela olhou para o rel gio e viu que eram oito horas O dia parecia terminar sem que nada de novo acontecesse Era uma noite tranquila de domingo O mundo saiu de sua in rcia s oito e vinte e tr s Subitamente ela viu um homem no alto do escorregador Ele estava sentado e olhando uma determinada parte do c u Ela sentiu um aperto no cora o como se
165. ser um engano uma ilus o auditiva 25 Ushikawa Fa a frio ou n o Deus est presente Voc n o vai morrer assim t o f cil disse o homem atr s dele Era como se houvesse lido os pensamentos de Ushikawa Voc s perdeu a consci ncia durante um tempo Mas faltou pouco para o seu fim Era uma voz desconhecida Impessoal desprovida de emo o Nem alta nem baixa nem s ria nem amistosa Como a voz que anuncia os hor rios de partida e chegada dos voos ou a conjuntura do mercado de a es Que dia da semana hoje Um pensamento desconexo passou pela mente de Ushikawa Deve ser a noite de segunda feira N o o correto seria dizer que j estamos na ter a Senhor Ushikawa disse o homem Posso cham lo de Ushikawa Ushikawa permaneceu calado Um sil ncio de vinte segundos que foi quebrado sem aviso com um soco r pido e certeiro no seu rim esquerdo Um golpe silencioso e extremamente forte desferido pelas costas Uma dor lancinante perpassou todo o seu corpo Os rg os pareciam se contorcer e at a intensa dor amenizar um pouco Ushikawa n o conseguia sequer respirar direito Somente um tempo depois que um reprimido gemido seco escapou lhe pela boca Educadamente fiz uma pergunta Gostaria de ouvir sua resposta Se voc ainda n o consegue falar basta mexer a cabe a para concordar ou discordar Isso se chama educa o disse o homem Posso cham lo de Ushikawa Ush
166. serem decifrados s cinco e meia preparou uma refei o simples e jantou N o que estivesse com fome mas como havia comido pouco no almo o achou melhor forrar o est mago Preparou uma salada de alga wakame com tomate e uma fatia de torrada Quando eram seis e quinze vestiu uma jaqueta de veludo cotel verde oliva sobre uma blusa de gola alta preta e deixou o apartamento Ao sair do pr dio parou para dar uma olhada ao redor Nada lhe chamou a aten o N o havia ningu m escondido atr s do poste de eletricidade e tampouco um carro suspeito estacionado Lembrou se ent o de que naquele dia o corvo n o aparecera Mas ao contr rio do que esperava essas coisas o deixaram preocupado Ele passou a desconfiar de que todos que n o pareciam poderiam estar vigiando o sorrateiramente a mulher que caminhava com uma cesta de compras o idoso que em sil ncio passeava com o seu c o os colegiais que pedalando suas bicicletas com raquetes de t nis no ombro passavam por Tengo sem prestar aten o nele Enfim todos poderiam ser olheiros de Sakigake habilmente disfar ados Estou ficando paranoico pensou Tengo Preciso ficar atento mas n o a ponto de me tornar neur tico Tengo apressou se em dire o esta o De vez em quando olhava rapidamente para tr s para ver se algu m o seguia Caso houvesse algu m ele certamente n o deixaria de notar pois al m de possuir uma vis o perif rica acima do normal a sua a
167. significava que poderia ser ano novo A m e estreita os olhos ofuscados pela luz do sol e sorri O pai vestindo um casaco escuro um pouco grande para o seu tamanho est com a testa franzida de modo a ressaltar duas profundas rugas horizontais A express o de seu rosto a de quem n o costuma aceitar as coisas t o facilmente O beb no colo parece confuso entre a imensid o do mundo e o frio que o cerca O jovem pai da foto s podia ser o pai de Tengo O rosto est bem mais jovem mas desde aquela poca j havia nele alguns tra os de senilidade precoce Era magro e tinha os olhos fundos Era o t pico rosto de um campon s pobre de uma aldeia miser vel Teimoso e desconfiado O cabelo era curto e as costas ligeiramente vergadas N o havia d vidas de que aquele era o seu pai Se aquele era o seu pai o beb s podia ser Tengo e a mulher que segurava o beb s podia ser sua m e A m e era um pouco mais alta que o pai e tinha uma boa postura O pai devia ter mais de trinta anos e a m e uns vinte e cinco Era a primeira vez que Tengo via aquela foto At ent o ele nunca tinha visto uma imagem que pudesse chamar de foto de fam lia Nunca tinha visto uma foto de quando era beb Seu pai havia lhe explicado que a vida deles era muito dif cil que n o tinham condi es de comprar uma c mera fotogr fica e tampouco podiam se dar ao luxo de tirar uma foto em fam lia Tengo sempre acreditou nisso Mas era mentira Havia sim uma f
168. solo numa noite tempestuosa desceu do escorregador em sil ncio Depois passou sob a luz da l mpada de merc rio e saiu do parque Ushikawa hesitou mas achou melhor n o continuar a segui lo Tengo deve voltar direto para o apartamento pensou Um pensamento providencial pois Ushikawa precisava urgentemente urinar Ele aguardou Tengo se distanciar e quando a imagem dele saiu de seu campo visual entrou no parque e urinou nos arbustos atr s do banheiro p blico numa rea pouco iluminada e escondida dos olhares alheios Sua bexiga estava completamente cheia Ap s levar um bom tempo urinando tempo suficiente para um longo comboio de carga atravessar uma ponte de ferro ele levantou o z per fechou os olhos e suspirou um suspiro profundo e aliviado Os ponteiros do rel gio indicavam oito e dezessete Tengo ficara cerca de quinze minutos sentado no escorregador Ap s se certificar de que Tengo n o estava mais na rea Ushikawa subiu no escorregador com suas pernas curtas e arqueadas Sentou se na no ltimo degrau gelado e olhou na dire o em que Tengo estivera olhando Ushikawa queria descobrir o que ele observava com tanta aten o A vis o de Ushikawa n o era ruim Ele tinha astigmatismo raz o pela qual o olho direito e o esquerdo eram ligeiramente assim tricos mas para os afazeres cotidianos ele n o necessitava usar culos No entanto por mais que ele concentrasse o olhar n o conseguiu enxergar nenhuma estre
169. sua cabe a Era um saco pl stico Parecia ser um saco pl stico grosso para congelar alimentos Em seguida um el stico grosso e comprido foi amarrado em torno de seu pesco o Ele quer me sufocar intuiu Ushikawa Ao tentar respirar sua boca se enchia de pl stico e as narinas ficavam obstru das Os pulm es necessitavam desesperadamente de ar mas a busca era in til O saco pl stico grudou em seu rosto e literalmente moldou se como uma m scara mortu ria Em quest o de segundos os m sculos do corpo come aram a sofrer convuls es Ushikawa tentou esticar os bra os para arrancar o pl stico mas suas m os n o o obedeciam bem amarradas nas costas O c rebro inflou como um bal o e de t o cheio era como se fosse explodir Ushikawa quis gritar precisava urgentemente de oxig nio Mas a voz n o sa a A l ngua se dilatou dentro da boca e a consci ncia foi se esvaindo Finalmente o el stico do pesco o foi desamarrado e o saco pl stico removido de sua cabe a Ushikawa p s se a respirar desesperadamente para encher os pulm es de ar Durante alguns minutos respirou intensamente com o corpo inclinado como um animal que tenta morder algo fora do alcance Que tal o fundo do mar indagou o homem ap s aguardar a respira o de Ushikawa voltar ao normal voz era totalmente desprovida de emo o Voc at que foi bem fundo Deve ter visto muitas coisas que n o conhecia n o Uma experi ncia valiosa U
170. tenho nada a ver com isso pensou Com o tempo seu corpo frio come ou a se aquecer e simultaneamente sua consci ncia se desligava dando espa o a um sono profundo Finalmente o pequeno n cleo gelado ocupou novamente a r gida posi o em sua alma No dia seguinte nada aconteceu que fosse digno de registro Dois dias depois era s bado Esse dia tamb m foi quente e tranquilo Muitas pessoas dormiram por quase toda a manh Ushikawa estava sentado perto da janela e com o volume baixo escutava pela r dio o notici rio as informa es sobre o tr nsito e as previs es meteorol gicas Um pouco antes das dez um corvo grande apareceu e permaneceu um bom tempo parado no degrau sem gra a da entrada do pr dio O corvo observava atentamente o entorno e vez por outra seus gestos pareciam acenos de cabe a Seu enorme bico grosso movimentava se para cima e para baixo e suas penas exuberantes reluziam com a luz do sol O carteiro de sempre aproximou se do pr dio com sua motocicleta vermelha e o corvo ainda que relutante abriu as enormes asas e al ou voo Depois soltou um breve e nico grasnido Assim que o carteiro foi embora ap s distribuir as correspond ncias em suas respectivas caixas um bando de pardais pousou em frente ao pr dio e em alvoro o foi de um lado a outro procura de algo interessante Ao constatarem n o haver nada voaram de novo sem perda de tempo Em seguida apareceu um gato listrado Devia ser algum gat
171. tese Para organizar o material sobre as Testemunhas de Jeov Ushikawa gastou muito tempo Al m de o volume ser grande a maior parte n o era til Consistia de relat rios quantitativos das contribui es que os familiares de Aomame fizeram em prol das atividades religiosas Atrav s desses relat rios n o havia d vidas de que eram fi is zelosos e dedicados Eles passaram a maior parte de suas vidas propagando os ensinamentos das Testemunhas de Jeov O atual endere o dos pais de Aomame estava registrado na cidade de Ichikawa prov ncia de Chiba Em trinta e cinco anos eles mudaram de casa duas vezes mas em ambos os casos o endere o constava como sendo na mesma cidade O pai Takayuki Aomame 58 trabalhava numa empresa de engenharia e a m e Keiko Aomame 56 n o tinha ocupa o O primog nito Keiichi Aomame 34 trabalhou numa pequena gr fica na cidade de T quio ap s se formar na escola secund ria da prefeitura de Ichikawa mas ap s tr s anos saiu do emprego e come ou a trabalhar no centro das Testemunhas de Jeov em Odawara Na matriz trabalhou no setor da gr fica imprimindo panfletos religiosos e atualmente ocupava um cargo de dire o Cinco anos atr s casou se com uma das adeptas e tiveram dois filhos Morava num apartamento alugado em Odawara O hist rico da filha mais velha Massami Aomame terminava aos onze anos poca em que ela abandonou a religi o As Testemunhas de Jeov perdem totalmente o inte
172. tinha a ver com isso Ela devia ser apenas uma garota de recados Aquela que entrega o material e em troca recebe o dinheiro Essa deveria ser sua nica fun o Ap s a pequenina jovem deixar o escrit rio Ushikawa permaneceu um bom tempo olhando a porta com um crescente sentimento de des nimo Olhava a porta que a jovem acabara de fechar atr s de si O escrit rio muito preservava os ind cios de sua presen a Talvez essa garota tenha levado uma parte da alma de Ushikawa em troca Ele conseguia sentir no fundo de seu cora o aquele novo vazio Por que ser que isso acontece estranhou Ushikawa O que ser que isso significa Decorridos dez minutos Ushikawa finalmente se recuperou e tomou coragem de abrir os envelopes Eles estavam lacrados com v rias camadas de fita adesiva Estavam abarrotados de folhas impressas materiais fotocopiados e documentos originais Ushikawa n o tinha ideia de como o Morcego conseguia juntar tamanha quantidade de material em t o pouco tempo Como sempre precisava tirar o chap u e reconhecer a compet ncia dele Por outro lado ele n o p de deixar de sentir um profundo des nimo diante de tamanha quantidade de documentos Por mais que eu busque nessas pilhas de pap is ser que realmente encontrarei algo Ser que paguei um dinheir o em troca de um monte de pap is in teis O que sinto uma profunda impot ncia como algu m que esfrega os olhos para enxergar o fundo do po
173. totalmente in til Minha intui o pode n o valer nada e devo estar apenas desgastando os meus nervos nesse quarto vazio sem chegar a lugar algum E o mesmo que acontece com a cabe a da est tua da divindade iz protetora das crian as que se desgasta de tanto as crian as passarem a m o nela Ap s o meio dia Ushikawa comeu uma ma algumas bolachas com queijo e um bolinho de arroz cozido com recheio de ameixa azeda em conserva Depois encostado na parede deu um breve cochilo Um cochilo curto e sem sonhos Ao despertar por m n o se lembrava de onde estava Sua mem ria era uma perfeita caixa vazia quadrada Dentro dessa caixa n o havia nada Ushikawa olhou esse vazio Mas ao observar atentamente notou que n o estava vazia caixa era um quarto semiescuro desocupado e frio sem nenhuma mob lia Um local desconhecido Sobre o jornal que estava no canto desse quarto havia sementes de ma Ushikawa ficou confuso Por que estou num lugar t o estranho Finalmente ele se lembrou de que estava vigiando a entrada do pr dio em que Tengo morava Agora sei o porqu dessa c mera reflex Minolta com uma lente telesc pica Ushikawa tamb m conseguiu se lembrar daquele idoso de orelhas compridas e cabelos brancos que saiu sozinho para caminhar Como o retorno das aves no bosque ao anoitecer a caixa vazia foi gradativamente sendo preenchida com mem rias Dois fatos concretos vieram tona 1 Eriko Fukada deixou
174. um an o malvado na floresta escura estaria esbo ando um sorriso funesto Ele de prop sito se exp s no topo do escorregador e me trouxe at aqui para me capturar isso Ele sabe que estou procura de Tengo e usou isso como isca Um homem sujo e astuto Ele conhece o meu ponto fraco Esse seria o nico jeito de fazer com que eu abrisse a porta Ap s verificar se n o havia ningu m por perto Aomame tirou a pistola da parte de tr s da cal a jeans Liberou a trava de seguran a e para poder us la rapidamente colocou a no bolso do casaco segurando com a m o direita a coronha e mantendo o dedo no gatilho Com o polegar esquerdo apertou a campainha O som ecoou no interior do apartamento Um som tranquilo Completamente discrepante do ritmo veloz de seus batimentos card acos Ela aguardou a porta se abrir com a m o na pistola mas ela n o se abriu N o havia ind cios de que algu m estivesse olhando pelo olho m gico Ela aguardou um tempo e tocou de novo a campainha O som voltou a ecoar no apartamento Desta vez foi t o alto que possivelmente as pessoas do bairro de Suguinami levantaram a cabe a e apuraram os ouvidos A m o direita de Aomame come ou a suar na coronha da pistola Nada aconteceu Acho melhor desistir Seja quem for o morador do 303 chamado Kawana no momento ele est ausente E em algum lugar deste pr dio aquele cabe o do boneco da felicidade permanece escondido arriscado demais eu ficar aqui
175. v timas da viol ncia dom stica n o era algo especialmente estranho Era uma atitude saud vel e ben fica um servi o em prol da sociedade Ela possu a recursos financeiros e as mulheres que ela generosamente auxiliava sentiam uma imensa gratid o por esse ato Mas os apartamentos que serviam de abrigo possu am um esquema de seguran a exagerado o port o de entrada refor ado com in meros cadeados o pastor alem o e as c meras de monitoramento Ushikawa n o podia deixar de considerar que o local era seguro demais A primeira coisa que Ushikawa verificou foi o nome do propriet rio do terreno e da casa em que a velha senhora morava Essas informa es eram p blicas e bastava ir prefeitura para rapidamente obt las Tanto o terreno quanto a casa estavam registrados no nome dela N o estavam hipotecadas Estava tudo s claras Por se tratar de um patrim nio pessoal o imposto anual sobre bens im veis era alto mas isso era o de menos para uma pessoa como ela O imposto sucess rio sobre a heran a era igualmente exorbitante mas isso tamb m n o parecia ser um problema Uma postura rara entre os ricos experi ncia de Ushikawa ensinou lhe que n o existe gente que mais odeia e evita pagar impostos do que os ricos Ap s a morte do marido ela continuou a viver sozinha naquela enorme mans o N o morava exatamente sozinha pois era presum vel que houvesse alguns empregados vivendo no local Ela teve dois filhos O mais velho ass
176. vel que uma pessoa como T engo estivesse envolvida numa conspira o para matar o L der Ushikawa tinha um apre o pessoal por Tengo Ele era um rapaz humilde e honesto Independente e autoconfiante E como normalmente se nota em pessoas de grande porte s vezes faltava lhe a disposi o de tomar alguma iniciativa mas n o era de agir furtiva e trai oeiramente Era um tipo que uma vez decidido seguia em frente firme e de cabe a erguida Um perfil que nunca daria certo como advogado ou corretor da bolsa de valores Seria uma quest o de tempo at algu m puxar o seu tapete para derrub lo num momento crucial Mas como professor de matem tica e escritor tinha grandes chances de se sair bem Tengo n o era uma pessoa social e eloquente mas atra a a aten o de um certo tipo de mulher Em outras palavras Tengo era o oposto de Ushikawa Por outro lado Ushikawa pouco sabia a respeito de Aomame As nicas informa es eram que a fam lia dela era fiel devota das Testemunhas de Jeov e que desde que se entendia por gente era obrigada a acompanhar a m e nas prega es Na quinta s rie abandonou a religi o e foi morar na casa de parentes no distrito de Adachi Possivelmente ela n o aguentava mais aquela vida Por sorte possu a uma grande aptid o f sica e do gin sio ao colegial destacou se como uma ex mia jogadora de softball chamando a aten o das pessoas Conseguiu obter uma bolsa de estudos e cursou a faculdade de e
177. 0 Ushikawa Reunir provas concretas Ushikawa foi para Ichikawa com o sentimento de sair em excurs o mas na verdade Ichikawa era uma das primeiras cidades da prov ncia de Chiba ao atravessar o rio e portanto n o era t o distante do centro da capital Ele pegou um t xi em frente esta o e informou o nome da escola prim ria Passava da uma da tarde quando chegou escola O hor rio de almo o tinha acabado e as aulas da tarde haviam come ado Da sala de m sica ouviam se vozes cantando em coro e na quadra os alunos jogavam futebol na aula de educa o f sica Crian as gritavam correndo atr s da bola Ushikawa n o tinha boas recorda es de seu tempo de escola As aulas de educa o f sica eram o seu ponto fraco sobretudo quando a atividade envolvia jogos com bola Ele era baixo corria pouco e tinha astigmatismo Era como se tivesse nascido sem coordena o motora Educa o f sica era realmente um pesadelo Mas em compensa o nas demais mat rias suas notas eram excelentes Era inteligente e muito estudioso tanto que aos vinte e cinco anos foi aprovado no exame para o magistrado estatal Mas as pessoas de seu conv vio n o gostavam dele nem o tratavam com respeito Talvez o fato de ele tamb m n o ser bom nos esportes pode ter sido um agravante para que o tratassem assim Suas fei es tamb m n o ajudavam Desde crian a seu rosto era grande e sua cabe a disforme Os l bios grossos arqueados para baixo
178. Enquanto co ava com a palma da m o a sua cabe a deformada se concentrou Procurou tatear as profundezas da mem ria como se estivesse colocando a m o num buraco fundo cheio de lama N o fazia muito tempo que ele havia escutado aquele nome Isso teria sido algo recente Prov ncia de Chiba Cidade de Ichikawa Escola prim ria Foi ent o que sua m o finalmente agarrou a ponta de uma corda fina Tengo Kawana pensou Ushikawa isso Tengo Kawana era de Chiba E se n o me engano ele tamb m estudou na escola p blica municipal daquela regi o Ushikawa pegou o arquivo contendo informa es pessoais sobre Tengo no arm rio de documentos Meses atr s por solicita o de Sakigake ele havia coletado informa es sobre Tengo Ushikawa folheou os arquivos e encontrou o hist rico escolar dele Os dedos gordos logo encontraram a informa o que precisava Era o que pensava Massami Aomame e Tengo Kawana frequentaram a mesma escola A contar pela data de nascimento provavelmente estudaram na mesma s rie Se eram da mesma turma ou n o era algo que ainda precisava verificar Mas as chances de se conhecerem era grande Ushikawa levou o Seven Stars boca e o acendeu Sentiu na pele que as coisas estavam come ando a fazer sentido Entre um ponto e o outro as linhas estavam sendo devidamente tra adas Ushikawa n o sabia que tipo de desenho se formaria mas com o tempo conseguiria identificar o seu esbo o Aomame voc
179. Era o meu Deus Um Deus que encontrei ap s sacrificar minha pr pria vida deixar cortar minha carne tirar minha pele sugar meu sangue arrancar minhas unhas e usurpar meu tempo meus desejos e minhas lembran as Um Deus que n o possui forma Ele n o est vestindo roupas brancas e sua barba n o comprida O meu Deus n o possui uma doutrina uma escritura sagrada e tampouco r gidos preceitos a serem seguidos N o h recompensas nem castigos N o oferece nada nem tira nada N o h um para so a ser alcan ado nem inferno para se despencar Tanto no calor quanto no frio Deus simplesmente est presente Aomame costumava se lembrar do que o L der de Sakigake lhe dissera um pouco antes de morrer Ela jamais esquecer aquela voz de bar tono Assim como jamais esquecer a sensa o de enfiar a agulha em sua nuca Onde houver a luz existir a sombra e onde houver a sombra existir a luz N o existe sombra sem luz nem luz sem sombra N o se sabe se o que denominamos Povo Pequenino pode ser considerado bom ou ruim De certa forma algo que est aqu m de nossa capacidade de compreens o e defini o Convivemos com eles desde os tempos imemoriais muito antes de existir a concep o do bem e do mal desde o tempo em que se desconhecia a consci ncia humana Deus e o Povo Pequenino s o exist ncias antag nicas Ou s o lados de uma mesma coisa Aomame n o tinha resposta A nica coisa que ela sabia era que dentro dela
180. Fukaeri n o tivemos nenhuma rela o sexual disse Tengo categoricamente olhos nos olhos do interlocutor Ent o est bem disse Komatsu com outro Marlboro na boca e estreitando os olhos enquanto o acendia com um f sforo Era isso que eu precisava saber Fukaeri sem d vida uma garota bonita que chama aten o Mas como voc mesmo deve saber acabei me envolvendo nessa hist ria sem querer Mesmo contra a vontade Por mim gostaria de evitar maiores complica es Al m do mais naquela poca eu via uma outra mulher J entendi disse Komatsu Voc um homem inteligente e de bom car ter Vou transmitir sua resposta para o professor Desculpe me por te aborrecer com essa pergunta N o fique preocupado N o estou preocupado Apenas achei estranho N o entendo por que esse tema veio tona justo agora disse Tengo ap s uma pausa E qual o assunto que voc disse que precisava falar comigo Komatsu bebeu o chope e pediu ao barman um highball de u sque escoc s com soda O que voc vai beber Komatsu perguntou para Tengo O mesmo respondeu T engo Dois highballs em copos altos foram colocados sobre a mesa Em primeiro lugar disse Komatsu ap s uma longa pausa preciso deixar claro algumas circunst ncias embara osas Afinal n s estamos no mesmo barco Quando digo n s me refiro a n s quatro voc eu Fukaeri e o professor Ebisuno
181. Mas o trabalho de cobran a da NHK tamb m n o devia ser f cil disse a enfermeira mura comendo um peixe cozido Acho que n o disse Tengo De qualquer modo n o era um trabalho que Tengo se daria bem Mas seu pai era muito bom n o era disse Kumi Adachi Realmente ele era muito bom disse Tengo Ele me mostrou o diploma de distin o disse Kumi Nossa Ia me esquecendo disse a enfermeira mura colocando o hashi na mesa Estava me esquecendo completamente Que burrice a minha Como que fui me esquecer de uma coisa t o importante Me espere aqui Tenho uma coisa que preciso te entregar impreterivelmente hoje A enfermeira mura limpou a boca com o guardanapo levantou se e deixando a comida pela metade saiu do refeit rio s pressas O que ser t o importante indagou Kumi inclinando o pesco o Tengo n o fazia ideia Enquanto aguardava o retorno da enfermeira mura Tengo fazia for a para comer a salada levando a sem nimo at a boca Havia poucas pessoas no refeit rio Numa das mesas havia tr s idosos e nenhum deles conversava Na outra estava um senhor de cabelos grisalhos vestido de branco mas como estava sozinho ele comia lendo um jornal vespertino com a express o s ria Finalmente a enfermeira mura voltou com passos r pidos Ela trazia uma sacola de papel de uma loja Tirou de dentro dela um uniforme cuidadosamente passado e dobrado H
182. O carpete grosso e o ar est denso e estagnado Os vidros da janela vibram com a trovoada Ela sente medo Ela n o sabe o que pode estar l Pode ser uma pessoa Ou um animal Ou algo que n o seja nem homem nem animal Mas um tempo depois essa coisa finalmente deixa o quarto N o pela porta nem pela janela Independentemente de como tenha sa do os ind cios dessa presen a v o se atenuando at desaparecerem por completo No quarto n o existe mais ningu m a n o ser ela Tateando ela acende a luz da cabeceira Levanta se da cama ainda nua para averiguar o quarto Na parede oposta h um buraco Um buraco de tamanho suficiente para uma pessoa passar por ele ainda que com certa dificuldade Mas esse buraco n o era est vel Ele mudava de forma e girava Tremia mudava de lugar aumentava e diminu a Parecia ter vida Alguma coisa deixou o quarto atrav s desse buraco Ela d uma espiada nele Parece ser uma passagem para outro lugar Mas a nica coisa que ela consegue enxergar a mais completa escurid o Uma escurid o densa a ponto de poder ser cortada em peda os e tomada na m o No entanto ao mesmo tempo Aomame sente medo Seu cora o bate seco emitindo um som frio e indiferente O sonho termina a No segundo tipo de sonho ela est em p margem da Rodovia Metropolitana Ela tamb m est nua As pessoas presas no congestionamento observam na de seus carros sem cerim nia Homens na maioria Mas tamb m h mulh
183. Os dois sa ram do quarto Nos pr ximos dez dias Komatsu permaneceu sozinho e em sil ncio naquele quarto apertado Tr s vezes ao dia o mesmo jovem com a m scara trazia lhe as refei es n o muito apetitosas No quarto dia trouxeram lhe um conjunto de pijama de algod o para se trocar mas s o deixaram tomar banho no ltimo dia Durante o per odo em que esteve l Komatsu lavava o rosto na pequena pia do banheiro A no o do tempo foi ficando cada vez mais incerta Komatsu tinha a impress o de que estava na sede do grupo Sakigake em Yamanashi Ele havia visto a imagem do local num notici rio da T V Era totalmente cercado por muros no meio das montanhas como se fosse um reino independente Seria imposs vel fugir ou pedir socorro Se ele fosse morto esse seria provavelmente o significado da sa da n o muito agrad vel mencionada pelo rapaz de cabelo rente jamais encontrariam seu corpo Era a primeira vez na vida que Komatsu sentia a morte t o real t o pr xima Dez dias depois de ele telefonar para a empresa provavelmente foram dez dias mas ele n o tinha certeza finalmente os dois reapareceram O rapaz de cabelo rente parecia um pouco mais magro que da vez anterior e por isso seus maxilares estavam ainda mais proeminentes Os olhos g lidos agora estavam vermelhos Ele sentou se na cadeira dobr vel que trazia consigo como da vez anterior e ficou de frente para Komatsu com a mesa entre eles Durante um bom tempo
184. Por isso que estou aqui neste momento Uma exist ncia completamente passiva Em outras palavras sou uma an nima de papel secund rio e me sinto confusa como se estivesse no meio de uma n voa Mas n o deve ser s isso pensou Aomame N o deve ser s isso N o sou s uma pessoa que foi trazida para c passivamente merc de um plano tra ado por outra pessoa Pode at ser mas ao mesmo tempo sei que vim para c por escolha pr pria Decidi estar aqui por vontade pr pria Ela estava convicta disso A raz o de eu estar aqui clara H um nico motivo encontrar Tengo e me unir a ele Esse o motivo principal de eu existir neste mundo Se olharmos pelo sentido inverso esse o nico motivo de este mundo existir dentro de mim Como espelhos colocados frente a frente refletindo uma imagem ao infinito isso pode ser um paradoxo sem fim Eu fa o parte desse mundo e esse mundo parte de mim Aomame n o tinha como saber que tipo de enredo continha a nova hist ria escrita por Tengo O que ela conseguia intuir era que possivelmente havia duas luas pairando no c u E que o Povo Pequenino tamb m fazia parte dela Por outro lado ao mesmo tempo em que Tengo escreve a hist ria a hist ria tamb m minha Aomame estava certa disso Ela descobriu isso ao reler o trecho em que a protagonista fazia uma cris lida de ar no dep sito durante a noite junto com o Povo Pequenino Enquanto Aomame
185. Possivelmente um fen meno moment neo E n s utilizamos eficazmente essa passagem Meu corpo aproveitou essa oportunidade para avidamente receber Tengo e assim engravidei Meu vulo de n mero 201 ou quem sabe o de n mero 202 acolheu um de seus milhares de espermatozoides Um nico espermatozoide saud vel inteligente e sincero como quem o produziu sem d vida uma ideia disparatada Sem nenhum fundamento Por mais que eu tente explicar ningu m ir acreditar em mim Mas minha gravidez algo inacredit vel preciso levar em conta que estou em 1084 um mundo onde coisas estranhas podem acontecer E se for realmente o filho de Tengo pensou Aomame Naquela manh no acostamento da Rota 3 da Rodovia Metropolitana eu n o consegui puxar o gatilho Eu estava decidida a me matar e por isso fui at l e coloquei o cano da arma dentro da minha boca Eu n o temia a morte e estava prestes a tirar a minha vida para salvar a de Tengo Mas alguma for a agiu em mim fazendo com que eu desistisse de morrer Uma voz long nqua chamava o meu nome Ser que era porque eu estava gr vida Ser que algu m estava me avisando que uma nova vida estava dentro de mim Aomame lembrou se do sonho em que uma mulher elegante de meia idade cobria o seu corpo nu com um casaco Ela desceu do Mercedes Benz prateado e trouxe um casaco leve e macio cor de gema de ovo Ela sabia Ela sabia que eu estava gr vida E com esse gesto ela
186. Ser que este homem tem algum problema para escolher as palavras Ou ser que estou nervoso demais Acho que poderei estar no topo do escorregador s sete da noite disse Tengo Se por algum motivo n o for poss vel ir ao encontro estarei l no mesmo hor rio amanh Est bem O senhor sabe exatamente de que escorregador se trata Acho que sei Tengo olhou o rel gio Ainda faltavam onze horas at o hor rio combinado A prop sito eu soube que seu pai faleceu no domingo Aceite minhas condol ncias disse o homem Tengo agradeceu mecanicamente e pensou Como que ele sabe disso Ser que o senhor poderia me falar algo sobre Aomame disse Tengo Coisas como onde ela est e o que ela faz Ela solteira e trabalha como instrutora num clube esportivo de Hiroo uma excelente profissional mas devido a certas circunst ncias no momento ela est afastada do trabalho Por coincid ncia h algum tempo ela est morando bem perto de sua resid ncia Outras informa es acho melhor o senhor ouvir diretamente dela N o poderia me dizer por que ela est passando por uma situa o tensa O homem n o respondeu Ele deixava espontaneamente de responder coisas que n o queria ou que n o via a necessidade de dizer Tengo n o sabia o motivo mas tinha ao seu redor muitas pessoas desse tipo Ent o hoje s sete horas no topo do escorregador disse o homem
187. Tamaru Nenhuma em especial respondeu Aomame E o cobrador da NHK N o apareceu mais Aquilo de dizer que voltaria deve ter sido apenas da boca pra fora Talvez disse Tamaru Colocamos o pagamento da taxa de recep o da NHK em d bito autom tico e afixamos uma nota na porta informando isso Qualquer cobrador certamente prestar aten o nela Entrei em contato com a NHK e eles disseram que provavelmente trata se de um equ voco do cobrador Basta n o dar aten o a ele N o bem assim Queremos evitar qualquer coisa que possa chamar a aten o dos vizinhos Al m do mais sou do tipo que se preocupa com um equ voco O mundo est cheio de pequenos equ vocos O mundo o mundo eu sou eu disse Tamaru Se algo a preocupar n o importa o qu o insignificante voc ache que seja quero que me mantenha informado Alguma novidade sobre Sakigake Est tudo muito quieto como se nada tivesse acontecido Mas creio que algo deve estar ocorrendo sob a superf cie algo que de fora n o temos como saber Ouvi dizer que existem informantes infiltrados na organiza o Temos acesso a algumas informa es mas elas n o passam de informa es perif ricas de menor import ncia Parece que a press o grande e eles est o extremamente cuidadosos A torneira est bem fechada Mas que continuam atr s de mim disso n o h d vidas n o Ap s a
188. Tengo parou para refletir sobre isso Ser que ultimamente havia feito algo para se distrair N o conseguia se lembrar E se n o conseguia se lembrar era porque n o tinha feito nada O pr prio conceito de se soltar e deixar o c rebro espairecer parecia inexistente para ele Acho que n o muito admitiu Tengo s pessoas s o diferentes umas das outras H diversas maneiras de pensar e de sentir Assim como h diversas maneiras de se embriagar disse a enfermeira dando risadinhas Mas acho que voc tamb m precisa espairecer Tengo Acho que voc est certa disse Tengo Os dois continuaram a caminhada noturna durante um tempo de m os dadas e em sil ncio Tengo estava um pouco incomodado com a mudan a de como ela falava com ele Quando ela usava o traje de enfermeira sua linguagem era evidentemente polida e formal Mas com roupas comuns e possivelmente por estar alcoolizada passara a dizer tudo o que pensava sem travas na l ngua Esse seu jeito informal de falar era familiar para Tengo Algu m falava desse mesmo jeito Algu m que ele encontrara havia pouco tempo Tengo por acaso voc j experimentou haxixe Haxixe resina do c nhamo Tengo respirou fundo o ar noturno em seus pulm es e expirou N o ainda n o Pois ent o voc n o quer dar uma experimentadinha indagou Kumi Adachi Vamos fumar juntos Tenho no meu quarto Voc tem haxix
189. a Sinto muito mas acho que n o vou devolver a Heckler amp Koch disse Aomame Tudo bem Aceite a como um presente Se ela se tornar um inc modo jogue a na ba a de T quio O mundo dar um pequeno passo na dire o do desarmamento Acho que no final n o vai ser preciso usar a pistola Isso parece ir contra o princ pio de Tchekhov N o importa O fato de voc conseguir superar os obst culos sem ter de us la timo Estamos bem perto do final do s culo XX Hoje as coisas s o muito diferentes da poca de Tchekhov N o h mais carruagens nas ruas nem mulheres de espartilho O mundo conseguiu de algum modo sobreviver ao nazismo bomba at mica e m sica moderna Durante esse per odo ocorreu uma mudan a radical no modo de escrever romances Portanto n o se preocupe disse Tamaru Mas tenho uma pergunta a lhe fazer Voc ficou de se encontrar com Tengo hoje noite s sete horas Se tudo der certo disse Aomame Caso voc s se encontrem o que ir o fazer no topo do escorregador Vamos ver a lua Muito rom ntico disse Tamaru em tom de admira o 21 Tengo O mundo todo insuficiente Na quarta de manh quando o telefone tocou Tengo estava em pleno sono Ele s conseguira adormecer perto do amanhecer e o u sque que havia tomado ainda circulava em seu corpo Ele se levantou da cama e se surpreendeu ao ver o dia j totalmente claro Tengo Ka
190. a A professora Toshie ta recebeu Ushikawa numa das salas de aula ap s a sa da dos alunos Tinha cerca de cinquenta anos Sua apar ncia contrastava com a da vice diretora refinada da escola prim ria de Ichikawa A professora ta era baixa gorda e seu jeito de andar era t o esquisito que vendo a de costas parecia um crust ceo Ela usava culos pequenos de aro dourado mas como a dist ncia entre as sobrancelhas era grande nesse intervalo brotavam pequenas penugens Vestia um blazer que parecia ser de l de idade indeterminada mas que certamente j estava fora de moda na poca em que fora confeccionado Exalava um leve cheiro de naftalina e era cor de rosa mas de um tom estranho de rosa como se outra cor houvesse sido misturada a ele por acidente Provavelmente a inten o era obter uma cor distinta e elegante mas no final o rosa resultou numa cor t mida enrustida e conformada Em contraste a blusa branca e nova sob o blazer parecia uma pessoa indiscreta infiltrada num vel rio Os cabelos secos com alguns fios brancos estavam presos com uma presilha de pl stico escolhida ao acaso Tr s rugas finas marcavam nitidamente o seu pesco o como se fossem entalhes dos an is da vida Ou quem sabe eram o sinal de que tr s de seus desejos haviam sido concretizados Mas Ushikawa achou improv vel que essa ltima hip tese tivesse realmente acontecido Ela fora professora de Tengo da terceira s rie at o ltimo ano do prim ri
191. a N o havia d vida de que duas luas uma grande e outra pequena pairavam sobre a zelkova desfolhada Elas pareciam estar desde a noite anterior im veis aguardando pacientemente o retorno de Ushikawa Elas sabiam Sabiam que ele voltaria O sil ncio ao redor era sugestivo como se houvesse sido preparado com anteced ncia Elas queriam que Ushikawa tamb m compartilhasse do sil ncio Elas mantinham o dedo indicador coberto com uma fina camada de cinzas sobre os l bios e lhe diziam para n o falar disso com ningu m Sentado no escorregador Ushikawa movimentou os m sculos do rosto de diversas maneiras Queria se certificar de que n o sentiria algo anormal ou estranho N o sentiu nada anormal ou estranho Para o bem ou para o mal era o seu rosto de sempre Ushikawa se considerava um homem realista E de fato ele era N o era do tipo que gostava de fazer especula es metaf sicas Se realmente existia algo ali independentemente de ser l gico ou n o ele precisava aceitar aquilo como um fato Esse era o seu modo de pensar Princ pios e l gica n o faziam surgir a realidade A realidade vinha antes e s depois apareciam o princ pio e a l gica Por isso Ushikawa decidiu aceitar a exist ncia das duas luas no c u como um fato O restante ele pensaria depois Esfor ando se para n o pensar em outras coisas ele se concentrou em somente observar as luas Uma grande e amarela e a outra pequena esverdeada e disforme Ele
192. a TV O cobrador n o se convenceu disso mas ap s murmurar seu desagrado n o disse mais nada e se foi Ser que era o mesmo cobrador daquela vez Se n o lhe falhava a mem ria ele tamb m o chamara de ladr o Mas um tanto estranho o mesmo cobrador voltar um ano depois e dizer que o conhecia muito bem Eles conversaram somente cinco minutos diante da porta Deixe estar pensou Tengo O importante que Fukaeri n o abriu a porta Esse cobrador n o deve voltar Eles precisam cumprir uma cota e est o cansados de enfrentar as desagrad veis discuss es com aqueles que se recusam a pagar Por isso para evitar um desgaste desnecess rio eles percorrem os locais de cobran a f cil e evitam os de dif cil arrecada o Tengo olhou novamente a depress o que seu pai deixara na cama e lembrou dos v rios pares de sapatos usados por ele Os pares que seu pai gastou para percorrer as rotas de cobran a diariamente durante v rios anos eram de perder a conta Todos os sapatos aparentemente eram id nticos Pretos de sola resistente extremamente pr ticos e de couro barato Ele os usava at o couro rasgar o calcanhar deformar e o cal ado ficar totalmente imprest vel Toda vez que o menino Tengo via aqueles sapatos completamente gastos e deformados ele sentia muita pena O sentimento de comisera o n o era em rela o ao pai mas aos sapatos Eles o faziam lembrar aqueles pobres animais de carga beira da morte a
193. a o disse Tengo Aomame balan ou a cabe a e soltou a m o de Tengo Voltando se para a frente continuou a subir as escadas Minutos depois Aomame subiu todas as escadas e chegou na Rota 3 da Rodovia Metropolitana A escada de emerg ncia n o estava bloqueada A intui o dela estava correta e o esfor o foi recompensado Antes de pular a cerca de ferro ela limpou com o dorso da m o as l grimas geladas de seus olhos Rota 3 da Rodovia Metropolitana disse Tengo surpreso Permaneceu um tempo calado apenas observando ao redor aqui a sa da do mundo respondeu Aomame Aqui o local por onde se entra e sai deste mundo Ao pular a cerca a minissaia de Aomame subiu at as coxas e Tengo ajudou a segurando a pelas costas Do outro lado da cerca havia espa o suficiente para estacionar dois carros Era a terceira vez que Aomame ia quele local Diante dela havia a mesma placa enorme da Esso Ponha um tigre no seu tanque O mesmo slogan o mesmo tigre Descal a ela ficou em p diante da placa petrificada e sem palavras Ela respirava bem fundo o ar noturno cheio de gases de escapamento Um ar que mais do que qualquer outro lhe proporcionava um frescor estimulante Voltamos pensou consigo N s voltamos para c A via expressa estava supercongestionada como da vez anterior As fileiras de carros que seguiam em dire o a Shibuya praticamente n o avan avam Ao ver essa cena ela fi
194. a o detalhada sobre Aomame antes de ela se encontrar com o L der E n o encontrei nada contra ela Mas ela se aproximou do L der com a inten o de mat lo e de fato cumpriu a tarefa Voc falhou no seu trabalho e eles ir o fazer com que voc assuma a responsabilidade Em todo caso voc n o passa de algu m de fora descart vel Al m disso voc sabe de coisas demais sobre o que se passa dentro do grupo Para sobreviver voc precisa entregar a cabe a de Aomame isso Ushikawa concordou Sinto muito disse o homem Sinto muito ao escutar essas palavras a cabe a deformada de Ushikawa come ou a pensar sobre o significado delas Foi ent o que lhe ocorreu uma coisa Foi voc que planejou o assassinato do L der indagou Ushikawa O homem n o se deu ao trabalho de responder No entanto Ushikawa entendeu que o sil ncio dele n o era uma resposta negativa O que voc pretende fazer comigo perguntou Ushikawa O que vou fazer Para falar a verdade ainda n o sei Vou pensar com calma a respeito Tudo depende de como voc vai se portar disse Tamaru Ainda tenho algumas perguntas a fazer Ushikawa concordou Quero que voc me diga o telefone do seu contato de Sakigake Deve ter algu m a quem voc se reporta uma esp cie de encarregado Ushikawa hesitou mas acabou passando o telefone Aquela altura n o valia a pena dar a vida para tentar esconder essa informa
195. a pois a performance era simplesmente impec vel Tengo n o era muito bom de karaok mas resolveu cantar pelo menos uma m sica de Yosui Inoue de que se lembrava vagamente Ap s algumas doses a jovem enfermeira Adachi que n o era de falar muito come ou a se soltar ficando alegre e atrevida Com o efeito do lcool as bochechas coradas ganharam uma colora o bronzeada dando lhe uma apar ncia ainda mais saud vel Ria toa at com piadas bobas e sem gra a e com o tempo foi se apoiando de forma insinuante no ombro de Tengo A enfermeira mura que era alta e sempre andava com uma caneta espetada no coque havia trocado de roupa estava de vestido azul num tom um pouco abaixo do marinho e soltara o coque Os cabelos soltos a deixavam com uma apar ncia tr s ou quatro anos mais nova e sua voz estava uma oitava mais baixa A postura de profissional gil e eficiente era substitu da por uma mais tranquila Era como se ela ganhasse uma personalidade diferente A nica que praticamente continuou sendo a mesma tanto na apar ncia quanto na personalidade era a enfermeira Tamura com seus culos de aro dourado Esta noite as crian as est o sob os cuidados de uma vizinha disse a enfermeira mura voltando se para Tengo Meu marido est trabalhando no turno da noite e n o est em casa nessas horas que a gente precisa sair e se divertir vontade sem preocupa es importante espairecer N o acha Ten
196. a Tempo era o que eles tinham de sobra Tempo suficiente para recuperar o tempo perdido Tempo que os dois podiam compartilhar juntos N o precisavam ter pressa O tigre sorridente da placa da Esso segurava o bico da bomba de combust vel e lan ava um olhar amistoso para os dois de m os dadas De repente Aomame percebeu que alguma coisa estava diferente da vez anterior Durante um bom tempo ela n o conseguiu discernir o que era Estreitou os olhos e se concentrou Foi ent o que ela notou que o tigre da propaganda estava com o lado esquerdo do rosto voltado para eles Da outra vez em que estivera l e que ela se lembrava ele estava com o lado direito voltado para o mundo O tigre estava invertido O rosto de Aomame se contorceu O cora o come ou a bater em descompasso Sentiu alguma coisa dentro dela em refluxo Ser que posso afirmar isso com certeza Minha mem ria est certa Aomame n o estava segura Era apenas uma impress o A mem ria s vezes trai oeira Aomame guardou a d vida para si Por enquanto achou melhor n o falar disso Fechou os olhos fez voltar ao normal a respira o e as batidas do cora o e aguardou a passagem das nuvens As pessoas nos carros observavam os dois com os vidros das janelas abertos O que ser que aqueles dois est o olhando t o atentamente l no alto Por que est o firmemente de m os dadas Alguns inclusive esticavam o pesco o para olhar na mesma dire o que eles Mas
197. a aranha continuava sentada no balc o de recep o No peito havia um crach plastificado escrito Tamaki Vou voltar para T quio disse Tengo para a enfermeira Tamaki Sinto muito que seu pai n o recobrou a consci ncia enquanto esteve aqui disse ela tentando reconfort lo Mas ele deve estar contente de voc ter ficado tanto tempo com ele Tengo n o conseguiu encontrar palavras adequadas para responder a esse coment rio Por favor mande lembran as para as demais enfermeiras e diga lhes que sou muito grato Ele acabou n o encontrando a enfermeira Tamura que usava culos nem a enfermeira mura de peitos grandes e que enfiava a caneta no coque Isso o fez se sentir um pouco triste Elas eram enfermeiras competentes e muito atenciosas com Tengo Mas talvez tenha sido melhor assim Afinal ele estava fugindo sozinho da cidade dos gatos Quando o trem partiu da esta o de Chikura Tengo lembrou se da noite em que passara no apartamento de Kumi Adachi Havia acontecido apenas um dia antes A lumin ria chamativa da Tiffany o desconfort vel sof do tipo Jove chair e as risadas do programa humor stico do apartamento vizinho O canto da coruja no bosque a fuma a do haxixe a camiseta estampada com o sorriso o cobertor grosso colocado sobre suas pernas Nem um dia se passara mas parecia que essas coisas pertenciam a um long nquo passado Ele n o conseguia entender a perspectiva temporal de sua consc
198. a Dom stica ela entra em contato e diz que gostaria de colaborar Explica que possui um im vel na cidade e que por n o estar sendo utilizado poderia disponibiliz lo para acolher gratuitamente essas mulheres Explica que o im vel j foi utilizado com o mesmo objetivo e que o nico pedido que seu nome jamais seja revelado publicamente Os advogados ficam imensamente gratos com essa oferta O fato de ela colaborar com uma entidade p blica torna a sua vingan a maior e mais eficiente e reconhecidamente um gesto sublime Essa sua atitude a prova de que ela soube aproveitar as oportunidades e a motiva o para tomar medidas construtivas At este ponto a hip tese fazia sentido Ele s n o tinha como prov la Esse tipo de teoria eliminava in meras d vidas Ushikawa lambeu os l bios e esfregou as m os num gesto vigoroso No entanto a partir desse ponto as coisas come avam a ficar um pouco mais nebulosas A velha senhora conheceu uma jovem instrutora chamada Aomame que trabalhava num clube esportivo que costumava frequentar e por algum motivo as duas fizeram um pacto secreto Elaboraram um minucioso plano e Aomame foi enviada para o quarto no hotel kura com o objetivo de matar o l der de Sakigake O m todo utilizado desconhecido Ou talvez Aomame possua uma t cnica especial para matar Por isso a despeito de o L der estar cercado de guarda costas leais e competentes ele acaba sendo morto At este ponto apesar
199. a acordava Para tirar o cheiro desagrad vel de suor Aomame tomava um banho e trocava de roupa Jogava as roupas midas na m quina de lavar Ela n o queria ter esse tipo de sonho mas ele era recorrente O sonho apresentava algumas mudan as mas o espa o e o final eram sempre os mesmos um quarto branco de formato c bico as dores que indicavam a aproxima o do trabalho de parto os dois rapazes de terno impessoal preto Eles sabem que Aomame possui um ser pequenino dentro dela Ou se ainda n o sabem logo saber o Ela est convicta de que caso seja necess rio n o hesitaria em descarregar suas balas 9 mm no rapaz de cabelo rente e no de rabo de cavalo O Deus que a protege dependendo do caso pode se tornar um Deus sangrento Algu m bate na porta Aomame est sentada no tamborete da cozinha e na m o direita segura a pistola com a trava de seguran a solta L fora uma chuva gelada persiste em cair desde a manh O aroma da chuva de inverno envolve a Terra Senhorita Takai boa tarde disse o homem no outro lado da porta interrompendo momentaneamente as batidas Aqui quem fala o seu conhecido cobrador da NHK Sinto ter de incomod la mas aqui estou novamente para cobrar as taxas de recep o Senhorita T akai a senhorita est a n o Aomame olha para a porta e diz sem emitir sons Saiba que n s telefonamos para a NHK Sabemos que voc n o passa de algu m tentando se passar por cobrador da NHK A
200. a baixa e gorda Mas se Aomame se debru asse na varanda para observ la melhor havia o perigo de se expor e como a crian a passara rapidamente ela rapidamente sumiu na sombra do pr dio Para ser uma crian a at que a cabe a dela era muito grande mas isso poderia ser apenas uma impress o foi o que Aomame pensou De qualquer modo n o era Tengo Por isso ela n o deu muita import ncia e continuou a observar o escorregador e de vez em quando as nuvens que passavam no c u Continuou a beber o chocolate e segurando a x cara esquentava as palmas das m os O que Aomame viu de relance obviamente n o era uma crian a mas o pr prio Ushikawa Se ele estivesse num local um pouco mais iluminado ou se ela o tivesse observado por um pouco mais de tempo claro que ela concluiria que pelo tamanho da cabe a n o poderia ser uma crian a Consequentemente chegaria conclus o de que esse homem nanico e com a cabe a do boneco da felicidade era o mesmo que Tamaru havia mencionado havia pouco Mas Aomame o viu somente por uma fra o de segundo e o ngulo tamb m n o ajudou Felizmente pelo mesmo motivo Ushikawa tamb m n o viu Aomame sair para o terra o Aqui surgem v rios se em nossas mentes Se Tamaru tivesse encerrado a conversa um pouco antes se Aomame n o tivesse preparado o chocolate ela teria visto Tengo no topo do escorregador olhando para o c u E assim que o visse ela sairia correndo do apartamento
201. a bolsa Pensou nas sete balas 9 mil metros que carregava no pente N o importa o que aconte a temos que sair deste mundo Preciso acreditar do fundo do meu cora o que esta escada vai com certeza me conduzir at a rodovia Preciso acreditar Aomame tentava se convencer Foi ent o que ela se lembrou das palavras que o L der lhe disse um pouco antes de morrer naquela noite tempestuosa Eram versos de uma can o Versos que ela ainda se lembrava com exatid o Eis o mundo do espet culo em que tudo fantasia mas se voc acreditar em mim real ele se tornar N o importa o que aconte a ou o que eu fa a preciso lutar para que isso se torne real Ou melhor eu e Tengo precisamos unir nossas for as para alcan ar esse objetivo cada pequeno grama de for a que possu mos Para n s dois e para essa coisa pequenina Aomame parou num patamar da escada e olhou para baixo Tengo estava bem atr s dela Ela esticou o bra o e pegou sua m o Sentiu o mesmo calor que da vez anterior Um calor que lhe transmitia uma for a aut ntica Ela novamente se debru ou e aproximou a boca na orelha amassada de Tengo Sabe teve uma vez em que eu quase acabei com a minha vida por voc confessou Aomame Faltou pouco para eu morrer de verdade Alguns mil metros Voc acredita Acredito disse Tengo Voc consegue me dizer que acredita nisso do fundo do seu cora o Acredito do fundo do meu cor
202. a comum A imagem que Tengo possu a de uma vida comum era um estere tipo desprovido de profundidade e cor Um casal provavelmente com dois filhos A m e estaria de avental O vapor saindo da panela e a fam lia reunida conversando em torno da mesa de jantar Nesse ponto a imagina o de Tengo se deparava com uma parede s lida O que ser que uma fam lia comum conversava durante as refei es Ele pr prio n o possu a nenhuma lembran a de ter conversado com seu pai durante as refei es Eles apenas engoliam a comida em sil ncio cada qual na hora que melhor lhe conviesse Al m do mais aquela comida n o era exatamente algo que pudesse ser chamado de refei o Ap s observar todas as janelas iluminadas do pr dio Tengo voltou os olhos para as duas luas a grande e a pequena Mas por mais que aguardasse nenhuma delas se dignou a lhe dizer algo Elas pairavam lado a lado no c u com seus rostos inexpressivos como uma estrofe de dois versos um d stico inacabado aguardando a conclus o Hoje n o h mensagens Essa era a nica informa o que elas lhe transmitiam As nuvens atravessavam ininterruptamente o c u rumo ao sul Nuvens de formatos e tamanhos variados vinham e iam Dentre elas havia uma ou outra de formato interessante Pareciam ter seu pr prio modo de pensar Um pensamento pequeno denso e de contornos bem definidos Mas o que Tengo queria saber era o que as luas pensavam n o as nuvens Tengo desistiu de esp
203. a daquele homem Enquanto estive aqui o senhor n o acordou Segundo o m dico a resist ncia do seu corpo n o diminuiu e por mais estranho que possa parecer seu estado de sa de est muito pr ximo do normal Tengo fez uma pausa e aguardou um tempo para que suas palavras penetrassem em seu interlocutor N o sei se o senhor consegue ouvir a minha voz Mesmo que ela fa a vibrar seu t mpano pode ser que nesse ponto o circuito esteja interrompido Ou pode ser que a minha voz alcance a sua consci ncia mas o senhor n o possa reagir Isso algo que jamais saberei dizer At agora conversei com o senhor e li em voz alta porque acho que de alguma maneira o senhor pode me ouvir Se eu n o partisse desse princ pio n o faria sentido eu ficar aqui conversando com o senhor e se eu n o pudesse ter essa conversa n o faria sentido eu estar aqui N o sei explicar direito mas tenho uma leve impress o de que o senhor est me ouvindo N o digo que totalmente mas ao menos captando os pontos mais importantes do que digo N o houve rea o O que vou dizer pode parecer bobagem mas como vou voltar para T quio e n o sei quando retornarei quero dizer o que penso Se achar absurdo o que vou dizer pode rir a vontade claro se o senhor puder rir Tengo fez uma pausa e observou o rosto do pai Continuava sem esbo ar nada O senhor est em coma Perdeu a consci ncia e os sentidos e est sendo mantido vivo por meio
204. a e meia Seu corpo estava gelado mas n o a ponto de as orelhas ficarem congeladas Enquanto Tengo estava no bar nenhum cliente do Muguiatama chamou aten o de Ushikawa Apenas um jovem casal entrou no estabelecimento E nenhum cliente saiu Tengo bebeu sozinho e deve ter feito uma refei o leve Ushikawa manteve a mesma dist ncia de antes e o seguiu Tengo voltou caminhando pelas mesmas ruas Provavelmente sua inten o era retornar ao apartamento Mas durante o trajeto Tengo fez um desvio e entrou por ruas que Ushikawa desconhecia Pelo visto ele n o ia voltar direto para casa A impress o que se tinha ao observar suas costas largas era de que sempre caminhava absorto em pensamentos Ushikawa observou a paisagem ao redor o n mero das casas e do quarteir o para memorizar o trajeto para que depois ele pr prio pudesse refaz lo Ushikawa n o conhecia aquela regi o mas presumiu que ficava pr xima ao anel vi rio da linha 7 ao constatar um intermitente ru do do tr fego intenso de carros que lembrava o ronco das corredeiras de um rio partir de um determinado trecho Tengo acelerou o passo Devia estar pr ximo do destino final Nada mal pensou Ushikawa Ele est a caminho de algum lugar Isso significa que valeu a pena t lo seguido Tengo caminhou pelas ruas residenciais a passos largos Era uma noite de s bado em que os ventos sopravam gelados As pessoas estavam enfurnadas em suas casas sentadas em frente
205. a e tentou abrir o z per Num piscar de olhos esse algu m enla ou o bra o pelo pesco o de Ushikawa e ele n o teve tempo sequer de soltar um grito Sentiu na nuca os m sculos firmes e bem treinados desse homem O bra o apertava o pesco o de Ushikawa sem d como um torno mec nico O homem n o falava nada n o dava para ouvir sequer sua respira o Ushikawa se retorceu e esperneou dentro do saco de dormir Arranhou a parte interna de vinil e chutou o saco de dormir com as pernas Tentou gritar mas sabia que n o adiantaria nada Assim que o homem se posicionou firmemente sobre o tatame ele passou apenas a apertar gradativamente o pesco o de Ushikawa aplicando for a aos m sculos do bra o Um movimento eficaz e sem desperd cios Por outro lado a traqueia e os pulm es de Ushikawa eram cada vez mais pressionados e a respira o se tornava fraca A nica coisa que passou pela cabe a de Ushikawa naquele momento desesperador foi como ele havia conseguido entrar no apartamento Ushikawa havia trancado a porta Havia fechado por dentro com a corrente pega ladr o As janelas estavam trancadas Como que ele conseguiu entrar Se tivesse mexido na chave com certeza Ushikawa teria ouvido o barulho e sem d vida isso o faria acordar Esse cara profissional pensou Ushikawa Conseguiria tirar a vida de uma pessoa sem hesitar Ele foi treinado para isso algu m a mando de Sakigake Decidiram acabar comigo Conclu ram
206. a em que ela desceu as escadas ela viu o mesmo pr dio Metade das janelas estava com as luzes acesas De t o perto que o pr dio estava cabia a express o t o perto quanto a dist ncia entre os olhos e o nariz Se algum morador visse os dois subindo as escadas de emerg ncia da rodovia durante a noite isso poderia ocasionar algum problema Naquele momento os dois estavam sob a l mpada da Rodovia 246 que os deixava sob forte ilumina o Mas felizmente n o havia ningu m nas janelas Todas estavam com as cortinas fechadas N o era para menos ningu m em s consci ncia sairia para a varanda numa noite t o fria de inverno como era o caso para contemplar a escada de emerg ncia de uma rodovia metropolitana Numa das varandas havia um vaso de f cus O vaso estava ao lado de uma cadeira de jardim suja e a planta estava toda encolhida e murcha Em abril quando ela descia a escada havia tamb m um vaso de f cus naquele mesmo lugar O f cus estava muito mais debilitado do que o seu que ela havia deixado no apartamento de Jiy gaoka Durante esses ltimos oito meses o f cus da varanda permaneceu no mesmo lugar definhando e encolhendo Machucado e com as folhas desbotadas o f cus foi deixado num canto do mundo que jamais chamaria a aten o e com certeza ningu m se lembrava mais dele Nem gua deviam estar dando para ele Mesmo assim o f cus transmitia ainda que modestamente um sentimento de coragem e de apoio para a
207. a ficar sentada sem fazer nada sabendo que o perigo se aproximava Mesmo telefonando para voc n o daria para voc vir at aqui no mesmo instante daria Tamaru emitiu um barulho no fundo da garganta Voc seguiu o cabe o Creio que nem deve passar pela cabe a dele que estava sendo seguido Um profissional consegue fingir isso perfeitamente disse Tamaru Tamaru tinha raz o Podia ter sido uma armadilha ardilosamente planejada Mas ela n o podia admiti lo diante de Tamaru Voc com certeza conseguiria fazer isso mas at onde pude perceber o cabe o do boneco da felicidade n o do seu n vel Ele pode ser muito bom mas n o t o bom quanto voc Pode ser que ele tenha um apoio N o Tenho certeza de que aquele homem est agindo sozinho Tamaru manteve se em sil ncio por um tempo Tudo bem Voc conseguiu descobrir para onde ele foi Aomame passou o endere o para Tamaru e descreveu o pr dio N o sabia por m dizer qual era o apartamento Tamaru anotou as informa es e Aomame procurou na medida do poss vel responder de modo honesto s suas indaga es Quando voc percebeu a presen a dele ele estava no parque em frente ao apartamento isso indagou Tamaru Isso mesmo O que ele estava fazendo no parque Aomame explicou que ele estava sentado no topo do escorregador e ficou um bom tempo olhando o c u Mas n o contou que ele estava olhando as du
208. a mais tranquilo que o dos demais canais Havia um obo como m sica de fundo e a apresentadora comentava sobre os requintados carros leito dos trens da Ferrovia Transcontinental Sentado desconfortavelmente na poltrona desengon ada Tengo acompanhava o programa enquanto pensava sobre a cris lida de ar Kumi Adachi n o sabia que quem realmente escrevera o texto fora ele Mas isso era o de menos O problema era que a despeito de ele ter descrito detalhadamente a cris lida de ar ele pr prio n o sabia quase nada do que escrevera N o sabia o que era a cris lida de ar e mesmo enquanto escrevia n o sabia o significado de dohta e maza E mesmo agora ainda n o as compreendia Apesar disso Kumi Adachi gostava desse livro e o lera tr s vezes Como era poss vel Kumi Adachi voltou sala no momento em que apresentavam o card pio do caf da manh servido no vag o restaurante do trem Ela sentou na poltrona ao lado de Tengo Por ser pequena os dois ficaram com os ombros encostados Ela estava com uma camiseta larga de mangas compridas e uma cal a de agasalho de cor clara A camiseta tinha uma estampa enorme de smiley face A ltima vez que Tengo viu uma camiseta com esse sorriso foi no in cio dos anos setenta Na poca em que Grand Funk Railroad estremecia as jukeboxes com suas m sicas extremamente barulhentas Mas a camiseta n o parecia ser velha Ser que em algum lugar as pessoas ainda fabricavam essas camisetas com sorriso Ku
209. a nas costas S o fato de ter uma coisa a menos com que se preocupar j era motivo de alegria Durante esses ltimos tr s meses seu cabelo cresceu muito Em setembro ele estava quase na altura do ombro e agora atingia a omoplata Quando crian a sua m e que o cortava deixando o sempre curtinho e no gin sio por estar sempre envolvida com esportes nunca o deixou comprido Aomame achou que estava um pouco comprido demais mas como n o conseguiria cort lo sozinha deixou o crescer vontade Apenas acertava a franja com a tesoura Durante o dia ela o prendia e ao anoitecer o soltava E ouvindo m sica escovava o cem vezes Algo que somente algu m com tempo consegue fazer Normalmente ela usava pouca maquiagem e fechada no apartamento a necessidade de se maquiar se tornava ainda menor Mas para criar um h bito saud vel em seu cotidiano ela cuidava com esmero da pele usava sabonetes l quidos e cremes para massage la e antes de dormir sempre aplicava uma m scara facial Como naturalmente ela tinha um corpo saud vel alguns poucos cuidados eram suficientes para que sua pele ficasse sedosa e bela N o talvez o fato de ela estar gr vida que deixava sua pele mais bonita Ela tinha ouvido falar que isso acontecia na gravidez Seja como for quando ela se sentava diante do espelho com os cabelos soltos sentia se mais bela do que nunca Ou pelo menos a imagem que ela via refletida no espelho era a de uma mulher ma
210. a o que fazer com ela N o queria deix la em qualquer lugar Pegou um t xi com Kumi Adachi at a esta o Pode deixar que eu cuido dos detalhes burocr ticos disse Kumi no t xi Se voc quiser posso tamb m depositar as cinzas num local adequado Tengo ficou surpreso com suas palavras Voc poderia fazer isso Por que n o disse Kumi H casos em que n o aparece ningu m no enterro Se voc puder fazer isso agrade o imensamente disse Tengo Apesar de sentir um pouco de culpa ele ficou aliviado de poder entregar a urna para Kumi Ele sabia que jamais veria aquelas cinzas de novo Restariam a ele apenas as lembran as Lembran as que com o decorrer do tempo desapareceriam feito p Como eu moro aqui consigo resolver as coisas com mais facilidade Sendo assim Tengo volte logo para T quio N s gostamos de voc mas aqui n o um lugar que voc deva ficar para sempre Vou deixar a cidade dos gatos pensou Tengo Muito obrigado por tudo ele agradeceu novamente Tengo ser que posso fazer uma advert ncia Bom n o exatamente uma advert ncia Claro que pode O seu pai deve ter ido para o outro lado carregando consigo um segredo E me parece que voc est um pouco confuso com isso Sei o que voc deve estar sentindo Mas saiba que eu acho melhor voc n o continuar espiando essa entrada escura Deixe os gatos fazerem isso Mesmo que voc o fa
211. a para que todos ou am n o deve ser nada agrad vel n o Aomame normalmente n o se importaria com a declara o em voz alta de um cobrador da NHK Mas naquele momento ela estava numa situa o em que deveria evitar se expor e ficar bem escondida N o importava de que maneira mas chamar a aten o dos vizinhos para o apartamento em que ela se encontrava n o era nada bom No entanto n o podia fazer nada A n o ser conter a respira o e aguardar que o homem partisse Senhorita Takai sei que estou sendo redundante mas sei muito bem que est no apartamento e que est me ouvindo atentamente E deve estar questionando o motivo de eu estar justamente na frente de sua porta fazendo esse esc ndalo Por que ser hein senhorita Takai porque eu n o gosto de pessoas que fingem estar ausentes N o acha que esse subterf gio s um paliativo N o acha melhor abrir a porta e dizer frente a frente que n o quer pagar a taxa de recep o Vai se sentir bem melhor e eu tamb m prefiro que seja assim bem melhor Pelo menos temos uma chance ainda que pequena de manter um di logo Mas fingir n o estar em casa inadmiss vel como um rato mesquinho que se esconde no quarto escuro dos fundos da casa E quando n o tem ningu m sai de mansinho do esconderijo Que vida miser vel Este homem est mentindo pensou Aomame Est na cara que ele n o tem como saber se uma pessoa est ou n o dentro de casa N
212. a pr tica disse Tengo co ando a t mpora s sete horas termina o meu plant o e vou para casa descansar Mas as enfermeiras Tamura e mura estar o aqui no per odo da manh Elas v o te auxiliar e passar os detalhes do que voc precisa fazer Tamura era a enfermeira de meia idade que usava culos e a enfermeira mura era a que espetava a caneta no cabelo Agrade o por tudo o que voc fez disse Tengo De nada disse Kumi Adachi De s bito como se acabasse de se lembrar disse em tom formal Meus sinceros p sames Obrigado disse Tengo Como n o conseguiria voltar a dormir Tengo esquentou gua preparou um caf e o bebeu Isso fez com que sua cabe a come asse a funcionar melhor Sentiu um pouco de fome e preparou um sandu che com o tomate e o queijo que restavam na geladeira Mas como se comesse na escurid o ele sentia a textura do alimento n o seu sabor Em seguida pegou o guia dos hor rios de trens e verificou quando sa a o primeiro expresso para Tateyama Dois dias atr s na tarde de s bado ele partira da cidade dos gatos e eis que estava prestes a voltar Mas desta vez ficaria pouco tempo Quando o rel gio marcava quatro horas Tengo lavou o rosto na pia do banheiro e fez a barba Tentou baixar um tufo de cabelo com a ajuda de gel mas como sempre n o conseguiu dom lo Tudo bem conformou se At a hora do almo o ele deve assentar A not cia da
213. a que aquilo n o era real Era como se aquilo acontecesse em um asteroide com minuciosas descri es de sua paisagem Em determinado momento algu m abre a porta da estufa Um vento gelado impregnado de maus press gios invade o recinto A borboleta grande desperta abre suas asas e rapidamente al a voo deixando o p de f cus Quem ser Aomame tenta virar o pesco o para ver quem mas antes disso o sonho acaba Ao despertar Aomame est ensopada de suor Um suor frio e desagrad vel Ela tira o pijama enxuga o suor com uma toalha e veste uma camiseta limpa Durante um tempo permanece acordada Deve estar para acontecer algo de ruim Algu m deve estar atr s desse ser pequenino E esse algu m deve estar bem pr ximo Preciso encontrar Tengo o mais r pido poss vel Mas a nica coisa que eu posso fazer agora observar atentamente noite ap s noite o parquinho Devo observar o mundo diligentemente com aten o e perseveran a Observar uma pequena parte do mundo extremamente limitada o topo do escorregador Mas as pessoas tendem a deixar escapar algo Porque temos apenas um par de olhos Aomame queria chorar mas as l grimas n o vinham Deitou se de novo na cama e com a palma da m o sobre o ventre aguardou pacientemente o sono chegar 18 Tengo Quando se espeta algu m com uma agulha sangue vermelho derramado Nada aconteceu durante os tr s dias seguintes disse Komatsu Eu comia as refei
214. a que sabe dessa rela o entre Tengo e Aomame Voc tamb m Al m de mim quero saber se existe mais algu m que sabe disso Ushikawa negou com a cabe a Somente eu sei disso Voc n o est mentindo est N o estou mentindo prop sito voc sabia que a Aomame est gr vida Gr vida disse Ushikawa Sua voz denotava espanto De quem Tamaru n o respondeu Voc realmente n o sabia Juro que n o N o estou mentindo Tamaru avaliou em sil ncio se a rea o de Ushikawa parecia verdadeira Um tempo depois disse Entendi Parece que voc n o est mentindo Vou acreditar em voc prop sito voc esteve rondando a Mans o dos Salgueiros em Azabu n o Ushikawa assentiu Por qu propriet ria daquela mans o frequenta um clube esportivo de alto n vel que fica nas proximidades e Aomame era a sua personal trainer Elas pareciam ter uma rela o particular de amizade Aquela senhora mant m um abrigo para as v timas de viol ncia dom stica no terreno ao lado da mans o A seguran a do local muito rigorosa Para mim chega a ser exageradamente rigorosa N o pude deixar de pensar na possibilidade de Aomame estar escondida naquele abrigo Ent o Mas ap s pensar no assunto achei improv vel Aquela mulher possui muito dinheiro e poder e esse tipo de gente caso quisesse esconder Aomame n o a deixaria sob suas asas Ela a escond
215. a tubula o Ele foi para o banheiro de camiseta e cueca e urinou longamente O rosto refletido no espelho desconhecido n o parecia o seu Alguns fios de cabelo estavam espetados Precisava fazer a barba Voltou para o quarto e juntou suas roupas Elas estavam misturadas com as de Kumi Adachi e espalhadas pelo ch o Ele n o se lembrava quando e como as tirou Encontrou o par de meias cal ou o jeans e a camisa Enquanto procurava suas roupas pisou num anel grande e barato Ele o colocou sobre a mesinha ao lado da cama Vestiu uma malha de gola redonda e pegou seu blus o Verificou se a carteira e a chave estavam no bolso A enfermeira estava embrulhada no cobertor at o pesco o e dormia profundamente N o dava nem para ouvir sua respira o Ser que devo acord la Acho que n o fiz nada Apenas dividimos a cama para dormir Sei que falta de educa o ir embora sem ao menos me despedir Mas ela est dormindo profundamente e hoje o seu dia de folga O que far amos caso ela acordasse pensou Tengo Tengo encontrou um bloco de anota es e uma caneta ao lado do telefone Deixou um bilhete Muito obrigado pela noite de ontem Foi divertido Vou voltar para a pousada Tengo E anotou a hora Deixou o bilhete sobre a mesinha de cabeceira e colocou o anel encontrado no ch o sobre ele como peso de papel Depois cal ou os t nis surrados e foi embora Ap s andar um pouco encontrou um ponto e cinco minutos depois p
216. a uma aut psia minuciosa por um legista especializado haveria a possibilidade de se descobrir algo mas agora era tarde demais Em segredo eles j haviam dado fim ao corpo dentro de suas instala es Seja como for o fato de n o terem protegido o L der os deixava numa situa o delicada Agora a incumb ncia era encontrar a mulher que havia desaparecido A ordem era encontr la de qualquer jeito Por m at o momento nada conseguiram de concreto A despeito de serem ex mios seguran as e guarda costas faltava lhes a habilidade de encontrar uma pessoa que sumiu sem deixar vest gios Est bem disse Ushikawa Vou revelar algumas coisas que descobri Mas veja bem n o posso contar tudo Onda estreitou os olhos e ap s observar Ushikawa durante um tempo concordou Est bem N s tamb m temos algumas informa es Talvez o senhor j saiba ou n o Vamos compartilhar o que sabemos Ushikawa largou o isqueiro e cruzou as m os sobre a mesa Uma jovem chamada Aomame foi chamada para ir su te do Hotel kura e realizar uma se o de alongamento muscular no L der Isso foi no in cio de setembro naquela noite em que caiu uma forte tempestade na cidade Ela permaneceu cerca de uma hora no quarto cont guo e ap s a sess o de tratamento se retirou deixando o L der dormindo Antes de ir embora ela pediu para que voc s o deixassem descansar por pelo menos duas horas sem mov lo do lugar E voc s se
217. aboreou a refei o e tomou todo o caldo Ao sorver a ltima gota transpirava de calor Colocou novamente o gorro enrolou o cachecol no pesco o e caminhou de volta ao apartamento Espalhou as fotos reveladas pelo ch o e organizou as enquanto fumava um cigarro Comparou as pessoas que voltavam e as que sa am e quando havia algum rosto que coincidia agrupava os Para facilitar a memoriza o deu um nome aleat rio a cada um Anotou o nome nas fotografias com uma hidrogr fica De manh ap s as pessoas sa rem para o trabalho eram poucos os moradores que deixavam o pr dio Por volta das dez um rapaz que parecia ser um universit rio saiu apressadamente com sua bolsa a tiracolo Um idoso com cerca de setenta anos e uma mulher com pouco mais de trinta sa ram do pr dio e um tempo depois retornaram com pacotes de supermercado nos bra os Ushikawa tamb m tirou fotos deles Pouco antes da hora do almo o veio o carteiro que distribuiu as correspond ncias nas caixas localizadas na entrada Um entregador entrou no pr dio com um pacote e cinco minutos depois saiu com as m os vazias De hora em hora Ushikawa afastava se da c mera e fazia cinco minutos de alongamento Durante esses cinco minutos a vigil ncia era interrompida mas desde o in cio ele sabia que estando sozinho seria im poss vel observar todas as pessoas que entravam e sa am do pr dio De qualquer forma era importante evitar que o corpo ficasse dormente Os m sc
218. abstrata Mas no momento em que Aomame o viu de verdade a exist ncia dele se tornou incomparavelmente mais real e poderosa do que antes Aomame desejava a todo custo reencontr lo Queria ser abra ada e que ele a acariciasse Seu corpo e sua mente pareciam romper em duas partes s de imaginar que isso poderia n o acontecer Quando estive na frente daquele outdoor do tigre da Esso talvez o melhor seria ter dado um tiro na minha cabe a com uma bala de 9 mil metros Se assim o tivesse feito certamente n o estaria viva e passando por esse sofrimento Mas naquela ocasi o ela n o conseguiu apertar o gatilho Ela escutou uma voz De algum lugar distante algu m a chamava pelo nome Talvez eu possa me encontrar de novo com Tengo pensou e uma vez que essa ideia lhe veio mente ela n o poderia deixar de querer viver Por mais que o L der houvesse dito que o fato de ela viver colocaria em risco a vida de Tengo ela n o tinha como escolher outra op o Ela sentiu surgir uma intensa energia vital destitu da de qualquer l gica Por isso que me sinto apaixonada por esse intenso desejo de rever Tengo Um desejo insaci vel e um intuitivo desespero Este o significado de viver foi o que Aomame descobriu numa inspira o As pessoas possuem um desejo que se transforma em combust vel e este se torna a principal raz o de viver imposs vel viver sem desejo Mas como tirar a sorte jogando uma moeda p
219. achava essa hip tese extremista demais Planejar sozinha a morte de uma pessoa era dif cil e trabalhoso Sem contar o risco e a enorme carga emocional que a pessoa precisaria suportar Se capturada a pena era pesada Ushikawa era da opini o de que havia uma motiva o mais forte por tr s disso Ele pegou novamente o material para reler atentamente o hist rico de Massami Aomame at os onze anos Assim que ela come ou a andar acompanhava a m e no trabalho mission rio Distribu am panfletos de porta em porta pregavam o inexor vel fim do mundo e convidavam as pessoas a participarem dos encontros Os seguidores seriam salvos e sobreviveriam ao fim do mundo e posteriormente viveriam no Reino de Cristo O pr prio Ushikawa recebeu v rios convites para participar desses encontros As devotas eram normalmente mulheres de meia idade andavam de chap u e sombrinha na m o Muitas usavam culos e lan avam um olhar duro e fixo como o de um peixe Era comum v las em companhia de crian as Ushikawa imaginou a pequena Aomame seguindo a m e de casa em casa Aomame ingressou na escola municipal de primeiro grau perto de sua casa sem cursar o jardim de inf ncia Na quinta s rie decidiu largar a religi o O motivo que a levou a abandonar as Testemunhas de Jeov era desconhecido e o grupo religioso tamb m parecia n o fazer nenhuma quest o de registrar esse tipo de informa o Quem caiu nas garras do dem nio a ele passou a pertencer As devo
220. adas Agu ou os ouvidos nica coisa que conseguiu ouvir foi o incessante ru do que lembrava o barulho do agitar de asas t pico de uma cidade grande Uma vez no apartamento Tengo guardou a comida abriu as cortinas e observou atentamente a paisagem Do outro lado da rua havia tr s casas antigas de dois pavimentos constru das em terrenos pequenos Os propriet rios eram todos idosos t picos moradores de longa data de express o s ria e que detestam quaisquer mudan as N o importava o que acontecesse eles jamais receberiam com simpatia um inquilino desconhecido para morar no segundo pavimento E desse local por mais que a pessoa se debru asse na janela somente daria para ver uma pequena parte do teto do apartamento de Tengo Fechou a janela e foi esquentar a gua para um caf Sentou se na mesa da cozinha e enquanto o bebia pensou em in meras hip teses Algu m o observava de algum lugar bem pr ximo Aomame est ou estava bem perto em um local que daria para ir andando Ser que existe alguma rela o entre essas duas coisas Ou ser apenas coincid ncia Por mais que Tengo pensasse n o conseguia chegar a lugar nenhum Seus pensamentos percorriam o mesmo trajeto em c rculos como um pobre rato que sente cheiro de queijo mas que n o pode alcan lo pois todas as portas est o fechadas Tengo desistiu de pensar sobre isso e resolveu passar os olhos no jornal que havia comprado na banca da esta o Ronald Reag
221. ado o nosso barco foi levado para um local inesperado Um local um tanto perigoso Tengo balan ou discretamente a cabe a N o se trata de um local um tanto perigoso mas de um local extremamente perigoso Voc n o deixa de ter raz o N o fale como se isso n o lhe dissesse respeito N o se esque a de que esse plano foi ideia sua Tem raz o Eu que acionei o bot o de partida No come o estava indo muito bem Mas infelizmente do meio em diante o controle come ou a falhar claro que assumo a responsabilidade Principalmente por t lo envolvido nisso Afinal fui eu que o convenci a participar De qualquer modo estamos num ponto em que devemos parar e nos reorganizar Precisamos nos livrar das bagagens excedentes e na medida do poss vel deixar o plano o mais simples poss vel preciso avaliar o ponto em que estamos e o que faremos de agora em diante Ap s dizer isso Komatsu suspirou e bebeu o u sque Depois pegou o cinzeiro de vidro e passou a contornar a borda com seu dedo comprido como um deficiente visual que verifica minuciosamente a forma dos objetos Para falar a verdade fiquei preso num local durante cerca de dezessete a dezoito dias disse Komatsu Do final de agosto metade de setembro Um dia depois do almo o eu caminhava perto de casa com a inten o de ir ao trabalho Ia em dire o esta o Gotokuji quando um carro grande e preto estacionado abriu lentamente a jan
222. ado o grupo Akebono de modo que seus antigos membros n o fossem motivo de preocupa es futuras Possivelmente sem deixar vest gios Tudo bem Ent o quer dizer que voc s tamb m n o t m ideia de quem possa estar por tr s disso Mas o fato que existe uma organiza o cuja meta era matar o seu l der e que conseguiu cumpri la com extrema habilidade e ast cia E a pessoa que o fez desapareceu como fuma a um fato inquestion vel Precisamos desvendar essa hist ria Sem envolver a pol cia Onda assentiu Isso um problema nosso e n o da justi a Entendo Isso um problema de voc s n o da justi a A conversa est muito clara e facilita o entendimento disse Ushikawa Mas eu gostaria de fazer mais uma pergunta Fique vontade disse Onda Quantas pessoas do grupo sabem da morte do l der N s dois sabemos respondeu Onda Duas pessoas ajudaram a transportar o corpo E s o meus subordinados H tamb m cinco pessoas do alto conselho Ao todo nove Ir s donzelas do santu rio ainda n o sabem mas em breve saber o Elas serviam pessoalmente o l der e n o h como esconder isso por muito tempo E al m dessas pessoas obviamente o senhor Ao todo s o treze Onda permaneceu em sil ncio Ushikawa respirou fundo Posso ser sincero Por favor disse Onda Sei que o que vou dizer agora n o tem cabimento mas voc s deveriam ter info
223. ado que seja Preciso recuperar o n cleo gelado em meu peito disso que preciso neste momento Ushikawa esfregou as m os diante da c mera E constatou que seus dedos movimentavam se sem dificuldades H muitas coisas que as pessoas comuns conseguem fazer e eu n o um fato incontest vel Jogar t nis e esquiar s o algumas dessas coisas Trabalhar numa empresa e ter uma fam lia feliz tamb m Por outro lado h coisas que eu consigo fazer e as pessoas comuns n o E essas poucas coisas fa o com propriedade N o tenho expectativas de receber aplausos ou moedas do p blico Seja como for vou mostrar minha habilidade para a sociedade s nove e meia Ushikawa encerrou seu trabalho de vigil ncia daquele dia Abriu uma lata de sopa de galinha despejou a numa panela esquentou a no fogareiro e cuidadosamente tomou a com uma colher Acompanhando a sopa comeu dois p ezinhos frios Comeu uma ma com casca Depois urinou escovou os dentes abriu o saco de dormir e apenas de roupas ntimas entrou nele Fechou o z per at a altura do pesco o e ficou enrolado como um inseto Foi assim que terminou o dia de Ushikawa N o conseguiu obter informa es que considerasse produtivas Para n o dizer que o dia fora totalmente em v o ele viu Fukaeri deixando o pr dio levando consigo suas coisas Ele n o sabia para onde ela fora Apenas que foi para algum lugar Ushikawa balan ou a cabe a dentro do saco de dormir N o
224. ais esse caso n o envolve assassinato Ser que v o noticiar que ela estava escondida no meu apartamento Komatsu balan ou a cabe a num gesto negativo N o Creio que Fukaeri n o vai mencionar o seu nome Voc sabe muito bem como ela Uma vez que ela decida n o contar n o vai abrir a boca n o importa quem pe a pol cia ex rcito conselho revolucion rio ou at mesmo a madre Teresa N o se preocupe N o estou preocupado O que eu quero saber o rumo que as coisas est o tomando s isso De qualquer forma o seu nome jamais ser revelado N o se preocupe disse Komatsu Ent o a express o de seu rosto ficou s ria Deixando isso de lado tenho de fazer uma pergunta Uma pergunta embara osa Embara osa Um assunto pessoal Tengo tomou um gole de chope e recolocou a caneca sobre a mesa Tudo bem Se eu puder responder respondo Voc e Fukaeri tiveram rela o sexual Enquanto ela esteve morando com voc Basta responder sim ou n o Tengo deu um tempo e balan ou lentamente a cabe a num gesto negativo resposta n o N o tivemos nenhuma rela o Intuitivamente Tengo decidiu que jamais falaria sobre o que aconteceu entre eles naquela noite de tempestade e trovoadas Aquilo era um segredo que jamais deveria ser revelado N o estava autorizado a dizer nada E n o foi exatamente uma rela o sexual N o havia o sentimento de desejo no sentido geral qu
225. aka Com o c modo escuro tiraram as roupas deitaram na cama e se abra aram Tinham muito o que conversar mas poderiam esperar at o amanhecer Antes de mais nada precisavam resolver uma coisa Em meio escurid o sem pressa e sem dizer nada come aram a explorar o corpo um do outro Com os dedos e a palma das m os foram descobrindo as partes do corpo e suas formas Com o cora o palpitante eram como crian as que brincam de ca a ao tesouro num quarto secreto Toda vez que um deles encontrava algo beijava o local em sinal de aprova o Ap s conclu rem com muita calma esse reconhecimento Aomame segurou o p nis duro de Tengo Do mesmo jeito que ela havia segurado a m o dele na escola prim ria Parecia a coisa mais dura que ela havia sentido at ent o Quase um milagre Em seguida Aomame aproximou se dele abriu as pernas e o conduziu lentamente para dentro dela Enfiou o inteiro bem fundo No escuro ela fechou os olhos e inspirou intensa e profundamente E soltou o ar calmamente sem pressa Tengo sentiu o sopro quente em seu peito Eu sempre imaginei estar em seus bra os como agora sussurrou Aomame no ouvido de Tengo interrompendo um pouco os movimentos do corpo Imaginava fazer sexo comigo Isso mesmo Voc imaginava isso desde os seus dez anos perguntou Tengo Aomame sorriu claro que n o Foi depois que cresci um pouco Eu tamb m imaginava isso De estar dentro de mim
226. am dele Se porventura algu m tivesse uma boa impress o dele a sim ele teria motivo de ficar um tanto incomodado Mas o contr rio n o Senhor Ushikawa saiba que na medida do poss vel gostar amos de respeitar o seu modo de conduzir as coisas E o senhor h de concordar que sempre soubemos respeitar esse seu estilo de trabalho At agora Mas desta vez a situa o diferente Infelizmente neste caso em particular n o dispomos de tempo para aguardar os fatos serem integralmente elucidados O senhor est dizendo isso mas senhor Onda creio que os senhores n o ficaram todo esse tempo simplesmente de bra os cruzados aguardando informa es minhas comentou Ushikawa de supor que paralelamente os senhores estiveram agindo a seu modo em busca de informa es N o mesmo Onda n o respondeu Os l bios permaneceram horizontalmente cerrados O rosto manteve se igualmente inexpressivo Mas Ushikawa percebeu que o seu coment rio n o fora de todo infundado Nas ltimas tr s semanas eles montaram uma equipe e adotando uma estrat gia diferente da de Ushikawa buscavam o paradeiro de uma certa mulher Mas n o obtiveram resultados Era por isso que essa dupla sinistra resolvera procur lo novamente Dizem que para descobrir a trilha de uma cobra s mesmo sendo uma disse Ushikawa olhando a palma das m os como se tivesse acabado de revelar um segredo ris vel Por mais que ocultem os fatos m
227. amente os abriu olhou para o rel gio de parede Os ponteiros marcavam 2h30 Realmente uma dupla sinistra Ushikawa disse a si mais uma vez Se Aomame n o for encontrada estaremos em s rios apuros dissera o rapaz de cabelo rente Ushikawa visitou duas vezes a sede do grupo Sakigake nas montanhas de Yamanashi e das vezes em que l esteve viu um forno enorme constru do no meio da floresta atr s da sede O forno era utilizado para queimar lixo e res duos diversos mas como estava programado para atingir uma temperatura bem alta se um corpo fosse jogado l dentro n o sobraria sequer um osso Ushikawa sabia que de fato alguns corpos haviam sido despejados naquele forno E que o corpo do L der teria sido um deles Evidentemente Ushikawa n o queria morrer daquele jeito Ele iria morrere algum dia mas preferia que fosse de maneira menos brutal Alguns fatos por m Ushikawa n o revelara aos rapazes Expor todas as cartas n o era de seu feitio As de menor valor poderiam ser rapidamente abertas mas as mais altas estavam cuidadosamente ocultas com as faces viradas para baixo Em tudo se deve garantir a seguran a Como por exemplo gravar uma conversa sigilosa numa fita cassete Ushikawa era perito nesse tipo de jogo Era incompar vel a sua vasta experi ncia perante a desses jovens guarda costas que haviam por a Ushikawa tinha em m os a lista dos nomes dos clientes particulares de Aomame Uma vez que n o se lamente o t
228. ampouco era de todo estranho como por exemplo Aomame Mas caso o cabe o tivesse alguma liga o com Tengo como ela acreditava existir a possibilidade daquele Kawana ser Tengo Kawana era grande O n mero do apartamento era 303 Coincidentemente era o mesmo n mero do apartamento em que ela morava O que devo fazer pensou Aomame mordendo os l bios com for a Sua mente girava sem parar no mesmo circuito interno N o conseguia encontrar uma sa da O que devo fazer N o posso ficar para sempre diante dessa caixa de correio Por fim decidiu subir as escadas de concreto nada hospitaleiras at o terceiro andar Em algumas partes escuras do ch o havia pequenas fissuras que indicavam a passagem do tempo A sola de seus t nis em contato com o piso emitia um barulho desagrad vel aos ouvidos Aomame estava diante do apartamento 303 Uma porta simples de a o com um pequeno cart o escrito Kawana Apenas o sobrenome Aquelas s labas pareciam r spidas inorg nicas Ao mesmo tempo pareciam guardar um profundo mist rio Aomame permaneceu em p e apurou os ouvidos Concentrou os sentidos Mas n o conseguiu escutar nenhum som vindo do apartamento N o dava para ver se a luz estava acesa ou n o Havia uma campainha ao lado da porta Aomame hesitou Mordeu os l bios e pensou Ser que devo apertar a campainha Talvez seja uma armadilha O cabe o do boneco da felicidade pode estar escondido atr s da porta e como
229. an reeleito presid ncia dos Estados Unidos chamava o primeiro ministro do Jap o Yasuhiro Nakazone de Yasu e este o chamava de Ron Provavelmente o ngulo em que a foto foi tirada contribuiu para que parecessem dois empres rios da constru o civil numa reuni o para reduzir os custos das obras utilizando materiais de qualidade inferior e mais baratos A rebeli o na ndia decorrente do assassinato da primeira ministra Indira Gandhi continuava e em determinadas regi es siques eram chacinados No Jap o a produ o de ma s atingiu um n mero jamais visto Nenhuma not cia chamou a aten o de Tengo Ele aguardou os ponteiros do rel gio marcarem duas horas para telefonar novamente a Komatsu Tengo teve de aguardar o telefone tocar doze vezes at Komatsu resolver atend lo Era sempre assim N o dava para entender por que ele agia desta forma Tengo h quanto tempo disse Komatsu Sua voz voltou a ser a mesma de sempre fluente ligeiramente teatral e dissimulada Tirei duas semanas de f rias e estive em Chiba Voltei ontem tarde Voc me disse que o seu pai n o estava muito bem Deve ter sido dif cil para voc Nem tanto Meu pai est em coma profundo por isso passei praticamente todo tempo olhando ele dormir De resto fiquei na pousada escrevendo o meu romance Mesmo assim trata se de uma pessoa que est entre a vida e a morte N o algo f cil de lidar Tengo mudou de assu
230. angue que ele Na gaveta de sua c moda havia uma foto de fam lia em que os quatro est o juntos Nela todos est o sorrindo felizes At o cachorro parecia sorrir Era imposs vel que a fam lia se unisse novamente A esposa e as filhas moravam na prov ncia de Nagoya E tinham um novo pai Um pai que as filhas n o teriam vergonha de mostrar na reuni o de pais e mestres da escola prim ria Havia quatro anos que Ushikawa n o via as filhas mas isso n o o deixava chateado Elas sequer lhe mandavam cartas Ushikawa n o parecia lamentar o fato de n o encontr las Mas isso n o significava que ele n o se importasse com elas A quest o era que Ushikawa precisava primeiramente garantir sua pr pria sobreviv ncia e para isso era fundamental fechar os circuitos de seus sentimentos E ele sabia Sabia que por mais que suas filhas estivessem longe o sangue dele corria em suas veias Mesmo que as filhas o esquecessem seu sangue jamais esquecer de percorrer seu trajeto O sangue possui uma mem ria duradoura E no futuro o sinal deste homem cabe udo como o boneco da felicidade certamente reaparecer em algum lugar Em algum local inesperado num momento inesperado Quando isso acontecer as pessoas ir o suspirar e se lembrar dele Quem sabe Ushikawa presencie essa erup o ainda em vida Ou n o Tanto faz Ele sentia satisfa o s de pensar que poderia acontecer N o era uma vingan a Era um tipo de satisfa o que ele sentia em
231. anos e vestia uma cal a jeans desbotada uma jaqueta de couro masculina e um par de t nis brancos N o dava para saber o comprimento dos cabelos pois estavam escondidos pela gola da jaqueta Assim que deixou o pr dio deu alguns passos parou estreitou os olhos e durante alguns segundos observou atentamente o alto do poste de eletricidade diante dela Em seguida desviou o olhar para o ch o e continuou a caminhar Ao virar esquerda na rua saiu do foco de Ushikawa Aquela garota parecia algu m que Ushikawa j havia visto em algum lugar Algu m que vira recentemente A contar pela apar ncia poderia ser uma atriz de televis o Mas Ushikawa dificilmente assistia TV exceto a algum notici rio e at onde se lembrava nunca se interessara por atrizes jovens e bonitinhas Ushikawa acelerou a rota o de sua mem ria e vasculhou a fundo todos os arquivos armazenados em seu c rebro Estreitou os olhos e espremeu os miolos como um pano de ch o Sentiu uma dor aguda nos nervos De repente descobriu que esse algu m era Eriko Fukada Nunca a vira em pessoa apenas as fotos nas se es de literatura dos jornais Mas a impress o que tivera ao ver a pequena fotografia em preto e branco de seu rosto de um transparente distanciamento era exatamente a mesma Ela e Tengo certamente devem ter se conhecido quando ele assumiu o trabalho de reescrever a Cris lida de ar Ela deve ter ficado amiga dele e n o seria de estranhar o fato de estar e
232. ans e sapatos marrons Eram roupas gastas mas estavam bem moldadas ao corpo Pareciam fazer parte dele Talvez eu n o volte mais aqui pensou Por precau o retirou o cart o com o seu nome da porta e da caixa de correio Os desdobramentos disso ele deixaria para pensar depois Ele parou em frente ao pr dio e olhou atentamente ao redor Se Fukaeri estiver certa algu m deveria estar vigiando de algum lugar Mas como da outra vez ele n o viu nada de estranho O que ele via era a mesma paisagem de sempre Ap s o anoitecer n o havia muitos pedestres Ele andou calmamente em dire o esta o De vez em quando olhava para tr s para se certificar de que n o estava sendo seguido Dobrou em algumas ruas estreitas sem necessidade e parou para observar se n o havia ningu m a segui lo Aquele homem havia lhe dito que era preciso tomar cuidado O cuidado deveria ser tanto para ele quanto para Aomame que se encontrava numa situa o tensa Mas ser que aquele homem que lhe telefonou realmente conhecia Aomame De repente isso lhe veio mente N o poderia ser uma armadilha muito bem arquitetada Ao pensar nessa possibilidade Tengo come ou a ficar inseguro Se for uma armadilha certamente o grupo Sakigake deve estar por tr s disso Tengo talvez n o com certeza deve estar na lista negra deles por ter desempenhado a fun o de ghost writer da Cris lida de ar Foi por isso que aquele homem esquisito chamado Ushikawa se
233. antar nos arredores Talvez tenha ido se encontrar com algu m Ser que Aomame Ou Fukaeri Ser que perdi uma chance importante Agora n o adianta mais pensar nisso Segui lo toda vez que sair arriscado demais Basta ele me ver uma vez para tudo ir por gua abaixo Ushikawa entrou no apartamento e tirou o casaco o cachecol e o gorro Na cozinha abriu uma lata de carne desfiada em conserva fez um sandu che e comeu em p Bebeu uma lata de caf que n o estava nem quente nem fria Mas n o conseguiu sentir o gosto de nada Tinha apetite mas faltava lhe o paladar Ushikawa n o sabia se isso era pela comida ou por culpa de suas papilas Ou se era por causa das duas luas gravadas no interior de seus olhos Ele ouviu vagamente o som da campainha de algum dos apartamentos tocar Um tempo depois tocou novamente Mas ele n o se ateve a isso N o era afinal a campainha da porta dele mas de alguma outra porta longe dali Ap s comer o sandu che e beber o caf Ushikawa fumou um cigarro tranquilamente para que sua mente voltasse realidade Precisava reafirmar mentalmente o que deveria fazer Somente ap s fazer isso que ele finalmente foi at a janela e se sentou diante da c mera Ligou o aquecedor el trico e aproximou as m os do calor emanado pela luz alaranjada Faltava pouco para as nove da noite de domingo Poucas pessoas entravam e sa am do pr dio Ushikawa por m queria saber a que horas Tengo voltaria Um tempo
234. antinha os cabelos presos num rabo de cavalo Os dois lado a lado pareciam uma dupla de comediantes Um magricela e outro robusto com cavanhaque impress o que eu tive era de que esses caras eram muito perigosos Do tipo que se fosse preciso seriam capazes de fazer qualquer coisa sem titubear Mas suas a es n o eram chamativas O fato de eles serem discretos e calmos me deu muito mais medo Os olhares eram extremamente frios Ambos vestiam cal as pretas de algod o e camisas brancas de manga curta Aparentavam ter entre vinte e cinco e trinta anos O de cabelo rente parecia ser o mais velho Nenhum dos dois usava rel gio Tengo aguardou em sil ncio a continua o da hist ria Quem conversava comigo era o rapaz de cabelo rente O rapaz magro de rabo de cavalo n o abria a boca nem se mexia ficava em p diante da porta Ele parecia estar prestando aten o na conversa mas ao mesmo tempo era como se n o escutasse nada O rapaz de cabelo rente sentou se na cadeira dobr vel que trouxera consigo bem minha frente Como n o havia nenhuma outra cadeira fiquei sentado na cama Ele era uma pessoa inexpressiva claro que para falar comigo ele precisava mexer a boca mas as outras partes de seu rosto ficavam totalmente im veis Parecia um boneco de ventr loquo A primeira coisa que o rapaz de cabelo rente perguntou para Komatsu foi Voc sabe por que foi trazido para c quem somos n s e onde voc est Komatsu
235. ap s muito tempo uma sensa o de encorajamento Enquanto caminhava Aomame verificou se o cabe o ainda se encontrava no mesmo lugar Ao anoitecer a temperatura havia ca do mas continuava sem ventos Era por assim dizer uma noite agrad vel Aomame soltava um ar esbranqui ado e com passos sorrateiros passou em frente ao parque como que casualmente O cabe o nem sequer notou sua presen a Seus olhos estavam voltados para o c u e ele continuava sentado no topo do escorregador Aomame n o conseguia v las mas com certeza ele olhava as duas luas a grande e a pequena Deviam estar lado a lado pairando no c u gelado e sem nuvens Ao passar pelo parque ela seguiu at a esquina seguinte virou se e retornou Depois escondeu se nas sombras e observou o escorregador Ela sentia a press o da pequena pistola em suas costas Um toque frio e duro como o da morte O toque amenizava o estado exaltado de seus nervos Ela aguardou por cerca de cinco minutos O cabe o do boneco da felicidade levantou se lentamente bateu a poeira do casaco olhou novamente o c u e decidido desceu as escadas do escorregador Em seguida deixou o parque e caminhou em dire o esta o Segui lo n o era uma tarefa dif cil Nas ruas do bairro residencial em uma noite de domingo havia pouqu ssimos pedestres e em certo sentido n o havia perigo de perd lo de vista mesmo a uma dist ncia razo vel E ele nem sonhava que algu m pudesse segui lo Ele
236. apenas tentar desvendar Outra possibilidade era simplesmente ignorar o que ela dizia desde o in cio Eles estavam sendo vigiados Ser que isso significava que o pessoal de Sakigake descobriu onde ela estava Eles sabiam da liga o entre ele e Fukaeri Eles sabiam que ele havia reescrito a Cris lida de ar a pedido de Komatsu Raz o pela qual Ushikawa tentou se aproximar dele Eles usaram desse subterf gio Tengo ainda n o sabia o porqu disso para tentar subjug lo Sendo assim havia a possibilidade de eles estarem vigiando o apartamento de Tengo Se fosse realmente isso era estranha sua demora para agir Fukaeri estava morando no apartamento de Tengo havia quase tr s meses Sakigake era uma organiza o religiosa bem estruturada E como tal era de se presumir que possu ssem poder e influ ncia Caso quisessem realmente pegar Fukaeri podiam fazer isso a qualquer momento N o haveria a necessidade de gastar tempo e dinheiro para vigiar o apartamento de Tengo Se realmente estivessem vigiando Fukaeri eles n o a deixariam simplesmente partir E antes de partir Fukaeri n o s teve tempo de arrumar o apartamento e fazer compras como foi at a escola preparat ria em Yoyogi e deixou a carta com o amigo de Tengo Quanto mais Tengo tentava entender o que se passava mais ele ficava confuso A nica coisa que ele conseguia pensar era que eles n o queriam pegar Fukaeri Em algum momento eles talvez tenham mudado de objet
237. apidamente qual seria a posi o desse homem e at onde ele tinha conhecimento das coisas Apesar de n o saber quem ele era n o parecia trabalhar para o grupo Ushikawa por m n o tinha certeza se isso era motivo para ficar alegre ou n o Fiz uma pergunta disse o homem apertando com o indicador o rim esquerdo de Ushikawa Um aperto bem forte H uma liga o entre ele e uma mulher disse Ushikawa gemendo com a dor Essa mulher tem nome Aomame Por que est o atr s dela perguntou o homem Porque ela prejudicou o L der do grupo Prejudicou disse o homem como a confirmar o que ouviu Est querendo dizer que ela o matou n o Que tal responder de modo mais simples Isso mesmo respondeu Ushikawa Ele sabia que n o adiantaria tentar esconder as coisas desse homem Mais cedo ou mais tarde acabaria confessando Mas isso n o foi divulgado um segredo mantido pelo grupo Quantas pessoas do grupo sabem disso Um punhado E voc est entre eles Ushikawa confirmou com a cabe a Ent o voc ocupa uma posi o importante no grupo N o disse Ushikawa balan ando a cabe a para os lados Gesto que fez seu rim doer mais Sou apenas um garoto de recados que por acaso estava numa situa o que me fez ficar sabendo disso Voc estava no lugar errado e na hora errada isso Pode se dizer que sim Me diga uma c
238. aproximou dele como representante do grupo com aquela hist ria de ajuda financeira de origem suspeita Ainda por cima Tengo n o por vontade pr pria acolheu durante tr s meses Fukaeri em seu apartamento Havia motivos suficientes para que o grupo o considerasse uma pessoa indesej vel Mas se for isso pensou Tengo por que precisariam ter todo esse trabalho de usar Aomame como isca para me atrair para fora do apartamento Eles sabiam onde ele morava Ele n o estava se escondendo Se tinham alguma coisa a tratar com Tengo era s procur lo N o precisavam gastar tempo nem ter o trabalho de conduzi lo at o escorregador do parquinho Mas a coisa mudaria de figura se fosse o contr rio se ele fosse a isca para fazer Aomame sair do esconderijo Mas por que precisam atrair Aomame para fora do esconderijo N o vejo motivo para isso Ser que h alguma liga o entre Sakigake e Aomame Tengo n o conseguia deduzir nada mais al m disso O nico jeito era perguntar diretamente a Aomame Isso se eles realmente se encontrassem Seja como for era como aquele homem lhe dissera nunca demais tomar cuidado Por precau o Tengo fez um caminho mais longo e averiguou se n o era seguido Em seguida andou apressado em dire o ao parque infantil Tengo chegou ao local faltando sete minutos para as sete J havia escurecido e somente a luz da l mpada de merc rio iluminava o parquinho de ponta a ponta tarde
239. aquele supermercado havia uma nica entrada que dava para a avenida Veio lhe mente a seriedade com que ela olhava a alface com uma express o estranhamente desprovida de profundidade Ao se lembrar disso resolveu aguardar pacientemente at ela sair Tr s nibus passaram e se foram Toda vez que passava um somente Ushikawa ficava no ponto Ele se arrependeu de n o ter trazido um jornal Com o jornal aberto ele podia esconder o rosto Quando se est seguindo algu m o jornal e a revista s o objetos de primeira necessidade Paci ncia Como sa s pressas n o tive tempo de pegar nada Quando Fukaeri finalmente saiu do supermercado j eram tr s e quinze da tarde Sem olhar para o ponto de nibus ela percorreu com passos ligeiros o mesmo trajeto da ida Ushikawa aguardou um tempo e se p s a segui la Os dois pacotes que ela segurava pareciam pesados mas ela os carregava sem demonstrar nenhum esfor o e seus passos eram leves como uma aranha d gua deslizando numa po a Que garota estranha pensou Ushikawa enquanto a observava pelas costas Parece que estou olhando uma borboleta ex tica prazeroso de ver Mas n o se pode toc la pois ao menor contato ela pode simplesmente perder a vida seu brilho v vido como destruir um sonho ex tico Ushikawa pensou rapidamente se deveria contar para o pessoal de Sakigake o paradeiro de Fukaeri Uma decis o dif cil Se ele desse de bandeja a informa o de on
240. aqui s tr s horas Tudo bem para voc Sei que pode parecer que estou apressando as coisas mas como voc uma pessoa ocupada eu tomei a liberdade de adiantar algumas provid ncias Muito obrigado Tengo agradeceu a efici ncia e o senso de presteza da enfermeira Todas as mulheres mais velhas que ele conhecia possu am essas caracter sticas Mas antes disso v at a prefeitura d a baixa do nome de seu pai do registro familiar e solicite a autoriza o de crema o Sem esses documentos n o podemos fazer nada disse a enfermeira Tamura Ent o vou ter de ir at Ichikawa O local de domic lio do meu pai se n o me engano a cidade de Ichikawa Nesse caso creio que n o consigo retornar at as tr s horas A enfermeira balan ou negativamente a cabe a Assim que seu pai se internou aqui ele tratou de transferir o local de domic lio permanente de Ichikawa para Chikura Ele queria evitar dar trabalho a voc Ele deixou tudo em ordem disse Tengo admirado Era como se seu pai j soubesse desde o in cio que morreria ali Realmente disse a enfermeira S o raros os idosos que fazem isso Todos pensam que v o ficar aqui apenas temporariamente mas ela interrompeu a fala e como a sugerir a continua o da frase juntou as m os diante do corpo Portanto voc n o precisa ir at Ichikawa Tengo foi levado at o quarto de seu pai Era naquele quarto individual qu
241. ar Sakigake possui homens e meios para fazer esse tipo de servi o e j est o acostumados a faz lo Assim como fizeram com aquela outra mercadoria que transportaram do Hotel kura Voc entende o que estou querendo dizer Aomame traduziu mentalmente as palavras de Tamaru para uma linguagem mais direta persuas o parece ter sido bastante rude n o Tamaru soltou um suspiro Infelizmente aquele homem sabia demais O grupo religioso estava a par do que ele fazia no apartamento indagou Aomame O cabe o do boneco da felicidade trabalhava para o grupo mas estava agindo sozinho Ele ainda n o tinha reportado aos superiores o que estava fazendo Sorte nossa Mas agora eles j sabem que ele estava l fazendo alguma coisa Isso mesmo Por isso melhor voc n o se aproximar daquele lugar O nome e o endere o de Tengo Kawana devem constar na lista deles pois o escritor da Cris lida de ar Eles ainda n o devem saber que h uma liga o pessoal entre voc e Tengo Mas se eles forem atr s do motivo de o cabe o estar naquele apartamento certamente vir tona que por causa de Tengo Kawana apenas uma quest o de tempo Mas se tudo der certo at que descubram temos uma margem de tempo Descobrir uma liga o entre a morte do cabe o e Tengo n o ser f cil Isso se tudo correr bem disse Tamaru E se eles n o forem t o cuidadosos como imagino que s o Mas eu
242. ar nem seguir a carreira acad mica Quando tinha vontade lecionava matem tica num cursinho preparat rio do ginasial administrado por um amigo mas na maior parte do tempo levava uma vida sossegada lendo livros e pescando nas correntezas do rio em meio s montanhas N o por acaso Tengo sabia que o amigo era um ex mio professor mas sentia se entediado com sua pr pria capacidade Sua fam lia era abastada e n o havia uma real necessidade de ele trabalhar Numa outra ocasi o esse amigo j o havia substitu do e os alunos gostaram muito dele Quando Tengo explicou a situa o ele prontamente aceitou o pedido Havia tamb m o problema do que fazer com Fukaeri Tengo n o sabia se seria apropriado deixar uma garota alheia ao mundo no seu apartamento durante um per odo longo Afinal de contas ela n o podia ser vista e estava ali para se esconder Diante desse impasse Tengo resolveu perguntar se ela preferia ficar sozinha tomando conta do apartamento ou ir para algum outro lugar ainda que temporariamente Onde voc vai perguntou Fukaeri olhando o com seriedade Vou cidade dos gatos respondeu Tengo Meu pai n o est recobrando a consci ncia Faz um bom tempo que ele est dormindo profundamente Disseram que n o tem muito tempo de vida Tengo n o disse nada sobre a cris lida de ar no leito hospitalar no entardecer daquele dia ou que encontrou a Aomame menina dormindo no interior dessa cris lida O
243. ara algu m Se estiver podemos estar numa situa o de risco S h como agir ap s averiguar isso Antes de pular na piscina preciso verificar a profundidade da gua De certa forma isso Mas voc mesmo disse que ele deve estar agindo sozinho E que n o tem nenhum tipo de apoio Ah Eu sou dessa opini o Mas a contar pelas experi ncias anteriores posso dizer que minha intui o s vezes falha Infelizmente n o tenho olhos na nuca disse Tamaru De qualquer modo preste muita aten o ao seu redor Veja se n o h alguma pessoa suspeita alguma mudan a na paisagem ou se n o est acontecendo algo diferente do usual Se notar alguma diferen a por menor que seja me avise o quanto antes Entendi Prestarei aten o disse Aomame Isso era algo desnecess rio de dizer Quero encontrar Tengo e estou me esfor ando ao m ximo para n o deixar passar nada por menor que seja Mesmo assim eu tamb m s tenho um par de olhos Tamaru tem raz o O que eu tinha a dizer era isso A velha senhora est bem indagou Aomame Est respondeu Tamaru e acrescentou Mas ela anda um pouco mais calada Acho que ela nunca foi de falar muito Tamaru emitiu um breve grunhido Era como se ele possu sse um rg o especial no fundo da garganta capaz de expressar sentimentos especiais Estou querendo dizer que ela est ainda mais calada Aomame imaginou a velha sen
244. ara o alto Nunca se sabe se o resultado ser cara ou coroa at que ela caia ao ch o Ao pensar nisso Aomame sentiu um aperto no cora o Todos os ossos de seu corpo pareciam ranger e soltar um intenso gemido de dor Ela sentou se mesa da cozinha e pegou a pistola autom tica Puxou o ferrolho posicionou a bala na c mara e com o polegar levantou a alavanca da trava de seguran a do lado esquerdo da arma e levou o cano boca Se o dedo indicador da m o direita apertasse um pouco mais forte o gatilho todo o seu sofrimento desapareceria instantaneamente Faltava apertar mais um pouquinho Um cent metro N o Bastava apertar uns cinco mil metros para ela ser transferida para um mundo de sil ncio isento de sofrimentos A dor era uma quest o de segundos antes de ser recebida pelo misericordioso e profundo vazio Ela fecha os olhos O tigre do outdoor da Esso sorri com o bico da bomba de combust vel Ponha um tigre no seu tanque Ela retirou o cano r gido da boca e balan ou lentamente a cabe a N o posso morrer De frente minha varanda existe um parque e nele h um escorregador Enquanto eu nutrir a esperan a e o desejo de que Tengo retorne a esse parque n o posso puxar o gatilho Essa possibilidade que a impedia de tirar a pr pria vida como se uma porta se fechasse e outra se abrisse em seu cora o Calmamente sem barulho Aomame puxou o ferrolho tirou a bala da c mara acionou o dispositivo de seguran
245. aredes brancas uma luminosidade que as deixava muito mais alvas Sobre uma c moda baixa havia um vaso com tr s cris ntemos brancos que pareciam ter sido colocados naquela manh Um rel gio redondo jazia pendurado na parede Era um rel gio antigo e empoeirado mas que marcava corretamente as horas Sua fun o talvez fosse a de testemunhar algo Al m dessas coisas n o havia mais nenhum m vel ou objeto de decora o Muitos idosos mortos passaram por aquele quarto singelo Silenciados eram levados para l e em sil ncio deixavam o local O quarto era simples mas havia nele uma atmosfera solene O rosto de seu pai n o diferia de quando estava vivo Mesmo olhando o de perto n o parecia estar morto A cor de sua pele n o estava ruim e provavelmente algu m gentilmente havia feito sua barba pois a pele ao redor do queixo estava estranhamente lisa N o havia muita diferen a entre o estado em que ele perdera a consci ncia e dormia profundamente e o fato de estar morto Apenas n o havia mais a necessidade de lhe injetar os tubos de soro e o cateter Se o deixassem como estava em alguns dias seu corpo entraria num estado de putrefa o e a diferen a entre a vida e a morte ficaria vis vel Mas antes de isso acontecer ele seria cremado O m dico que Tengo j conhecia das outras vezes em que estivera l apareceu e ap s dar lhe as condol ncias come ou a explicar as circunst ncias da morte de seu pai O m dico n o poupou tem
246. as antes Uma possibilidade era ignorar o telefone e continuar dormindo Era o que Tengo gostaria de fazer Mas o toque persistente eliminava aquela op o Dava a impress o de que continuaria a tocar at o amanhecer Tengo saiu da cama e esbarrando em algumas coisas pelo caminho finalmente pegou o fone Al disse ele sentindo a l ngua pastosa Sua cabe a parecia preenchida por um p de alface congelado Ainda existem pessoas que n o sabem que n o se deve congelar alface Pois ao ser descongelada ela perde totalmente a sua croc ncia Ou seja perde a melhor de suas caracter sticas Ao aproximar o fone do ouvido Tengo escutou o vento soprar Uma rajada caprichosa por entre vales estreitos eri ando os pelos de lindos veados que se curvam para beber a gua l mpida do rio Mas n o era o barulho dos ventos Era a respira o de algu m ampliada pelo aparelho telef nico Al repetiu Tengo Poderia ser trote ou linha cruzada Al disse a pessoa do outro lado da linha Era a voz de uma mulher que ele n o conseguia reconhecer N o era a voz de Fukaeri nem a de sua namorada mais velha Al repetiu Tengo Aqui quem fala Kawana Tengo disse a interlocutora Finalmente a conversa parecia engrenar Mesmo assim Tengo n o sabia de quem era aquela voz Quem Kumi Adachi disse a pessoa do outro lado da linha Ah voc disse Tengo Era a enfermeira jov
247. as e tr s minutos e o ponteiro dos segundos continuava a marcar de modo preciso a passagem do tempo Aomame ainda n o havia chegado Durante alguns minutos Tengo observou o ponteiro dos segundos como se visse algo interessante Um tempo depois fechou os olhos Assim como as nuvens levadas pelo vento ele n o tinha pressa N o havia nenhum problema se Aomame demorasse Ele parou de pensar e decidiu se deixar levar pelo tempo Naquele momento o mais importante era deixar o tempo fluir naturalmente Ainda mantendo os olhos fechados Tengo prestou aten o aos sons do mundo ao seu redor como se sintonizasse uma esta o de r dio A primeira coisa que conseguiu captar foi o som intermitente dos carros passando pelo anel vi rio 7 Era um som que lembrava o bramido do Pac fico que ele costumava escutar na casa de sa de de Chikura Um bramido que sutilmente se mesclava ao canto estridente das gaivotas Escutou tamb m o som curto e repetitivo do sinalizador de r de um caminh o de grande porte e um breve e agudo latido de advert ncia de um cachorro grande Em algum lugar distante uma pessoa chamava algu m pelo nome em voz alta Tengo n o conseguia discernir de onde vinham aqueles sons Ao permanecer durante muito tempo com os olhos fechados perdera a no o de dire o e dist ncia De vez em quando soprava um vento gelado mas ele n o sentia frio Temporariamente Tengo havia esquecido n o s de reagir ao frio como tamb m de sentir
248. as luas Ele estava vendo o c u perguntou Tamaru Atrav s do fone dava para ouvir a velocidade da rota o do seu racioc nio subir um grau Estava vendo o c u a lua as estrelas esse tipo de coisa Ele estava sentado no escorregador sem se preocupar de estar se expondo Isso mesmo Voc n o acha estranho indagou Tamaru Sua voz era dura e seca Lembrava aquelas plantas do deserto que conseguem sobreviver com um nico dia de chuva ao longo do ano Aquele homem conseguiu te encurralar E faltou um passo para te pegar Formid vel Mas ele olhava o c u do topo do escorregador sem demonstrar nenhuma preocupa o N o olhou nenhuma vez para o apartamento em que voc est Na minha opini o isso n o faz nenhum sentido Voc tem raz o Realmente muito estranho uma hist ria sem p nem cabe a Concordo com voc Mas seja como for eu n o poderia deix lo escapar Tamaru deu um suspiro Mesmo assim eu acho isso tudo muito perigoso Aomame permaneceu em sil ncio Ao segui lo voc descobriu alguma pista para revelar esse mist rio indagou Tamaru N o disse Aomame Mas uma coisa me deixou intrigada O qu Quando verifiquei as caixas de correio da entrada do pr dio descobri que no terceiro andar mora uma pessoa de nome Kawana E Voc j ouvir falar do romance Cris lida de ar que foi um best seller no ver o Saiba que eu cost
249. as seres mal volos Elas eram gentis e sinceras Dedicavam se ao trabalho com afinco e cuidavam muito bem de seu pai Eram obrigadas a trabalhar duro e suas vidas estavam longe de ser empolgantes naquela cidadezinha em que a atividade econ mica principal era a ind stria pesqueira S o que elas faziam era dar se ao direito de uma vez por m s descarregar o estresse Mas quando Tengo viu a jun o das energias daquelas tr s mulheres de diferentes gera es n o p de deixar de pensar nos ventos que cortam a expans o da Esc cia Os ventos gelados que junto com a chuva cortam a charneca sob o c u nublado Tengo leu Macbeth nas aulas de ingl s da faculdade mas estranhamente lembrava se do seguinte trecho By the pricking of my thumbs Something wicked this way comes Open locks Whoever knocks Pinica meu polegar Algo mau est pra chegar Abre logo a fechadura Pra quem bate e nos procura Por que ser que ainda hoje consigo me lembrar claramente desse trecho Um trecho que nem seo ao certo quem falava na pe a No entanto esse trecho em especial lembrava o cobrador da NHK que insistentemente batia na porta de seu apartamento em K enji Tengo olhou seu polegar N o sentiu nenhuma pinicada Mas mesmo assim a sonoridade que Shakespeare habilmente criava com suas rimas reverberava um sinistro eco Something wicked this way comes Tomara que Fukaeri n o abra a porta pensou Tengo Ushikawa Estou cam
250. aso aquela paisagem apenas para protelar um pouco mais o momento de estar de frente para o seu pai e ter de encar lo Mas n o podia protelar indefinidamente Finalmente criou coragem e sentou na cadeira ao lado da cama Seu pai estava deitado com o rosto voltado para o teto e os olhos fechados O acolchoado que lhe cobria o corpo at o pesco o continuava intacto Os olhos estavam profundamente encovados Era como se tivesse perdido uma pe a e o globo ocular n o podendo ser sustentado pela rbita acabasse por afundar dentro de uma cova profunda Mesmo que seu pai abrisse os olhos ele certamente s conseguiria ver o mundo como se estivesse no fundo de um buraco Pai Tengo dirigiu lhe a palavra Seu pai n o respondeu O vento que entrava no quarto repentinamente parou de soprar e as cortinas penderam como uma pessoa que de s bito interrompe o trabalho ao se lembrar de algo importante a fazer Um tempo depois como que voltando a si o vento recome ou a soprar suavemente Vou voltar para T quio disse Tengo N o posso ficar aqui para sempre N o posso prolongar as f rias Minha vida n o grande coisa mas tenho minhas coisas para fazer Havia uma barba rala nas bochechas de seu pai Uma barba de dois ou tr s dias A enfermeira o barbeava mas n o todos os dias Fios brancos e pretos se mesclavam Ele tinha apenas 64 anos mas aparentava muito mais Era como se algu m por engano avan asse o filme da vid
251. assou um nibus que ia para a esta o Ele subiu com um grupo animado de estudantes e todos desceram na parada final O pessoal da pousada n o comentou nada ao v lo chegar ap s as oito horas e com a barba por fazer N o pareciam estar nem um pouco surpresos e sem dizer nada prontamente serviram a refei o matinal Tengo comeu a refei o quentinha e enquanto tomava o ch rememorou o que aconteceu na noite anterior As tr s enfermeiras o convidaram para sair e foram comer yakiniku Depois foram a um bar e cantaram karaok Ele seguiu para o apartamento de Kumi Adachi e enquanto ouviam o canto da coruja fumaram haxixe indiano Sentiu o c rebro como se fosse uma papa de arroz quente e pastosa E de repente ele estava na sala de aula da escola prim ria no inverno onde sentiu o cheiro do ar e conversou com Aomame Na sequ ncia Kumi Adachi deitada na cama falou sobre a morte e o renascimento A pergunta errada gerou respostas amb guas A coruja continuava a cantar na mata e as pessoas que participavam do programa de televis o davam risadas As lembran as saltavam deixando algumas lacunas Faltavam algumas conex es para preencher essas lacunas Em compensa o as partes de que conseguia se lembrar eram extremamente n tidas Conseguia resgatar todas as palavras uma por uma Tengo lembrou das ltimas palavras ditas por Kumi Adachi Eram um aviso uma advert ncia Ao amanhecer voc deve ir embora Antes de a sa da
252. ava essas pessoas e sistemas como sendo o pr prio Deus Odiar essas pessoas era o mesmo que odiar Deus Desde o dia em que nasceu elas estavam ao se redor Em nome de Deus passaram a control la davam lhe ordens e a encurralavam Em nome de Deus usurparam seu tempo e sua liberdade prendendo seu cora o com pesadas algemas Elas pregavam a bondade de Deus mas pregavam em dobro a ira e a intoler ncia de Deus Aos onze anos quando tomou consci ncia disso finalmente conseguiu escapar desse mundo Em compensa o precisou sacrificar muitas coisas Se n o existisse Deus neste mundo minha vida teria uma luz muito mais intensa seria muito mais espont nea e rica era o que Aomame costumava pensar Eu poderia ter sido uma crian a comum com muitas e belas lembran as se o meu cora o n o fosse constantemente atormentado pela raiva e pelo medo Minha vida hoje seria muito mais construtiva tranquila e plena Mas enquanto observava o parque vazio por entre os v os da amurada com a m o sobre o ventre Aomame n o podia deixar de admitir que l no fundo ela acreditava em Deus Quando rezava mecanicamente juntando as m os ela confiava em Deus numa rea fora dos limites de sua consci ncia Era uma sensa o impregnada em seus ossos uma sensa o que a raz o e os sentimentos eram incapazes de afugentar Algo que nem mesmo o dio e a raiva seriam capazes de destruir Mas esse Deus n o era o Deus dessas pessoas
253. aveta Carta indagou Tengo De quem Era uma garota magra de cabelos lisos e retos na altura do ombro Ela me procurou e pediu para te entregar a carta O jeito de ela falar era meio estranho Acho que estrangeira Ela estava com uma bolsa grande Estava Uma bolsa verde E bem cheia Fukaeri ficou com receio de deixar a carta no apartamento Algu m podia l la Ou roub la Por isso foi at a escola e a entregou nas m os do amigo de Tengo Tengo agradeceu novamente e desligou o telefone J era tarde e n o se animou a tomar o trem at Yoyogi para pegar a carta Faria isso no dia seguinte Um tempo depois lembrou se de que esquecera de perguntar ao amigo sobre a lua Come ou a discar o n mero mas acabou desistindo Ele j deve ter esquecido isso No final das contas T engo que deveria resolver isso sozinho Tengo saiu para caminhar a esmo na cidade que anoitecia O apartamento estava estranhamente quieto com a aus ncia de Fukaeri e isso o deixava incomodado Quando moravam juntos ele n o sentia sua presen a Ele mantinha sua rotina de sempre e ela seguia a dela Mas o fato de ela n o estar mais l fez com que Tengo percebesse a exist ncia de um vazio em forma humana N o significava que ele nutrisse uma atra o por ela Ela era uma garota bonita e encantadora mas ele nunca sentiu um desejo sexual por ela O fato de terem morado juntos durante v rios dias n o o excitava Por qu Ser
254. avras esse horm nio produzido de sete a nove semanas desde o momento da fecunda o Se considerarmos o tempo de gesta o prov vel ela estaria num per odo delicado para a detec o desse horm nio mas ainda havia a possibilidade de ele ser detectado Uma coisa era certa se o resultado desse positivo ela certamente estaria gr vida Se fosse negativo o resultado seria incerto pois havia o risco de o horm nio n o estar mais sendo produzido Aomame n o estava com vontade de urinar Ela pegou uma garrafa de gua mineral na geladeira e bebeu dois copos Mesmo assim continuou sem vontade Tubo bem pensou N o preciso me afobar Resolveu ent o deixar de lado o teste de gravidez e sentada no sof concentrou se na leitura de Proust Passava das tr s da tarde quando finalmente sentiu vontade de urinar Recolheu a urina num recipiente qualquer e mergulhou a tira de papel dentro dele A cor come ou a mudar gradativamente diante de seus olhos e por fim tingiu se de um azul v vido Uma tonalidade linda que serviria muito bem como cor de carro Um convers vel pequeno azul com capota creme Seria uma del cia conduzi lo pela orla da praia sentindo os ventos do in cio do ver o Entretanto o que esse azul anunciava no banheiro de um apartamento na cidade de T quio numa tarde em plena esta o de outono era o fato de ela estar gr vida ou que as chances eram de 95 por cento Aomame ficou em p diante do espelho
255. azer disse a velha senhora E desligou delicadamente o telefone Algu m bateu a porta Aomame que fazia ioga no ch o do quarto interrompou o exerc cio e prestou aten o nas batidas Fortes e insistentes Um som familiar Ela pegou a pistola autom tica da gaveta da c moda e desativou a trava de seguran a Puxou o ferrolho e rapidamente posicionou a bala na c mara Colocou a pistola na cintura na parte de tr s do agasalho e sem fazer barulho foi at a sala de jantar Pegou o bast o de softball com as m os e encarou a porta da sala posicionando se de frente a ela Senhorita Takai disse uma voz rouca e grossa A senhorita est a Somos a sua NHK e estou aqui para receber a taxa de recep o Havia uma fita adesiva antiderrapante no cabo do bast o Senhorita Takai sei que estou sendo repetitivo mas saiba que eu sei que est a dentro Por isso chega de brincar de esconde esconde Sei que a senhorita est a e est escutando o que digo O homem repetiu as mesmas palavras ditas na vez anterior como se reproduzindo uma grava o A senhorita achou que eu estava apenas blefando quando disse que voltaria n o N o n o mesmo Eu sempre cumpro o que digo Se eu preciso arrecadar a taxa sempre consigo receb la Sei que a senhorita est a e est me escutando atentamente E est pensando se eu ficar aqui quietinha esse cobrador vai desistir e ir embora N o mesmo Durante algum t
256. bia gua Ap s comer o p ssego enlatado fumou alguns cigarros No apartamento havia eletricidade mas por algum motivo n o havia gua na torneira Fazia um barulho esquisito no fundo do cano mas n o sa a nenhuma gota Talvez levasse um tempo para funcionar Pensou em avisar a imobili ria mas como ele n o queria sair novamente resolveu aguardar mais um tempo para ver o que acontecia Como n o podia usar a descarga urinou dentro de um balde velho que algu m da faxina havia esquecido O precipitado anoitecer do in cio de inverno escureceu por completo o interior do quarto mas mesmo assim Ushikawa n o acendeu a luz A escurid o da noite era algo que particularmente lhe agradava A l mpada da entrada acendeu e ele continuou a observar as pessoas que passavam sob a luz amarela Ao anoitecer a quantidade de pessoas que entravam e sa am do pr dio aumentou mas n o muito O pr dio era pequeno Mas nada de Tengo Ushikawa tamb m n o viu nenhuma mulher que pudesse ser Aomame Era justamente o dia da semana em que Tengo costumava dar aulas na escola preparat ria No final da tarde por m ele deveria estar de volta Ap s o trabalho era muito raro ele sair para algum outro lugar Em vez de comer fora ele preferia preparar a pr pria refei o e comer sozinho lendo um livro Ushikawa sabia disso Mas nesse dia Tengo estava demorando muito para voltar Talvez tivesse combinado de sair com algu m ap s as aulas No pr dio mo
257. bou cedendo Agora no final das contas acho que estou sem namorada mesmo disse a enfermeira Tamura E ap s mexer com o dedo o gelo do copo e lamb lo comentou Isso n o bom N o bom mesmo um desperd cio um rapaz jovem e saud vel como voc n o ter um relacionamento mais ntimo com algu m N o faz bem para o corpo disse a enfermeira mura Guardar aquilo para si durante muito tempo pode deixar a pessoa de miolo mole A enfermeira Adachi deu sua risadinha de costume De miolo mole disse ela e bateu na t mpora com a ponta do dedo Mas at um tempo atr s eu tinha algu m disse Tengo tentando se justificar Mas um tempo atr s ela te deixou n o disse a enfermeira Tamura acertando os culos Tengo confirmou com a cabe a Foi ela que te deixou indagou a enfermeira mura N o sei disse Tengo inclinando a cabe a Acho que sim O mais prov vel que ela tenha me deixado Por acaso essa pessoa era bem mais velha que voc perguntou a enfermeira Tamura estreitando os olhos Sim Ela era mais velha respondeu Tengo surpreso de ela saber disso N o disse a enfermeira Tamura olhou para as outras com ares de orgulho As duas concordaram Eu disse para essas duas disse a enfermeira Tamura O Tengo provavelmente tem uma namorada mais velha Isso um tipo de coisa que uma mulher consegue sentir p
258. budista Medita o Zen stalinista disse Aomame Ap s breve intervalo Tamaru desligou o telefone Na tarde desse mesmo dia Aomame exercitou se com a bicicleta ergom trica e a cadeira de gin stica Depois de tanto tempo sentiu prazer em praticar exerc cios moderados com as cargas que os aparelhos lhe proporcionavam Ap s tomar um banho e tirar o suor do corpo preparou uma refei o simples ouvindo m sica na r dio FM No final da tarde ligou a TV para assistir aos notici rios nenhum lhe chamou especial aten o Ao anoitecer foi para a varanda observar o parque levando consigo um cobertor fino o bin culo e a pistola E o belo e reluzente bast o de metal Se Tengo n o aparecer no parque at o per odo estipulado vou terminar o ano enigm tico de 1084 levando essa vida mon tona neste apartamento no bairro de K enji Vou preparar as minhas refei es fazer exerc cios assistir ao notici rio ler Proust e aguardar Tengo aparecer Aguard lo tornou se a atividade mais importante da minha vida Neste momento esse t nue fio que me conduz a viver Sou como aquela pequena aranha negra que encontrei no dia que desci as escadas de emerg ncia da Rota Metropolitana A aranha discretamente tecia suas miser veis teias no canto sujo da escada de arma o de ferro Sacudida pelos ventos que atravessam os v os da arma o a teia estava empoeirada e em parte desfeita Quando me deparei com essa teia senti compaix o Mas
259. bvio Mas na rodovia metropolitana n o havia faixa de acostamento cont nuo A sa da de Ikejiri estava relativamente pr xima mas por mais que a via estivesse congestionada seria perigoso demais para os dois andarem por entre os carros naquela via estreita Pedir uma carona e ser acolhido tamb m n o parecia algo f cil de acontecer Havia a possibilidade de usar o telefone de emerg ncia e ligar para a Companhia Metropolitana do Sistema Vi rio e pedir socorro mas nesse caso eles precisariam explicar de modo convincente por que estavam perdidos naquele lugar Mesmo que conseguissem chegar s os e salvos at a sa da de Ikejiri a p o funcion rio do ped gio certamente os interrogaria Descer as escadas que eles acabaram de subir estava fora de cogita o N o sei disse Aomame Aomame realmente n o sabia o que fazer nem para onde ir Assim que subiu as escadas de emerg ncia sua fun o havia terminado Ela estava sem energias para refletir e decidir o que era certo ou errado Dentro dela n o havia mais combust vel A nica op o era confiar em alguma outra for a Pai nosso que estais no C u santificado seja o Vosso Nome venha a n s o Vosso Reino Perdoai nossos pecados Conceda nos a Vossa b n o em nossa humilde caminhada Am m A ora o saiu de sua boca espontaneamente Quase um reflexo condicionado N o havia necessidade de pensar Nenhuma palavra dessa ora o possu a significado Para Aomame ago
260. c rebro reordenava silenciosamente in meras conjecturas Est me dizendo que voc n o quer ser transferida para outro lugar Exatamente respondeu Aomame sucintamente Quero permanecer aqui por mais algum tempo Esse local n o foi planejado para esconder uma pessoa por muito tempo Se eu ficar enfurnada sem sair creio que n o v o me encontrar Voc n o deve subestimar aqueles caras Eles v o te procurar sem tr gua e n o v o medir esfor os para encontr la Isso p e em risco n o somente a sua vida mas a de outras pessoas Se isso acontecer fico numa situa o muito delicada disse Tamaru Sinto muito por coloc lo nessa situa o mas preciso de um pouco mais de tempo Querer um pouco mais de tempo de certa forma vago disse Tamaru Desculpe me mas s posso dizer isso Tamaru manteve se em sil ncio para refletir sobre o assunto Ele certamente havia notado pelo tom de voz dela que a decis o de Aomame era firme e incontest vel Sou uma pessoa que preza as prioridades mais do que qualquer outra coisa Acima de qualquer outra coisa Voc deve saber disso n o disse Tamaru Sei sim Tamaru novamente guardou sil ncio e um tempo depois respondeu Est bem S queria deixar bem clara a minha posi o para evitar mal entendidos Sei que deve haver um motivo para que voc me pe a isso Tenho um motivo respondeu Aomame Tamaru
261. ca ele certamente conhecia algum tipo de arte marcial Voc n o tentou conversar com ele N o Eu j imaginava que ele n o responderia s minhas perguntas Por isso fiquei de boca fechada Comia as refei es que ele trazia bebia leite dormia quando apagavam a luz e acordava quando a luz era novamente acesa Logo pela manh o rapaz trazia um barbeador el trico e uma escova de dentes Eu fazia a barba escovava os dentes e assim que terminava ele os recolhia A nica coisa que ficava no quarto e que poderia ser chamado de objeto era o rolo de papel higi nico N o havia nada al m disso N o pude tomar banho nem trocar de roupa mas confesso que essas coisas nem me passaram pela cabe a N o havia espelho mas isso tamb m era o de menos O que mais me incomodava era o t dio Afinal ficar sozinho sem falar com ningu m preso num cub culo branco dia e noite s pode ser entediante Sou uma pessoa viciada em letra impressa e s consigo me acalmar quando tenho alguma coisa escrita ao alcance das m os Qualquer coisa at mesmo o card pio do servi o de quarto No entanto n o havia livros nem jornais e tampouco revistas N o havia televis o r dio nem jogos Nem algu m para conversar A nica coisa que eu podia fazer era ficar em sil ncio sentado na cama olhando o ch o as paredes e o teto Era uma sensa o muito estranha Afinal eu estava andando na rua quando de repente uns caras que nunca vi na vida me
262. cal de ref gio para v timas de viol ncia dom stica e que a velha senhora o oferece gratuitamente Tamb m deve saber que ela s cia do clube em que voc trabalhava e que voc frequentava a mans o como sua personal trainer Se eu fosse ele conseguiria obter esse tipo de informa o Aquele homem t o bom quanto voc Qualquer um que n o fica reclamando quando tem de agir mesmo que o trabalho exija esfor o e que al m da capacidade de obter informa es est acostumado a pensar racionalmente capaz de fazer isso Acho que n o existem muito homens assim Mas h alguns pelo menos S o os profissionais Aomame sentou se na cadeira e colocou o dedo na ponta do nariz que ainda preservava o frio de fora Ele n o apareceu mais nos arredores da mans o indagou Aomame Ele sabe que a apar ncia dele chama muita aten o E sabe que h c meras de seguran a espalhadas pela propriedade Por isso assim que colheu as informa es necess rias mudou o local de ca a Quer dizer que agora ele j sabe que existe uma rela o entre mim e a velha senhora E que essa rela o vai al m da de uma instrutora do clube esportivo e sua cliente rica e tamb m que envolve o abrigo E que estamos envolvidas em algum projeto Possivelmente disse Tamaru Na minha opini o ele est bem pr ximo de descobrir o cerne da situa o Passo a passo Mas pelo que pude constatar ele
263. capaz de fazer isso jovem enfermeira Adachi inclinou levemente a cabe a e concordou Realmente de se admirar Uma atitude que merece o nosso respeito Estamos sempre te elogiando disse a enfermeira Tamura Tengo sem querer ruborizou Ele n o estava na cidade para cuidar do pai A sua inten o era ver novamente Aomame dormindo dentro daquela cris lida de ar envolta numa t nue luz Essa era a principal motiva o de ele estar l Cuidar do pai era um mero pretexto Mas n o poderia revelar sua motiva o pois teria tamb m de explicar o que era uma cris lida de ar que at hoje n o pude fazer nada por ele disse Tengo meio sem gra a sentado de modo desengon ado na apertada cadeira de madeira que para encaixar seu corpo grande o deixava todo exprimido Mas sua atitude foi interpretada pelas enfermeiras como um gesto de humildade Tengo pensou em se retirar dizendo que estava com sono e que voltaria sozinho para a hospedaria mas n o conseguiu encontrar uma oportunidade para se despedir Ele n o era uma pessoa que agia de modo impositivo Mas ent o disse a enfermeira mura e ap s tossir para limpar a garganta prosseguiu Voltando quele assunto por que voc se separou dessa mulher casada dez anos mais velha Voc s se davam bem n o davam Foi porque o marido dela descobriu isso N o sei dizer o motivo respondeu Tengo Um dia ela simplesmente deixou de dar
264. carinhosamente me protegeu dos olhares indiscretos do vento gelado e de todas as outras coisas ruins Era um sinal positivo Aomame relaxou os m sculos faciais e sua express o voltou ao normal Algu m est cuidando de mim est me protegendo pensou Aomame Mesmo neste mundo de 1084 n o estou completamente s Talvez n o Aomame foi at a janela com a x cara de ch preto j frio Saiu para a varanda afundou se na cadeira de jardim para n o ser vista e ficou observando o parque infantil por entre os v os do parapeito Queria pensar em Tengo mas naquele dia em especial n o conseguia A nica imagem que lhe vinha mente era a de Ayumi Nakano Ela estava feliz e sorrindo Um sorriso espont neo sem segundas inten es Elas est o no restaurante sentadas frente a frente bebendo uma ta a de vinho Est o levemente embriagadas O excelente Borgonha se misturava ao sangue e suavemente circulava pelo corpo e o mundo ao redor tingia se de uma suave tonalidade cor de vinho Pois Aomame disse Ayumi passando o dedo na borda da ta a Acho que n o existe nenhuma l gica neste mundo muito menos bondade Acho que sim Mas tudo bem Num piscar de olhos este mundo ir se acabar disse Aomame E vir o Reino dos C us N o vejo a hora disse Ayumi Por que ser que disse aquilo pensou Aomame intrigada Por que fui falar aquilo se nem acredito no Reino dos C us Pouco depo
265. chorro com pedigree Por isso quando sua vida desmoronou em consequ ncia de diversos e sucessivos acontecimentos e ele acabou sozinho e abandonado o que de fato sentiu foi um grande al vio Finalmente n o tinha mais nada com que se preocupar Estava voltando para a estaca zero isso o que significa voltar estaca zero Dentro do saco de dormir Ushikawa encolheu o corpo como uma larva de cigarra e ficou olhando para o teto Ao permanecer por muito tempo nessa posi o suas articula es come aram a doer Ele estava tremendo de frio tinha acabado de comer um p o doce de feij o azuki em vez de jantar durante horas vigiou a entrada daquele pr dio barato que seria demolido fotografou pessoas sem nenhum atrativo e mijou num balde usado para a limpeza do apartamento isso o que significa voltar estaca zero Lembrou se ent o de que havia se esquecido de fazer uma coisa Saiu do saco de dormir rastejando como uma lesma jogou a urina do balde na privada e apertou a descarga Ele n o queria ter de sair do saco de dormir que estava come ando a ficar quente Chegou a pensar em fazer isso depois mas s de pensar na confus o se sem querer ele trope asse no balde no meio da escurid o achou melhor n o protelar Depois de dar a descarga voltou para o saco de dormir e ficou novamente tremendo de frio por um tempo isso o que significa voltar estaca zero Talvez fosse exatamente isso Ele n o tinha mais nada a perder A
266. cia tranquilo e n o precisaram esperar muito para que o caix o fosse levado ao forno Ele entrou lentamente na fornalha e uma pesada tampa se fechou como a escotilha de um submarino Um funcion rio idoso de luvas dirigiu se a Tengo e fez uma rever ncia Em seguida ligou a chave Kumi Adachi fez uma rever ncia juntando as m os em ora o e olhou em dire o escotilha Tengo fez o mesmo Durante a crema o que levou cerca de uma hora Tengo e Kumi Adachi aguardaram na sala de espera no interior do pr dio Kumi comprou dois copos de caf na m quina autom tica e beberam em sil ncio Estavam sentados lado a lado num banco em frente a uma enorme janela de vidro L fora se estendia um gramado desolado pelo inverno e um pequeno bosque de rvores desfolhadas P ssaros pequenos e de rabo comprido cujo nome Tengo desconhecia emitiam um canto alto e agudo Ao cantar o rabo se erguia N o havia nenhuma nuvem no c u de inverno que se estendia sobre as rvores Kumi Adachi vestia um casaco de l grosso e felpudo cor de creme sob um vestido curto preto Tengo usava um su ter preto de gola redonda sob uma jaqueta cinza escuro com padr es em zigue zague e mocassins marrom escuros Era a roupa mais formal que ele possu a O meu pai tamb m foi cremado aqui disse Kumi Adachi Todos os que estavam no vel rio fumavam sem parar a ponto de uma nuvem densa se formar no teto maioria era de pescadores Tengo imaginou a ce
267. co podia dizer Um pouco antes do anoitecer dois enfermeiros levavam seu pai sala de exames para realizar os procedimentos de rotina Os enfermeiros se revezavam diariamente mas todos agiam em sil ncio O fato de serem calados devia se em parte ao uso de grandes m scaras Um deles parecia ser estrangeiro Era baixo de pele morena e por tr s da m scara sempre sorria para Tengo Bastava observar seus olhos para perceber que sorria Tengo retribu a o sorriso Seu pai retornava para o quarto de meia a uma hora depois Tengo n o tinha ideia dos tipos de exames a que ele era submetido Assim que o levavam Tengo aproveitava para descer at o refeit rio Bebia uma x cara de ch verde descansava uns quinze minutos e retornava para o quarto com a expectativa de encontrar novamente uma cris lida de ar sobre a cama vazia com a pequena Aomame deitada em seu interior Mas a expectativa n o se realizava Na semiescurid o do quarto havia somente o cheiro do paciente e uma depress o com o formato do corpo sobre a cama vazia Tengo ficou em p ante a janela observando a paisagem Do outro lado do jardim perfilavam se pinheiros formando uma parede negra de quebra ventos e al m dela ouvia se o bramido das ondas do mar O rufar das agitadas ondas do Pac fico Um som denso e melanc lico como se in meras almas sussurrassem ao mesmo tempo seus dramas pessoais Almas convidando outras a se juntar a elas Almas desejosas de ouvir hist rias
268. coisas que aquele cad ver r gido baixo e gordo suscitava nos cora es ali presentes era um tipo de ensinamento e algumas reflex es Nada mais al m disso N o importa o que aconte a jamais podemos voltar o tempo e se por ventura a morte trouxer alguma solu o ela ser apenas para o morto Era esse tipo de ensinamento e de reflex o O que fariam com o corpo de Ushikawa Tudo levava a crer que j sabiam de antem o o que fazer com ele Se a pol cia o encontrasse morto de forma violenta o caso seria investigado a fundo e certamente viria tona a rela o dele com o grupo religioso Um risco que eles queriam evitar a qualquer custo Por isso assim que diminu sse a rigidez cadav rica eles o levariam secretamente para o enorme incinerador dentro do terreno da sede e rapidamente resolveriam a situa o transformando o em fuma a escura e cinzas brancas fuma a seria tragada pelo c u e as cinzas espalhadas na lavoura como adubo para as hortali as Esse era um tipo de servi o j realizado in meras vezes sob o comando do rapaz de cabelo rente O corpo do L der por m era grande demais e por isso naquela ocasi o foi necess rio cort lo em peda os menores com um serrote Mas no caso deste homem por ele ser pequeno n o havia essa necessidade Isso era um al vio para o rapaz de cabelo rente No fundo ele detestava trabalhos sangrentos Lidando com vivos ou mortos preferia n o ter de ver sangue O superi
269. com os corpos sujos de barro e cheios de capim Ushikawa acariciava suas cabe as e recolocava as coleiras Nessa hora a m sica j havia chegado ao fim O concerto de Sibelius durava cerca de meia hora A dura o da m sica era perfeita A pr xima m sica anunciada pelo locutor era a Sinfonietta de Jan ek Ushikawa j havia escutado o nome dessa m sica em algum lugar mas n o se lembrava onde Quando tentou se lembrar de repente sua vista ficou emba ada Era como se uma n voa amarela cobrisse seus globos oculares Talvez ele tivesse ficado tempo demais no ofur Ushikawa desligou o r dio saiu do ofur e com uma toalha envolta na cintura foi at a geladeira pegar uma cerveja Ushikawa morava sozinho nesse apartamento Antes ele tinha uma esposa e duas filhas Ele havia comprado uma casa no bairro de Ch rinkan distrito de Yamato prov ncia de Kanagawa A casa era pequena mas havia um pequeno jardim gramado e um cachorro O rosto da esposa era comum e as filhas eram bonitas Nenhuma delas felizmente puxara ele fato que claro tirou um peso das suas costas No entanto uma tremenda reviravolta do destino fez com que ele passasse a viver sozinho Hoje era at estranho pensar que j tivera uma fam lia e uma casa no sub rbio s vezes ele pr prio achava estar enganado e que inventara inconscientemente seu passado Mas aquilo aconteceu de verdade Ele teve uma esposa que compartilhava a sua cama e duas filhas com o mesmo s
270. concerto de violino de Sibelius Apenas isso nada mais que isso Como sempre Ushikawa deixava metade de sua consci ncia vazia para descans la e com a outra metade pensava A m sica de Sibelius orquestrada por David Oistrakh passava pela metade vazia de sua consci ncia como uma brisa que atravessa uma porta escancarada e sai por outra O modo como ele ouvia a m sica n o era algo para se gabar Se Sibelius tomasse conhecimento de que algu m escutava sua m sica do modo como Ushikawa o fazia ele certamente franziria suas enormes sobrancelhas e algumas rugas se destacariam em seu pesco o grosso Mas Sibelius estava morto havia muito tempo e Oistrakh tamb m pertencia estat stica dos finados Por isso Ushikawa sentia se vontade para deixar a m sica fluir de um ouvido a outro sem constrangimento enquanto com a outra metade de sua consci ncia os pensamentos se perdiam em devaneios Nessas horas ele gostava de deixar os pensamentos flu rem vontade sem impor restri es como cachorros a correr livremente pelo imenso campo Ele soltava os animais dizendo lhes que corressem e brincassem vontade Ushikawa mergulhava o corpo at o pesco o estreitava os olhos e deixava se ficar a reo enquanto escutava e n o escutava a m sica Os cachorros corriam soltos pela relva rolavam as ladeiras corriam incessantemente um atr s do outro perseguiam um esquilo e tentavam inutilmente peg lo Quando voltavam cansados de brincar
271. conseguiu derreter ainda que momentaneamente o mago dessa massa g lida Ao mesmo tempo Ushikawa passou a sentir uma dor aguda no fundo de seu peito At ent o o frio que congelava seu mago que devia estar amenizando a dor que sentia Em outras palavras essa massa g lida era uma esp cie de defesa psicol gica Mas agora ele admitia a exist ncia dessa dor Em certo sentido ele at lhe dava as boas vindas O calor humano que ele sentia formava um par com a dor Se n o admitisse a dor n o conseguiria sentir o calor Era como uma troca Ushikawa experimentou o sentimento de dor e calor enquanto se sentava numa pequena faixa banhada pelo sol da tarde Sentia se tranquilo mantinha se im vel Era um dia de inverno calmo e sem ventos Os transeuntes caminhavam nas ruas envoltos pelos delicados raios de sol Mas o sol se deslocava gradativamente para o oeste Ele se escondeu atr s do edif cio e por fim seus raios que incidiam sob um determinado espa o do quarto desapareceram O calor do fim de tarde foi dando lugar a uma noite gelada Ushikawa suspirou profundamente e a muito custo conseguiu desgrudar o corpo at ent o apoiado na parede Ainda sentia um certo torpor mas j n o tinha tanta dificuldade de se movimentar dentro do quarto Levantou se bem devagar esticou os bra os e as pernas e moveu o pesco o curto e grosso em v rias dire es Movimentou as m os abrindo as e fechando as v rias vezes Depois fez seus exe
272. consiga obter algumas informa es A vice diretora arqueou levemente sua delicada sobrancelha esquerda e sorriu de modo significativo Se a professora ta quiser comentar o assunto do ponto de vista pessoal n o teremos nada a ver com isso Ushikawa se levantou e agradeceu de modo respeitoso A vice diretora entregou o envelope Aqui est o as c pias dos documentos Alguns arquivos sobre Tengo Kawana H tamb m algumas coisas se bem que poucas sobre a senhorita Aomame Espero que o ajude Com certeza ser de grande ajuda Muito obrigado pela gentileza Por favor nos avise quando sair o resultado dessa ajuda financeira Ser uma grande honra para a nossa escola Estou confiante de que o resultado ser positivo disse Ushikawa Tive a oportunidade de encontr lo algumas vezes e com certeza ele um rapaz talentoso com futuro promissor Ushikawa entrou num restaurante em frente esta o Ichikawa e almo ou uma refei o simples Enquanto aguardava a comida passou rapidamente os olhos no material do envelope Havia um resumo do hist rico escolar de Tengo e Aomame e os registros informando as distin es honrosas que Tengo obteve por se destacar nos estudos e nos esportes Realmente ele fora um aluno exemplar fora do comum A escola n o deve ter sido um pesadelo para ele Havia tamb m a c pia de um artigo de jornal de quando ele ganhou o concurso de matem tica Por ser um material antigo a ni
273. costume colocaram agilmente os alimentos na geladeira recolheram o lixo e verificaram os mantimentos do arm rio Em quinze minutos a equipe concluiu todas as tarefas predeterminadas deixou o apartamento fechou a porta trancando a pelo lado de fora E novamente tocaram uma nica vez a campainha O mesmo procedimento de sempre Por precau o Aomame aguardava os ponteiros do rel gio marcarem uma e meia para sair do quarto e ir para a cozinha O envelope n o estava mais sobre a mesa e no lugar havia um saco de papel com o nome de uma drogaria estampado e um livro grosso intitulado Enciclop dia do corpo feminino que Tamaru havia ficado de providenciar Dentro do saquinho havia tr s tipos de testes de gravidez facilmente adquiridos em qualquer farm cia Aomame abriu as embalagens e leu as respectivas bulas com as instru es do passo a passo comparando os tr s tipos de testes As informa es eram as mesmas O teste poderia ser realizado a partir de uma semana ap s o dia em que a menstrua o deveria descer Possu a uma efic cia de 95 por cento mas se o resultado desse positivo isto se a pessoa estivesse gr vida a primeira recomenda o era marcar logo uma consulta com um m dico especialista As bulas ressaltavam tamb m que o resultado indicava apenas a possibilidade de gravidez e portanto n o devia ser considerado conclusivo O teste era simples Bastava coletar a urina num recipiente e colocar uma fita de papel em
274. cou surpresa Por que ser que toda vez que eu venho aqui a via est sempre congestionada Em um dia til naquele hor rio era estranho a Rota 3 estar t o congestionada no sentido centro O mais prov vel era ter acontecido algum acidente mais frente A expressa no sentido bairro flu a bem mas no sentido oposto a pista estava completamente engarrafada Tengo pulou a cerca na sequ ncia Ele levantou a perna bem alto e com um leve salto conseguiu facilmente transp la Ficou em p ao lado de Aomame Os dois observavam em sil ncio a fileira de carros comprimidos como pessoas que pela primeira vez se veem diante do mar e at nitas observam as ondas quebrando sucessivamente na orla da praia As pessoas dentro dos carros tamb m olhavam para eles em sil ncio Elas pareciam n o acreditar no que viam e tentavam entender o que estava acontecendo Mais do que curiosidade havia no ar um sentimento de desconfian a O que aquele casal de jovens est fazendo ali Os dois surgiram de repente no meio da escurid o e agora estavam parados no acostamento da rodovia A mulher estava de minissaia vestia um casaco de meia esta o e usava somente meia cal a sem os sapatos O homem era grande e vestia uma jaqueta de couro surrada Ambos carregavam bolsas a tiracolo Ser que o carro deles engui ou ou se envolveram num acidente Mas n o havia nenhum carro engui ado nem acidente naquela rea E eles n o pareciam pedir s
275. cuidade visual era muito boa Ap s olhar para tr s umas tr s vezes certificou se de que ningu m o seguia Chegou ao local combinado s cinco para as sete Komatsu ainda n o estava l e Tengo foi o primeiro cliente a entrar no bar No balc o havia um vaso enorme repleto de flores exuberantes e o aroma dos caules rec m cortados pairava no ar Tengo escolheu uma mesa no fundo e pediu uma caneca de chope Depois tirou um livro do bolso da jaqueta e come ou a ler Komatsu chegou s sete e quinze Ele vestia um blazer de tecido de l xadrez um pul ver de casimira um cachecol igualmente de casimira cal a de l e sapato de camur a Era o seu jeito habitual de se vestir As roupas eram de boa qualidade e de bom gosto e haviam sido usadas na medida certa Quando ele as vestia pareciam fazer parte de seu corpo Tengo nunca vira Komatsu de roupa nova Provavelmente ele devia dormir com elas assim que as comprava e depois rolar no ch o Somente ap s us las lav las sec las na sombra in meras vezes e somente quando estavam devidamente gastas e com a cor levemente desbotada que ele finalmente as vestia para sair em p blico como quem diz ao mundo que n o se importa com os trajes De qualquer maneira seu modo de vestir o fazia parecer um editor veterano com v rios anos de experi ncia Ou melhor n o o fazia parecer mais nada al m de um editor veterano Komatsu sentou se diante de Tengo e tamb m pediu um chope Voc
276. cuidar do pai enfermo Essa atitude deixou Ushikawa ressabiado Como poss vel um sentimento de tamanha hostilidade ter se abrandado t o de repente Qual seria a doen a do pai e em que hospital de Chiba estaria internado Descobrir essas informa es n o era imposs vel mas levaria pelo menos metade do dia E ele teria de interromper a vigil ncia Ushikawa hesitou Se Tengo n o estava em T quio sua vigil ncia do pr dio perdia todo o sentido Talvez fosse mais prudente interromper aquilo e mudar a linha de investiga o Ele poderia descobrir onde o pai de Tengo estava internado ou obter mais informa es sobre Aomame Poderia se encontrar com os amigos dela da faculdade e do trabalho e levantar alguns dados Quem sabe acharia uma pista Mas assim que esse pensamento lhe veio mente decidiu continuar a vigiar o apartamento Em primeiro lugar se parasse naquele momento perderia o ritmo da rotina que com muito custo acabara de estabelecer Precisaria recome ar tudo Em segundo mesmo que investigasse o paradeiro do pai de Tengo ou conversasse com as pessoas que conheciam Aomame al m de trabalhoso os resultados n o seriam t o compensadores Esse tipo de investiga o de campo que gasta as solas dos sapatos traz bons resultados at certo ponto A partir disso torna se estranhamente ineficaz Ushikawa sabia disso por experi ncia pr pria Em terceiro lugar a intui o de Ushikawa lhe pedia insistentemente para n o deixa
277. culada Os religiosos v o ficar bravos se ouvirem isso Se voc fizer algo incomum n o importa o que seja algu m sempre vai ficar bravo disse Tamaru Mas se voc est gr vida deve ser examinada o quanto antes por um m dico N o vai poder ficar enfurnada nesse apartamento durante todo o per odo da gesta o Aomame suspirou Me deixe ficar aqui at o final do ano Prometo que n o vou mais causar nenhum inc modo Tamaru fez um breve sil ncio antes de prosseguir At o final do ano voc pode ficar a Conforme o combinado Mas assim que virar o ano vamos te transferir para um local menos perigoso onde voc poder receber os tratamentos adequados Estamos entendidos Sim disse Aomame Mas ela ainda n o tinha tanta certeza Ser que teria coragem de deixar aquele local caso n o conseguisse reencontrar Tengo Eu j engravidei uma mulher disse Tamaru Aomame ficou muda durante um tempo Voc Mas voc Isso mesmo Sou gay Incontestavelmente gay Desde sempre fui ainda sou e creio que sempre serei Mas voc engravidou uma mulher Todos n s erramos disse Tamaru sem nenhuma carga de humor N o vou entrar em detalhes mas aconteceu quando eu ainda era jovem Foi uma nica vez um tiro direto e certeiro O que aconteceu com ela N o sei disse Tamaru N o sabe Acompanhei at o sexto m s de gravidez Depois n o se
278. curando Ser que eu sou realmente o Tengo Kawana que ela procura Tengo imaginou a cena dos dois se encontrando no escorregador naquela noite e ao ficarem de frente um para o outro se decepcionarem Talvez n o tivessem nada para conversar Era algo perfeitamente poss vel de acontecer Ali s o fato de n o acontecer isso que seria estranho O certo talvez fosse n o nos encontrarmos pensou Tengo olhando para o teto Talvez fosse melhor ficarmos separados um do outro guardando com carinho o desejo de um dia nos reencontrarmos Poder amos viver para sempre com esse desejo em nossos cora es Um desejo a acalentar o mago de nossos seres mantendo acesa uma singela mas importante fonte de calor Uma pequena chama que as palmas das m os cuidadosamente protegem da a o do vento Que ao receber os ventos violentos da realidade poderia facilmente se extinguir Tengo permaneceu por cerca de uma hora olhando o teto oscilando entre dois sentimentos contradit rios O que ele mais queria era encontrar Aomame Ao mesmo tempo estava com muito medo de ficar diante dela A decep o desalentadora e o sil ncio constrangedor que poderiam surgir no momento em que se encontrassem o deixava abalado Parecia que seu corpo se racharia em duas partes Fisicamente ele era grande e forte mas sabia o qu o fraco se tornava diante dessa for a movida pelo sentimento Mas ele precisava se encontrar com ela Era algo que o seu cora o d
279. d o de registro civil Mas o registro n o garante que o pai de Tengo o seu pai biol gico Eu n o tenho filho declarara seu pai momentos antes de entrar em coma profundo Nesse caso o que eu sou perguntara Tengo Voc n o nada respondera o pai de modo conciso e categ rico Aquele tom de voz fez com que Tengo tivesse a certeza de que entre ele e aquele homem n o havia uma rela o de consanguinidade Foi ent o que finalmente conseguiu se libertar de um grande fardo que carregava nas costas Mas com o decorrer do tempo Tengo n o sabia mais se aquilo que o seu pai dissera era mesmo verdade Eu n o sou nada Tengo repetiu em voz alta De repente ele teve a impress o de que sua m e jovem possu a algo que lembrava a namorada mais velha Ky ko Yasuda era o nome dela Para tentar acalmar a mente Tengo apertou o centro da testa com o indicador durante um tempo Depois tirou de novo a foto do envelope e tornou a observ la detidamente O nariz pequeno e os l bios carnudos O queixo um pouco saliente O corte de cabelo era diferente e por isso ele n o havia notado antes mas ela tinha um rosto muito parecido com o de Ky ko Yasuda O que aquilo significava Por que o pai de Tengo resolvera entregar lhe a foto ap s sua morte Enquanto estava vivo seu pai nunca lhe dera quaisquer informa es sobre sua m e Havia inclusive escondido aquela foto de fam lia Mas no final ele lhe deixou essa
280. da Quando eles deixarem o apartamento dar o um toque na campainha Depois disso voc pode sair do quarto Caso esteja precisando de algo ou querendo alguma coisa me diga para que eu possa providenciar e mandar na pr xima reposi o Se voc arrumasse aparelhos de muscula o eu adoraria disse Aomame que somente os alongamentos e os exerc cios sem o uso de aparelhos s o insuficientes Aparelhos profissionais das academias de gin stica seriam dif ceis de conseguir mas os mais simples que n o ocupam muito espa o podem ser providenciados Podem ser bem simples disse Aomame Uma bicicleta ergom trica e equipamentos para alongamento Isso est bom Est timo Se puder gostaria tamb m que me mandasse um bast o de softball de metal Tamaru permaneceu em sil ncio por alguns segundos O bast o pode ser usado para in meras finalidades disse Aomame S de t lo por perto me sinto mais segura que praticamente cresci com ele Entendo Vou providenciar um disse Tamaru Se lembrar de mais alguma coisa anote num papel e deixe sobre a bancada da cozinha Providenciarei at a pr xima reposi o Obrigada Mas por enquanto creio que n o me falta nada Voc n o quer algum livro ou v deo Nada que eu me lembre Que tal Em busca do tempo perdido de Proust indagou Tamaru Se voc ainda n o o leu acho que uma boa oportunidad
281. da noite durante um bom tempo n o conseguia discernir se estava no mundo real ou sonhando At ent o Aomame nunca tivera uma experi ncia como aquela Ela olhava o rel gio digital da cabeceira Os n meros indicavam 1 15 2 37 ou 4 07 Fechava os olhos e tentava dormir novamente mas o sono custava a chegar Dois mundos diferentes disputavam silenciosamente sua consci ncia como no estu rio em que ocorre o confronto entre o fluxo das guas do mar e o curso das guas do rio N o h o que fazer pensava Aomame Se nem consigo assegurar que este mundo com duas luas em que vivo de fato real qual o problema de dormir sonhar e n o conseguir discernir se o sonho ou n o real Matei v rios homens com as minhas pr prias m os um bando de fan ticos est a minha procura e preciso ficar escondida natural que eu me sinta tensa e com medo Minha m o ainda sente os resqu cios de ter matado algu m Talvez eu nunca mais durma tranquilamente Uma responsabilidade que devo assumir o pre o a pagar Os sonhos que tinha e que conseguia se lembrar podiam ser classificados em tr s categorias O primeiro era um sonho com trovoadas O quarto est envolto na escurid o e os trov es ribombam incessantemente Mas sem rel mpagos Era como naquela noite em que matou o L der Algu m est no quarto Aomame est nua deitada sobre a cama e alguma coisa est vagando ao seu redor Essa coisa se move devagar e cautelosamente
282. da esta o O cheiro do apagador de lousa dos produtos de limpeza da queima das folhas secas no canto do p tio do col gio Eles se mesclavam em um cheiro nico imposs vel de discernir Tengo o tragou para dentro dos pulm es Isso fez com que sentisse seu cora o crescer em largura e profundidade Seu corpo silenciosamente foi se reorganizando A pulsa o deixou de ser uma mera pulsa o Por um segundo o portal do tempo se abriu para dentro de si Uma luz antiga mesclou se com a luz nova O ar velho mesclou se com o ar novo Esta a luz e este o ar pensou Tengo Com isso podia entender tudo Quase tudo Por que ser que eu n o conseguia me lembrar desse cheiro Era algo t o simples Um mundo em que as coisas s o vistas como elas s o Queria te encontrar disse Tengo para Aomame Sua voz soava distante e hesitante Mas n o havia d vidas de que era sua voz Eu tamb m queria te encontrar disse a menina Essa voz parecia a de Kumi Adachi Ele n o conseguia distinguir a realidade e a imagina o Quando tentava definir a linha divis ria entre elas a tigela se inclinava e o c rebro pastoso balan ava Tengo disse Eu devia ter te procurado antes mas n o consegui fazer isso Ainda n o tarde Voc consegue me encontrar disse a menina O que devo fazer para te encontrar N o houve resposta Ela n o seria dita em palavras Mas eu sei que vou te encontrar diss
283. da n o voltou e por isso tenho tempo suficiente para descobrir para onde ela vai Esse tipo de informa o nunca ser demais Mas estranhamente ele n o conseguiu se levantar O seu corpo estava entorpecido Atrav s do visor o olhar penetrante daquela garota lhe havia roubado as energias deixando seu corpo sem a o Tudo bem disse Ushikawa sem conseguir se levantar Aomame quem preciso realmente encontrar Eriko Fukada uma pessoa interessante mas n o o meu objetivo principal Ela surgiu por acaso e n o passa de uma figura secund ria Se ela quer partir por que n o deix la ir para onde quiser pensou Ushikawa Fukaeri caminhou rapidamente em dire o esta o sem olhar uma nica vez para tr s Ushikawa observou ela se distanciar por entre as cortinas crestadas de sol Quando a bolsa verde que ela carregava nas costas movimentando se de um lado para outro n o podia mais ser vista Ushikawa arrastou se at a c mera e encostado na parede aguardou seu corpo recuperar as for as Colocou um cigarro na boca e acendeu o com um isqueiro Deu uma tragada bem profunda mas n o conseguiu sentir gosto nenhum Estava demorando muito para que seu corpo recuperasse as for as Bra os e pernas continuavam dormentes Foi quando percebeu que havia um estranho vazio dentro dele Uma aut ntica caverna O significado desse vazio era apenas a exist ncia de uma lacuna ou possivelmente do nada Ushikawa estava
284. de Fukaeri estava provavelmente ganharia alguns cr ditos Pelo menos n o seria uma informa o inconveniente Era uma oportunidade de mostrar para o grupo que ele estava agindo de modo lento mas consistente e que suas investiga es estavam obtendo resultados Mas enquanto estivesse cuidando de Fukaeri havia o perigo de perder a oportunidade de encontrar Aomame seu objetivo principal Poderia p r tudo a perder O que fazer Ushikawa enfiou as m os nos bolsos do casaco e com o cachecol enrolado at a altura do nariz seguiu Fukaeri fazendo um percurso mais longo do que o da ida Talvez eu tenha seguido essa garota apenas para contempl li foi um pensamento que lhe ocorreu S de v la carregando os pacotes e caminhando sentiu o peito pesado como uma pessoa prensada entre duas paredes impossibilitada de movimentar o corpo Seus pulm es movimentavam se de maneira irregular fazendo o se sentir sufocado como se respirasse em meio a uma rajada de vento morno Era um sentimento estranho que at ent o jamais havia sentido Ushikawa decidiu que por enquanto deixaria Fukaeri de lado Concentraria seu foco em Aomame conforme o plano inicial Aomame era uma assassina Independentemente do objetivo que a levara a praticar aquilo ela devia ser castigada O fato de ele ter de entreg la a Sakigake n o fazia seu cora o doer No caso de Fukaeri era diferente Ela era um ser delicado e silencioso que vivia nas profundezas da flore
285. de Ushikawa Sentiu um leve odor de urina Ushikawa teve uma nova incontin ncia bexiga agora estava totalmente solta N o era motivo de censur lo diante do terr vel sofrimento que acabara de passar Tamaru soltou o el stico do pesco o e tirou o saco pl stico da cabe a O pl stico havia sido sugado para dentro da boca Ushikawa morreu com os olhos esbugalhados e a boca aberta entortada para um dos lados Os dentes sujos irregulares e a l ngua esverdeada estavam mostra Uma express o que Munch poderia querer retratar em um de seus quadros A cabe a originalmente grande e deformada refor ava ainda mais essa grotesca express o f nebre Realmente fora uma morte extremamente sofrida Sinto muito disse Tamaru N o fiz isso porque gosto Tamaru pressionou os dedos no rosto de Ushikawa para relaxar os m sculos e endireitar o queixo e assim torn lo um pouco mais apresent vel Pegou uma toalha na cozinha e limpou a baba ao redor da boca Levou um certo tempo mas conseguiu fazer com que ficasse com uma apar ncia um pouco melhor Pelo menos deixou de ser algo t o repugnante que instintivamente fazia os olhos se desviarem A nica coisa por m que Tamaru n o conseguiu fazer apesar de tentar de v rias formas foi fechar as p lpebras Como bem disse Shakespeare falou Tamaru com a voz serena e olhando para a cabe a pesada e deformada de Ushikawa se morrermos hoje amanh n o precisaremos
286. de algum lugar o ritmista do Povo Pequenino hist ria est se desenrolando r pido demais para mim disse Tamaru emitindo novamente um pequeno grunhido no fundo da garganta Ainda n o consigo enxergar algo de coerente Falta coer ncia porque existem duas luas Elas que roubam a coer ncia de todas as coisas pensou Aomame Mas isso ela n o podia falar Ho ho disseram os outros seis homenzinhos em un ssono Eles precisam de algu m que ou a a voz Foi o que disse o homem com quem conversei ao telefone Se eles perderem a voz o grupo religioso poder desaparecer N o sei exatamente o que significa ouvir a voz mas seja o que for o que ele disse A crian a que est no seu ventre n o seria a pessoa que poderia escutar essa voz Aomame colocou a m o delicadamente sobre o ventre Maza e dobta pensou sem ousar diz lo em voz alta As luas n o podem ouvir isso Eu n o sei disse Aomame escolhendo cuidadosamente as palavras Mas n o consigo pensar em nenhum outro motivo para que eles precisem de mim Mas por que uma crian a sua e de Tengo Kawana possuiria uma capacidade t o especial N o sei disse Aomame Talvez em troca de sua vida o L der tenha confiado a mim o seu sucessor cogitou Aomame um tempo depois Naquela noite do temporal o L der abriu temporariamente um circuito de liga o com outro mundo para eu me unir a Tengo Tamaru prosse
287. de aparelhos O m dico disse que o senhor era como um cad ver vivo Logicamente ele disse isso de um modo indireto Mas em termos m dicos o estado em que o senhor se encontra pode ser descrito assim Mas ser que isso n o apenas um disfarce Acho que a sua consci ncia pode n o estar perdida de verdade O senhor est deixando o seu corpo em coma e enquanto isso sua consci ncia est vivendo em outro lugar N o de hoje que penso nessa possibilidade Mas isso n o passa de um pressentimento Sil ncio Sei que isso tudo um tremendo absurdo talvez fruto da imagina o Sei que se eu disser isso para algu m essa pessoa achar que estou tendo alucina es Mas n o consigo deixar de pensar nisso O senhor provavelmente perdeu o interesse neste mundo Ficou desiludido e decepcionado e perdeu a raz o de viver Por isso abandonou seu corpo f sico e resolveu viver em algum local diferente Talvez em seu mundo interior Um sil ncio ainda mais profundo Tirei f rias do servi o vim at esta cidade aluguei um quarto numa pousada e diariamente visitei e conversei com o senhor J faz quase duas semanas Mas o objetivo de eu ter feito isso n o foi apenas para visit lo ou cuidar do senhor Houve uma poca em que eu queria saber de onde eu vim e quem s o os meus pais biol gicos Mas hoje isso n o tem a m nima import ncia Eu sou eu independentemente de possuir ou n o alguma rela o de consanguinidade com
288. de encontrar um cad ver mumificado no arm rio Mas felizmente n o havia nada O apartamento estava limpo E vazio N o saberia dizer o que se passa Era evidente que Aomame n o morava mais l Mas por algum motivo eles a mantinham como locat ria Para isso estavam pagando quatro meses de aluguel toa Esse pessoal era muito cauteloso e pelo visto dinheiro n o era problema Decorridos exatos dez dias um pouco depois do meio dia Morcego telefonou para o escrit rio de Ushikawa em K jimachi Senhor Ushikawa disse a voz rouca O sil ncio como sempre imperava ao fundo Eu mesmo Podemos conversar agora Ushikawa respondeu que sim A seguran a das Testemunhas de Jeov realmente rigorosa Mas isso era algo que j prev amos De qualquer modo conseguimos obter todas as informa es sobre Aomame E o m ssil No momento nem sinal dele Que bom Senhor Ushikawa disse o interlocutor Em seguida deu v rias tossidas Desculpe me mas ser que o senhor poderia apagar o cigarro Cigarro disse Ushikawa olhando o Seven Stars entre os dedos A fuma a subia em dire o ao teto Realmente estou fumando mas estamos ao telefone Como voc sabe claro que o cheiro n o vem at aqui mas s de ouvir sua respira o me sinto sufocado Sou extremamente al rgico Entendo Me desculpe por n o ter percebido antes O homem tossiu v rias vezes O
289. de que eles se apaixonaram a raz o de estarem juntos devia estar relacionada a alguma circunst ncia espec fica N o Talvez n o tenha sido exatamente por causa de uma circunst ncia A vida pode ser uma simples sequ ncia de acontecimentos absurdos e em determinadas situa es extremamente rudes Em seguida Tengo tentou comparar a mulher misteriosa de seus devaneios aqueles instant neos de sua inf ncia com a m e da fotografia Mas ao tentar fazer isso percebeu que n o conseguia se lembrar do rosto daquela mulher Ela tirava a blusa soltava as al as da camisola branca e um homem que n o era seu pai chupava os bicos de seus seios E soltava um profundo suspiro como se gemesse Era a cena de que ele se lembrava Um homem que n o era seu pai chupava os bicos dos seios de sua m e Algu m roubava os bicos que deviam ser exclusivos dele Para um beb aquilo era uma situa o amea adora e tensa Seus olhos nunca chegaram a ver o rosto daquele homem Tengo guardou a foto no envelope e pensou sobre aquilo Seu pai guardara cuidadosamente aquela nica foto at o dia de sua morte Isso poderia significar que ele tinha um carinho especial por sua m e Quando Tengo come ou a entender as coisas sua m e j havia adoecido e morrido Segundo o levantamento realizado pelo advogado Tengo era o nico filho nascido da rela o entre essa m e falecida e seu pai cobrador da NHK Essa era a informa o que constava em sua certi
290. de ser apenas a de instrutora e cliente Um relacionamento que transcendia as diferen as de idade e de posi o social Um relacionamento que se tornou extremamente pessoal e ntimo Possivelmente estabeleceu se entre elas um acordo secreto estritamente emocional Um acordo secreto que culminou no assassinato do L der no Hotel kura Ushikawa farejava isso Qual teria sido o hist rico E que tipo de pacto secreto elas tinham Ushikawa n o conseguia encontrar respostas a essas perguntas Provavelmente o elo entre elas devia ser o da viol ncia dom stica primeira vista a velha senhora possu a um interesse pessoal sobre o assunto Segundo os registros a primeira vez em que Shizue Ogata entrou em contato com Aomame foi na aula de defesa pessoal Era inusitado que uma mulher com mais de setenta anos frequentasse aulas de defesa pessoal Algo relacionado viol ncia deve ter sido o que aproximou a velha senhora e Aomame Ou quem sabe a pr pria Aomame tenha sido v tima da viol ncia dom stica E o L der poderia ter agredido algu m Cientes disso elas resolveram castig lo No entanto tudo isso n o passava de suposi o baseada no talvez Uma hip tese que n o condizia com a imagem do L der que Ushikawa conhecera claro que nunca se sabe o que se passa no mago de uma pessoa seja ela quem for mas independente disso o L der era uma pessoa extremamente carism tica Afinal era o l der de um grupo reli
291. de ser que sim Mas pode ser que n o Voc foi cremada ap s a morte Kumi negou com a cabe a Disso eu n o me lembro pois teria acontecido ap s minha morte A nica coisa que me lembro de quando eu morri Algu m me estrangulou Um homem que eu n o conhecia e que nunca tinha visto antes Voc se lembra do rosto dele claro que sim Sonho com ele constantemente Se eu o vir na rua reconhe o o imediatamente O que voc faria se o encontrasse na rua Kumi co ou o nariz como se verificasse se ele ainda estava ali J pensei in meras vezes nessa possibilidade Imaginei o que faria caso o encontrasse Acho que sairia correndo Ou o seguiria Acho que s vou saber quando de fato acontecer Se voc o seguisse o que faria depois N o sei Mas talvez esse homem saiba de algum segredo muito importante para mim E talvez eu possa desvend lo Que tipo de segredo Quem sabe o significado de eu estar aqui Mas ele pode querer mat la novamente Talvez disse Kumi fechando levemente os l bios Sei que perigoso Estou ciente disso O mais sensato talvez sair correndo Mas a possibilidade de haver um segredo me atrai como um gato que n o consegue deixar de espiar o interior de um quarto escuro Ap s a crema o os dois pegaram as cinzas do pai de Tengo conforme a tradi o e as colocaram numa pequena urna urna foi entregue a Tengo mas ele n o sabi
292. de ser uma hip tese intrigante havia uma linha de racioc nio Mas ao tentar estabelecer a rela o entre o l der de Sakigake e a organiza o de apoio s v timas da viol ncia dom stica Ushikawa ficava confuso Ele se sentia encurralado e de repente a linha de racioc nio era cortada com uma navalha bem afiada O que o grupo religioso queria de Ushikawa naquele momento eram duas coisas a primeira descobrir quem planejou o assassinato do L der e a segunda o paradeiro de Aomame Ushikawa foi o respons vel por descobrir os antecedentes de Aomame Ele estava acostumado a fazer esse tipo de levantamento e de fato j realizara in meras investiga es desse tipo Ela tinha a ficha limpa Sob os mais diversos aspectos ele n o encontrou nenhum ponto que a desabonasse Isso foi comunicado ao grupo Aomame foi chamada a comparecer na su te do hotel kura e fez uma sess o de alongamento muscular Quando ela deixou o hotel o L der estava morto e ela desapareceu como fuma a ao vento Diante dessa ocorr ncia o grupo ficou muito descontente com ele Do ponto de vista deles a investiga o de Ushikawa n o fora satisfat ria Mas na verdade Ushikawa seguira os passos de sua investiga o como sempre costumava fazer de modo a n o deixar lacunas Como ele pr prio dissera ao rapaz de cabelo rente nunca havia falhado nesse tipo de servi o Reconhecia que o lapso foi n o ter examinado o registro de liga es telef nicas ma
293. de sua mente Aquela dor no peito provocada pelo olhar penetrante da garota agora se transformara numa espor dica e s bita pontada aguda Isso mesmo pensou Ushikawa assim que deve ser Uma m quina simples com detalhes complexos Pouco antes do meio dia Ushikawa foi at uma loja perto da esta o e comprou um aquecedor el trico port til Em seguida entrou no restaurante que servia macarr o soba abriu o jornal e comeu soba com tempur bem quente Antes de voltar ao apartamento parou em frente ao pr dio e olhou o alto do poste que no dia anterior Fukaeri observara atentamente Nada ali chamava sua aten o A n o ser um transformador e cabos pretos e grossos emaranhados no ar como cobras O que ser que aquela garota enxergara ali O que ser que ela procurava De volta ao apartamento Ushikawa ligou o aquecedor Prontamente surgiu uma luz cor de laranja e sua pele come ou a sentir um calor reconfortante N o era suficiente para aquecer todo o c modo mas era melhor do que n o t lo Ushikawa estava encostado na parede com os bra os cruzados e cochilou exposto a um pequeno espa o aquecido Um cochilo vazio no tempo sem sonho sem nada O que o despertou desse agrad vel cochilo foram algumas batidas na porta Algu m estava l Ao acordar e olhar ao redor permaneceu alguns segundos sem saber onde estava Ao ver sua c mera Minolta reflex montada num trip com uma objetiva lembrou se de que estava num a
294. dendo Komatsu assentiu demonstrando que havia entendido Como eu j lhe disse anteriormente senhor Komatsu voc s tamb m possuem alguns fatos que caso sejam revelados ao p blico trar o in meras repercuss es Se eles forem divulgados todos os envolvidos ser o punidos pela sociedade Por isso para o bem de todos propomos firmar um tratado de paz Eles n o v o responsabiliz los sobre o que ocorrer a partir daqui Garantimos a seguran a de todos E voc s por outro lado n o v o mais se envolver com assuntos relacionados Cris lida de ar N o um acordo t o ruim Komatsu pensou a respeito Est bem Quanto publica o da Cris lida de ar assumo o compromisso de interromp la Vou precisar de um tempo mas sei que vou achar uma maneira de suspender as impress es E por mim posso esquecer completamente o assunto Creio que Tengo Kawana far o mesmo Desde o in cio ele n o queria participar disso Eu que o forcei O trabalho dele j est conclu do Quanto a Friko Fukada creio que tamb m n o haver nenhum problema Ela mesma disse que n o tinha nenhuma inten o de continuar a escrever S n o posso dizer o mesmo em rela o ao professor Ebisuno O que ele realmente quer saber se o amigo dele Tamotsu Fukada est bem onde est e o que est fazendo N o importa o que eu diga ele vai continuar buscando essas informa es O senhor Tamotsu Fukada faleceu disse o rapaz de cab
295. der Tamaru desligou o telefone sem nada dizer Era desnecess rio conversar mais Se fosse preciso bastava entrar em contato com eles Ap s deixar a cabine telef nica Tamaru caminhou at o local em que havia deixado o carro Um Toyota Corolla modelo antigo azul escuro que n o chamava aten o Dirigiu durante cerca de quinze minutos parou em frente a um parque pouco frequentado e ap s verificar que n o estava sendo observado jogou a sacola de vinil no cesto de lixo Jogou tamb m a luva cir rgica A morte de uma pessoa sempre lament vel murmurou Tamaru enquanto ligava o carro e colocava o cinto de seguran a Isso algo realmente muito importante pensou A morte de uma pessoa algo que naturalmente se deve lamentar Mesmo que seja por um curto espa o de tempo 26 Aomame Muito rom ntico 0 telefone tocou um pouco depois do meio dia da ter a feira Aomame estava sentada sobre o colchonete com as pernas estendidas alongando os m sculos da cintura e do quadril Apesar de n o parecer o exerc cio era rduo camiseta estava empapada de suor Aomame interrompeu a gin stica e enquanto enxugava o suor do rosto com a toalha pegou o fone O cabe o do boneco da felicidade n o est mais no apartamento disse Tamaru como sempre sem as preliminares N o dizia sequer um al N o est N o est mais Ele foi persuadido Foi persuadido repetiu Aomame O que Tama
296. desmontar Aomame conhecia bem esse equipamento Era um modelo novo e apesar de simples proporcionava bons resultados Os dois aparelhos garantiam um m nimo de exerc cios para se manter em forma Havia um bast o met lico de softball acomodado numa bolsa Aomame o pegou e deu algumas tacadas no ar O bast o novo prateado cortou o ar emitindo um som sibilante O peso do bast o era familiar e proporcionava um sentimento acalentador As tacadas igualmente lhe traziam as saudosas lembran as da poca dos dez anos Uma fase de sua vida compartilhada com Tamaki tsuka Sobre a mesa da cozinha havia uma pilha de livros de Em busca do tempo perdido N o eram novos mas n o havia ind cios de terem sido lidos Ao todo eram cinco volumes Aomame pegou o primeiro e deu uma r pida folheada Al m dos livros havia tamb m algumas revistas Semanais e mensais E cinco fitas de v deo lacradas Aomame n o fazia ideia de quem escolhia os filmes mas eram todos rec m lan ados Como n o tinha o h bito de frequentar o cinema era presum vel que n o tivesse assistido a nenhum deles Dentro de uma enorme sacola de papel o de uma loja de departamentos havia tr s su teres que variavam de tecido grosso ao mais fino duas camisas de flanela grossa e quatro camisetas de manga comprida Todas de padr o liso modelo b sico e do seu tamanho Havia tamb m meias soquetes e meia cal a de malha grossa Para quem pretendia ficar at dezembro era necess
297. deu uma r pida tossida do outro lado da linha Creio que j lhe disse anteriormente mas saiba que n s j temos tudo planejado e devidamente preparado lev la para um local distante e seguro apagar quaisquer vest gios mudar o seu rosto e o seu nome N o podemos assegurar que tudo saia perfeito mas podemos te transformar quase que inteiramente numa outra pessoa Acho que isso era algo em que est vamos de acordo Sei disso perfeitamente N o tenho nenhuma obje o quanto a esse plano Mas que aconteceu uma coisa inusitada por isso preciso ficar aqui por mais algum tempo N o estou autorizado a dizer sim ou n o disse Tamaru fazendo um pequeno barulho no fundo da garganta Preciso de um tempo para lhe dar a resposta Estarei sempre aqui disse Aomame Isso bom comentou Tamaru E desligou o telefone Na manh do dia seguinte um pouco antes das nove horas o telefone tocou tr s vezes parou e come ou a tocar novamente liga o s poderia ser de Tamaru Sem se ater a sauda es T amaru foi direto ao assunto A madame tamb m est preocupada em rela o a voc prolongar a sua perman ncia O local n o apropriadamente seguro Trata se de um local de perman ncia tempor ria N s somos da opini o de que voc deve ser transferida o quanto antes para um local distante e seguro Voc est entendendo Estou Mas voc uma pessoa calma e cautelosa N o vai c
298. dire o oeste pela rodovia Ch As estradas de madrugada estavam vazias mas o limite de velocidade foi respeitado Se a pol cia parasse o carro seria o fim As placas tanto a dianteira quanto a traseira eram roubadas e na carroceria havia um cont iner com o corpo de Ushikawa N o havia possibilidade de justificar uma situa o como aquela Durante o trajeto ambos permaneceram em sil ncio Ao chegarem sede ao amanhecer foram recebidos pelo m dico de Sakigake que examinou o corpo de Ushikawa e constatou que a morte se dera por asfixia Mas n o havia sinal de estrangulamento O m dico cogitou a hip tese de que tivesse sido usado algum tipo de saco pl stico envolvendo a cabe a para n o deixar vest gios Os bra os e as pernas tamb m foram examinados mas n o se encontrou nenhuma marca de que tivessem sido atados N o havia tamb m sinais de contus es ou de algum tipo de tortura Seu rosto tampouco denotava sinais de sofrimento Se sua express o tivesse de ser descrita era a de algu m que aguardava em v o a resposta para uma sincera e aut ntica indaga o N o havia d vidas de que ele havia sido assassinado mas aparentemente o corpo estava em perfeito estado O m dico achou aquilo muito estranho e cogitou que ap s a morte algu m houvesse massageado o rosto para que sua express o ficasse mais serena um trabalho perfeito de um profissional disse o rapaz de cabelo rente ao seu superior Ele n
299. do Em outras palavras as regras do mundo que nos cerca est o se afrouxando Como eu disse anteriormente tenho um estranho pressentimento Um pressentimento de que voc realmente esteja fazendo isso Como por exemplo ir at o meu apartamento em K enji e ficar batendo na minha porta O senhor sabe o que digo n o O senhor diz que cobrador da NHK bate insistentemente na porta faz amea as e fica berrando no corredor Era o que o senhor costumava fazer na poca em que faz amos cobran as em Ichikawa Tengo sentiu uma leve altera o na press o do ar no quarto As janelas estavam totalmente abertas mas de fora nada que pudesse ser reconhecido como som chegava at ali A n o ser o dos pardais que vez por outra pareciam se lembrar de trinar Uma garota est morando no meu apartamento em T quio Ela n o minha namorada ou coisa do g nero Circunst ncias fizeram com que ela viesse morar temporariamente comigo Dias atr s ela me disse ao telefone sobre um cobrador da NHK Ela contou que ele bateu na porta e ficou gritando no corredor Fiquei surpreso em constatar que esse cobrador agia do mesmo jeito que o senhor Ela ouviu exatamente as mesmas palavras de que eu ainda me lembro S o palavras que eu gostaria de esquecer para sempre Sabe de uma coisa acho que esse cobrador o senhor Estou errado Tengo ficou em sil ncio durante trinta segundos e nesse nterim seu pai n o mexeu nem um c lio nica coi
300. do quando as nuvens que as encobriam permitiam Uma lua amarela e familiar e uma outra mais nova menor e esverdeada Ambas estavam na fase minguante com dois ter os do tamanho A lua menor parecia uma crian a se escondendo atr s da saia da m e Elas estavam praticamente na mesma posi o da vez anterior como se aguardassem pacientemente o retorno de Tengo noite n o havia ningu m no parque infantil A claridade da l mpada de merc rio estava muito mais intensa e g lida do que da vez anterior Os galhos desfolhados da zelkova lembravam ossos antigos e esbranqui ados expostos intemp rie Uma noite ideal para uma coruja piar Mas obviamente num parque de cidade grande n o h corujas Tengo cobriu a cabe a com o capuz da blusa e enfiou as m os nos bolsos do casaco de couro Subiu at o topo do escorregador e encostado no corrim o olhou para as luas que ora apareciam ora desapareciam por entre as nuvens Ao fundo estrelas cintilavam silenciosamente O vento dissipava a massa disforme de sujeira acumulada no c u da metr pole deixando o ar mais puro e l mpido Quantas pessoas no mundo est o olhando para as duas luas nesse momento Tengo p s se a pensar Fukaeri certamente sabia da exist ncia delas Afinal ela que come ou isso tudo Talvez Mas al m dela ningu m comentou que o n mero de luas havia aumentado Ser que as pessoas ainda n o perceberam Ou ser que um assunto conhecido t o banal
301. do aqui Por que n o poderia ser deixado aqui Kumi soltou a m o de Tengo e fitando seu rosto disse Talvez porque esses segredos contenham algo que somente a pessoa que morreu conseguiria entender corretamente Algo que por mais que ela levasse tempo para explicar n o conseguiria Um tipo de segredo que cabe somente pessoa que morreu levar consigo Como uma importante bagagem de m o Tengo permaneceu em sil ncio olhando a luz do sol que incidia em seus p s O ch o de lin leo brilhava intensamente e sobre o assoalho havia o par de mocassins gastos de Tengo e o escarpim preto simples de Kumi Os cal ados estavam diante dele mas ao mesmo tempo aquela cena parecia estar a quil metros de dist ncia Voc tamb m deve ter algo que n o consegue explicar direito para as pessoas n o Acho que sim disse Tengo Kumi manteve se em sil ncio e cruzou as pernas finas de meias pretas Se n o me engano voc disse que j havia morrido perguntou Tengo Sim Eu j morri uma vez Era uma triste noite de chuva fria Voc se lembra do que aconteceu Acho que sim Sonho constantemente sobre o que aconteceu naquela noite Um sonho muito real e recorrente Isso me faz pensar que aquilo deve ter realmente acontecido Ser que uma esp cie de reencarna o Reencarna o Uma outra vida Uma transmigra o das almas Kumi Adachi pensou a respeito N o sei dizer Po
302. do colegial disse Kumi Adachi O uniforme de cobrador da NHK n o tem nada a ver com o do colegial interrompeu Tengo mas ningu m lhe deu aten o Eu tamb m tenho o meu uniforme guardado na c moda disse a enfermeira mura Voc s vezes veste o uniforme na frente do seu marido Com direito a meias brancas disse Kumi em tom de brincadeira At que n o m ideia disse a enfermeira mura com uma express o s ria e o rosto apoiado entre as m os Acho que ele ia ficar muito empolgado De qualquer modo disse Kumi mudando de assunto e voltando se para Tengo O senhor Kawana deixou claro o seu desejo de ser cremado com o uniforme da NHK Acho que devemos atender o pedido N o acha Tengo voltou para o quarto levando consigo a sacola de papel com o uniforme com a logomarca da NHK Kumi Adachi acompanhou o para arrumar a cama Ela estendeu um len ol novo ainda cheirando a goma e trouxe um travesseiro e um cobertor limpos Com todas essas pe as a cama em que seu pai dormia parecia completamente diferente Tengo pensou vagamente nos densos pelos pubianos de Kumi Nos ltimos tempos seu pai esteve em coma disse Kumi esticando os vincos do len ol Mas acho que ele n o estava completamente inconsciente Por que voc diz isso indagou Tengo De vez em quando seu pai parecia enviar alguma mensagem Tengo que at ent o estava em p ao lado da jan
303. duca o f sica Essas eram as informa es que Ushikawa possu a Mas ele n o tinha ideia de como era sua personalidade seu racioc nio seus pontos fortes e fracos e tampouco sabia o tipo de vida que levava O que ele tinha era s uma s rie de informa es curriculares Enquanto Ushikawa tentava estabelecer uma rela o entre os curr culos de Tengo e Aomame ele descobriu alguns pontos em comum O primeiro era que a inf ncia de ambos n o fora muito boa Aomame precisava acompanhar a m e pela cidade para divulgar a religi o Iam de casa em casa tocando a campainha Todas as crian as das Testemunhas de Jeov s o obrigadas a fazer isso O pai de Tengo era cobrador da NHK Neste caso tamb m precisava andar de porta em porta Ser que ele tamb m levava o filho como as Testemunhas de Jeov prov vel que sim Se Ushikawa fosse o pai de Tengo ele certamente levaria o filho consigo As cobran as s o mais eficazes se o cobrador estiver com uma crian a e ainda por cima n o precisaria contratar uma bab como matar dois coelhos com uma cajadada s Mas para Tengo essa experi ncia n o deve ter sido boa Talvez aquelas duas crian as tenham se cruzado em suas andan as pelas ruas de Ichikawa O segundo ponto em comum que os dois assim que cresceram e come aram a entender as coisas se esfor aram em ganhar bolsas de estudo e ficar o mais distante poss vel de seus pais Os dois realmente se destacaram como atletas O fa
304. dura e serena Aomame nunca se sentiu bela Desde pequena ningu m a elogiou Sua m e sempre a considerou e a tratou como uma crian a feia Se voc fosse um pouco mais bonita era a frase que sua m e costumava dizer O que ela queria realmente dizer com isso era que se Aomame fosse mais bonita se fosse mais graciosa poderia conquistar e recrutar mais fi is Por isso desde pequena Aomame evitava se olhar no espelho Quando n o havia outro jeito ela ficava alguns segundos diante dele tempo suficiente para verificar de modo pr tico e r pido alguma parte espec fica de seu rosto Um comportamento que se tornou um h bito Tamaki tsuka foi a nica que disse gostar da apar ncia de Aomame N o tem nada de ruim pelo contr rio saiba que voc bonita foi o que ela dissera numa ocasi o N o se preocupe Sinta se mais confiante Quando Aomame ouviu essas palavras ficou muito contente As palavras carinhosas de sua amiga de certo modo ajudaram na a enfrentar aquele per odo inicial da puberdade deixando a mais tranquila e despreocupada Inclusive concluiu que n o era t o feia quanto sua m e sempre dissera Mas mesmo Tamaki tsuka nunca lhe disse que ela era linda Pela primeira vez em sua vida Aomame descobriu que seu rosto apresentava algumas partes belas Conseguia ficar em frente ao espelho durante um longo tempo como nunca havia feito antes e passou a observar com mais aten o seus tra os Mas nesse ge
305. e Tenho sim As apar ncias enganam n o Realmente disse Tengo hesitante Uma enfermeira jovem saud vel de bochechas rosadas que morava numa pequena cidade litor nea de B s tinha haxixe no quarto de seu apartamento E convidava Tengo a fumar com ela Onde foi que voc conseguiu isso perguntou Tengo Uma amiga dos tempos do colegial me deu de presente de anivers rio no m s passado Ela foi para a ndia e trouxe de l dizendo que era uma lembrancinha disse Kumi Adachi e come ou a balan ar energicamente em grandes arcos a m o que segurava a de Tengo A pena pesada se descobrirem algu m traficando drogas A pol cia japonesa muito rigorosa quanto a isso Eles t m c es farejadores nos aeroportos Ela n o de ficar se preocupando com detalhes disse Kumi Adachi Mas o fato que ela conseguiu passar pela alf ndega Pois ent o vamos curtir juntos O grau de pureza alto e o efeito timo Andei pesquisando sobre o assunto e descobri que na quest o da sa de o risco praticamente nulo N o digo que n o cause o v cio mas o grau de depend ncia bem menor que o do cigarro da bebida e da coca na As autoridades insistem em enfatizar o perigo de a pessoa se tornar dependente mas isso balela Se o argumento for esse os jogos eletr nicos dos pachinkos s o muito mais nocivos Tampouco d ressaca e creio que voc vai conseguir espairecer um pouco
306. e Voc j leu N o Eu nunca estive na cadeia nem precisei me esconder durante muito tempo Dizem que se a pessoa n o passar por alguma dessas situa es dif cil conseguir ler Em busca do tempo perdido inteiro Voc conhece algu m que j leu N o posso dizer que n o conhe a pessoas que estiveram presas durante longos anos mas elas n o eram do tipo que se interessariam por Proust Vou tentar ler Se puder me mande os livros na pr xima reposi o Para falar a verdade j os tenho aqui comigo disse Tamaru Os encarregados da reposi o chegaram exatamente s 13 horas da ter a feira Conforme as instru es Aomame se escondeu no quarto dos fundos trancou a porta por dentro e manteve se em sil ncio Escutou a chave destrancando a porta e o barulho de pessoas entrando no apartamento Aomame n o sabia como seriam esses repositores de quem Tamaru havia falado Pelo barulho que faziam e por alguns outros ind cios dava para intuir que eram dois mas n o se escutava nenhuma voz Eles trouxeram algumas mercadorias e sem dizer uma nica palavra colocaram as coisas no lugar Dava para ouvir os alimentos sendo lavados na gua da torneira e guardados na geladeira Provavelmente eles combinavam de antem o quem faria o qu Escutou tamb m o barulho de algu m desembrulhando caixas e juntando pacotes e pap is Pareciam recolher o lixo da cozinha Como Aomame n o podia descer at o t rre
307. e Foi o que Fukaeri lhe disse naquela ocasi o Ela possu a a sensibilidade de perceber as coisas e Tengo tinha a fun o de receptor No entanto Fukaeri contava o que percebia somente quando ela achava que devia Tengo n o sabia ao certo se isso era uma quest o de regra ou mero capricho Tengo se lembrou novamente da rela o sexual entre eles Uma garota bonita de dezessete anos ficou sobre ele tomou seu p nis ereto e o enfiou bem fundo dentro dela Seus seios balan avam graciosamente como um par de frutas maduras Ela fechou os olhos em xtase e suas narinas se dilataram excitadas Seus l bios esbo avam algo que n o chegava a se expressar em palavras Vez por outra entre seus dentes brancos despontava a ponta da l ngua rosada Tengo lembrava com clareza dessa imagem Seu corpo estava dormente mas sua consci ncia desperta A ejacula o foi intensa Mas a despeito de ele se lembrar claramente dessa cena isso n o o excitava N o desejava fazer sexo com ela novamente Depois daquilo j haviam se passado tr s meses sem sexo Nem ao menos havia ejaculado nesse per odo Era algo realmente estranho de acontecer com ele Era um homem saud vel de trinta anos solteiro e sexualmente ativo com desejos que acabavam sendo saciados de alguma forma Quando esteve no apartamento de Kumi Adachi e deitou se na mesma cama que ela mesmo sentindo os pelos pubianos ro ando lhe a perna n o sentiu desejo sexual Seu p nis permaneceu
308. e Por hoje chega pensou Ushikawa Esticou lentamente o corpo para relaxar a tens o concentrada em algumas partes Comeu um p o doce recheado de feij o azuki e tomou o caf que trouxera na garrafa t rmica servindo o na tampa Ao abrir a torneira da cozinha a gua come ou a sair Ele lavou o rosto com sabonete escovou os dentes e urinou longamente Fumou um cigarro encostado na parede Sentiu vontade de tomar um gole de u sque mas enquanto estivesse ali decidiu n o beber uma gota de lcool Depois ficou somente com a roupa de baixo e se enfiou no saco de dormir O frio fez seu corpo tremer por um tempo Durante a noite o quarto vazio ficou bem mais frio do que imaginava Talvez fosse necess rio providenciar um aquecedor el trico port til Sozinho enquanto tremia de frio dentro do saco de dormir veio lhe mente o tempo em que morava com a esposa e as filhas N o que sentisse saudades daqueles tempos A lembran a surgiu apenas para contrastar com sua situa o atual Mesmo quando moravam juntos Ushikawa sempre se sentiu s Ele nunca se abria com as pessoas e algo lhe dizia que aquele tipo de vida era apenas transit rio No fundo ele sempre achou que mais dia menos dia tudo aquilo seria facilmente destru do Levava uma vida atribulada como advogado tinha um alto sal rio uma casa no bairro de Ch rinkan uma esposa cuja apar ncia n o era ruim duas filhas que frequentavam uma escola prim ria particular e um ca
309. e n o deve ir muito longe se Ushikawa o tivesse seguido descobriria que Tengo fora se encontrar com Komatsu num bar em Yotsuya Um pouco antes das oito Ushikawa vestiu o casaco enrolou o cachecol no pesco o colocou o gorro de l e atento ao seu redor saiu do apartamento apressado Tengo ainda n o havia retornado Para quem fora jantar por perto ele estava demorando muito Se n o desse sorte Ushikawa poderia dar de cara com ele ao sair do pr dio Mas mesmo tendo de correr o risco ele precisava sair imediatamente para resolver um assunto Seguindo a rota que havia memorizado Ushikawa dobrou algumas esquinas passou por alguns pontos de refer ncia e apesar de se perder um pouco conseguiu chegar at o parque infantil Os ventos fortes que na noite anterior vinham do norte haviam parado de soprar e para uma noite de dezembro o tempo estava quente Mesmo assim n o havia ningu m no parque Ushikawa olhou novamente ao redor para se certificar de que ningu m o observava e s ent o subiu no escorregador Sentado no topo apoiou o flanco no corrim o para poder olhar o c u As luas estavam praticamente na mesma posi o da noite anterior Uma lua minguante e luminosa pairava num c u sem nuvens E logo ao lado quase que agarrada a ela havia uma outra menor esverdeada e disforme Eu n o estava equivocado pensou Ushikawa suspirando e balan ando discretamente a cabe a N o foi sonho nem ilus o de tic
310. e Tengo A menina disse Saiba que eu consegui te encontrar Voc me encontrou Me encontre disse a menina Enquanto ainda houver tempo A cortina branca balan ou silenciosamente em movimentos amplos como um esp rito que n o conseguiu fugir a tempo Foi a ltima cena que Tengo viu Quando voltou a si Tengo estava deitado numa cama estreita A luz estava apagada e por entre as cortinas a l mpada da rua iluminava discretamente o quarto Ele estava de camiseta e cueca Kumi Adachi estava somente com a camiseta larga estampada com o sorriso Sem as roupas ntimas Seus seios macios haviam encostado no bra o de Tengo E a coruja continuava a cantar dentro de seu c rebro Agora at a floresta estava dentro de sua mente Ele carregava dentro de si toda a floresta noturna Mesmo estando na cama com a jovem enfermeira Tengo n o se sentiu atra do por ela Kumi Adachi tamb m n o parecia sentir desejo sexual por ele Ela abra ava Tengo e apenas dava suas risadinhas Ele n o entendia o que era t o engra ado Quem sabe algu m de algum lugar esteja mostrando uma placa indicando risos Que horas s o Tengo levantou a cabe a para ver o rel gio mas n o encontrou nenhum De repente Kumi Adachi parou de rir e envolveu o pesco o dele com os bra os Renasci Tengo sentiu a respira o quente de Kumi Adachi em seus ouvidos Renasceu disse Tengo que morri uma vez Voc
311. e assunto acho melhor voc pegar os detalhes com o pr prio Komatsu Mas como te disse anteriormente ele n o est t o comunicativo quanto antes Ou melhor ele n o parece ser o mesmo Aquela incr vel autoconfian a parece ter desaparecido e como ele anda introspectivo vira e mexe fica sozinho pensando E tamb m ficou rabugento s vezes parece at que ele se esquece de que h outras pessoas ao redor dele como se estivesse sozinho dentro de um buraco Introspectivo disse Tengo Assim que voc conversar com ele vai entender o que eu digo Tengo agradeceu e desligou o telefone Decorridos alguns dias Tengo telefonou para Komatsu j no final da tarde Ele se encontrava na editora Conforme dissera o outro editor o jeito de Komatsu falar n o era o de sempre O normal seria algo ininterrupto mas nesse dia sua fala era entrecortada e enquanto conversava com Tengo parecia que uma parte dele estava constantemente pensando em outra coisa Tengo achou que ele estivesse enfrentando algum tipo de problema De qualquer modo n o parecia ser aquele sujeito de sempre cheio de si Ele antes agia de acordo com seu estilo e ritmo sem se deixar acuar e independentemente de estar triste ou enfrentando graves problemas jamais deixava transparecer nada no rosto Voc est bem de sa de perguntou Tengo De sa de Voc n o estava afastado por motivo de sa de Ah Tem raz o disse Komatsu c
312. e considero uma cobra A minha apar ncia como se pode notar n o boa mas meu faro apurado Por mais insignificante que seja tenho a capacidade de farejar at descobrir onde est o Mas como sou originariamente uma cobra s consigo trabalhar do meu jeito e no meu ritmo Entendo perfeitamente que o tempo importante mas pe o que esperem um pouco mais Se n o tiverem paci ncia podem p r tudo a perder Onda observava pacientemente o isqueiro dourado girando na m o de Ushikawa e um tempo depois ergueu o rosto e disse Ser que o senhor poderia nos adiantar algumas informa es ainda que parciais Entendo a sua posi o mas se n o levarmos alguma informa o objetiva nossos superiores ficar o inconformados Nossa situa o delicada E creio que a do senhor tamb m n o das mais confort veis Esses caras tamb m est o sendo pressionados pensou Ushikawa Os dois foram considerados ex mios lutadores de artes marciais e designados para serem os guarda costas do L der Mas apesar disso n o puderam evitar que o L der fosse morto debaixo de seu nariz N o O fato que n o havia ind cios de que ele fora assassinado Alguns m dicos integrantes do grupo religioso examinaram o cad ver mas n o encontraram nenhuma marca que pudesse ser considerada um ferimento Mas na enfermaria do centro havia somente equipamentos simples Sem contar que n o havia disponibilidade de tempo Se tivesse sido realizad
313. e ele passara os ltimos meses de vida O len ol a fronha e o travesseiro haviam sido retirados e havia somente um colch o listrado Sobre o criado mudo havia uma lumin ria simples e no arm rio pequeno cinco cabides vazios N o havia livro na estante e nenhum objeto de uso pessoal Tengo por m n o se lembrava dos objetos pessoais de seu pai naquele quarto Ele colocou a mala no ch o e deu uma olhada ao redor Um leve odor de rem dio e o ar deixado pelo enfermo ainda impregnavam o ambiente Tengo abriu as janelas para arej lo As cortinas queimadas pelo sol balan avam ao sabor da brisa como a saia de uma menina a brincar Enquanto observava aquela cena Tengo pensou em como seria maravilhoso se Aomame estivesse ali e sem dizer nada segurasse firmemente sua m o Pegou o nibus foi at a prefeitura de Chikura e ap s mostrar o atestado de bito recebeu a autoriza o para a crema o A crema o poderia ser realizada vinte e quatro horas ap s o hor rio da morte Tengo solicitou tamb m a retirada do nome de seu pai do registro familiar e recebeu esse documento atualizado Levou um certo tempo para obt los mas os procedimentos eram relativamente simples Nada que exigisse algum tipo de reflex o aprofundada Era como fazer uma declara o para despachar um carro para o ferro velho A enfermeira Tamura fez tr s c pias dos documentos na m quina do escrit rio s duas e meia antes de o advogado chegar vir aq
314. e essa palavra possui Em nenhum dos dois Voc est dizendo que n o houve nenhuma rela o sexual isso Isso mesmo respondeu Tengo com a voz neutra Pequenas rugas se formaram nas laterais do nariz de Komatsu N o estou duvidando de voc Tengo mas antes da sua resposta percebi que voc hesitou por alguns segundos Ser que n o aconteceu algo pr ximo a isso N o estou te culpando longe disso que tenho motivos para buscar a verdade dos fatos Tengo olhou diretamente nos olhos de Komatsu N o hesitei Apenas estranhei a pergunta N o entendi por que voc quer saber se eu e Fukaeri tivemos rela o sexual ou n o At onde sei voc nunca foi de bisbilhotar a vida alheia Muito pelo contr rio Voc sempre se manteve longe disso verdade disse Komatsu Pois ent o me diga por que voc quer tocar nesse assunto agora Com quem voc ou Fukaeri dormem n o da minha conta disse Komatsu co ando a lateral do nariz como voc acabou dizer Mas como voc sabe a Fukaeri n o uma garota comum como tantas outras que vemos por a Como posso dizer tudo o que ela faz tem um significado especial Um significado indagou Tengo claro que racionalmente falando todas as a es realizadas pelas pessoas t m um significado disse Komatsu No entanto no caso de Fukaeri o significado muito mais profundo Ela possui esse dom que n o comum
315. e infantil atr s de Tengo a outra quando pegou um t xi at a Rodovia Metropolitana 3 para encontrar a sa da no acostamento Mas ela n o podia revelar isso a ele Sendo assim como ser que aquele homem vai tentar me encontrar Se eu fosse ele tentaria descobrir todas as informa es pessoais sobre voc que tipo de pessoa voc de onde veio o que fez at hoje o que deve estar pensando o que est buscando e o que n o est Eu tentaria recolher o m ximo de informa es e ap s coloc las na mesa faria uma an lise minuciosa dos dados Est dizendo que tiraria a minha roupa expondo me completamente Isso mesmo Eu te deixaria nua sob uma luz clara e fria Munido de pin as e lupas examinaria tudo de ponta a ponta at descobrir o que voc pensa e o padr o de seu comportamento N o estou entendendo Em que medida a an lise do meu perfil ajudaria a pessoa de fato a chegar at mim N o sei disse Tamaru As informa es podem levar a voc ou n o Cada caso um caso Apenas estou dizendo o que eu faria se estivesse no lugar dele N o me ocorre nenhuma outra ideia Todas as pessoas possuem um padr o de pensamento e comportamento e uma vez estabelecido esse padr o sempre se encontra um ponto fraco At parece uma investiga o cient fica s pessoas n o conseguem viver sem esse padr o a mesma rela o entre os temas na m sica Esse padr o ao mesmo tem
316. e lamentavelmente eram v timas da viol ncia dom stica quando elas n o tinham um local seguro onde ficar Ao fazer essa pergunta Ushikawa esbo ou uma express o de quem realmente se condo a pelo destino dessas mulheres que tiveram suas vidas destru das como as folhas das rvores quando arrancadas for a por um intenso vendaval Nesses casos temos alguns abrigos dispon veis disse o jovem advogado Como s o esses abrigos S o uma esp cie de ref gio tempor rio N o temos muitos locais de ref gio mas algumas pessoas caridosas nos oferecem alguns Um dos nossos colaboradores ofereceu um pr dio inteiro de apartamentos por exemplo Um pr dio inteiro disse Ushikawa fingindo surpresa Quer dizer que realmente existem pessoas generosas no mundo Existem sim Quando as nossas atividades s o divulgadas nos jornais e nas revistas algumas pessoas entram em contato e querem de algum modo colaborar conosco Sem o aux lio delas n o temos como administrar essa entidade Funcionamos numa situa o em que praticamente temos de arcar com as despesas usando dinheiro de nossos pr prios bolsos O que os senhores est o fazendo uma atividade muito significativa disse Ushikawa O advogado esbo ou um sorriso ing nuo Ushikawa novamente se convenceu de que n o existe pessoa t o f cil de enganar quanto aquela que est convencida de estar fazendo a coisa certa Quantas mulheres vivem hoje
317. e n tida Eu vou ter esta crian a Esse pequeno ser nascer com seguran a neste mundo Um mundo em que segundo Tamaru as pessoas devem sustentar a moralidade Aomame colocou a palma da m o no ventre e escutou atentamente Ainda n o conseguia escutar nada Por enquanto 12 Tengo As regras do mundo est o se afrouxando Ap s o caf da manh Tengo tomou um banho de chuveiro Lavou os cabelos e fez a barba Vestiu as roupas que estavam lavadas e passadas Depois foi at a esta o comprar o jornal matinal no na banca e em seguida entrou num bar nas redondezas para tomar um caf Ao passar os olhos no jornal nenhuma not cia lhe chamou aten o O mundo era um local mon tono e sem gra a O jornal era daquele dia mas a impress o era de estar lendo o da semana passada Assim que terminou Tengo dobrou o jornal e olhou o rel gio de pulso Eram nove e meia da manh e o hor rio de visitas da casa de sa de come ava s dez Arrumar as coisas para ir embora era uma tarefa simples N o trouxera muito algumas roupas objetos de higiene pessoal alguns livros blocos de papel Coisas que cabiam numa bolsa de lona Ele carregou a bolsa no ombro pagou a conta da pousada e foi esta o pegar um nibus at a casa de sa de Era in cio de inverno Poucas pessoas iam para a praia logo pela manh Ele foi o nico que desceu no ponto em frente casa de sa de Como de costume assim que chegou na recep o ele an
318. e o reencontraria ap s vinte anos No entanto se isso tivesse acontecido Ushikawa que estava vigiando Tengo poderia reconhec la rapidamente e com certeza avisaria imediatamente os dois rapazes de Sakigake Por isso o fato de ela n o ter visto Tengo poderia ser interpretado tanto como um infort nio quanto como um golpe de sorte Era algo dif cil de julgar Seja como for Tengo subiu no topo do escorregador como da outra vez e permaneceu durante um tempo contemplando as luas e as nuvens que passavam sobre ele Por sua vez Ushikawa vigiava Tengo dist ncia Enquanto isso Aomame estava longe do terra o conversando com Tamaru ao telefone e depois preparou seu chocolate quente e o bebeu imersa em pensamentos Assim se passaram vinte e cinco minutos Em certo sentido foram vinte e cinco minutos decisivos Quando Aomame voltou para o terra o com a x cara de chocolate Tengo j tinha deixado o parque Ushikawa n o o seguiu de imediato pois precisava verificar algo que havia no parque sozinho Ap s averiguar isso Ushikawa deixou rapidamente o local e foram esses segundos finais que Aomame observou da varanda As nuvens continuavam a cruzar rapidamente o c u Eram sopradas pelo vento para o sul na dire o da ba a de T quio e em seguida rumavam para o imenso oceano Pac fico de onde n o era mais poss vel saber que destino tomariam assim como ningu m h de saber o que acontece com a alma de uma pessoa ap s sua morte
319. e oito horas Tengo sentou se no topo do escorregador como que dobrando o seu corpo grande E olhou para o c u Durante um tempo o seu olhar movia se de um lado para outro Por fim fixou se num determinado ponto e assim permaneceu Sua cabe a n o se moveu mais Ushikawa lembrou se de uma m sica rom ntica de Ky Sakamoto que estivera na moda um tempo atr s O trecho inicial dizia Olhe as estrelas da noite aquelas estrelas pequeninas Ushikawa n o sabia o resto da m sica Tampouco fazia quest o de saber Assuntos relacionados emo o que envolvem o senso de justi a eram os pontos fracos de Ushikawa Ser que Tengo sentado no topo do escorregador nutria algum sentimento ao contemplar o c u estrelado Ushikawa tamb m resolveu olhar para o c u Mas n o viu nenhuma estrela Sem exageros seria poss vel dizer que o bairro de K enji distrito de Suguinami cidade de T quio n o era um local adequado para ver um c u estrelado As luzes n on e a ilumina o das ruas tingiam o c u com uma colora o estranha Dependendo da pessoa at que daria para ver uma ou outra estrela ao for ar os olhos mas nesse caso seria necess rio uma vis o mpar e um alto poder de concentra o Al m do mais naquela noite havia um fluxo muito grande de nuvens Mesmo assim Tengo permanecia im vel sentado no topo do escorregador olhando para um determinado ponto do c u Que sujeito mais desagrad vel pensou Ushikawa Ser
320. e sobre a mesa e parou para refletir Ele desconhecia os m todos que Morcego utilizava para obter as informa es Ele sabia que essa era uma pergunta que n o teria resposta Em todo caso era de supor que lan asse m o de m todos ilegais Possivelmente subornava funcion rios ou em ltimo caso apelava para a invas o Se a investiga o envolver a necessidade de acessar computadores a situa o se torna ainda mais complexa Ainda s o poucas as reparti es p blicas e empresas privadas que utilizam o computador para armazenar dados caro e trabalhoso Mas as organiza es religiosas que atuam em n vel nacional certamente possuem recursos para implant los Ushikawa n o sabe quase nada de computadores mas est ciente de que est o se tornando ferramentas imprescind veis para armazenar informa es Frequentar a Biblioteca Nacional da Dieta e ficar o dia inteiro procurando informa es em microfilmes de jornais e anu rios ser coisa do passado O mundo se tornar um sangrento campo de batalha entre o gerente de computa o e o hacker N o O termo correto n o exatamente sangrento Apesar de no campo de batalha sempre se derramar um pouco de sangue Mas neste caso o sangue n o tem cheiro Um mundo estranho Ushikawa preferia um mundo em que a exist ncia de cheiros e da dor fossem percept veis Ainda que em determinadas situa es elas se tornem insuport veis Mas um tipo como Ushikawa sem d vida muito em breve
321. ecido cercado por grades de metal De m os dadas com Tengo atravessaram a faixa de pedestres e foram at l Ela n o conseguia se lembrar qual daquelas barras estava solta sem o parafuso mas ap s verificar atenta e pacientemente as grades da cerca uma por uma conseguiu encontrar um v o por onde dava para passar uma pessoa Aomame se curvou e tomando cuidado para n o enroscar a roupa passou para o outro lado da cerca Tengo curvou seu corpo grande e encolhendo se tamb m atravessou O local estava do mesmo jeito que Aomame viu quando estivera l em abril Sacos de cimento abandonados e com as embalagens desbotadas ferros de constru o oxidados ervas daninhas sem vida pap is velhos espalhados pelo ch o e excrementos brancos de pomba grudados em todos os cantos Nada havia mudado nesses ltimos oito meses Talvez durante todo esse tempo ningu m houvesse pisado ali Apesar de estar no centro da cidade e sua localiza o ser como a de um banco de areia em plena estrada principal aquele local estava abandonado e esquecido Esse o local perguntou Tengo ap s observar o entorno Aomame balan ou a cabe a num gesto afirmativo Se n o encontrarmos uma sa da n o poderemos ir a lugar nenhum Em meio escurid o Aomame tentou achar a escada de emerg ncia pela qual havia descido da outra vez Era uma escada estreita que ligava a Rodovia Metropolitana e a Rodovia 246 logo abaixo Tem que haver uma escada po
322. ef nico e discou o n mero que Ushikawa havia lhe passado Era uma liga o local Possivelmente ao bairro de Shibuya No sexto toque algu m atendeu Sem nenhuma preliminar Tamaru informou o endere o e n mero do apartamento de K enji Anotou o que eu disse perguntou Tamaru Poderia falar de novo Tamaru repetiu a informa o A pessoa do outro lado da linha anotou e repetiu o endere o para confirmar Ushikawa se encontra nesse endere o disse Tamaru Voc sabe quem Ushikawa n o Ushikawa disse o interlocutor Tamaru ignorou a dissimula o e prosseguiu Ushikawa est nesse endere o que passei e infelizmente n o est respirando Aparentemente n o foi uma morte natural Na carteira dele h alguns cart es pessoais dizendo que o Diretor Efetivo Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes Se a pol cia encontr los mais cedo ou mais tarde ir o chegar at voc s Creio que isso causar muitos transtornos Acho melhor limpar a rea o quanto antes Voc s devem saber como fazer isso n o Voc indagou o homem do outro lado da linha Sou um gentil informante disse Tamaru Eu tamb m n o gosto muito da pol cia Assim como voc s N o foi morte natural N o foi por velhice muito menos foi serena O homem permaneceu em sil ncio durante um tempo O que Ushikawa estava fazendo num lugar como esse N
323. egativo Eles agem de uma maneira mais sangrenta com extrema viol ncia Jamais fariam um servi o t o refinado A pessoa que matou Ushikawa queria nos dar um recado Que eles possuem um sistema altamente sofisticado e se algu m se intrometer o contra ataque ser infal vel Eles est o nos avisando que melhor n o nos metermos neste assunto Neste assunto O rapaz de cabelo rente balan ou a cabe a Eu n o sei bem que assunto esse Ushikawa estava agindo sozinho havia algum tempo Cheguei a solicitar v rias vezes um relat rio parcial de suas atividades mas ele sempre dava a desculpa de que ainda n o possu a material suficiente para apresentar um relat rio Acho que ele queria descobrir e esclarecer os fatos sozinho para depois apresent los como relat rio final Por isso morreu levando consigo as informa es que havia obtido O pr prio L der escolhera pessoalmente Ushikawa e at hoje ele fazia um trabalho independente Ele n o se adequava ao sistema Mesmo em rela o ao sistema de hierarquia eu n o estava numa posi o de dar lhe ordens O rapaz de cabelo rente precisava deixar bem claro o que era de sua responsabilidade O grupo religioso possu a um sistema organizacional Todo sistema possui regras e suas respectivas penalidades Ele n o queria que o considerassem negligente ou que tivesse de assumir toda a responsabilidade pelo ocorrido Afinal quem Ushikawa vigiava daquele apartamento N o sei
324. egistro de bito tamb m n o foi emitido indagou Komatsu N o houve resposta E o senhor Tamotsu Fukada morreu recentemente Isso mesmo disse o rapaz de cabelo rente Ele morreu depois da Cris lida de ar ser publicada O rapaz de cabelo rente olhou para a mesa e ao erguer o rosto fitou novamente Komatsu Isso mesmo O senhor Fukada morreu ap s a publica o da Cris lida de ar H alguma rela o de causa e efeito entre esses fatos perguntou Komatsu sem titubear O rapaz de cabelo rente manteve se em sil ncio durante um tempo Parecia organizar os pensamentos para responder pergunta Um tempo depois disse com determina o Tudo bem Para convencer o professor Ebisuno acho melhor esclarecer os fatos Para falar a verdade Tamotsu Fukada era o L der do grupo religioso e aquele que escutava as vozes Quando sua filha Eriko Fukada publicou a Cris lida de ar as vozes deixaram de falar com ele Por isso o senhor Fukada resolveu p r um fim a sua pr pria vida E essa morte foi natural O correto seria dizer que ele p s fim vida de modo espont neo Friko Fukada a filha do L der disse Komatsu num murm rio O rapaz balan ou a cabe a de modo r pido e breve num gesto afirmativo Quer dizer que Eriko Fukada levou o pai morte prosseguiu Komatsu O rapaz concordou novamente Isso mesmo Mas o grupo religioso ainda existe O grupo religioso
325. eito que Ushikawa imaginava que Aomame seria Ele pegou as tr s fotos e como se verificasse cartas de baralho olhou uma a uma repetidamente Quanto mais ele via as fotos mais tinha certeza de que s poderia ser Aomame Ele chamou a gar onete e perguntou qual era a sobremesa do dia Torta de p ssego ela respondeu Ushikawa pediu uma e mais um caf Se aquela mulher n o for Aomame Ushikawa pensava enquanto aguardava a torta creio que nunca mais vou conseguir encontr la A torta de p ssego estava muito melhor do que esperava Dentro da casca crocante havia peda os suculentos de p ssego Eram p ssegos em calda mas para uma sobremesa de restaurante simples estava tima Ushikawa comeu toda a torta bebeu todo o caf e saiu do restaurante satisfeito Passou no supermercado comprou comida para tr s dias e assim que voltou ao apartamento sentou se novamente diante da c mera Enquanto vigiava a entrada do pr dio por entre as cortinas tirou algumas sonecas encostado na parede reconfortado pelo calor do aquecedor Ushikawa por m n o se importava com isso Durante as sonecas ele sabia que nada de importante iria acontecer Tengo havia ido ao enterro de seu pai e Fukaeri n o voltaria para l Ela sabia que ele continuava vigiando As chances de aquela mulher misteriosa voltar durante o dia eram remotas Ela age com extrema cautela Caso ela volte ser quando come ar a escurecer No entanto mesmo ap s o
326. ela encontravam se num quarto de hotel e transavam Era como ir ao barbeiro Deve ser uma quest o espiritual Ushikawa concluiu ap s refletir sobre o assunto O que surgiu entre eles foi uma esp cie de interc mbio de almas Era dif cil de acreditar mas entre Ushikawa e aquela bela garota ocorreu uma profunda comunh o ao trocarem olhares atrav s da lente telesc pica camuflada Numa fra o de segundo houve entre eles uma esp cie de m tua revela o espiritual E a garota foi embora deixando Ushikawa sozinho numa caverna vazia Aquela garota sabia que eu a observava secretamente por entre as cortinas usando uma lente telesc pica Possivelmente sabia tamb m que eu a segui at o supermercado em frente esta o Naquela ocasi o ela n o olhou nenhuma vez para tr s mas ela me via No entanto Ushikawa n o sentia naquele olhar uma censura em rela o ao seu comportamento A sensa o que ele tinha era de que no fundo ela o compreendia A garota apareceu e se foi N s viemos de dire es diferentes por acaso nossos caminhos se cruzaram e por instantes nossos olhares se encontraram De agora em diante seguiremos em dire es opostas Eu jamais vou reencontrar Eriko Fukada Isso algo que s poderia acontecer uma vez Caso eu a reencontre o que eu poderia pedir dela al m do que ocorreu hoje N s agora estamos novamente em p cada qual numa das extremidades de um mundo distante N o existem palav
327. ela e algu m me chamou pelo nome o senhor Komatsu Quando me aproximei para ver quem era dois homens desceram e me empurraram para dentro Eram bem fortes Enquanto um deles amarrava minhas m os atr s das costas o outro me fez cheirar clorof rmio ou algo parecido Como nos filmes Mas o fato que aquilo funciona mesmo Quando acordei estava preso num quarto pequeno sem janelas As paredes eram brancas e o formato do quarto c bico Havia uma cama pequena e uma mesinha de madeira e n o havia cadeiras Eu estava deitado na cama Voc foi raptado perguntou Tengo Komatsu terminou de averiguar o contorno do cinzeiro devolveu o mesa e ergueu o rosto para Tengo Sim Fui raptado de verdade Como naquele filme antigo O colecionador Acho que a maioria das pessoas nunca pensou na possibilidade de ser raptada Isso nem deve passar pela cabe a delas n o Mas quando querem sequestrar voc pode ter certeza de que conseguem dif cil explicar mas a sensa o de ser raptado surreal N o d para acreditar que algu m est realmente sequestrando voc Voc imagina isso Komatsu olhou para Tengo aguardando uma resposta Mas era uma pergunta ret rica Tengo aguardou em sil ncio a continua o da conversa O highball ainda intocado suava e umedecia o descanso sob o copo 16 Ushikawa Uma m quina insens vel eficaz e resistente Na manh do dia seguinte Ushikawa continuou como na v spera a v
328. ela observando a paisagem voltou se para Kumi Mensagem Sim O seu pai costumava bater na barra da cama Ele deixava o bra o cair e batia na madeira como a enviar uma mensagem em c digo Morse Tum tum tum tum Assim desse jeito Kumi Adachi imitou o som batendo levemente na barra de madeira da cama Voc n o acha que um c digo N o um c digo Ent o o que Ele estava batendo na porta disse Tengo com a voz sem emo o Ele estava batendo na porta de algu m voc tem raz o realmente o som de quem bate na porta disse Kumi estreitando os olhos com uma express o s ria Quer dizer que mesmo inconsciente o senhor Kawana continuava a fazer cobran as Provavelmente disse Tengo Em algum lugar dentro de sua mente como aquelas hist rias antigas de soldados que n o soltavam as cornetas mesmo depois de mortos disse Kumi admirada Tengo permaneceu em sil ncio sem saber o que dizer Seu pai realmente gostava muito desse servi o n o Ele gostava de fazer as cobran as das taxas de recep o da NHK Creio que n o se trata de gostar ou n o disse Tengo Ent o do que se trata que isso era o que meu pai sabia fazer de melhor Hum isso disse Kumi e ap s pensar um pouco prosseguiu Em certo sentido era o tipo de vida adequada para ele Acho que era disse Tengo olhando o bosque de pin
329. eleg ncia O corte de cabelo tamb m era bonito e o jeito de prend lo combinava com sua idade Ushikawa sentou se novamente e enquanto aguardava leu o livro que trouxera consigo Passados quinze minutos a vice diretora retornou Trazia consigo um envelope pardo junto ao peito O senhor Kawana foi realmente um timo aluno Suas notas sempre foram as melhores da classe e tamb m se destacou como um excelente atleta Era muito bom em c lculos ou melhor em matem tica e desde o prim rio conseguia resolver quest es do colegial Ganhou concursos e chegou a sair no jornal como um menino prod gio Isso formid vel disse Ushikawa A vice diretora prosseguiu Mas realmente estou surpresa Uma pessoa que naquela poca foi considerada um prod gio da matem tica agora depois de adulto est se destacando no mundo da literatura Quem possui um grande talento encontra v rias maneiras de desenvolver suas potencialidades como um abundante veio de gua que encontra v rios caminhos a percorrer Atualmente ele d aulas de matem tica e escreve romances Tem raz o disse a vice diretora erguendo as sobrancelhas num belo arco Mas em compensa o n o consegui encontrar quase nada sobre Massami Aomame Ela foi transferida de escola na quinta s rie Foi morar com parentes em T quio no distrito de Adachi e transferida para a escola de l Ela estudou na mesma sala que Tengo Kawana na terceira e
330. eligiosas s o as mais dif ceis de se aproximar H em jogo o interesse de proteger os dados pessoais de seus membros al m de quest es relacionadas aos impostos Acha que consegue N o custa tentar Tenho meios de faz los abrir as portas O que realmente dif cil fechar as portas ap s t las aberto Se n o fech las certamente seremos perseguidos por um m ssil como uma guerra uma guerra Pode surgir algo amedrontador disse o homem de voz rouca Pelo seu tom parecia se divertir com essa ideia de guerra Voc aceita fazer o servi o O homem tossiu para limpar a garganta Aceito mas saiba que n o vai sair barato Mais ou menos quanto vai custar O homem deu um pre o aproximado Ushikawa ficou boquiaberto antes de aceitar Apesar dos pesares era um dinheiro que ele pr prio podia juntar e se obtivesse resultados seria ressarcido Vai levar muito tempo Voc tem uma certa pressa n o Tenho N o posso dar uma data exata mas a previs o de sete a dez dias Est timo disse Ushikawa A nica alternativa que lhe cabia era a de aceitar o prazo estipulado Entrarei em contato assim que tiver o material em m os Dentro de dez dias sem falta Se um m ssil n o estiver no seu encal o disse Ushikawa Isso mesmo respondeu Morcego num tom de voz isento de preocupa o Ao desligar o telefone Ushikawa debru ou s
331. elizmente n o havia ningu m nas ruas Outra coisa que tomou muito tempo foi o pente fino realizado no apartamento Precisavam ter certeza de que realmente n o havia nada no local que pudesse servir de pista Munidos de lanternas eles vasculharam cuidadosamente todos os cantos do apartamento mas n o encontraram nada que chamasse a aten o Havia apenas um estoque de alimentos um aquecedor port til um saco de dormir e alguns objetos de uso pessoal No lixo havia praticamente s latas vazias e garrafas descart veis Tudo levava a crer que Ushikawa se escondera naquele apartamento para vigiar algu m O olhar atento do rapaz de cabelo rente n o deixou escapar os sinais do trip da c mera fotogr fica que deixaram uma sutil marca no tatame bem pr ximo janela Mas n o encontraram a c mera nem as fotos pessoa que matou Ushikawa deve ter levado tudo Inclusive os filmes O fato de Ushikawa ter morrido vestindo apenas as roupas ntimas indicava que fora surpreendido quando estava dentro do saco de dormir Esse algu m deve ter entrado no apartamento sem fazer barulho A morte de Ushikawa deve ter sido horr vel A cueca estava encharcada de urina Somente o rapaz de cabelo rente e o de rabo de cavalo levaram o corpo de Ushikawa at Yamanashi Os outros dois permaneceram em T quio para terminar o servi o O rapaz de rabo de cavalo foi quem dirigiu o ve culo durante todo o percurso Eles pegaram a Rodovia Metropolitana e seguiram na
332. elo faro A enfermeira Adachi come ou a fungar ruidosamente E al m de tudo ela deve ser casada disse a enfermeira mura num tom de voz l nguido Estou certa Tengo hesitou antes de concordar Mas quela altura n o adiantava mentir Voc malvado disse a enfermeira Adachi cutucando com a ponta dos dedos as coxas de Tengo Quantos anos mais velha Dez respondeu Tengo Uau exclamou a enfermeira Tamura Ent o isso Essa mulher madura e casada deve ter te mimado muito disse a enfermeira mura que j era m e Isso sim que bom Ser que tenho alguma chance Saiba que eu tamb m posso confortar o solit rio e gentil Tengo Pode n o parecer mas meu corpo n o de se jogar fora Ela pegou a m o de Tengo e tentou pression la em seu peito As outras duas tentaram impedi la A despeito de ela estar b bada e fazer esse tipo de gracinha as duas queriam preservar a linha divis ria entre as enfermeiras e os familiares dos pacientes Ou ent o temiam que algu m visse aquela cena Era uma cidade pequena e os boatos corriam solta E o marido da enfermeira mura poderia ser uma pessoa ciumenta Tengo por sua vez queria evitar mais problemas do que j tinha Saiba que voc um homem e tanto disse a enfermeira Tamura mudando de assunto Veio de t o longe e todos os dias fica horas a fio sentado ao lado do seu pai lendo para ele Nem todo mundo
333. elo rente A voz dele era desprovida de emo o e o tom era sereno mas continha algo de pesaroso Faleceu indagou Komatsu Aconteceu recentemente respondeu o rapaz de cabelo rente Depois respirou fundo e soltou lentamente o ar Ele sofreu um ataque do cora o Uma morte instant nea que aparentemente n o o fez sofrer Devido a certas circunst ncias o registro de bito ainda n o foi emitido e o funeral foi realizado secretamente na sede Por motivos religiosos o corpo foi cremado e os ossos triturados foram espalhados nas montanhas Legalmente falando trata se de um crime contra o respeito aos mortos mas creio que seja dif cil instaurar um processo judicial contra n s Mas essa a verdade Jamais mentimos sobre assuntos que envolvem a vida e a morte de uma pessoa Por favor informe o ocorrido ao professor Ebisuno Foi uma morte natural O rapaz de cabelo rente assentiu balan ando veementemente a cabe a O senhor Fukada era uma pessoa extremamente importante para n s N o falar que era extremamente importante pouco para se referir a um ser t o grandioso Poucas pessoas sabem de sua morte e todas lamentam e muito o ocorrido A esposa dele isto a m e de Eriko Fukada morreu de c ncer de est mago alguns anos atr s Ela faleceu no ambulat rio da sede recusando se a fazer quimioterapia O marido dela o senhor Tamotsu foi quem cuidou dela at seu falecimento Nesse caso o r
334. em que morava naquele apartamento em que se podia ouvir o canto das corujas Aconteceu alguma coisa Estava dormindo Estava disse Tengo E voc Que pergunta sem sentido claro que uma pessoa dormindo n o teria telefonado Por que ser que fiz uma pergunta t o tola S pode ser culpa da alface congelada dentro da minha cabe a pensou Tengo Estou no servi o respondeu a enfermeira Em seguida deu uma tossida para limpar a garganta e prosseguiu O senhor Kawana acaba de falecer O senhor Kawana acaba de falecer repetiu Tengo sem entender direito o que acabara de ouvir Ser que algu m estava lhe informando que ele pr prio havia morrido O seu pai acabou de falecer a enfermeira tornou a dizer Tengo mudou o fone da m o direita para a esquerda sem nenhum motivo aparente Faleceu repetiu Tengo Era um pouco depois da uma e eu estava descansando no dormit rio quando a campainha tocou Era a campainha do quarto de seu pai Como ele estava em coma a campainha n o poderia ter sido acionada por ele e achando aquilo estranho fui at l averiguar Quando cheguei ele n o respirava e estava sem pulso Acordei o m dico de plant o e apesar de tentarmos reanim lo j era tarde Est me dizendo que meu pai tocou a campainha Acho que sim N o havia mais ningu m no quarto Qual foi a causa da morte indagou T engo N o sei dizer Aparente
335. empo ele continuou batendo na porta com for a Umas vinte a vinte e cinco vezes Como ser que a m o desse homem pensou Aomame Por que n o toca a campainha E tamb m deve estar pensando disse o cobrador como que lendo os pensamentos de Aomame esse homem deve ter uma m o muito forte Ser que ela n o d i de tanto bater na porta Deve tamb m estar se perguntando por que bato na porta em vez de apertar a campainha n o Aomame sem querer esbo ou uma careta O cobrador prosseguiu Pois ent o eu prefiro n o ter de tocar a campainha Se eu tocar a campainha o nico som que sai o do Pim Pom N o importa quem a toque o som produzido sempre o mesmo padronizado e inofensivo J a batida tem personalidade Como a pessoa usa for a f sica para bater na porta o ato em si est impregnado de emo o claro que a m o chega a doer Afinal n o sou o Iron man 28 Mas isso n o tem jeito Essa a minha profiss o E uma profiss o n o importa qual deve ser respeitada sem distin o N o mesmo senhorita Takai Novamente ouvem se batidas fortes na porta Ao todo s o vinte e sete batidas fortes a intervalos regulares O suor come a a brotar na palma das m os de Aomame segurando firmemente o bast o met lico Senhorita Takai a lei determina que as pessoas que recebem o sinal de transmiss o da NHK precisam pagar a taxa de recep o N o tem jeito S o as regras deste
336. empo nem o esfor o e que a pessoa tenha um pouco de experi ncia poss vel obter quase todo tipo de informa o Ushikawa investigou rapidamente a vida pessoal dos doze clientes de Aomame Oito mulheres e quatro homens todos bem sucedidos social e financeiramente Nenhum deles apresentava perfil capaz de ajudar algu m a cometer um assassinato Mas dentre eles havia uma rica senhora com cerca de setenta anos que mantinha um abrigo para mulheres v timas da viol ncia dom stica Ela acolhia as v timas desse infort nio e oferecia abrigo num sobrado constru do no terreno cont guo a sua ampla propriedade A coisa em si era maravilhosa Acima de qualquer suspeita Mas algo dava chutes na remota conex o de sua consci ncia E quando algo chutava essa remota conex o Ushikawa sempre procurava descobrir o que era Ele possu a um bom faro e acima de tudo confiava em sua intui o Gra as a isso escapara ileso in meras vezes Viol ncia pode ser a palavra chave deste caso A velha senhora consciente dos atos de viol ncia contra as mulheres passara a proteger por iniciativa pr pria suas v timas Ushikawa fora conhecer de perto o abrigo A constru o era de madeira e ficava numa rea residencial de alto padr o no topo de uma colina no bairro nobre de Azabu Era um pr dio antigo mas tinha o seu charme Por entre as grades do port o dava para ver um belo canteiro de flores de frente ao terra o e um extenso gramado Um en
337. enas uma probabilidade de por enquanto n o ter havido falhas A situa o pode mudar a qualquer instante Eu obviamente n o sou perfeito Posso ter deixado escapar alguma coisa importante H a possibilidade de eles serem melhores do que eu No final das contas significa que cabe a mim cuidar de mim mesma o que eu j disse Muito obrigada por tudo Sou grata N o sei para onde voc vai nem o que pretende fazer de agora em diante disse Tamaru Mas se voc pretende ir para bem longe e eu n o te ver mais vou ficar um pouco triste Voc uma pessoa especial e muito raro eu me deparar com algu m assim Aomame abriu um sorriso diante do telefone Eu penso o mesmo de voc A madame precisava de algu m como voc N o em rela o ao trabalho mas em n vel pessoal como uma amiga Por isso ela est muito triste de se separar de voc Ela n o est em condi es de conversar por telefone Espero que voc a compreenda Eu entendo disse Aomame Creio que eu tamb m teria muita dificuldade de falar com ela Voc disse que vai para longe disse Tamaru O qu o longe Uma dist ncia que n o pode ser medida em n meros Como a dist ncia que separa o cora o de cada um Aomame fechou os olhos e respirou profundamente As l grimas estavam para transbordar Mas conseguiu cont las Vou rezar para que tudo corra bem disse Tamaru com a voz seren
338. endo A seguir a velha senhora falou Voc est me perguntando se dentre as coisas que perdi estava minha raiva Isso mesmo A velha senhora respirou lentamente A resposta para a sua pergunta sim Foi isso Aquela intensa raiva que eu possu a foi para bem longe durante os intensos raios e trov es O que restou dentro de mim n o mais aquela labareda de ira Hoje ela se transformou numa tristeza desbotada Nunca pensei que aquela raiva t o intensa e fervorosa um dia fosse acabar Mas como voc sabe disso Aomame disse que comigo aconteceu o mesmo E foi naquela noite de intensos trov es Voc est se referindo a sua pr pria raiva Estou Aquela raiva verdadeira e intensa que eu tinha dentro de mim n o existe mais N o digo que desapareceu por completo mas como a senhora mesmo disse ela se foi para bem longe Aquela raiva ocupou durante muito tempo um espa o muito grande dentro do meu cora o e me instigava a prosseguir Como um condutor cruel que jamais descansa disse a velha senhora Mas agora isso perdeu a for a e voc est gr vida Ser que podemos dizer que houve uma troca Aomame conteve a respira o Sim Em troca disso existe agora em mim um ser pequenino Mas creio que n o h rela o com a raiva E esse ser est crescendo dia a dia dentro de mim Sei que desnecess rio falar mas voc deve proteg lo com muito cuidado disse a velha senho
339. endo informa es sobre quando onde e como ela conduzia essas aulas particulares constava na programa o di ria de atividades que havia sido devidamente xerocado s vezes ela dava aulas particulares no pr prio clube ou se deslocava at a resid ncia do cliente Entre os seus in meros clientes havia artistas famosos e pol ticos A velha senhora da Mans o dos Salgueiros Shizue Ogata era a mais idosa dentre eles Shizue Ogata conheceu Aomame um pouco depois de ela come ar a trabalhar no clube e essa conex o se estendeu at um pouco antes de ela desaparecer Foi no mesmo per odo em que os quartos do sobrado da Mans o dos Salgueiros tornaram se oficialmente um local para abrigar as v timas da viol ncia dom stica Isso poderia ter sido uma coincid ncia ou n o De qualquer modo os registros indicavam que o relacionamento entre as duas foi se tornando cada vez mais ntimo com o decorrer do tempo poss vel que um v nculo pessoal tenha se estabelecido entre Aomame e a velha senhora A intui o de Ushikawa pressentia isso Uma rela o entre instrutora e cliente que come ara no clube esportivo e que a partir de um certo momento mudara de natureza Ushikawa empenhou se em identificar em que momento teria ocorrido essa mudan a observando atentamente o registro administrativo cronol gico e descritivo das aulas Algo teria acontecido ou se tornado evidente e foi a partir desse momento que a rela o entre elas deixou
340. enho o direito de reclamar Mas o senhor n o mais cobrador da NHK Por isso pare de bancar o cobrador Isso n o lhe trar a remi o Tengo sentou no peitoril da janela e tentou encontrar as palavras no pequeno espa o do quarto N o sei como foi a sua vida quais foram suas alegrias e tristezas Mas mesmo que n o tenha conseguido realizar algo que gostaria de ter feito n o cabe ao senhor pleite lo batendo na porta dos outros Ainda que o local lhe seja familiar e que isso o que de melhor o senhor saiba fazer entendeu Tengo se calou e olhou para o rosto do pai N o para bater na porta de mais ningu m a nica coisa que lhe pe o Eu preciso ir Estive aqui diariamente conversando e lendo livros para o senhor que est em coma Creio que de certa forma conseguimos nos reconciliar Isso foi algo que de fato aconteceu neste mundo real Sei que isso n o vai lhe agradar mas acho melhor o senhor voltar novamente para o lado de c Aqui o lugar a que voc pertence Tengo colocou a bolsa no ombro Bem estou indo Seu pai continuou com os olhos fechados em sil ncio e n o mexeu o corpo nem milimetricamente O mesmo estado de sempre Mas dava a impress o de estar pensando em alguma coisa Tengo conteve a respira o e se ateve a observ lo Quem sabe ele poderia abrir de repente os olhos e se levantar Mas isso n o aconteceu A enfermeira que tinha os bra os e as pernas compridas como as de um
341. ensificando e a claridade azulada iluminou durante um tempo a estrada sem que se ouvisse o ribombar dos trov es Era poss vel que trovejasse mas o pavor o impedia de ouvi los Nas ruas a enxurrada precipitava se formando depress es no terreno tornando sua superf cie rugosa As pessoas caminhavam por essas ruas e uma ap s a outra entravam na loja Estranhei a atitude de meu amigo que fitava o rosto dessas pessoas mantendo se calado h algum tempo Um alvoro o no entorno fez com que alguns levantassem de seus assentos e no empurra empurra come assem a se aglomerar para o lado de c dificultando a respira o Algu m parecia ter tossido ou se engasgado com a comida mas o som era por demais estranho semelhante ao de um cachorro fungando De repente o clar o azulado de um intenso rel mpago iluminou o interior do recinto e o rosto das pessoas que se apinhavam sobre o ch o de terra batida Nesse mesmo instante ouviu se o ribombar de um trov o que parecia ter rachado o telhado Quando me levantei assustad ssimo vi que os que estavam no ch o olhavam para n s N o LA pude discernir se eram rostos de cachorros ou de raposas mas o fato que todas as feras estavam vestidas e dentre elas havia algumas que lambiam os bei os com a l ngua comprida Ao ler este trecho Tengo olhou para o rosto do pai e disse Fim A hist ria terminava ali Nenhuma rea o O que achou Como era de se esperar seu pai
342. entrou no apartamento Fechou a porta de vidro e as cortinas As vozes das crian as deixaram de ser ouvidas tristeza tingia suavemente seu cora o Ela estava isolada de tudo trancafiada num local fechado a chave pelo lado de dentro Vou parar de observar o parque durante o dia pensou Aomame Tengo n o vai aparecer durante o dia O que ele est buscando uma vis o clara das duas luas Depois de fazer um jantar leve e lavar a lou a Aomame vestiu uma roupa quente e foi para a varanda Cobriu as pernas com o cobertor e sentou se na cadeira Era uma noite sem ventos As nuvens pairavam no c u formando um cen rio digno de um aquarelista Um cen rio que exigia pinceladas delicadas Sem nenhuma nuvem a encobri la a lua com dois ter os de seu tamanho normal pairava no c u refletindo sua luminosidade na Terra Naquele hor rio da posi o em que Aomame se encontrava n o conseguia enxergar a lua menor Esta estava justamente atr s do pr dio Mas Aomame sabia que ela estava l Ela sentira a sua presen a Ela apenas n o podia v la ainda Em breve ela sabia que a lua pequena surgiria diante de seus olhos Desde que Aomame passou a viver escondida naquele apartamento ela se tornara capaz de expulsar conscientemente os pensamentos Ela conseguia esvaziar a mente principalmente enquanto observava o parque da varanda A despeito de os olhos estarem atentos ao parque especialmente no escorregador ela conseguia ficar
343. envolver a extremidade da lente e evitar que brilhasse ao refletir a luz do sol A ponta da cortina ficava um pouco levantada e de fora dava para ver vagamente um peda o desse tubo de papel Mas ningu m repararia nisso Ningu m jamais imaginaria que algu m estivesse tirando secretamente fotos da entrada de um pr dio sem nenhum atrativo Para testar a c mera Ushikawa fotografou algumas pessoas que entravam e sa am do pr dio Gra as ao motor de acionamento era poss vel tirar at tr s fotos de uma pessoa com apenas um disparo Ele envolveu a c mera com uma toalha para abafar o som do disparo Assim que terminou uma bobina de filme levou a at um est dio fotogr fico perto da esta o Era s entregar o filme para o atendente para que a m quina as revelasse automaticamente A m quina revelava rapidamente uma grande quantidade de fotos e por isso ningu m prestaria aten o em suas imagens As fotos at que sa ram boas N o em termos de qualidade art stica mas dava para o gasto Os rostos das pessoas que entravam e sa am do pr dio estavam n tidos a ponto de poderem ser facilmente identificados Na volta do ateli fotogr fico Ushikawa comprou uma garrafa de gua mineral e uma lata de p ssegos Na tabacaria comprou um ma o de Seven Stars Ele segurou o pacote de compras junto ao peito e tentando esconder o rosto voltou ao apartamento e sentou se novamente junto c mera para vigiar a entrada do pr dio enquanto be
344. envolvia todo o seu corpo como um manto misericordioso Ap s descansar um pouco Tengo continuava a ler em voz alta Era a nica coisa que ele podia fazer naquele quarto pequeno e mido Quando se entediava de ler em voz alta Tengo permanecia sentado em sil ncio observando o rosto do pai adormecido e tentava imaginar o que se passava em sua mente Que tipo e forma de consci ncia estaria escondida l dentro no interior daquele cr nio r gido como uma bigorna velha Ser que l dentro n o existia mais nada Ser que tal qual uma casa abandonada a mob lia e os objetos foram transportados e n o existia mais nenhum ind cio das pessoas que moravam l Mas mesmo assim as paredes e o teto deveriam conter algumas das lembran as e das cenas vividas O vazio n o consegue se apoderar t o facilmente das coisas cultivadas durante tanto tempo Enquanto seu pai continua deitado nessa cama simples de uma casa de sa de na beira da praia internamente ele pode estar numa silenciosa escurid o de uma casa vazia repleta de cenas e lembran as que n o podem ser acessadas por terceiros Um tempo depois a enfermeira jovem de face rosada veio at o quarto sorriu para Tengo e em seguida mediu a temperatura de seu pai checou a quantidade de soro que restava na bolsa pl stica e o volume de urina acumulado no coletor Pegou uma caneta e preencheu alguns n meros no formul rio preso prancheta Agia de modo autom tico e r pido como num man
345. er frases indiretas e palavras vagas Pelo menos era assim nos momentos iniciais O novo local para onde voc ser transferida j est totalmente pronto disse a velha senhora Nesse local voc far todos os procedimentos previstos e necess rios um local seguro e periodicamente ser acompanhada por um m dico Se voc quiser poder se mudar imediatamente Ser que devo me abrir com a velha senhora e contar lhe que existem pessoas espreita desse ser pequenino Ser que eu devo contar que aqueles caras de Sakigake pretendem pegar a crian a E que desconfio que a insist ncia de aquele falso cobrador para que eu abra a porta est relacionada com esse mesmo objetivo Mas Aomame reconsiderou Ela confiava na velha senhora al m de tudo possu a uma grande afei o por ela Mas a quest o n o era exatamente essa O ponto central era saber em que lado do mundo ela estava vivendo Como est se sentindo perguntou a velha senhora Por enquanto est tudo bem respondeu Aomame Fico feliz em saber disso disse a velha senhora Mas a sua voz parecia ligeiramente diferente Pode ser impress o minha mas ela soa seca e cautelosa Se pudermos fazer alguma coisa por menor que seja por favor pe a sem cerim nia Talvez possamos ajud la Aomame respondeu tomando cuidando com o tom de sua voz Acho que estou tensa Deve ser pelo longo tempo confinada aqui Mas estou tomando c
346. era a hip tese ou a intui o de Aomame Se for isso quer dizer que fui manipulada por aquele homem morto e estou sendo conduzida a cumprir um objetivo determinado por ele Aomame franziu as sobrancelhas N o conseguia chegar a nenhuma conclus o Tamaru desconfiava de que eu estava gr vida daquele que ouve a voz e que isso fazia parte de um plano arquitetado pelo L der Eu devo ser como uma cris lida de ar Mas por que essa pessoa tem de ser justamente eu Por que o meu parceiro tem de ser Tengo Essa era uma das coisas que Aomame tamb m n o conseguia entender In meras coisas aconteceram e n o entendo a rela o entre elas N o consigo avaliar o princ pio nem o rumo que os acontecimentos est o tomando No final das contas praticamente fui envolvida nisso sem saber Mas somente at agora Aomame decidiu convicta Ela inclinou os l bios e fez uma tremenda careta A partir de agora ser diferente A partir de agora n o vou mais ficar merc de algu m para ser manipulada a torto e a direito A partir de agora vou seguir minhas pr prias regras vou agir conforme a minha vontade N o importa o que aconte a vou proteger esta coisa pequenina Vou lutar com todas as minhas for as para proteg la Esta a minha vida e quem est aqui a minha crian a N o importa o objetivo de quem planejou isso o fato que n o h d vidas de que essa crian a um fruto meu e de Tengo N o vou entreg la a
347. erar a resposta das luas levantou se deu uma longa esticada nos bra os e nas pernas e desceu do escorregador Paci ncia S o fato de saber que a quantidade de luas continua a mesma j est bom pensou Com as m os nos bolsos ele deixou o parque e com passadas largas caminhou em dire o ao seu apartamento Enquanto caminhava de repente lembrou se de Komatsu Precisava conversar com ele Precisava tentar organizar um pouco as coisas que aconteceram entre eles Komatsu por sua vez j lhe havia dito que precisava falar com ele e que em breve entraria em contato Tengo chegou a deixar o telefone da casa de sa de de Chikura mas Komatsu n o retornou Tengo resolveu telefonar para ele no dia seguinte mas antes precisava passar na escola preparat ria Precisava ler a carta que Fukaeri deixara com seu amigo A carta de Fukaeri estava lacrada e guardada na gaveta de sua mesa Apesar do lacre exagerado a carta em si era pequena Ela ocupava meia p gina de uma folha de papel of cio escrita com caneta azul e com a familiar letra cuneiforme Uma caligrafia apropriada para se escrever numa placa de argila Tengo sabia que ela levava muito tempo para compor as palavras Ele releu v rias vezes a carta Nela estava escrito que ela precisava deixar o apartamento Imediatamente O motivo alegado era de que eles estavam sendo vigiados Esses tr s trechos estavam grifados enfaticamente com um l pis de ponta grossa e macia Um grifo assu
348. erdade e a seguran a Al m de conhecimento e informa o Ser que podemos marcar um local neutro para conversar Pode ser em qualquer lugar basta voc s indicarem o local que n s iremos Garantimos cem por cento de seguran a Asseguramos a seguran a n o s dela mas de todos os que est o envolvidos neste assunto Ningu m mais precisar ficar fugindo Creio que n o seja um tema inconveniente Isso o que voc diz disse Tamaru Mas n o tenho provas para acreditar nessa sua proposta De qualquer modo ser que voc poderia transmitir esse recado insistiu o homem O assunto requer certa urg ncia e por enquanto temos margem para negocia o Se voc precisa de uma prova concreta de que pode confiar em n s podemos pensar num modo de oferec la Se voc telefonar para este n mero sempre poder entrar em contato conosco Ser que voc poderia explicar de um modo mais f cil de entender Por que que voc s precisam falar com ela O que aconteceu para que a situa o tomasse um novo rumo O homem deu um breve suspiro e prosseguiu Precisamos continuar a ouvir a voz Ela como um po o abundante de gua e portanto n o podemos perd la O que posso dizer apenas isso Para manter esse po o voc s precisam de Aomame Isso algo que n o podemos explicar com poucas palavras O que posso dizer que tem a ver com ela E quanto a Eriko Fukada Voc s n o precisam ma
349. eres Eles olham seus seios pequenos e seus pelos pubianos desgrenhados e parecem avali los rigorosa e detalhadamente Uns franzem a sobrancelha outros esbo am um sorriso for ado e h os que bocejam Ou olham fixamente para ela de maneira inexpressiva Ela quer cobrir o corpo com alguma coisa Quer tampar pelo menos os seios e os pelos pubianos Cobri los nem que seja com um pano ou um jornal Mas n o encontra nada ao redor Para piorar por algum motivo n o se sabe qual ela n o consegue mover livremente os bra os De vez em quando um vento resolve soprar estimulando seus mamilos e balan ando seus pelos pubianos Como se n o bastasse ela est para menstruar Seus quadris est o moles e pesados ela sente uma esp cie de calor no ventre O que devo fazer se eu come ar a sangrar no meio dessa gente toda Ent o a porta do motorista de um Mercedes Benz coup prateado se abre e uma mulher de meia idade distinta e elegante desce do carro Ela usa sapatos de salto alto de cor clara est de culos escuros e brincos prateados E magra e tem a mesma altura de Aomame Ela passa por entre os carros e aproximando se dela tira o casaco e o coloca sobre o corpo de Aomame um casaco de meia esta o cor de gema de ovo que vai at o joelho leve como asas O modelo simples mas parece ser bem caro O tamanho perfeito como se feito sob medida para Aomame A mulher gentilmente abotoa o casaco at o alto N o sei
350. eria num local bem distante Por isso desisti de investigar a Mans o de Azabu e resolvi investigar e seguir Tengo Kawana Tamaru novamente soltou um grunhido baixinho Voc tem uma boa intui o e sabe pensar de modo racional Al m de ser muito perseverante um desperd cio ser usado apenas como mensageiro Faz tempo que voc trabalha com isso Antes eu era advogado disse Ushikawa Realmente voc deve ter sido um timo advogado Mas se excedeu e no meio do caminho escorregou e levou um tombo Hoje voc est arruinado e vive de trocados levando recados de um lado para outro como mensageiro desse novo grupo religioso n o Ushikawa concordou Isso mesmo N o tem jeito disse Tamaru Para gente como n s que vive margem da sociedade n o f cil sobreviver do lado de fora contando apenas com a pr pria habilidade Pode at parecer que estamos nos saindo bem mas sempre acabamos caindo assim que o mundo funciona Tamaru fechou as m os e suas articula es estalaram Um som agudo e agourento Por acaso voc comentou com o grupo sobre a Mans o dos Salgueiros N o disse a ningu m respondeu Ushikawa com honestidade Quando eu disse que o meu faro me levou a desconfiar da Mans o dos Salgueiros era apenas uma suposi o O sistema de seguran a era muito eficiente e n o consegui provar nada Isso timo disse Tamaru Voc deve ser o re
351. erta Sentir a brisa com o aroma do mar a balan ar lhe os cabelos Havia dois riscos verticais na placa da beira da estrada Eles avisavam Aten o Voc pode estar gr vida Aomame suspirou e largou o livro no sof Ela sabia muito bem que n o era necess rio fazer um terceiro teste Mesmo que o fizesse o resultado seria o mesmo Era uma total perda de tempo A minha gonadotrofina cori nica est agindo sobre o meu tero ela est preservando e protegendo o corpo l teo inibindo a menstrua o e formando a placenta Estou gr vida A gonadotrofina cori nica humana est ciente disso Eu tamb m Sinto claramente essa presen a num ponto na parte inferior do ventre Por enquanto ele ainda pequeno N o passa de um pontinho Mas com o tempo a placenta vai se formar em torno dele e aumentar de tamanho Ele vai receber de mim os nutrientes e crescer gradativamente imerso num l quido escuro e denso sem descanso Era sua primeira gravidez Ela era uma pessoa cuidadosa e s acreditava no que via com os pr prios olhos Ao fazer sexo sempre se certificava de que o parceiro usasse camisinha Mesmo b bada nunca se descuidava Conforme havia dito velha senhora de Azabu desde que menstruou pela primeira vez aos dez anos nunca falhou nem atrasou sequer dois dias Suas c licas eram leves durante o fluxo que costumava durar alguns dias A menstrua o nunca foi um obst culo para realizar suas atividades f sicas Sua p
352. es era uma das candidatas Disse tamb m que n o poderia revelar quem era o respons vel pela oferta mas deixou claro que o aux lio poderia ser usado como bem entendessem e que a nica obriga o era a de entregar um relat rio bem simples no final do ano A primeira impress o que o jovem advogado teve de Ushikawa a contar pela sua apar ncia n o parecia ter sido boa nem inspirado confian a mas como a situa o financeira da institui o encontrava se cronicamente debilitada qualquer aux lio seria bem vindo Por isso deixando de lado as suspeitas o advogado resolveu dar aten o sua conversa Ushikawa disse que gostaria de conhecer alguns detalhes sobre as atividades realizadas pela organiza o O advogado apresentou o hist rico de sua funda o Ushikawa achou essa conversa entediante mas fingiu prestar aten o na explica o esbo ando uma express o de real interesse De modo preciso soltava interjei es condizentes com os fatos narrados e ao concordar com a opini o do interlocutor seu rosto demonstrava candura Com o decorrer da conversa o jovem advogado come ou a gostar de Ushikawa e parecia ter reavaliado a primeira impress o que de suspeita influenciado pela sua apar ncia Ushikawa era um ouvinte treinado e o modo sincero e atento de ouvir deixava o interlocutor vontade Oportunamente ele mudou o assunto de modo espont neo para falar sobre o abrigo Indagou para onde eles encaminhavam as mulheres qu
353. esde os tempos em que ele atuava como advogado Ele se rebaixava para fazer o outro se descuidar e momentos antes de o caso se encerrar revelava as provas incontest veis e dava a volta por cima Durante o trajeto de trem at Isudanuma Ushikawa levantou mentalmente algumas hip teses Tengo e Aomame podem ser namorados Isso n o significava que estivessem juntos desde os dez anos mas podiam ter se reencontrado em algum lugar ap s se formarem no prim rio e desde ent o passaram a ter um relacionamento mais ntimo Por algum motivo cujas raz es ainda eram desconhecidas eles resolveram unir for as para esmagar Sakigake Essa seria uma das hip teses Mas at onde Ushikawa podia constatar n o havia nenhuma evid ncia de que Tengo e Aomame estivessem juntos Tengo mantinha rela es sexuais peri dicas com uma mulher casada dez anos mais velha Pelo tipo de personalidade de Tengo caso estivesse envolvido com Aomame dificilmente teria um caso regular com outra mulher Ele n o era o tipo de homem capaz de realizar tamanha proeza Ushikawa j havia investigado a rotina de Tengo durante duas semanas Tr s dias por semana ele dava aulas de matem tica numa escola preparat ria e nos demais costumava ficar sozinho enfurnado no apartamento Possivelmente passava o dia escrevendo seu romance De vez em quando sa a para fazer compras ou para caminhar Uma vida modesta e mon tona Simples e sem mist rios Ushikawa achava improv
354. esejara fortemente durante esses vinte anos N o cabia a ele dar as costas e fugir mesmo que o resultado fosse decepcionante Cansado de olhar para o teto ele acabou dormindo na cama deitado de costas Um sono tranquilo sem sonhos que durou de quarenta a quarenta e cinco minutos Era um sono profundo e acalentador depois de ficar mentalmente cansado de tanto se concentrar em seus pensamentos Nos ltimos dias ele s havia dormido de modo irregular e fragmentado At o anoitecer era preciso eliminar a fadiga acumulada no corpo para quando deixasse o apartamento e se dirigisse at o parque infantil estar com o corpo saud vel e o sentimento renovado Ele sabia instintivamente que seu corpo necessitava de um repouso reparador Quando estava come ando a dormir Tengo ouviu a voz de Kumi Adachi Ou achou que tinha ouvido a voz dela Ao amanhecer voc deve ir embora Antes de a sa da se fechar Era a voz de Kumi Adachi e ao mesmo tempo era a voz da coruja da noite Na mente de Tengo as duas vozes se mesclaram e se tornaram dif ceis de distinguir O que ele mais precisava naquele momento era sabedoria A sabedoria da noite com suas ra zes grossas que avan am profundamente no solo Uma sabedoria que ele s conseguiria obter nas profundezas do sono s seis e meia Tengo colocou a bolsa a tiracolo e deixou o apartamento Ele usava a mesma roupa da vez em que esteve no escorregador Uma capa cinza uma jaqueta de couro velha cal a je
355. esposta deles precisamos continuar a procurar Aomame Mesmo que durante o processo tenhamos de vigiar algu m O rapaz de cabelo rente fez uma pequena pausa antes de dizer N s temos uma organiza o extremamente fechada Podemos agrupar os membros e agir de modo r pido e eficiente Temos consci ncia de nossos objetivos uma moral elevada e se necess rio somos capazes de dar a pr pria vida Mas de um ponto de vista puramente t cnico n o passamos de um grupo de amadores N o temos um treinamento especializado Comparados a n s eles s o profissionais Det m conhecimento agem com frieza e n o hesitam em fazer o que for necess rio Al m de possu rem vasta experi ncia Como o senhor deve saber Ushikawa n o era um homem desatento Como voc pretende continuar a busca objetivamente falando No momento a melhor coisa a fazer descobrir a prov vel pista que Ushikawa estava seguindo Seja l que tipo de pista ele tenha encontrado Ou seja n o temos nenhuma outra pista a n o ser essa Isso mesmo admitiu o rapaz de cabelo rente Independentemente do perigo que vamos correr e do sacrif cio que tenhamos que fazer temos de encontrar e capturar essa mulher chamada Aomame Quanto mais r pido melhor Essa foi a orienta o ditada pela voz perguntou o rapaz de cabelo rente N o importa o sacrif cio que tenhamos que fazer temos que capturar Aomame o mais r pido poss vel O superior n o re
356. esquentando gua na chaleira para o ch mas por precau o desligou o fogo e aguardou campainha tocou tr s quatro vezes e silenciou Decorridos cinco minutos tocou novamente Desta vez era a campainha da porta de seu apartamento Essa pessoa estava dentro do pr dio e diante de sua porta Deve ter aproveitado algu m que entrava no pr dio e seguiu junto pelo hall Ou talvez tenha tocado a campainha de outro apartamento e ap s dar alguma desculpa convincente o deixaram entrar no pr dio Aomame permaneceu em sil ncio A orienta o de Tamaru era n o importa quem seja jamais responda Deixe a porta sempre trancada por dentro e contenha a respira o A campainha da porta deve ter tocado umas dez vezes Insistente demais para um vendedor Eles costumam tocar umas tr s vezes no m ximo Aomame continuava em sil ncio quando essa pessoa come ou a bater na porta com a m o fechada As batidas n o eram muitos fortes mas nelas havia um sentimento enraizado de impaci ncia e dio Senhorita Takai era a voz grossa de um homem de meia idade Uma voz um pouco rouca Boa tarde Por gentileza ser que a senhorita poderia me atender Takai era o sobrenome falso escrito na caixa de correio do pr dio Senhorita Takai sei que estou incomodando mas poderia atender a porta Por favor O homem fez uma pausa para aguardar alguma rea o Ao se dar conta de que n o havia resposta recome ou a bater Desta vez um
357. estava sob controle e que Tengo n o precisava se afobar Seu pai em vida manifestou o desejo de fazer um funeral sem muitos ornamentos Pediu para coloc lo num caix o simples e lev lo direto para a crema o Ele tamb m pediu para que n o montassem o altar budista nem fizessem cerim nias recita es e tampouco um nome budista p stumo flores discursos enfim nada disso Tamb m n o quis um t mulo As cinzas ele pediu que fossem levadas para alguma instala o comunit ria apropriada existente nas redondezas Isso se o filho n o tiver nenhuma obje o Nesse ponto ele parou de falar e lan ou com seus enormes olhos negros um olhar inquiridor para o rosto de Tengo Se esse o desejo de meu pai n o tenho nenhuma obje o disse Tengo fitando diretamente aqueles olhos O encarregado concordou balan ando a cabe a e estreitando levemente os olhos continuou Ent o hoje ser o vel rio e o corpo ficar uma noite na funer ria Providenciaremos o transporte Amanh uma da tarde o corpo ser levado at um cremat rio pr ximo daqui Est bem N o tenho nenhuma obje o O senhor vai comparecer crema o Vou disse Tengo H pessoas que preferem n o comparecer Estar ou n o presente uma op o pessoal Estarei presente disse Tengo Muito bem disse o encarregado ligeiramente aliviado Nesse caso desculpe me tratar desse assunto n
358. este momento mas gostaria que o senhor desse uma olhada no cat logo que eu mostrei para o seu pai em vida para que o senhor tome conhecimento e d a sua aprova o Ap s dizer isso o encarregado tirou com seus dedos longos se movimentando como pernas de inseto o extrato da conta de sua pasta e o entregou a Tengo Mesmo para um leigo no assunto como era o seu caso n o foi dif cil perceber que aquele funeral era o mais barato Tengo obviamente n o se op s Pegou emprestada uma caneta e assinou os documentos O advogado chegou um pouco antes das tr s e diante de Tengo come ou a conversar com o encarregado da funer ria Um di logo de frases curtas entre dois especialistas Tengo n o conseguiu entender o que estavam conversando Os dois pareciam colegas de longa data A cidade era pequena e portanto era presum vel que todos se conhecessem Pr ximo sala em que estava o corpo de seu pai havia uma porta que dava para os fundos bem discreta e um furg o da funer ria estava estacionado logo ali Todas as janelas exceto as do condutor eram pretas e na carroceria negra n o havia nenhum letreiro ou s mbolo da funer ria O encarregado e o motorista de cabelos brancos empurraram at o furg o a maca com rodinhas onde jazia o corpo de seu pai O furg o era adaptado com o teto um pouco mais alto que o normal e com trilhos para a passagem da maca As portas da parte de tr s fecharam se com um barulho decidido O encarregado volt
359. eu pai queria dizer era que aquele dinheiro estava reservado para despesas n o computadas Seu pai imaginou que o seu herdeiro leg timo provavelmente n o teria dinheiro suficiente para arcar com despesas extras O envelope mais volumoso continha v rios recortes de jornais antigos e alguns certificados de honra ao m rito Havia tamb m fotos de Tengo com v rios trof us E um boletim escolar com excelentes notas guardado como uma obra de arte Em todas as mat rias a nota era m xima Al m disso havia diversos registros do maravilhoso menino prod gio Uma foto de Tengo do tempo do gin sio vestindo o seu quimono de jud e segurando uma fl mula de vice campe o todo sorridente Ao ver essa foto Tengo ficou surpreso Ap s seu pai se aposentar da NHK ele deixou de morar na resid ncia da empresa e alugou um apartamento na mesma cidade de Ichikawa e por fim mudou se para a casa de sa de de Chikura Por morar sozinho e ter se mudado v rias vezes ele n o tinha acumulado muitos pertences A rela o de pai e filho estava estremecida havia muito tempo e eles eram como dois estranhos Mesmo assim o pai de Tengo sempre carregou consigo as lembran as da brilhante poca daquele menino como uma rel quia preservando as com extremo zelo No outro envelope havia v rios registros do tempo em que seu pai era cobrador da NHK Um diploma de melhor funcion rio do ano Alguns certificados simples Foto com os colegas tirada em alguma excurs
360. eus p s aguentaram sem descartar nenhuma possibilidade por m nima que fosse A persist ncia era o seu ponto forte Mas ap s caminhar metade do dia de um lado para outro ele finalmente desistiu No bairro residencial de K enji havia uma grande concentra o de pr dios baixos espalhados num terreno plano mas nenhum ponto de observa o mais alto Havia pouqu ssimos locais apropriados e nenhum deles dispon vel para que Ushikawa pudesse utiliz lo Quando Ushikawa n o conseguia encontrar uma solu o ele costumava tomar um demorado banho morno de ofur Ao voltar para casa portanto a primeira coisa que fez foi esquentar a gua Uma vez dentro da banheira de polietileno p s se a relaxar enquanto pelo r dio escutava o concerto para violino de Sibelius N o que naquele momento quisesse ouvir Sibelius que diga se de passagem n o era exatamente apropriado para se ouvir no fim do dia mergulhado no ofur Os finlandeses talvez gostem de ouvi lo tomando sauna numa de suas longas noites Mas num pequeno banheiro modular de um apartamento de dois quartos em Konihata distrito de Bunky a m sica de Sibelius era sentimental demais al m de provocar um certo estado de tens o Mas Ushikawa n o se incomodava Para ele o importante era ter alguma m sica ambiente para escutar enquanto tomava banho Se tocassem o concerto de Rameau ou mesmo o Carnaval de Schumann ele escutaria sem reclamar Mas naquele dia por acaso a FM tocava o
361. eus passos Creio que n o Meus passos s o lentos e silenciosos como os da tartaruga Mas passo a passo estou chegando cada vez mais perto de voc No entanto Ushikawa tamb m sentia que algo o perseguia Era o tempo Para Ushikawa encontrar o paradeiro de Aomame era o mesmo que se libertar dessa persegui o Precisava urgentemente encontr la esclarecer todas as liga es existentes e colocar o resultado das investiga es numa bandeja oferecendo a aos membros do grupo religioso Por favor queiram receber essa bandeja O tempo que eles haviam dado era limitado Possivelmente seria tarde demais se levasse tr s meses para anunciar que finalmente conseguira concluir o caso At ent o Ushikawa era uma pessoa til para eles Competente possu a aptid o para se adaptar s circunst ncias era entendido em leis e sabia guardar segredos Era capaz de agir fora do sistema Mas em todo caso ele n o passava de um faz tudo remunerado Ele n o era parente nem amigo deles tampouco nutria alguma devo o religiosa Se ele se tornasse uma amea a para o grupo religioso n o havia d vidas de que seria rapidamente eliminado Enquanto aguardava o telefonema de Morcego Ushikawa foi at a biblioteca levantar informa es detalhadas sobre a hist ria das Testemunhas de Jeov e a situa o atual dessa religi o Fez algumas anota es em seu caderno e providenciou c pias de alguns documentos relevantes Ele n o se importa
362. evia estar totalmente fechado Ap s beber um copo de gua ele resolveu tomar um banho quente Lavou os cabelos com calma limpou os ouvidos e cortou as unhas Pegou uma cueca e um pijama da gaveta e os vestiu Havia muitos cheiros que ele precisava tirar de seu corpo os cheiros da cidade dos gatos N s gostamos de voc mas aqui n o um lugar que voc deva ficar para sempre foi o que Kumi Adachi lhe dissera Tengo n o estava com apetite nem com vontade de trabalhar ou de ler um livro Tamb m n o queria escutar m sica Sentia o corpo cansado mas os seus nervos estavam estranhamente agitados Por isso sabia que n o adiantaria se deitar na cama e tentar dormir At mesmo o sil ncio que pairava no quarto parecia artificial Seria t o bom se Fukaeri estivesse aqui pensou Tengo Eu n o me importaria se ela me dissesse coisas insignificantes e sem sentido N o teria nenhum problema em ouvir as frases sem entona o Fazia tempo que ele n o a ouvia falar e queria muito voltar a escutar aquela voz Mas Tengo sabia que ela jamais voltaria quele apartamento Ele n o sabia explicar direito como tinha tanta certeza Mas o fato que sabia que ela n o voltaria mais Talvez Tengo queria conversar com algu m n o importava quem Se poss vel queria conversar com sua namorada mais velha No entanto ele n o podia entrar em contato com ela Al m de ele n o ter seu telefone haviam lhe dito que ela estava perdida
363. exato momento num local em que ela podia ver do apartamento Precisava contar que ele estava no topo do escorregador do parque infantil em frente ao pr dio Tamaru certamente tomaria as provid ncias necess rias Mas ao discar o quarto n mero ela se interrompeu e com o fone na m o mordeu os l bios Estou sendo precipitada pensou H muitas coisas que n o fazem sentido sobre esse homem Se Tamaru consider lo um elemento perigoso e simplesmente resolver a situa o as coisas que n o fazem sentido indubitavelmente permanecer o sem fazer sentido Pensando bem aquele homem estava agindo do mesmo modo que Tengo agiu outro dia Estava no mesmo escorregador na mesma posi o e olhando para uma parte do c u Era como se estivesse imitando a mesma atitude de Tengo Os seus olhos tamb m devem estar enxergando as duas luas Aomame sabia disso Se eu estiver certa aquele homem e Tengo devem ter alguma liga o Possivelmente aquele homem ainda n o sabe que estou escondida num dos apartamentos deste pr dio Isso explica por que ele est vontade de costas para c olhando o c u Quanto mais Aomame pensava nessa hip tese mais se convencia de que poderia estar com a raz o Se for isso caso eu siga aquele homem devo encontrar o local em que Tengo est Nesse sentido aquele homem ao contr rio de me encontrar ser o meu guia para que eu possa encontrar Tengo Ao pensar nessa hip tese Aomame sentiu se
364. existe respondeu o rapaz de cabelo rente com olhos que pareciam pequenas pedras antigas congeladas nas profundezas de uma geleira A publica o da Cris lida de ar trouxe muitos infort nios ao grupo Mas eles n o pretendem castig los por isso Em parte porque castig los n o trar nenhuma vantagem Eles possuem uma miss o a cumprir e para isso preciso que haja um isolamento silencioso por isso que voc s est o nos propondo voltar atr s e esquecer tudo o que aconteceu Dito de modo simples isso Mas voc s precisavam me raptar para dizer isso Pela primeira vez o rapaz de cabelo rente esbo ou no rosto algo que lembrava uma express o Uma sutil express o que denotava um sentimento intermedi rio entre humor e simpatia O motivo de nos darmos ao trabalho de traz lo at aqui foi para lhe transmitir o quanto eles estavam levando esse assunto a s rio N o quer amos agir de modo t o dr stico mas quando a situa o exige n o hesitamos em faz lo Quer amos que voc sentisse isso na pele Se voc s quebrarem o acordo poder o acontecer coisas n o muito agrad veis Creio que voc j entendeu certo Entendi disse Komatsu Para falar a verdade voc s tiveram sorte A intensa n voa cobria lhes a vis o a ponto de voc s n o conseguirem enxergar direito o entorno mas na verdade voc s estavam a um passo do precip cio Acho melhor n o se esquecerem disso Como subord
365. ferente N o se lembrava de ter feito algo em prol da sociedade Seus clientes mais importantes eram investidores que possu am empresas de pequeno e m dio porte e estavam ligados a alguma organiza o criminal Ushikawa providenciava os meios mais eficazes de distribuir os lucros dessas empresas Em outras palavras ele fazia a lavagem de dinheiro Ele tamb m chegou a ser um especulador do setor imobili rio Expulsava antigos moradores transformava o local em extensos loteamentos e revendia a terra para empresas que constru am edif cios de luxo Um neg cio que envolvia uma vultosa soma de dinheiro e no qual tamb m havia a participa o desses grupos de bandidos Ushikawa tamb m era um timo advogado para defender pessoas acusadas de sonega o de impostos Os requerentes na maior parte eram pessoas de car ter duvidoso de quem os advogados relutavam em aceitar o servi o Ushikawa nunca hesitou em aceitar esses trabalhos independentemente de quem fosse o cliente principalmente se o caso fosse financeiramente vantajoso Al m disso era um advogado habilidoso e geralmente ganhava a causa Por isso nunca teve dificuldades de conseguir trabalho A rela o de Ushikawa com Sakigake come ou nessa poca N o se sabe o motivo mas o L der demonstrara um apre o especial por ele Se Ushikawa fizesse o que os advogados comumente faziam era prov vel que ele n o conseguisse se manter Apesar de ter se formado ter sido aprovado no exame
366. ficava que n o devia ir muito longe Como da vez anterior ela saiu do pr dio parou e estreitando os olhos observou o alto do poste Come ava a escurecer mas os contornos das coisas ainda podiam ser vistos Ela ficou um tempo em p como se estivesse procurando algo Mas n o parecia ter encontrado Em seguida parou de olhar para o poste e como um passarinho inclinou o pesco o para observar o entorno Ushikawa apertou o bot o da c mera e tirou sua foto Como se ela ouvisse o som do disparo Fukaeri olhou rapidamente em dire o c mera Atrav s do visor ela e Ushikawa ficaram como que frente a frente Ushikawa conseguia ver claramente o rosto dela Ele a observava atrav s da lente telesc pica Simultaneamente Fukaeri o encarava pelo outro lado Os olhos dela captavam o rosto de Ushikawa no fundo da lente Suas negras e delicadas pupilas de azeviche refletiam nitidamente o rosto de Ushikawa Uma sensa o de contato estranhamente direto Ele engoliu em seco N o N o podia ser Na posi o em que ela se encontrava seria imposs vel ver alguma coisa A lente telesc pica estava camuflada e do local em que ela estava n o poderia ter escutado o som do obturador abafado pela toalha Mesmo assim ela estava em p diante do pr dio e olhava na dire o em que Ushikawa se escondia Aqueles olhos desprovidos de emo o o observavam sem piscar como a luz das estrelas sobre uma enorme rocha desprovida de nome Durante um longo
367. filhos A esposa tamb m Testemunha de Jeov A nica da fam lia que largou a religi o foi Aomame e segundo seus familiares como cometeu esta apostasia eles cortaram os la os N o h nenhum ind cio de que a fam lia tenha tido algum contato com ela nos ltimos vinte anos A possibilidade de eles a acobertarem impens vel Ela decidiu romper com a fam lia aos onze anos e desde ent o passou a viver praticamente por conta pr pria Chegou a morar durante um tempo na casa de seu tio mas ao ingressar no colegial tornou se totalmente independente Algo que de fato pode se considerar formid vel Ela uma mulher forte de fibra O rapaz de cabelo rente n o teceu nenhum coment rio Obviamente eram informa es j sabidas Creio n o haver nenhuma liga o entre as Testemunhas de Jeov e este caso em particular Eles formam um grupo radical de car ter pacifista de n o resist ncia N o prov vel que tenham se organizado para planejar a morte do L der Quanto a isso voc s concordam n o Onda balan ou a cabe a afirmativamente e disse Neste caso sab amos que as Testemunhas de Jeov n o estavam envolvidas mas por precau o conversamos com o irm o dela Afinal todo cuidado pouco E constatamos que ele realmente n o sabia de nada Voc s arrancaram as unhas dele j que todo cuidado pouco Onda ignorou essa pergunta Estou brincando Me desculpe Por favor n o se zan
368. final quem voc E o que quer As pessoas precisam pagar o pre o das coisas recebidas uma regra b sica estipulada pela sociedade A senhorita recebeu as ondas de transmiss o Portanto deve pagar a taxa de recep o injusto somente receber e n o querer pagar por ela Est agindo como uma ladra A voz do homem ecoava alta e n tida pelo corredor Era uma voz rouca mas claramente aud vel O motivo que me traz aqui n o de modo algum pessoal N o estou com raiva nem tentando castig la Longe de mim O fato que por natureza sou uma pessoa que n o admite injusti as As pessoas precisam pagar pelo que recebem Senhorita Takai enquanto a senhorita n o abrir a porta saiba que voltarei aqui v rias e v rias vezes e continuarei a bater Creio que a senhorita n o deseja isso N o sou nenhum velho gag incapaz de dialogar Se conversarmos certamente chegaremos num consenso Senhorita Takai por favor poderia fazer a gentileza de abrir a porta Novamente ele bate com insist ncia durante um tempo Aomame segura firmemente a pistola com as duas m os Este homem sabe que estou gr vida Ela sente o suor brotar das axilas e na ponta do nariz N o importa o que aconte a jamais abrirei a porta Caso ele tenha a c pia da chave ou utilize alguma ferramenta ou algum meio para for ar a entrada n o importa se ele cobrador da NHK ou n o vou descarregar todas as balas no est mago dele N o
369. fingiu n o ter percebido a farsa Ele n o entendia por que ela mentia sobre algo que certamente um dia viria tona E ele jamais se importaria com a diferen a de idade tinha coisas muito mais importantes com que se importar Qual o problema de sua mulher ser na verdade sete anos mais velha do que ele Conforme se distanciavam da esta o as ruas ficaram cada vez mais desertas Finalmente Tengo entrou num parque infantil Era um parque sem gra a numa das quadras do bairro residencial O parque estava vazio bvio pensou Ushikawa Pouqu ssimas pessoas no mundo pensariam em passar por ali numa noite gelada de dezembro Tengo passou sob a luz da l mpada fria de merc rio e foi direto para o escorregador Subiu os degraus e sentou se no topo Ushikawa escondeu se na sombra da cabine do telefone p blico e observou Tengo Escorregador Ushikawa franziu o cenho Por que um homem crescido iria subir num escorregador de um parquinho numa noite fria como esta O parque n o era t o perto da casa dele e portanto significava que ele havia ido especialmente para l com algum prop sito O parque em si n o possu a nenhum atrativo Era pequeno apertado e decadente Havia um escorregador dois balan os um pequeno aparelho de barras para crian as e um tanque de areia Havia tamb m uma nica l mpada de merc rio que parecia ter iluminado in meras vezes o fim do mundo e uma rvore de zelkova desfolhada de tronco spero O banheiro
370. friou Ele vestia uma blusa leve e imperme vel de couro e cal as jeans desbotadas Ao sair do pr dio parou e olhou volta No entanto n o conseguiu ver nada de diferente Chegou a olhar na dire o em que Ushikawa estava escondido mas n o p de v lo Ele n o era como Eriko Fukada pensou Ushikawa Ela era especial Ela era capaz de enxergar o que os outros n o conseguiam Tengo saiba que voc apenas uma pessoa comum nem melhor nem pior que os outros Por isso voc n o consegue me ver Ao constatar que a paisagem do entorno estava normal Tengo fechou o z per do blus o at o pesco o e enfiando as m os nos bolsos come ou a caminhar Ushikawa prontamente colocou seu gorro de l enrolou o cachecol no pesco o cal ou os sapatos e o seguiu Como Ushikawa estava de prontid o aguardando Tengo sair do pr dio ele n o demorou muito para se arrumar Segui lo n o deixava de ser uma escolha arriscada Se Tengo o visse certamente reconheceria Ushikawa por ele ter um tipo de corpo e fei es que lhe conferiam uma apar ncia especial Mas como o entorno j estava completamente escuro se ele mantivesse uma dist ncia segura dificilmente Tengo conseguiria v lo Tengo caminhava lentamente voltando se para tr s de vez em quando mas como Ushikawa era extremamente precavido n o havia como Tengo notar que era seguido As costas grandes de Tengo pareciam expressar que ele estava absorto em pensamentos Talvez se pe
371. g cios inclusive nas reas relacionadas ao com rcio atacadista e varejista e no de transportes Com o falecimento do marido em meados da d cada de 50 ela assumira os neg cios Al m de possuir um talento mpar para administr los era dotada de uma afortunada capacidade de pressentir o perigo iminente Em meados da d cada de 60 ao sentir que a empresa estava envolvida em neg cios demais estrategicamente vendeu as a es de alguns setores a pre os bem altos enxugando gradativamente seu portf lio E concentrou todos os esfor os nas reas que lhe restaram Gra as a essa estrat gia suas empresas foram minimamente afetadas durante a crise do petr leo e superada esta obtiveram um consider vel aumento de capital Possu a o dom de transformar o risco dos outros em uma boa oportunidade para ela Atualmente ela tem mais de setenta anos e n o est mais frente dos neg cios Possui um imenso patrim nio em bens e capital e vive confortavelmente numa mans o sem ningu m para importun la Nascida em ber o de ouro casou se com um homem rico e ap s enviuvar tornou se ainda mais rica Por que uma mulher assim planejaria matar algu m No entanto Ushikawa achou melhor investigar a fundo a vida dessa velha senhora Em primeiro lugar por n o ter outra pista realmente plaus vel e em segundo porque estava cismado com o abrigo que ela administrava O fato de ela oferecer gratuitamente um local seguro para abrigar mulheres
372. gado e fez uma lista de coisas de que precisava Felizmente o antigo morador havia deixado as cortinas Eram de estampas florais velhas e desbotadas mas n o importando em que estado estivessem era imprescind vel t las para sua atividade de vigil ncia A lista n o era t o longa Os itens mais importantes eram comida e bebidas Uma c mera com lente telesc pica e um trip Al m de papel higi nico e saco de dormir uma lata de querosene e um botij o de g s pequeno lampi o um fog o de camping faca para cortar frutas abridor de lata saco de lixo produtos b sicos de higiene barbeador el trico toalhas lanterna r dio transistor Algumas poucas pe as de roupas e um pacote de cigarros Era isso N o precisava de geladeira mesa ou cobertor J era uma sorte estar abrigado da chuva e do vento Ushikawa foi para o seu apartamento pegar uma c mera fotogr fica reflex com uma objetiva a lente telesc pica uma quantidade grande de filmes Acondicionou o material fotogr fico dentro de uma bolsa pr pria para transport los Colocou os demais itens numa bolsa de viagem e aqueles que faltavam comprou na rua comercial em frente esta o K enji Na janela do quarto de seis tatames Ushikawa armou o trip instalou um modelo novo de c mera autom tica da Minolta atarraxou a lente telesc pica e ajustou manualmente o foco para captar o rosto das pessoas que entravam e sa am do pr dio Fez uma prote o de papel grosso para
373. gioso Era perspicaz e inteligente mas tamb m possu a algo de enigm tico Mesmo que o L der fosse hipoteticamente capaz de praticar atos de extrema viol ncia dom stica ele teria feito isso E o que ele teria feito para que al m de as duas mulheres planejarem meticulosamente o assassinato com uma delas renunciando a pr pria identidade e a outra pondo em risco a sua posi o social elas chegassem s ltimas consequ ncias Seja como for uma coisa era certa o assassinato do L der n o fora algo impensado resultado de um impulso repentino Por tr s dele havia uma a o fundamentada num inabal vel desejo despertada por uma clara e distinta motiva o que as isentava da culpa e um complexo e bem elaborado sistema Um sistema cautelosamente arquitetado que consumiu muito tempo e dinheiro No entanto Ushikawa n o possu a provas concretas para legitimar essa hip tese A nica coisa que ele possu a era uma suposi o fundamentada em uma prova circunstancial Uma prova que a navalha de Occam facilmente deceparia com a sua l mina Nesse est gio ele nada teria a informar aos membros de Sakigake Mas Ushikawa sabia Ele sentia o cheiro e o toque de sua textura Todas as pistas apontavam para uma nica dire o A velha senhora por motivos que envolvem a viol ncia dom stica instruiu Aomame para que ela matasse o L der e fugisse para um local seguro Indiretamente as informa es reunidas pelo Morcego corroboravam essa hip
374. gnante e uma personalidade distorcida Neste caso que tipo de atitude a velha senhora tomaria como m e Ser que ela se conformaria como sendo coisa do destino e deixaria as coisas como est o N o Creio que n o O mais prov vel era tentar descobrir o que levou a filha a cometer o suic dio e tratar de se vingar da melhor forma A essa altura Ushikawa j tinha uma ideia de que tipo de pessoa era a velha senhora uma mulher corajosa e inteligente com um racioc nio claro e preciso e que uma vez decidida agia imediatamente sem titubear Para isso ela usaria todo o seu poder e sua influ ncia Ela n o deixaria de se vingar da pessoa que a machucou prejudicou e que por fim tirou a vida de algu m que lhe era t o querida Ushikawa n o tinha como saber que tipo de vingan a ela teria praticado com o marido da filha As pistas desse marido haviam desaparecido no ar Ushikawa n o achava veross mil que ela o tivesse matado Era uma mulher serena e extremamente cautelosa com uma ampla vis o do mundo Uma pessoa assim certamente n o tomaria uma atitude t o dr stica Por outro lado agiria implacavelmente at com crueldade Independentemente do que tenha feito dif cil imaginar que tenha deixado algum vest gio comprometedor de seu ato Mas a raiva e o desespero de uma m e que perdeu a filha n o se limitam a uma vingan a pessoal Ao tomar conhecimento pelo jornal das atividades do Centro de Apoio s V timas da Viol nci
375. go Elas agora o chamavam de Tengo e n o mais formalmente senhor Kawana ou senhor Tengo Geralmente as pessoas que o conheciam costumavam cham lo espontaneamente de Tengo At mesmo entre os seus alunos do cursinho ele era chamado pelo primeiro nome Sem d vida isso mesmo concordou Tengo Precisamos desses momentos de descontra o disse a enfermeira Tamura bebendo uma dose de u sque Suntory Old com gua Afinal somos de carne e osso Sem o uniforme somos apenas mulheres disse a enfermeira Adachi dando risadinhas como se tivesse falado algo profundo Ent o Tengo disse a enfermeira mura ser que posso fazer uma pergunta indiscreta Qual Voc comprometido Boa pergunta Tamb m quero saber disse a enfermeira Adachi mastigando ruidosamente os petiscos de milho com seus dentes grandes e brancos uma hist ria meio complicada dif cil de contar disse Tengo Hist rias assim s o timas disse a experiente enfermeira Tamura Temos tempo de sobra ser um prazer escut la Vamos conte nos essa sua hist ria meio complicada e dif cil de contar Conte conte disse a enfermeira Adachi batendo palminhas e rindo N o uma hist ria interessante disse Tengo bem banal e sem nexo Ent o pelo menos nos conte como ela termina disse a enfermeira mura Afinal voc tem namorada ou n o Tengo aca
376. go esverdeado come ou pela l ngua e com o tempo vai se espalhar por toda a extens o da pele como a carapa a da tartaruga que vive no p ntano S de pensar isso Ushikawa se sentiu deprimido Ele suspirou e ao mesmo tempo soltou uma voz que n o saiu e parou de pensar na l ngua Apagou a luz do banheiro Tirou a roupa no escuro e entrou no saco de dormir Fechou o z per e encolheu o corpo como um inseto Estava escuro quando despertou Tentou ver o rel gio mas ele n o estava onde deveria Por alguns segundos Ushikawa ficou confuso Ele sempre verificava a posi o do rel gio antes de dormir para poder encontr lo no escuro Um h bito de longa data Por que o rel gio n o estava no lugar Uma t nue luz incidia no canto do quarto atrav s da cortina da janela O entorno estava completamente preenchido com a escurid o da noite Ushikawa percebeu que as batidas de seu cora o estavam aceleradas Seu cora o estava trabalhando incessantemente para espalhar a adrenalina por todo o corpo respira o estava ofegante e as narinas escancaradas como se despertasse no meio de um sonho v vido e agitado Mas ele n o estava sonhando Algo realmente estava acontecendo Algu m estava ao lado da sua cabe a Ushikawa sentiu essa presen a Uma sombra mais escura do que a escurid o levantou e estava olhando para o rosto de Ushikawa Antes de mais nada suas costas enrijeceram Em quest o de segundos ele retomou a consci nci
377. gora disse Komatsu num tom que indicava algo significativo Tengo manteve se em sil ncio Mas at pouco tempo atr s ela estava morando no seu apartamento disse Komatsu Foi o que ouvi dizer Tengo concordou isso mesmo Ela esteve comigo por cerca de tr s meses Tr s meses muito tempo disse Komatsu Mas voc n o contou a ningu m sobre isso A pr pria Fukaeri me pediu para n o contar e n o contei Nem mesmo para voc Mas agora ela n o est mais no apartamento Isso mesmo Enquanto estive em Chikura ela deixou uma carta e foi embora Desde ent o n o sei de mais nada Komatsu pegou um cigarro levou o boca e o acendeu com um f sforo Estreitou os olhos e olhou para o rosto de Tengo Depois que ela deixou o apartamento ela voltou para a casa do professor Ebisuno L no topo da montanha de Futamatao disse Komatsu O professor Ebisuno avisou a pol cia e retirou o pedido de busca Disse que ela sumiu por conta pr pria e que n o tinha sido raptada Em todo caso a pol cia deve estar interrogando a para saber o que aconteceu Devem estar perguntando por que e como ela sumiu onde estava e o que fez Afinal ela menor de idade Em breve os jornais devem noticiar o ocorrido dizendo que a escritora revela o reapareceu ap s um longo per odo sem que se soubesse de seu paradeiro Mesmo que a not cia seja publicada n o deve ser muito grande al m do m
378. grande e outra pequena Uma lua grande e amarela a outra pequena e esverdeada Maza e dohta A luz coloria o contorno das nuvens que cruzavam o c u mesclando se suavemente colora o das luas como a barra de uma saia longa que sem querer foi mergulhada em uma bacia de tintura Tengo olhou para a Aomame sentada ao seu lado Ela n o era mais aquela garota de dez anos magricela e com apar ncia desnutrida que usava roupas velhas fora do tamanho com os cabelos grosseiramente cortados pela m e N o havia mais nenhum resqu cio daquela menina de outrora mas bastava olh la para saber que a pessoa ao seu lado s podia ser ela Aos olhos de Tengo n o havia d vidas de que era Aomame A express o de seu olhar era a mesma apesar de terem se passado vinte anos Um olhar intenso l mpido e claro Um olhar que sabia exatamente o que queria ver Um olhar confiante de quem sabe o que quer e que n o poderia ser demovida por ningu m Aqueles olhos estavam focados em Tengo E eram capazes de enxergar seu cora o Ela viveu durante vinte anos em algum lugar que Tengo desconhecia mas agora ela era adulta e tinha se tornado uma linda mulher No mesmo instante Tengo conseguiu incorporar sem reservas todos os lugares e o tempo decorrido fazendo os se tornar parte de seu corpo e sangue Todos os lugares e o tempo decorridos pertenciam a ele Tengo sabia que precisava dizer alguma coisa As palavras por m n o lhe sa am da boca Seus l
379. gu m poderia estar se fazendo passar por cobrador de modo a for ar Ushikawa a abrir a porta De qualquer forma esse homem devia ser algu m que nunca vira antes Com o controle de acionamento do obturador na m o direita Ushikawa aguardou o homem sair do pr dio Mas durante os trinta minutos seguintes ningu m entrou ou saiu at que finalmente uma mulher de meia idade que vira algumas vezes apareceu na porta montou em sua bicicleta e saiu pedalando Ushikawa a chamava de mulher queixo por ter a pele do queixo fl cida e ca da Decorridos cerca de trinta minutos a mulher queixo voltou com pacotes de compras na cesta da bicicleta Ela colocou a bicicleta em seu estacionamento pr prio e entrou no pr dio carregando os pacotes Um tempo depois um estudante do prim rio voltou Ushikawa o chamou de raposa por ter os cantos dos olhos arqueados para cima Mas nenhum homem que poderia ser o cobrador apareceu na porta Ushikawa n o conseguia entender como isso era poss vel O pr dio possu a uma nica porta E ele n o tirou os olhos da entrada nem por um segundo Se o cobrador ainda n o saiu significava que ainda estava no pr dio Ushikawa continuou a vigiar a entrada sem descanso Deixou at de ir ao banheiro Come ou a escurecer e a luz do terra o da frente se acendeu Mesmo assim nada de o cobrador sair do pr dio J passavam das seis horas quando Ushikawa desistiu Foi ao banheiro e urinou o que segurava havia al
380. gue De qualquer modo estou certo de que o irm o desconhecia quaisquer a es ou o paradeiro de Aomame continuou Ushikawa Apesar de eu ser uma pessoa pac fica e jamais tomar uma atitude dr stica disso eu sei Sei que Aomame n o tem nenhuma liga o com a fam lia ou com as Testemunhas de Jeov mas de qualquer modo ela n o agiu sozinha E imposs vel que s uma pessoa possa realizar algo t o dif cil Ela apenas seguiu risca as instru es minuciosamente planejadas E desapareceu como num passe de m gica H muitas pessoas envolvidas e uma consider vel soma de dinheiro por tr s disso A pessoa ou a organiza o na retaguarda de Aomame tinha motivos para matar o L der Por isso planejou tudo detalhadamente Creio que voc s tamb m concordam comigo n o Onda meneou a cabe a De um modo geral sim No entanto n o temos nenhuma pista de que tipo de organiza o estaria por tr s disso disse Ushikawa Obviamente voc s tamb m verificaram as amizades e as rela es sociais de Aomame n o Onda concordou sem se pronunciar Pois ent o Ela n o possui nenhuma amizade significativa disse Ushikawa Ela n o tem amigos e parece que tamb m n o tem namorado Possui alguns colegas de trabalho mas nenhum que mantenha um relacionamento pessoal fora dele Eu n o consegui encontrar ningu m com quem ela tenha tido um relacionamento mais ntimo Por que ser Ela jovem saud vel e n
381. guiram risca essa instru o Mas o fato que o L der n o estava dormindo Naquela hora j estava morto N o foi encontrado nenhum ferimento aparente Parecia ter sido acometido de um ataque card aco Mas logo depois essa mulher desapareceu Ela havia desocupado antecipadamente o apartamento e o local estava totalmente vazio No dia seguinte o clube esportivo em que ela trabalhava recebeu sua carta de demiss o Tudo estava de acordo com um plano Conclui se portanto que a morte do L der n o foi um mero acidente e sendo assim temos de presumir que Aomame o matou Onda concordou com a cabe a N o havia obje es at aquele ponto O objetivo de voc s descobrir o que de fato aconteceu naquele dia E para isso necess rio encontrar essa mulher custe o que custar Queremos saber se foi realmente essa tal de Aomame que matou o nosso L der e caso tenha sido ela queremos saber os motivos que a levaram a isso Ushikawa p s se a observar os dez dedos entrela ados sobre a mesa como se fossem objetos estranhos jamais vistos e um tempo depois levantou o rosto e olhou para o rapaz Voc s j investigaram a fam lia de Aomame certo Todos s o adeptos das Testemunhas de Jeov e fi is seguidores Os pais continuam empenhados em propagar e aliciar novos membros de porta em porta O irm o mais velho de trinta e quatro anos trabalha na sede da religi o situada na cidade de Odawara casado e tem dois
382. guiu Independentemente de quem seja o pai dessa crian a e de que tipo de capacidade essa crian a possua voc n o tem a inten o de negociar com o grupo isso Voc n o quer saber o que eles querem dar em troca mesmo que isso possa desvendar in meros mist rios N o importa o que aconte a disse Aomame Apesar de suas inten es eles v o tentar peg la for a n o importa como disse Tamaru Voc tem um ponto fraco chamado Tengo Kawana Ele o seu nico ponto fraco Mas apesar de ser o nico enorme Se eles souberem disso com certeza o foco da aten o se voltar para ele a fim de te atingir Tamaru estava com raz o Al m de Tengo Kawana ser o motivo de ela viver era fatalmente o seu ponto fraco Agora n o existe mais nenhum lugar seguro neste mundo disse Aomame Tamaru ponderou e um tempo depois disse calmamente Vamos ouvir o que eles querem nos dizer Antes preciso me encontrar com Tengo Enquanto n o falar com ele n o posso deixar este local N o importa o qu o perigoso seja O que voc pretende fazer quando encontr lo Sei exatamente o que devo fazer Tamaru fez um breve sil ncio N o h sombra de d vida N o sei se isso vai dar certo Mas sei exatamente o que devo fazer Est bem claro sem sombra de d vida Voc n o pretende me dizer o que vai fazer Sinto muito mas por enquanto n o posso lhe dizer Nem a voc
383. gum modo relacionado vontade do Povo Pequenino Eles se apoderaram habilmente do meu tero e o est o usando como uma cris lida de ar Ser que est o me usando como uma esp cie de dispositivo para retirar uma nova dohta para eles N o N o pode ser Aomame estava certa e segura de que n o era isso E imposs vel Neste momento o Povo Pequenino n o possui a capacidade de agir Foi o que o L der disse As atividades que normalmente eles praticavam tiveram de ser interrompidas com a ampla repercuss o do romance Cris lida de ar Esta minha gravidez ocorreu num local distante dos olhos deles Sendo assim quem ou que tipo de energia tornou poss vel esta gravidez E para qu Aomame n o sabia A nica coisa que ela sabia era que esta coisa pequenina era uma vida preciosa e insubstitu vel que nasceu da uni o dela e de Tengo Aomame colocou novamente a m o sobre o ventre e delicadamente pressionou a t nue orla de luz alaranjada que pairava ao seu redor Sem pressa ela distribuiu por todo o corpo esse calor que sentia na palma da m o N o importa o que aconte a preciso proteger esta coisa pequenina N o vou deixar ningu m roub la de mim Ningu m vai prejudic la N s vamos cuidar dela e proteg la Aomame tomou essa firme decis o em meio escurid o Foi para o quarto tirou o roup o e deitou se na cama de costas Colocou a m o sobre o ventre e sentiu novamente o calor na palma da m
384. gum tempo Aquele homem certamente ainda estava no pr dio Era dif cil saber o motivo N o havia l gica Mas aquele cobrador misterioso havia decidido passar a noite no pr dio Um vento agora bem mais frio soprava por entre os cabos el tricos gelados emitindo um som agudo Ushikawa ligou o aquecedor el trico e fumando um cigarro tentou organizar as d vidas que surgiam em sua mente Por que aquele homem precisava falar daquele jeito t o agressivo Como era poss vel ele ter tanta certeza de que havia algu m no apartamento Por que n o saiu do pr dio Se continuava no pr dio onde ele estaria agora Ushikawa afastou se da c mera e encostado na parede ficou um longo tempo em sil ncio fitando os cilindros de raios cor de laranja do aquecedor el trico 17 Aomame S tenho um par de olhos 0 telefone tocou num s bado de ventos fortes Eram quase oito da noite Sentada na cadeira da varanda Aomame vestia um casaco de n ilon e com um cobertor sobre as pernas observava atentamente por entre os v os da sacada o escorregador que refletia a luz da l mpada de merc rio Para que suas m os n o ficassem dormentes com o frio mantinha as protegidas sob o cobertor U escorregador vazio parecia o esqueleto de um enorme animal extinto no per odo glacial Permanecer por muito tempo sentada do lado de fora exposta ao frio poderia n o ser bom para o beb No entanto Aomame achava que aquele frio n o seria demasiado a ponto
385. ha reta e cont nua e suas a es foram pautadas nesse conceito E at hoje ele n o encontrou nenhuma inconveni ncia ou contradi o nisso Portanto como modelo experimental esta ideia pode ser considerada correta Modelo experimental disse Fukaeri Atrav s de in meras amostragens uma hip tese pode ser considerada fundamentalmente correta Fukaeri permaneceu calada por um tempo Tengo n o sabia se ela entendera ou n o o que ele acabara de dizer Al disse Tengo para verificar se ela ainda estava na linha At quando voc pretende ficar a perguntou Fukaeri sem o tom de interroga o Quer saber at quando pretendo ficar em Chikura N o sei disse Tengo com sinceridade No momento s posso dizer que pretendo ficar aqui at me convencer de certas coisas H coisas que eu ainda n o consigo entender Quero ficar mais um tempo e ver o que acontece Fukaeri novamente se calou do outro lado da linha Quando se calava era como se todo o seu ser deixasse de existir Al disse Tengo novamente N o perca o trem disse Fukaeri Vou me cuidar respondeu Tengo Tomarei cuidado para n o perder a hora do trem Est tudo bem por a Uma pessoa veio aqui agora h pouco Que tipo de pessoa Um homem da Eneag c Um cobrador da NHK Co bra dor perguntou Fukaeri sem entona o Voc conversou com ele
386. hada de um copo Vou colocar uma roupa mais confort vel espere um pouquinho que n o demoro Mas ela nunca voltava Do outro lado da porta que ficava no fim do corredor estreito vez por outra ouviam se alguns barulhos como o de gavetas emperradas abrindo e fechando ruidosamente e de coisas caindo no ch o Toda vez que isso acontecia Tengo n o podia deixar de olhar na dire o da porta Realmente ela deve estar bem mais b bada do que aparenta As paredes finas deixavam passar o som da TV do vizinho N o dava para ouvir detalhadamente as falas mas em compensa o como parecia ser um programa humor stico dava para escutar claramente as risadas da plateia a cada dez ou quinze segundos Tengo se arrependeu de n o ter prontamente recusado o convite Ao mesmo tempo l no fundo de seu cora o admitia que queria estar l A poltrona em que se sentava era de um material vagabundo e o estofado de pano pinicava em contato com a pele O formato tamb m era problem tico e por mais que ele tentasse diversas posi es n o conseguia se assentar bem Isso piorou ainda mais o desconforto que sentia ali Tengo tomou um gole de cerveja e pegou o controle remoto sobre a mesa de centro Ap s observ lo durante um tempo como se fosse um objeto estranho finalmente ligou a TV Mudou de canal v rias vezes e por fim resolveu assistir a um programa de viagens da NHK sobre as ferrovias australianas Escolheu esse programa porque seu som er
387. heiros dispostos de forma a conter os ventos Realmente ela tinha raz o Pois ent o Tengo disse ela No seu caso o que ser que voc faz de melhor N o sei disse ele fitando o rosto de Kumi Adachi Sinceramente n o sei 22 Ushikawa lhos que expressam piedade Tengo apareceu na entrada do pr dio s seis e quinze da tarde de domingo Ao sair parou para dar uma olhada ao redor como se estivesse procura de algo Olhou para a direita a esquerda e da esquerda para a direita Mas aparentemente nada viu de estranho Em seguida caminhou apressado Ushikawa observava o atentamente por entre as cortinas Nesse dia Ushikawa n o podia segui lo Tengo n o carregava nada e suas m os grandes estavam enfiadas nos bolsos da cal a Ele vestia uma blusa de gola alta sob uma jaqueta de veludo cotel verde oliva e os cabelos estavam desgrenhados Dentro do bolso do casaco havia um livro grosso Provavelmente ele deve estar indo jantar em algum restaurante da vizinhan a Que v para onde quiser pensou Ushikawa Tengo retomaria as aulas a partir da segunda feira Ushikawa havia telefonado para a escola e confirmado essa informa o Sim O professor Kawana retomar as aulas no in cio da semana que vem e dar continuidade mat ria conforme a apostila foi o que a recepcionista lhe informou timo At que enfim Tengo vai voltar rotina di ria pensou Ushikawa Do jeito que el
388. ho melhor voc se preocupar seriamente com esses dois por cento Como eu disse anteriormente do meu ponto de vista aquele homem um profissional E uma pessoa capacitada e muito persistente Aomame manteve se em sil ncio Tamaru prosseguiu Um profissional como um c o de ca a Ele consegue farejar e escutar sons que as pessoas comuns jamais conseguiriam Se voc age como uma pessoa comum voc nunca se tornar um profissional Ainda que consiga agir como um ser por pouco tempo Por isso acho melhor tomar cuidado Voc uma pessoa cuidadosa Sei muito bem disso Mas acho melhor voc redobrar a aten o e tomar um cuidado ainda maior As coisas mais importantes n o s o definidas em porcentagens Posso perguntar uma coisa indagou Aomame O qu Se esse boneco da felicidade aparecer novamente ao redor da mans o o que voc pretende fazer Tamaru manteve se em sil ncio durante um tempo Ele n o esperava essa pergunta Provavelmente n o farei nada Vou ignor lo N o h nada que esse sujeito possa fazer por aqui E se ele come ar a fazer algo que o incomode O qu por exemplo N o sei Algo que realmente aborre a voc Tamaru emitiu um pequeno som no fundo da garganta Nesse caso vou mandar um recado a ele Um recado entre profissionais Algo do tipo disse Tamaru Mas antes de partir para a a o vou ter de verificar se ele est trabalhando p
389. hora sozinha na estufa sentada na cadeira de lona contemplando as borboletas que silenciosamente voavam de um lado para outro Um regador grande estava no ch o ao lado de seus p s Aomame sabia muito bem como a respira o dela era discreta e silenciosa Na pr xima reposi o vou te mandar uma caixa de madeleines disse Tamaru para finalizar a conversa Talvez elas possam influenciar positivamente no fluir do tempo Obrigada disse Aomame KKK Aomame foi para a cozinha preparar um chocolate quente Antes de voltar para a varanda e continuar a observar o parque sentiu necessidade de aquecer o corpo Esquentou o leite numa panela e misturou o chocolate em p Ap s transferir o chocolate quente para uma x cara grande colocou um pouco de chantilly que havia preparado previamente Sentou se na mesa da cozinha e bebendo calmamente o chocolate repassou a conversa com Tamaru Sob a ilumina o clara e fria o cabe o deformado do boneco da felicidade estava tentando despi la Ele era um profissional experiente e perigoso Aomame vestiu seu casaco de n ilon enrolou um cachecol no pesco o e levando a x cara com a metade do chocolate retornou varanda Sentou se na cadeira de jardim e cobriu as pernas com o cobertor O escorregador continuava vazio Viu apenas de relance uma crian a que deixava o parque Era estranho ver uma crian a sozinha no parque naquele hor rio Ela estava com um gorro de l e er
390. hos e diariamente al m de limpar o ch o com esfreg o dedicava um bom tempo para preparar as refei es Praticava espanhol em voz alta com fitas cassetes de conversa o nesta l ngua ela pediu para Tamaru que as mandasse junto com os demais objetos de reposi o Os m sculos ao redor da boca come am a atrofiar quando se fica muito tempo sem conversar Para evitar isso necess rio movimentar exageradamente a boca e nesse sentido nada melhor que treinar uma l ngua estrangeira Aomame nutria havia tempo uma fantasia rom ntica em rela o Am rica Latina Se pudesse escolher um destino qualquer ela optaria por viver num pequeno e pac fico pa s como a Costa Rica Alugaria uma pequena cabana na praia e passaria o dia todo nadando e lendo livros Desde que n o esbanjasse dinheiro em coisas sup rfluas com o montante que levava em sua mala poderia viver por uns dez anos Eles provavelmente n o se dariam ao trabalho de persegui la at a Costa Rica Enquanto praticava espanhol Aomame imaginava como seria levar uma vida tranquila e sossegada nas praias da Costa Rica Ser que Tengo fazia parte desse seu sonho Ela fechava os olhos e imaginava os dois tomando sol nas praias do Caribe Ela com um min sculo biqu ni preto culos de sol e de m os dadas com Tengo Mas essa cena carecia do senso de realidade capaz de fazer o cora o palpitar de emo o Era apenas uma cena t pica das fotos de propaganda tur stica Quando n o
391. i Se ela estava com seis meses n o deve ter abortado Tamb m acho H uma grande possibilidade de a crian a ter nascido Provavelmente Se a crian a nasceu gostaria de conhec la N o fa o quest o disse Tamaru sem hesitar N o o meu tipo de vida E voc la querer conhec la Aomame pensou a respeito Eu tamb m fui uma crian a abandonada pelos meus pais por isso n o consigo imaginar como seria ter o meu pr prio filho N o tenho um modelo correto a seguir Seja como for voc est pensando em trazer essa crian a ao mundo Neste mundo repleto de viol ncia e contradi es porque estou procura do amor disse Aomame Mas n o um amor entre mim e a crian a Ainda n o estou nesse est gio Mas a crian a faz parte desse amor Acho que sim De certa forma Mas se isso tudo for um engano e voc descobrir que essa crian a n o pertence a esse amor ela certamente vai se machucar Como n s Existe essa possibilidade Mas sinto que n o isso uma intui o Respeito a intui o disse Tamaru Mas quando o ego nasce neste mundo ele tem de sustentar a moralidade bom estar ciente disso Quem foi que disse isso Wittgenstein Vou me lembrar disso disse Aomame Se a crian a tiver nascido quantos anos ela teria hoje Tamaru calculou mentalmente Dezessete Dezessete anos Aoma
392. i ncia Como uma balan a inst vel as coisas n o se acalmavam em nenhum canto de sua mem ria De repente Tengo se inquietou e olhou ao redor Ser que este o mundo real Ser que eu novamente embarquei numa realidade errada Tengo perguntou para um passageiro pr ximo para se certificar de que aquele trem ia para Tateyama N o havia erro era o trem certo Da esta o Tateyama ele faria a baldea o para T quio pegando o trem expresso Estava deixando a cidade litor nea dos gatos Ao fazer a baldea o e se acomodar no trem expresso o sono se apoderou dele como se j estivesse espreita Tengo caiu num sono profundo como se tivesse pisado em falso em um abismo escuro As p lpebras fecharam se naturalmente e sua consci ncia rapidamente se desligou Quando despertou o trem j havia passado a esta o Makuhari N o estava muito quente dentro do trem mas suas axilas e costas estavam molhadas de suor Sentiu um gosto desagrad vel na boca Um odor parecido com o daquele ar estagnado que ele sentia no quarto de seu pai Tirou do bolso um chiclete e mascou o N o voltarei mais quela cidade pensou Tengo Pelo menos enquanto meu pai estiver vivo Mas neste mundo n o se pode afirmar nada com total seguran a Pelo menos sei que n o h mais nada a fazer naquela cidade litor nea Quando retornou ao apartamento Fukaeri n o estava mais l Ele bateu tr s vezes na porta aguardou um tempo e bateu mais duas S
393. i muito bem Mas se voc ficou gr vida naquela noite e n o h nenhuma outra possibilidade de explicar isso a crian a que est dentro de voc de fato minha A fun o de Fukaeri naquele momento provavelmente era a de ser a condutora Atrav s dela que Tengo e Aomame se uniram Num limitado per odo de tempo ela uniu os dois fisicamente Agora Tengo sabia disso Um dia contarei em detalhes o que aconteceu naquela noite disse Tengo Mas agora neste momento n o tenho palavras para explicar Voc realmente acredita em mim n o Acredita que essa coisa pequenina que est dentro de mim o seu filho Acredito do fundo do meu cora o disse Tengo Que bom disse Aomame O que eu precisava saber era isso Se voc acredita em mim o resto n o importa N o h necessidade de explica es Voc est gr vida Tengo indagou novamente Estou no quarto m s Aomame conduziu a m o de Tengo e a pousou em seu ventre sobre o casaco Tengo se calou para sentir os sinais de vida dentro dela Uma vida que ainda era pequenina mas cujo calor a palma de sua m o conseguia captar Para onde vamos nos mudar Eu voc e esse ser pequenino Para um lugar que n o aqui disse Aomame Para um mundo onde existe somente uma lua no c u O lugar em que n s dever amos estar Um lugar onde o Povo Pequenino n o tem poder Povo Pequenino Tengo franziu levemente
394. ia disse Komatsu Fantasia inocente escrita por uma garota do colegial Para falar a verdade alguns a criticaram dizendo que a hist ria era surreal demais Ningu m desconfiou que o livro ocultava algum segredo importante ou revelava alguma informa o concreta em suas p ginas Voc tem raz o disse o rapaz de cabelo rente A maioria n o percebeu nada Mas a quest o n o essa Esse segredo n o poderia ser revelado publicamente sob forma nenhuma O rapaz de rabo de cavalo mantinha se como sempre diante da porta olhando a parede frente como se pudesse enxergar uma paisagem al m dela que ningu m mais era capaz de ver O que eles querem trazer de volta aquela voz disse o rapaz de cabelo rente escolhendo as palavras O veio de gua n o secou Apenas est oculto num local profundo que n o podemos ver Fazer com que esse veio ressurja n o tarefa f cil mas tamb m n o algo imposs vel O rapaz de cabelo rente fixou seus olhos nos de Komatsu Parecia estar medindo a profundidade de alguma coisa dentro deles Como se medisse um m vel para ver se caberia num determinado espa o do quarto Como eu j lhe disse antes voc s est o no meio de um campo minado N o podem prosseguir nem retroceder A nica coisa que eles podem fazer por voc s ajud los a sair desse lugar com seguran a Eles podem ensinar o caminho S assim voc s poder o sair desse lugar com vida e eles podem
395. ia entender Ushikawa com certeza possu a algum tipo de pista e ao que parece ele sabia que se ficasse grudado em Tengo conseguiria encontrar Aomame Foi por isso que fez quest o de ficar naquele apartamento montou a c mera num trip pr ximo janela e o vigiava havia algum tempo Ser que h alguma liga o entre Tengo e Aomame Se houver que tipo de liga o seria O rapaz de cabelo rente saiu do recinto sem dizer nada foi para a sala ao lado aquecida e ligou para um apartamento em Sakuragaoka no distrito de Shibuya em T quio Mandou chamar seu subordinado e ordenou que ele retornasse imediatamente ao apartamento de Ushikawa em K enji para vigiar Tengo observando suas entradas e sa das do pr dio Ele descreveu Tengo como um homem grande de cabelos curtos que dificilmente passaria despercebido Instruiu que se ele sa sse do pr dio deveria segui lo em dupla sem que ele percebesse Em hip tese alguma deixem no escapar Descubram para onde ele vai N o importa o que aconte a sigam no N s iremos para a o mais r pido poss vel O rapaz de cabelo rente voltou para o recinto em que estava o corpo de Ushikawa e disse para o rapaz de rabo de cavalo que partiriam imediatamente para T quio O rapaz de rabo de cavalo assentiu discretamente Ele nunca pedia explica es Entendia as ordens e rapidamente partia para a a o Assim que o rapaz de cabelo rente deixou o recinto ele trancou a porta a chave para que as
396. icante de bebidas esportivas e alimentos saud veis e destacou se como jogadora do time de softball feminino da empresa Os colegas daquela poca disseram que ela era excelente tanto nos esportes quanto no trabalho Era ousada e muito inteligente As pessoas que a conheciam tinham uma boa impress o dela Mas era de poucas palavras e de poucos amigos Alguns anos atr s inesperadamente ela largou o softball pediu as contas na empresa e come ou a trabalhar como instrutora num clube esportivo de luxo localizado em Hiroo Com a mudan a de emprego sua remunera o aumentou em cerca de trinta por cento Era solteira e morava sozinha Naquela poca n o tinha namorado De qualquer modo n o havia ponto obscuro em sua vida nem nada que a desabonasse Ushikawa franziu a testa deu um longo suspiro e jogou sobre a mesa o arquivo que acabara de ler Deixei escapar alguma coisa Algum ponto de extrema import ncia que n o deveria ter deixado escapar pensou Ushikawa tirou da gaveta de sua escrivaninha uma agenda de endere os e discou um n mero Quando precisava obter informa es de modo il cito ele sempre ligava para l A pessoa para quem ligava vivia num mundo muito mais sombrio que o dele Pagando lhe o pre o essa pessoa conseguia obter qualquer tipo de informa o Quanto mais rigoroso fosse o grau de seguran a do investigado mais caro se tornava O servi o Ushikawa queria obter dois tipos de informa o O primeiro era s
397. idade de verificar e esclarecer alguns pontos que ficaram d bios N o nada de mais Apenas uma formalidade Entendo disse a vice diretora levantando discretamente os cantos de seus l bios bem definidos O senhor deve saber que dependendo do caso n o podemos fornecer informa es pessoais como por exemplo o boletim escolar ou revelar quest es que envolvem o ambiente familiar do aluno Estou perfeitamente ciente disso A nica coisa que n s queremos saber se eles estudaram ou n o na mesma classe E no caso de terem estudado juntos gostar amos de saber o nome e o endere o da professora respons vel Est bem Se a quest o essa creio que n o haver problemas O senhor disse Aomame Isso mesmo Os ideogramas s o ervilha e verde um nome diferente Ushikawa pegou uma folha do seu bloco de anota es e escreveu a caneta Massami Aomame e a entregou para a vice diretora Ela pegou a folha e ap s olhar por alguns segundos guardou a numa das divis es da pasta sobre a mesa Por favor poderia aguardar aqui Vou verificar nos registros administrativos Enquanto isso minha assistente providenciar as c pias dos arquivos p blicos Desculpe me o inc modo sei que a senhora deve estar muito ocupada disse Ushikawa demonstrando gratid o vice diretora deu meia volta fazendo a saia dar um giro gracioso e saiu da sala Sua postura era bela e ela caminhava com
398. ieto contendo a respira o pois se recusa a pagar a taxa de recep o da NHK N s sabemos muito bem disso As batidas na porta continuaram durante um tempo a intervalos regulares Ap s uma pausa semelhante tomada de f lego de quem toca um instrumento de sopro elas recome aram num ritmo regular J entendi senhor K zu O senhor resolveu fingir que inocente Tudo bem Por hoje eu vou me retirar Tenho outras coisas a fazer Mas em breve voltarei N o sou como esses cobradores que existem por a N o vou desistir enquanto n o receber o que me devido Isso est mais do que decidido Assim como existem as fases da lua e o ser humano vive e morre o senhor n o tem como escapar Houve um longo sil ncio Quando Ushikawa achou que ele j se fora o cobrador prosseguiu Senhor K zu voltarei em breve Aguarde me com expectativa Quando menos esperar o senhor ouvir batidas na porta As batidas ser o fortes E serei eu que estarei batendo porta Ap s dizer isso cessaram as batidas Ushikawa aguardou um tempo com os ouvidos atentos Achou ter escutado passos se distanciando no corredor Ele rapidamente foi at a c mera e por entre as cortinas esperou o momento de ele sair O cobrador deve sair assim que terminar as cobran as no pr dio Era preciso saber como era o jeito desse homem Se for um cobrador da NHK ser f cil identific lo pois deve estar uniformizado Mas podia n o ser um cobrador oficial Al
399. iga es de outros tantos Ao verificar os registros telef nicos descobre se naturalmente o padr o de vida da pessoa O caso de Aomame n o uma exce o N o tarefa f cil conseguir os registros telef nicos de uma linha particular mas tamb m n o imposs vel Pois ent o para se conhecer o caminho da cobra s mesmo sendo cobra n o disse Onda aguardou em sil ncio a continua o da conversa Ao verificar atentamente os registros telef nicos de Aomame descobri alguns fatos Digamos que ela um caso raro entre as mulheres parece que n o gosta muito de falar ao telefone A quantidade de liga es pequena e a conversa tamb m costuma ser breve De vez em quando h um ou outro telefonema mais longo mas uma exce o A maior parte das liga es era para o clube esportivo em que trabalhava mas como ela trabalhava meio per odo como freelancer alguns desses trabalhos de personal trainer ela negociava diretamente com os seus clientes sem passar pelo balc o da academia Esse tipo de telefonema tamb m era comum Aparentemente eram liga es que n o despertariam nenhuma suspeita Ushikawa fez uma pausa e ao observar sob v rios ngulos a mancha de nicotina impregnada em seus dedos veio lhe mente a imagem de um cigarro E mentalmente acendeu o tragou e soltou a fuma a Mas encontrei duas exce es Uma delas trata se de duas liga es feitas para a pol cia N o para o n mero de emerg ncia
400. igiar a entrada do pr dio por entre as cortinas sentado no ch o perto da janela Rostos muito parecidos ou exatamente iguais aos que entraram no pr dio no final da tarde do dia anterior come aram a sair Como era de se esperar eles tinham uma express o triste e andavam com as costas curvadas 0 dia ainda mal havia come ado mas tinham a apar ncia cansada e desanimada Apesar de Tengo n o estar entre eles Ushikawa fotografava cada rosto que passava diante da c mera Rolos de filme ele os tinha em abund ncia e para se tornar h bil em tirar boas fotos precisava praticar Ap s acompanhar a sa da matutina daqueles que se dirigiam para o trabalho Ushikawa foi at uma cabine telef nica nas proximidades do pr dio e telefonou para a escola preparat ria de Yoyogui solicitando falar com Tengo O professor Tengo est de f rias h cerca de dez dias informou a mulher que atendeu a liga o Ele est doente ou algo assim N o Algu m da fam lia que est e por isso ele foi para Chiba Saberia me dizer quando ele volta Essa informa o n o nos foi passada respondeu a mulher Ushikawa agradeceu e desligou o telefone Algu m da fam lia de Tengo s poderia ser o pai Aquele pai que foi cobrador da NHK Sobre a m e Tengo ainda n o sabia nada E at onde Ushikawa podia dizer a rela o dele com o pai nunca fora boa Mesmo assim ele se ausentou do trabalho por mais de dez dias para
401. ignifica que eles ainda n o sabem da rela o entre Aomame e a velha senhora Mas nesse caso quem seria ele Com que objetivo estaria investigando o abrigo Ser que esse homem o mesmo que insistentemente bate na porta mentindo que cobrador na NHR claro que n o h provas de que se trata da mesma pessoa O comportamento exc ntrico daquele falso cobrador o nico ponto que pode ser relacionado estranha apar ncia desse homem Se voc vir um homem assim por favor me avise Talvez tenhamos que tomar uma provid ncia Aomame respondeu que avisaria imediatamente A velha senhora se calou Essa sua atitude era na verdade estranha Quando ela falava ao telefone costumava ser breve e rigorosa quanto ao tempo A senhora est bem perguntou Aomame com naturalidade Estou como sempre n o tenho nenhuma doen a em particular disse a velha senhora Mas sua voz parecia conter certa hesita o Isso tamb m era estranho Aomame aguardou a continua o da conversa A velha senhora prosseguiu como que resignada Mas que ultimamente sinto como estou velha Principalmente depois que voc se foi Aomame tentou falar com um tom alegre Eu n o fui embora Estou aqui Voc tem raz o De vez em quando podemos conversar como agora Mas acho que voc me passava energia quando nos encontr vamos periodicamente e faz amos exerc cios juntas A senhora possui sua pr pria vitalidade natural
402. ignorado Aomame sabia que essa atitude n o era de todo imparcial Se o problema ou a culpa fossem exclusivamente dela ser exclu da seria inevit vel mas esse n o era o seu caso nica maneira de uma crian a pequena conseguir sobreviver aceitar as ordens impostas pelos pais de boca fechada Por isso ela nunca reclamou de ter de rezar em voz alta antes das refei es e aos domingos acompanhar a m e nas andan as pela cidade em busca de fi is Tamb m nunca se queixou de por motivos religiosos n o poder participar das excurs es escolares aos templos budistas nem de n o poder participar das festas natalinas nem de ter de vestir roupas de segunda m o Mas as crian as que estudavam com ela n o sabiam dessa sua situa o e tampouco estavam interessadas em saber Elas apenas sentiam avers o por ela Os pr prios professores tamb m manifestavam claramente o quanto a presen a dela era inconveniente Claro havia a possibilidade de Aomame mentir para os pais Poderia dizer lhes que rezava antes das refei es e n o faz lo Mas isso era algo que ela n o queria Em primeiro lugar n o queria mentir para Deus independentemente de Ele existir ou n o e em segundo tinha raiva dos colegas de classe Se a minha presen a t o inconveniente que continuem achando o que quiserem pensou Aomame Rezar antes das refei es tornou se uma provoca o Estou sendo imparcial De manh ao acordar era um sofrimen
403. igo secreto muito importante que ele precisava desvendar Quem era a verdadeira Fukaeri e quem era o alter ego Seria um equ voco tentar separar aquelas duas Fukaeris Ou ser que no caso de Fukaeri ela podia manipular tanto o seu ser real quanto o alter ego H algumas coisas que ainda n o consigo entender disse Komatsu abrindo as m os sobre a mesa e pondo se a observ las Para um homem de meia idade at que seus dedos eram finos e delicados Depois que a voz deixou de falar a fonte do po o secou e o profeta morreu Mas o que aconteceu com a dohta Se n o existe o receptor a fun o do perceptor deixa de existir Levando em considera o a sua hip tese prosseguiu Komatsu ser que Fukaeri escreveu a Cris lida de ar com a inten o de fazer isso Aquele rapaz me disse que ela n o deve ter feito isso intencionalmente Pelo menos o plano n o teria sido dela Mas como ele sabe Ele n o deve saber toda a verdade disse Tengo Mas eu tamb m n o creio que Fukaeri tenha sido capaz de planejar a morte de seu pr prio pai independentemente das raz es que ela pudesse ter O pai dela talvez tenha optado pela morte por algum outro motivo n o relacionado a ela Talvez tenha sido por isso que ela fugiu Talvez ela quisesse que o pai se libertasse daquela voz Mas tudo n o passa de uma suposi o Komatsu passou um bom tempo pensando franzindo o nariz A seguir suspirou e olhou ao redor
404. ikawa balan ou v rias vezes a cabe a em sinal de aprova o Ushikawa Um nome f cil de memorizar Tomei a liberdade de olhar a carteira que encontrei no bolso da sua cal a Dei uma olhada em sua habilita o e no seu cart o pessoal Diretor Efetivo Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes Um t tulo e tanto hein Me diga uma coisa o que um Diretor Efetivo da Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes est fazendo com uma c mera escondida num lugar como este Ushikawa permanecia calado As palavras custavam a sair Acho melhor responder disse o homem Se o rim for esmagado ser preciso conviver com a dor pelo resto da vida Estava vigiando uma pessoa que mora neste pr dio foi o que Ushikawa conseguiu responder com imensa dificuldade A altura da voz era irregular e o som vez por outra falhava De olhos vendados tinha a impress o de que aquela voz n o era a dele Essa pessoa Tengo Kawana Ushikawa concordou com a cabe a O ghost writer que redigiu a Cris lida de ar Ushikawa acenou novamente e teve um pequeno acesso de tosse Esse homem tinha conhecimento daquilo A mando de quem indagou o homem Sakigake Isso eu j previa disse o homem A quest o por que somente agora o grupo religioso passou a vigi lo N o creio que Tengo Kawana seja uma pessoa importante para eles Ushikawa tentou avaliar r
405. imarem nesse tipo de ambiente A posi o deles era oposta E Aomame mudou se de Ichikawa e foi transferida para outra escola A liga o entre eles foi cortada nesse momento Se havia algum ponto em comum entre os dois nesse per odo era o fato de terem de obedecer aos seus pais a contragosto Os fins da prega o e da cobran a eram diferentes mas ambos eram obrigados a acompanhar os pais nas andan as pela cidade A situa o deles na sala de aula era diametralmente oposta mas eram igualmente solit rios e buscavam desesperadamente a go Algo que os aceitasse incondicionalmente e que os protegesse em seus bra os Ushikawa conseguia imaginar os sentimentos dos dois Em certo sentido ele sentia o mesmo Pois ent o pensou Ushikawa sentado de bra os cruzados no assento do trem expresso de T sudanuma rumo a T quio Pois ent o e agora O que devo fazer Por ora descobri algumas conex es entre Tengo e Aomame Conex es interessantes Mas infelizmente elas n o podem ser comprovadas Estou diante de um muro de pedra Um muro com tr s portas Preciso escolher uma Cada porta possui uma placa com um nome A primeira est escrito Tengo a segunda Aomame e a terceira Velha senhora de Azabu Aomame sumiu feito fuma a sem deixar pistas A Mans o dos Salgueiros de Azabu est muito bem protegida como um cofre forte N o h como entrar nela Sendo assim resta uma nica porta De agora em diante devo ficar grudado em
406. inado posso assegur lo de que eles n o est o com tempo de se ocuparem com voc s Eles precisam resolver alguns problemas muito mais importantes Nesse sentido voc s tamb m tiveram sorte Por isso fa a com que essa sorte continue ao seu lado Ap s dizer isso O rapaz virou as palmas para cima como se estivesse verificando se chovia Komatsu aguardou a continua o da conversa Em v o Uma express o de exaust o esbo ou se no rosto do rapaz de cabelo rente Ele levantou se da cadeira dobrou a colocou a debaixo do bra o e sem se voltar para tr s deixou o cub culo A porta pesada se fechou e o barulho da tranca reverberou no quarto Komatsu ficou sozinho Fiquei mais quatro dias preso naquele cub culo O que havia de importante para conversarmos j havia sido dito O assunto foi tratado e firmamos um acordo O que eu n o conseguia entender era por que eu continuava preso Aqueles dois rapazes nunca mais apareceram e o jovem continuou trazendo as refei es sem abrir a boca Continuei a comer aquela comida sem gra a a fazer a barba com o barbeador el trico e olhar o teto e as paredes para passar o tempo Quando apagavam a luz eu dormia e quando a acendiam eu acordava Fiquei ruminando o que o rapaz de cabelo rente me disse O que mais me tocou foi o fato de ele me dizer que n s tivemos sorte Ele tinha raz o Eles s o capazes de fazer o que quiserem Uma vez decidido eles podem agir de modo extremamente cruel iss
407. inhando em sua dire o Por um tempo Ushikawa achou melhor desistir de tentar obter informa es sobre a velha senhora de Azabu Em parte por constatar que independentemente de seus esfor os o grau de prote o e seguran a em torno dela sempre o levava a esbarrar num muro bem alto Pretendia inclusive investigar um pouco mais sobre o abrigo mas achou arriscado continuar a zanzar naquela rea Havia c meras de seguran a espalhadas no local e querendo ou n o Ushikawa era um tipo que naturalmente atra a a aten o Se sua presen a levantasse suspeitas prejudicaria ainda mais o andamento das investiga es Sendo assim por ora achou melhor se afastar da Mans o dos Salgueiros e tentar outras linhas de investiga o A alternativa que cogitou foi reinvestigar o hist rico de Aomame Na vez anterior ele havia solicitado informa es sobre ela a uma empresa de investiga es que costumava contratar al m de ele pr prio sair em busca de dados Ushikawa chegou a elaborar um arquivo detalhado sobre Aomame e a investiga o analisada sob v rios pontos de vista concluiu que ela n o representava nenhum perigo Era considerada uma excelente instrutora e sua reputa o era muito boa no clube esportivo em que trabalhava Quando crian a era Testemunha de Jeov mas aos dez anos largara a religi o Concluiu a faculdade de educa o f sica como uma das melhores alunas do curso trabalhou numa empresa de porte m dio fabr
408. is Ayumi morreu Quando aquelas palavras sa ram de minha boca o Reino dos C us que eu imaginava n o era o mesmo que o das Testemunhas de Jeov Talvez eu tenha dito Reino dos C us com um significado mais pessoal e isso explica por que eu disse aquilo de modo t o espont neo Mas afinal o que o Reino dos C us para mim Que tipo de reino eu acho que vai surgir ap s a destrui o do mundo Aomame apoiou delicadamente a m o sobre o ventre e tentou escut lo Mas por mais que prestasse aten o n o conseguia ouvir nada Seja como for Ayumi Nakano foi lan ada para fora deste mundo Ela foi morta num hotel de Shibuya com algemas frias e r gidas a prender lhe os pulsos e estrangulada com um cinto de roup o at onde Aomame sabia ainda n o haviam encontrado o criminoso Ap s a aut psia o corpo de Ayumi foi novamente costurado levado para o cremat rio e incinerado Neste mundo n o existe mais o ser humano chamado Ayumi Nakano Sua carne e seu sangue deixaram de existir Ela passou a viver apenas na forma de documentos e lembran as N o Pode n o ser nada disso Ela pode estar viva e saud vel no mundo de 1984 Ela ainda reclama que n o a deixam andar armada e continua a colocar as multas de infra o de tr nsito nos para brisas dos carros Deve continuar a visitar as escolas secund rias do distrito para ensinar s alunas os m todos contraceptivos Garotas n o se esque am sem camisinha sem penetra
409. is dela Neste momento n o precisamos mais de Eriko Fukada Para n s n o importa onde ela est nem o que est fazendo Ela j cumpriu a sua miss o Que tipo de miss o Uma miss o bem delicada disse o homem ap s um breve intervalo de tempo Sinto muito mas no momento n o tenho a permiss o de expor os detalhes desta situa o Eu sugiro que voc s avaliem com cuidado a situa o em que est o disse Tamaru Por enquanto quem est no comando do jogo somos n s N s podemos entrar em contato com voc s mas voc s n o podem fazer o mesmo Voc s n o sabem quem somos certo Isso mesmo Quem est no comando s o voc s N o sei quem voc mas o assunto que queremos tratar n o pode ser por telefone Eu j disse muito mais do que me era permitido dizer Muito mais do que me compete Tamaru permaneceu em sil ncio durante um tempo Tudo bem Vou pensar no que disse N s tamb m precisamos nos reunir para decidir a respeito Dentro em breve talvez possamos entrar em contato Estaremos aguardando disse o homem Sei que estou sendo redundante mas trata se de um assunto que n o ruim para nenhuma das partes E se ignorarmos ou recusarmos esse pedido Se isso acontecer n s teremos que agir do nosso modo Temos um consider vel poder As coisas podem tomar um rumo um tanto violento e devem atingir todos ao redor N o sei quem voc mas creio que n o con
410. isse Onda com um tom de voz indiferente Ky ko Yasuda Que mantinha um relacionamento com Tengo Kawana Era dez anos mais velha e casada Onda anotou os dados em seu bloco Vou reportar esse assunto aos meus superiores timo disse Ushikawa Por falar nisso j encontraram Eri Fukada Onda ergueu o rosto e fitou Ushikawa como quem observa uma moldura torta Por que o senhor acha que sabemos onde est Eri Fukada Voc s n o t m interesse em saber Onda meneou a cabe a negativamente Isso n o da nossa conta Para n s pouco importa onde ela esteja ou para onde queira ir Ela livre para fazer o que bem entender Voc s tamb m perderam o interesse em Tengo Kawana N o temos nenhum v nculo com essa pessoa Um tempo atr s achei que estavam interessados disse Ushikawa Onda estreitou os olhos e permaneceu durante um longo tempo observando Ushikawa Por fim indagou No momento o nosso foco exclusivamente Aomame O interesse muda constantemente Onda mexeu ligeiramente os l bios mas n o houve resposta Senhor Onda o senhor j leu o romance Cris lida de ar que Eri Fukada escreveu N o Dentro da comuna livros n o relacionados doutrina s o de leitura proibida Sequer podemos toc los O senhor j ouvir falar em Povo Pequenino N o Onda respondeu prontamente Obrigado Acho que tudo disse Ushikawa A con
411. isse o homem sem se ater pergunta de Tengo Ela gostaria de se encontrar com o senhor E o senhor Tamb m gostaria de se encontrar com ela Gostaria disse Tengo tossindo para limpar a garganta H tempos que eu tamb m desejava reencontr la timo Ela quer encontr lo E o senhor tamb m Tengo de repente percebeu que o quarto estava frio Pegou um cardig que estava por perto e o vestiu sobre o pijama E o que devo fazer indagou Tengo Ao escurecer o senhor poderia ir at o topo do escorregador disse o homem Topo do escorregador disse Tengo sem saber o que aquele homem queria dizer Ela falou que dizendo isso o senhor entenderia Ir at o topo do escorregador Eu apenas estou transmitindo o recado conforme me foi dado Tengo instintivamente passou a m o no cabelo desalinhado com algumas mechas endurecidas Escorregador Era o local de onde ele ficara observando as duas luas S podia ser aquele escorregador Acho que eu sei disse Tengo com a voz seca timo E mais uma coisa Se tiver algo importante que queira levar para o senhor levar consigo De modo que possa se mudar imediatamente para longe Algo importante que eu queira levar Tengo repetiu surpreso Coisas que n o quer deixar para tr s Tengo se p s a pensar Acho que n o estou entendendo direito mudar para longe significa que n o voltarei mais aqui Isso eu
412. isso seria a intoler ncia que domina o cora o das pessoas A professora falou sobre Aomame Contou que era ignorada pelas demais crian as Costumavam fingir que ela n o existia Ela era como um elemento estranho sociedade e que incomodava as outras pessoas propalando seus ensinamentos esquisitos Essa era a opini o geral da classe Para se proteger dessa hostilidade Aomame procurava ao m ximo apagar a sua presen a Confesso que tentei ajud la mas a uni o das crian as era muito mais forte do que se podia imaginar e por isso Aomame vivia como um fantasma Hoje em dia casos assim podem ser encaminhados aos conselhos educacionais mas naquela poca isso n o existia Eu tamb m era jovem e s ter de manter os alunos na classe j era uma tarefa desgastante e ocupava praticamente todo o meu tempo Creio que isso deve parecer uma desculpa Ushikawa compreendia o que ela estava querendo dizer O trabalho de um professor de escola prim ria rduo De certa forma s vezes o jeito deixar que as pr prias crian as resolvam as coisas entre si A f e a intoler ncia s o faces de uma mesma moeda Nem sempre poss vel lidar com isso disse Ushikawa O senhor tem raz o disse ela Mas creio que eu podia ter encontrado outros meios para ajud la Tentei conversar v rias vezes com Aomame Mas ela n o me ouvia Era teimosa e uma vez decidida jamais mudava de ideia Era inteligente possu a uma gra
413. isso que tal conversarmos com franqueza sem guardar segredos N o seria melhor Ushikawa concordou Se voc responder errado vai caminhar novamente no fundo do mar S que desta vez o passeio ser muito mais longo e mais lento Vai chegar muito mais pr ximo do limite E bastar um nico deslize para que o passeio se torne fatal Voc n o quer que isso aconte a quer Ushikawa concordou com a cabe a Acho que temos algo em comum disse o homem Somos lobos solit rios Ou cachorros que se perderam da matilha Dito de modo mais claro n s vivemos margem da sociedade de nossa natureza n o se adaptar ao sistema ou melhor n o somos aceitos pela sociedade Temos de agir sozinhos Decidimos agimos e assumimos a responsabilidade por nossas escolhas Aceitamos ordens superiores mas n o temos companheiros nem subordinados Contamos somente com a nossa intelig ncia e habilidade Voc n o acha Ushikawa concordou O homem prosseguiu Esse o nosso ponto forte e ao mesmo tempo o nosso ponto fraco Desta vez por exemplo voc acabou exagerando N o informou ao grupo o andamento das investiga es e quis resolver tudo sozinho Queria mostrar resultados satisfat rios para se autopromover Isso fez com que voc baixasse a guarda n o Ushikawa novamente concordou Voc tinha algum motivo para fazer isso Sinto me culpado pela morte do L der De que modo Eu fiz uma investig
414. itu do principalmente por pessoas como ele e Ushikawa Ushikawa indagou H quanto tempo a senhora Ogata acolhe essas v timas da viol ncia dom stica Hum N o tenho certeza Eu soube por terceiros que aquele lugar era como um kakekomidera N o sei quando se tornou um abrigo S sei que nesses ltimos quatro anos a frequ ncia de pessoas entrando e saindo bem maior Pensando bem acho que foi nesses ltimos quatro ou cinco anos disse o velho pegando a x cara e tomando um gole do ch que esfriara Foi nessa poca que instalaram um port o novo e de uma hora para outra refor aram a seguran a Mas isso esperado por se tratar de um abrigo Se qualquer um pudesse entrar a torto e a direito as pessoas que vivem no local n o ficariam sossegadas Ap s dizer isso como que voltando para a realidade o velho lan ou um olhar inquiridor a Ushikawa Ent o voc est procurando uma casa com um aluguel acess vel n o Isso mesmo Ent o melhor procurar em outra regi o Por aqui s existem mans es e mesmo que encontre algum im vel para alugar o pre o do aluguel exorbitante pois os principais clientes s o os diplomatas estrangeiros que trabalham nas embaixadas Antigamente as pessoas comuns mesmo n o sendo ricas moravam aqui Iniciei o meu neg cio naquela poca para justamente atender esse tipo de p blico Mas hoje n o existem im veis acess veis como naquela poca e por iss
415. iu que os vinte anos instantaneamente se fundiram formando um redemoinho Ao se mesclarem todas as cenas as palavras os valores formaram um nico pilar grosso em seu cora o e o seu n cleo passou a girar como um torno Sem dizer nada Tengo contemplava essa cena como uma testemunha que presencia a destrui o e o renascimento de um planeta Aomame tamb m permanecia em sil ncio Os dois estavam sentados no topo do escorregador gelado de m os dadas Voltaram a ser um menino e uma menina de dez anos Um menino solit rio e uma menina solit ria A sala ap s as aulas no in cio da esta o de inverno Os dois n o tinham for as nem conhecimento para saber o que deveriam oferecer ao outro e o que buscavam no outro Nunca ningu m os amou de verdade e nunca eles amaram algu m de verdade Nunca abra aram algu m e nunca ningu m os abra ou Eles n o sabiam para onde aquele acontecimento os conduziria Naquele momento haviam dado o primeiro passo dentro de um quarto sem portas N o podiam mais sair dali E tampouco algu m poderia entrar Naquele momento n o sabiam que aquele era o nico local de absoluta plenitude existente no mundo Um local isolado que n o podia ser manchado pela solid o Quanto tempo havia se passado Cinco minutos ou uma hora Ou o dia inteiro Ou o tempo havia parado O que Tengo sabia sobre o tempo A nica coisa que ele sabia era que podiam ficar para sempre em sil ncio no topo do escorregador do parque
416. ivo e em vez de Fukaeri passaram a focar outra pessoa Algu m relacionado a Fukaeri Por algum motivo Fukaeri deixou de ser uma amea a para Sakigake Se for isso por que somente agora que resolveram vigiar o apartamento de Tengo Tengo ligou para a editora de Komatsu do telefone p blico da escola Era domingo mas ele sabia que Komatsu gostava de trabalhar na empresa nos fins de semana Costumava dizer que o escrit rio era um local muito bom para trabalhar quando n o havia ningu m Mas ningu m atendeu a liga o Tengo olhou o rel gio de pulso e constatou que ainda eram onze da manh Muito cedo para Komatsu estar no escrit rio Ele somente come ava o dia fosse qual fosse o dia da semana quando o sol passava pelo teto do meio dia Tengo sentou numa cadeira da lanchonete e enquanto bebia um caf fraco leu novamente a carta de Fukaeri O texto dela como o esperado tinha poucos ideogramas e n o continha sinais de pontua o nem par grafos Tengo voc est lendo esta carta porque voltou da cidade dos gatos isso muito bom mas estamos sendo vigiados por isso eu preciso deixar o apartamento e tem de ser imediatamente n o precisa se preocupar comigo que n o posso mais ficar aqui como eu j te disse antes a pessoa que voc est procurando est bem perto e d para ir andando mas tome cuidado pois tem algu m te vigiando Ap s ler tr s vezes a carta que parecia uma mensagem telegr fica Tengo dobrou a e a guardo
417. ivres Onda observou Ushikawa durante um tempo com os olhos semicerrados Depois virou se para a porta e olhou em dire o ao rapaz de rabo de cavalo que continuava em p ao lado dela Este fez um breve e discreto sinal indicando que estava entendendo a conversa Onda novamente voltou se para Ushikawa E indagou Onda E continuou Ushikawa Agora a minha vez de perguntar Voc s sabem de alguma coisa Desconfiam de algum grupo ou organiza o que desejava matar o seu l der Onda franziu as sobrancelhas longas e ao junt las tr s rugas se formaram na base do nariz Senhor Ushikawa pense bem N s somos um grupo religioso Buscamos alcan ar a paz no cora o e uma vida pautada em valores espirituais Vivemos em harmonia com a natureza e nos dedicamos diariamente agricultura e pr tica asc tica Quem em s consci ncia poderia nos considerar inimigos Que vantagem haveria nisso Ushikawa esbo ou um sorriso hesitante nos cantos dos l bios Existem fan ticos em todo o mundo Ningu m sabe o que eles s o capazes de pensar n o mesmo De nossa parte n o temos nenhuma desconfian a de quem quer que seja respondeu Onda ignorando a ironia contida nas palavras de Ushikawa E o grupo Akebono O grupo dissidente n o estaria disperso por a tramando algo Onda novamente balan ou a cabe a desta vez demonstrando convic o de que isso era uma ideia descabida Eles devem ter esmag
418. kawa por acaso o senhor est insinuando que n s estamos envolvidos nesse caso Acha que um de nossos homens levou essa policial at um hotel de m reputa o prendeu a com algemas e a estrangulou Ushikawa discordou mantendo os l bios cerrados Que absurdo De jeito nenhum Jamais pensaria numa coisa dessas O que estou perguntando se voc s sabem de alguma coisa relacionada a esse incidente Apenas isso Qualquer pista Quaisquer informa es por mais insignificantes que possam parecer para mim s o muito importantes Por mais que eu tente espremer o m nimo de conhecimento que possuo n o consigo encontrar uma rela o entre o assassinato da policial em Shibuya e o do L der Onda fitou Ushikawa durante um longo tempo como se estivesse tirando as medidas de um objeto A seguir expeliu lentamente o ar dos pulm es Entendi Levarei essa informa o aos meus superiores disse o rapaz e na sequ ncia tirou um bloco e anotou Ayumi Nakano 26 anos divis o de tr nsito do distrito de Shinjuku Poss vel rela o com Aomame Exatamente Mais alguma coisa Tenho mais uma pergunta Creio que deva ter sido algu m do grupo que indicou o nome de Aomame Essa pessoa deve ter comentado que ela trabalhava em T quio e que era uma instrutora esportiva muito competente especialista em alongamento muscular E como voc acabou de dizer fui contratado para investig la N o estou querendo me justificar
419. kawa e ap s separar a sujeira e o desprezo ali existentes enviou lhe silenciosamente o seu sentimento de compaix o e partiu Ao ver os olhos dela Ushikawa sentiu uma dor aguda como se fosse espetado por agulhas espessas compridas e afiadas por entre as costelas Ele percebeu como era uma pessoa de car ter deformado e horrendo Mas isso n o tem mais jeito pensou Ushikawa Eu realmente sou uma pessoa de car ter deformado e horrendo Al m disso a transparente compaix o que aqueles olhos espontaneamente lhe mostravam penetrou no mago de seu cora o Ele preferia ser acusado insultado menosprezado e condenado Preferia levar uma surra com um bast o de beisebol Era algo que ele aguentaria Mas aquilo n o Em compara o Tengo era uma pessoa muito mais f cil de lidar Havia uma foto dele em p diante do pr dio olhando em dire o c mera Ele tamb m observou atentamente ao redor do mesmo modo como Fukaeri havia feito Mas os olhos dele n o captaram nada Seus olhos inocentes e ignorantes n o enxergaram a c mera escondida nem a figura de Ushikawa por tr s dela Em seguida Ushikawa examinou a mulher misteriosa Eram tr s fotos Bon de beisebol culos de aro escuro e cachecol enrolado at a altura do nariz N o dava para ver o formato de seu rosto Al m de todas as fotos estarem com a ilumina o comprometida a aba do bon fazia sombra no rosto Mesmo assim a mulher da foto era exatamente do j
420. la O que lhe chamou a aten o foi uma lua ampla que pairava no meio do c u A lua com as suas caracter sticas manchas escuras surgia de vez em quando por entre as nuvens que cruzavam o c u Era uma lua t pica de inverno fria azulada repleta de mist rios e alus es de tempos imemoriais Era como o olho de um morto que sem piscar pairava silenciosamente no c u Um tempo depois Ushikawa engoliu em seco ficando alguns segundos sem respirar Quando as nuvens passaram ele viu uma outra lua menor ao lado daquela habitual Essa outra era bem menor esverdeada como se estivesse cheia de musgos e seu formato era disforme Mas apesar dessa apar ncia n o havia d vidas de que era uma lua N o existiria uma estrela t o grande E tampouco tratava se de um sat lite artificial Uma lua que se posicionava firme e intacta num ponto do c u Ushikawa fechou os olhos e segundos depois abriu os novamente S poderia ser uma ilus o de tica Isso n o pode estar l Mas por mais que fechasse e abrisse os olhos l estava a nova lua pequena pairando no c u Quando as nuvens surgiam ela se ocultava atr s delas mas assim que elas passavam a lua reaparecia no mesmo local Era isso que Tengo estava olhando pensou Ushikawa Tengo Kawana fora at o parque para ver essa cena ou melhor para se certificar da exist ncia dessas luas Ele j sabia que havia duas luas no c u N o h d vidas Ele n o demonstrou surpresa dia
421. lar em Povo Pequenino cc N o A resposta foi r pida demais Se ele realmente nunca tivesse ouvido falar nisso o normal seria dar um tempo antes de responder Povo pequenino repetiria mentalmente e s depois de verificar se j tinha ouvido falar daquilo que responderia Esta seria a rea o de uma pessoa normal Aquele homem j conhecia o termo Povo Pequenino Dif cil dizer se ele entendia seu significado mas de qualquer modo n o era a primeira vez que escutava aquelas palavras Ushikawa apagou o cigarro que j estava no fim e permaneceu absorto em pensamentos Ap s terminar uma primeira etapa de reflex o acendeu outro Havia um tempo que ele decidira deixar de se preocupar com a possibilidade de c ncer no pulm o Para se concentrar precisava do aux lio da nicotina Ningu m sabe o que vai acontecer em dois ou tr s dias Ser necess rio se preocupar com o estado de sa de daqui a quinze anos Enquanto fumava o terceiro Seven Stars Ushikawa lembrou se de um detalhe q E isso Agora pode dar certo pensou 2 Aomame Sozinha mas n o solit ria Ao anoitecer ela se sentava na cadeira da varanda e observava o pequeno parque infantil do outro lado da rua Essa era a atividade mais importante do dia a principal de sua vida Independentemente de o tempo estar bom nublado ou chuvoso a vig lia era ininterrupta Era in cio de outubro e o frio adensava o ar Nas noites frias vestia v rias
422. lesmente se fora sem dizer nada No entanto ele n o ficou surpreso ou chateado com essa atitude Afinal ningu m seria capaz de prever seus pensamentos ou a es Se ela queria vir vinha se quisesse ir embora ia Era como um gato caprichoso e com forte senso de independ ncia que age conforme os seus instintos O que se devia estranhar era o fato de ela permanecer tanto tempo num mesmo lugar Na geladeira havia muito mais comida do que ele esperava Alguns dias antes ela devia ter sa do para fazer compras Havia um monte de couve flor cozida Aparentemente n o fazia muito tempo que havia sido feita Ser que ela sabia que dentro de um ou dois dias ele estaria de volta a T quio Tengo sentiu fome e preparou um ovo frito para acompanhar a couve flor Tostou o p o fez um caf e tomou duas x caras Em seguida telefonou para o amigo que assumira as aulas durante sua aus ncia e lhe disse que as retomaria a partir do in cio da semana seguinte O amigo informou lhe at onde avan ara na apostila Voc me ajudou muito Estou te devendo essa agradeceu Tengo At que gosto de ensinar s vezes at me divirto Mas quando ensinamos por muito tempo a gente come a a se sentir um completo estranho para si mesmo Isso era algo que o pr prio Tengo sentia ainda que vagamente Enquanto estive fora aconteceu algo de diferente Nada de mais Ah recebi uma carta para ser entregue a voc e a deixei dentro da sua g
423. levolente ecoava pelos corredores dos conjuntos residenciais Amea as e zombarias Tengo apertou levemente as t mporas com as pontas dos dedos As lembran as trazem consigo bagagens extras e pesadas Como se intu sse algo em meio ao sil ncio Fukaeri perguntou Voc est bem Estou N o ligue para esse homem da Eneag c O corvo tamb m disse a mesma coisa Que bom falou Tengo Depois de ver duas luas no c u e a cris lida de ar no quarto do pai na casa de sa de Tengo n o ficava mais surpreso com nada N o via nenhum inconveniente de Fukaeri trocar ideias diariamente com o corvo no parapeito da janela Estou pensando em ficar mais um tempo por aqui N o posso voltar agora para T quio Tudo bem Melhor ficar o quanto achar necess rio Ap s dizer isso Fukaeri desligou o telefone Numa fra o de segundo a conversa foi interrompida como se algu m cortasse abruptamente a linha telef nica com um machado de l mina bem afiada Em seguida Tengo telefonou para a editora em que Komatsu trabalhava Ele n o estava O atendente disse que ele havia passado rapidamente por l por volta da uma da tarde mas depois sumira e ele n o sabia informar para onde Komatsu teria ido ou se ele ainda retornaria empresa Em se tratando de Komatsu n o era de estranhar Tengo deixou o telefone da casa de sa de dizendo que ele estaria nesse n mero no per odo da tarde e se poss vel gostaria que Komatsu
424. lia a descri o detalhada e clara daquela cena ela sentiu um calor em seu ventre Um calor estranhamente profundo que provocava deleite em seu cora o Havia um n cleo ainda que pequeno mas de onde emanava uma fonte de calor Ela sabia mesmo sem precisar pensar a respeito o que era essa fonte e o que significava esse calor Era uma coisa pequenina Essa coisa pequenina sentiu afei o ao ver a cena em que a protagonista e o Povo Pequenino constru am a cris lida de ar e como uma rea o a essa cena emitia o calor Aomame colocou o livro sobre a mesinha abriu um bot o da camisa do pijama e colocou a m o sobre o ventre A palma sentia o calor que havia ali Esse calor parecia emitir uma suave luz alaranjada Aomame desligou o abajur para observar atentamente essa luz no quarto escuro Era um brilho t nue quase impercept vel Mas a luz estava definitivamente ali n o havia d vidas N o estou sozinha pensou Aomame Estamos juntos desde o momento em que passamos a fazer parte de uma mesma hist ria Se essa hist ria de Tengo e tamb m minha significa que posso escrever o enredo era o que Aomame pensava Posso tanto acrescentar coisas como reescrev la O mais importante que posso decidir como ela termina certo Ela passou a considerar essa possibilidade Mas como fazer isso Aomame n o sabia O que ela sabia era a exist ncia dessa possibilidade Por enquanto era apenas uma teoria se
425. lo Como seria minha vida se eu tivesse nascido com uma apar ncia normal pensava Ushikawa Mas o condicional se exigia uma resposta que ultrapassava os limites de sua imagina o Ushikawa era Ushikawa demais para poder especular sobre suposi es A cabe a grande e deformada as rbitas saltadas e as pernas curtas e arqueadas eram o que o tornava a pessoa chamada Ushikawa um homem c tico com sede de conhecimento quieto e ao mesmo tempo eloquente O menino feio com o decorrer do tempo cresceu e se tornou um rapaz feio e sem se dar conta tornou se um homem de meia idade feio Em todas as fases de sua vida as pessoas que passavam por ele na rua frequentemente olhavam para tr s para v lo As crian as por m olhavam no descaradamente de frente s vezes Ushikawa achava que deixaria de chamar tanta aten o quando se tornasse um velho feio Os velhos normalmente s o feios e sendo assim sua feiura original chamaria menos aten o do que quando era jovem Mas isso era algo que ele s constataria quando ficasse velho Por outro lado havia a possibilidade de ele se tornar o velho mais feio do mundo De qualquer modo fundir se com a paisagem era algo imposs vel para ele Ainda mais que Tengo j o conhecia Se Ushikawa circulasse perto do apartamento dele e fosse reconhecido tudo iria pelo ralo Em casos assim Ushikawa costumava contratar um investigador Desde o tempo em que atuava como advogado ele mantinha contato c
426. m Ent o vamos para outro lugar para que eu possa explicar o que voc precisa fazer Tudo bem disse a enfermeira Tamura Tudo bem disse Tengo Antes de deixar o recinto a enfermeira Tamura voltou se na dire o do corpo e unindo a palma das m os fez uma rever ncia Tengo fez o mesmo As pessoas nutrem um respeito natural aos mortos Afinal a pessoa que morre realizou a proeza de t lo feito sozinha Ap s deixarem o pequeno quarto sem janelas os dois foram para o refeit rio vazio quela hora Os raios de sol incidiam atrav s da enorme janela que dava para o jardim Tengo banhou suas pernas nessa luminosidade e foi ent o que finalmente conseguiu respirar aliviado Naquele local n o havia mais ind cio de morte Aquele era o mundo dos vivos Ainda que fosse repleto de incertezas e imperfei es A enfermeira Tamura serviu duas x caras de ch quente de folhas torradas h jicha e passou uma para Tengo Sentaram se frente a frente e permaneceram em sil ncio enquanto bebiam Voc vai passar a noite por aqui indagou a enfermeira Vou ficar em algum lugar mas ainda n o fiz a reserva Se voc quiser pode dormir no quarto que foi de seu pai Hoje ele estar desocupado e assim voc n o precisa gastar com a hospedagem Se voc n o se importar claro N o me importo disse Tengo um tanto surpreso Mas posso mesmo fazer isso Pode sim Desde que voc n o se imp
427. m momento adentramos num mundo em que existem duas luas no c u Tem mais uma coisa estou gr vida E possivelmente o filho seu Essas s o as coisas mais importantes que voc precisa saber Voc est gr vida do meu filho o motorista devia estar ouvindo a conversa mas Tengo n o se importou Durante vinte anos n s n o nos encontramos uma nica vez disse Aomame Mesmo assim estou gr vida de seu filho E pretendo t lo Sei que n o tem nenhuma l gica Tengo permaneceu em sil ncio e aguardou Aomame prosseguir Voc se lembra daquela noite em que caiu uma tremenda tempestade no in cio de setembro Eu me lembro muito bem disse Tengo Durante o dia fez sol mas no final da tarde de repente come ou a trovejar e veio uma tremenda tempestade A esta o Akasakamitsuke ficou alagada e o servi o do metr foi temporariamente interrompido Tengo tamb m se lembrou de que Fukaeri havia dito que o Povo Pequenino estava alvoro ado Foi naquela noite que fiquei gr vida disse Aomame Mas tanto naquele dia quanto nos meses anteriores e posteriores eu n o mantive nenhuma rela o desse tipo Ela aguardou Tengo assimilar essa informa o para em seguida prosseguir No entanto n o h d vidas de que isso aconteceu naquela noite E tenho certeza de que o filho seu N o sei explicar direito mas s sei que eu sei Tengo se lembrou de que naquela noite ele e Fukae
428. m o Ainda que aquilo tenha sido um acontecimento nico ou fruto de sua imagina o seu desejo era permanecer ali o m ximo de tempo que lhe fosse permitido reproduzindo incessantemente aquela cena e tocando a com os dedos do cora o Ao tomarem conhecimento de que Tengo se hospedava naquela cidade litor nea sem voltar para T quio as enfermeiras passaram a trat lo com simpatia Conversavam com ele no intervalo do servi o e quando tinham tempo faziam quest o de ir at o quarto N o raro traziam ch e doces A enfermeira mura que espetava a caneta no coque e aparentava uns 35 anos e a enfermeira Adachi que tinha a face rosada e usava rabo de cavalo eram as que se revezavam no atendimento a seu pai A enfermeira Tamura a de meia idade que usava culos de aro dourado costumava ficar a maior parte do tempo no balc o da recep o mas quando o servi o apertava por falta de funcion rios ela tamb m assumia as tarefas de cuidar de seu pai As tr s pareciam ter uma afei o especial por Tengo Ele por sua vez tinha tempo de sobra a n o ser naquele momento especial de fim de tarde e por isso podia conversar vontade sobre v rios assuntos Ou melhor Tengo procurava na medida do poss vel responder com sinceridade o que elas lhe perguntavam Contou que era professor de matem tica de uma escola preparat ria e que quando solicitado escrevia textos sobre diversos assuntos Que o pai trabalhara por anos a fi
429. m a respira o contida e olhando para a porta O corredor estava novamente silencioso e n o se ouvia nenhum barulho Ela se aproximou da porta cuidando para abafar os passos e sem pestanejar olhou pelo olho m gico N o havia ningu m do outro lado Aomame acionou a trava de seguran a da arma Respirou profundamente para que as batidas de seu cora o voltassem ao ritmo normal Acendeu o fogo esquentou a gua para fazer o ch e o bebeu Era apenas um cobrador da NHK tentou se convencer Mas a voz do homem tinha algo de mal volo e doentio Aomame n o conseguiu discernir se as palavras daquele homem eram para ela ou para essa pessoa imagin ria que por acaso se chamava Takai No entanto aquela voz rouca e as batidas insistentes deixavam uma sensa o desagrad vel Uma sensa o como se algo pegajoso se aderisse na pele exposta Aomame tomou um banho quente e se ensaboou com cuidado para lavar bem o corpo Ao sair do banho e vestir uma roupa nova sentiu se um pouco melhor A sensa o ruim tamb m havia sumido Sentou se no sof e tomou o restante do ch Tentou prosseguir no livro mas n o conseguia se concentrar Seus ouvidos recordavam fra es da voz daquele homem Voc est pensando que sempre conseguir se esconder e escapar n o mesmo Tudo bem Fique escondida Mas por mais que voc tente conter a respira o algu m com certeza ir encontr la Aomame balan ou a cabe a N o Aquele homem es
430. m fundamento concreto Aomame cerrou os l bios na serena escurid o e come ou a pensar Isso era muito importante Era preciso pensar com profundidade N s formamos um time Assim como Tengo e Eriko Fukada se uniram para fazer a Cris lida de ar nessa nova hist ria eu e Tengo que formamos um time O nosso desejo ou essa for a oculta motivada pelo nosso desejo se tornou uno para que possamos retomar essa hist ria complicada e fazer com que ela se desenvolva Isso possivelmente uma tarefa que est sendo realizada num local profundo e invis vel aos nossos olhos Por isso mesmo que eu n o possa me encontrar com ele sei que estamos juntos Estamos criando uma hist ria e ela nos faz agir N o isso H uma quest o Uma quest o muito importante Dentro dessa hist ria que n s estamos escrevendo qual ser o significado desta coisa pequenina Que tipo de fun o ela possui Esta coisa pequenina sentiu uma intensa afei o diante da cena em que o Povo Pequenino e a protagonista constroem a cris lida de ar no dep sito Do interior do meu tero ela est emitindo um calor brando que posso sentir e uma suave luz alaranjada como se fosse a pr pria cris lida de ar Ser que o meu tero est cumprindo a fun o de cris lida de ar Ser que sou a maza e esta coisa pequenina a minha dohta Ser que o fato de eu estar gr vida de Tengo sem ter mantido rela o sexual com ele estaria de al
431. m o olho no rosto e nas roupas que usava a ponto de ele achar que se um cachorro sarnento sem rabo e molhado pela chuva entrasse pela fresta da porta seria tratado de modo um pouco mais afetuoso Quando pensava em desistir uma pequena imobili ria que parecia ser bem antiga naquela regi o chamou lhe a aten o Um velho de rosto amarelado que tomava conta do estabelecimento espontaneamente come ou a dar informa es dizendo Ah Aquela casa O rosto dele era todo enrugado como uma m mia de segunda classe Ele conhecia tudo daquela rea e queria algu m n o importa quem para conversar Aquele im vel era da esposa do senhor Ogata e se n o me engano antigamente os apartamentos eram alugados N o sei por que ela mantinha aquele im vel Afinal n o era uma pessoa que tivesse de administrar alugu is de apartamentos Acho que o mais prov vel que o im vel fosse usado como alojamento de seus funcion rios Hoje em dia eu n o sei mas acho que virou uma esp cie de kakekomidera Lembra aqueles templos budistas que nos tempos feudais davam asilo s esposas que fugiam dos maridos para desfazer o v nculo matrimonial De qualquer modo isso n o serve de ganha p o para as imobili rias Ap s dizer isso o velho deu uma risada sem abrir a boca Uma risada que lembrava o tamborilar de um pica pau mesmo Uma esp cie de kakekomidera disse Ushikawa oferecendo lhe um Seven Stars O velho aceitou um cigarr
432. m os produtos de reposi o no hor rio combinado Por precau o mandarei v rios tipos de teste Muito obrigada disse Aomame Caso voc esteja gr vida quando voc acha que aconteceu Creio que foi naquela noite Naquela noite tempestuosa em que fui ao hotel kura A velha senhora deu um leve suspiro Voc consegue determinar o dia Consigo Fazendo os c lculos naquele dia eu estava no meu per odo mais f rtil Nesse caso voc estaria gr vida de dois meses Creio que sim respondeu Aomame Voc sente n useas pela manh Esse costuma ser o per odo mais dif cil da gesta o N o sinto n useas N o sei por qu A velha senhora levou um tempo para escolher cuidadosamente as palavras Se voc fizer o teste e comprovar que est gr vida como voc vai reagir Acho que a primeira coisa que vou pensar quem o pai biol gico da crian a Seria uma quest o de extrema import ncia para mim E voc n o tem ideia de quem possa ser No momento n o Entendi disse a velha senhora com a voz serena Haja o que houver sempre estarei do seu lado Farei de tudo para proteg la Quero que saiba disso Sinto muito incomod la com esse assunto num momento como esse disse Aomame N o diga isso N o um assunto inc modo Trata se de algo muito importante para a mulher Vamos aguardar o resultado do teste e depois pensamos no que f
433. ma sensa o quando esteve naquela cidade Era como se de uma hora para outra inesperadamente ocorresse um deslocamento no centro de gravidade do mundo Raz o pela qual possivelmente aquele protagonista jamais conseguiria pegar o trem e deixar a cidade s onze horas Tengo precisava deixar o quarto para que fizessem a limpeza Um pouco antes desse hor rio ele parava de escrever sa a da pousada e caminhava tranquilamente at a lanchonete da esta o para tomar um caf De vez em quando pedia um sandu che leve mas geralmente n o comia nada Pegava o jornal matutino dispon vel no estabelecimento e verificava atentamente se n o havia algum artigo relacionado a ele Mas n o encontrou nenhum A Cris lida de ar havia desaparecido da lista de mais vendidos havia muito tempo O livro que ocupava o primeiro lugar naquele momento era um de dieta intitulado Emagre a comendo vontade o que voc gosta de comer Um t tulo de tal magnitude devia vender bem mesmo com as p ginas em branco Ap s beber o caf e passar os olhos no jornal Tengo pegava um nibus at a casa de repouso Ele costumava chegar entre uma e meia e duas da tarde Assim que chegava conversava brevemente algum assunto trivial com a enfermeira que o atendia na recep o Desde que ele se hospedara na cidade e passara a visitar diariamente o pai as enfermeiras come aram a trat lo de modo muito mais amistoso do que antes como uma fam lia que acolhe carinhosamente
434. ma e foi para a cama dormir Isso at as duas quando o telefone tocou e ele soube que seu pai havia falecido Ushikawa acordou na manh de segunda feira quando j passava das oito e a essa hora Tengo tentava conciliar o sono dormindo profundamente na poltrona do trem expresso com destino a Tateyama Ushikawa estava sentado diante da c mera aguardando o momento de Tengo sair do pr dio para ir escola Mas obviamente ele n o apareceu Quando o rel gio marcou uma hora Ushikawa desistiu Foi at o telefone p blico perto do pr dio e ligou para a escola perguntando se as aulas do professor Kawana estavam sendo ministradas conforme a programa o As aulas do professor Kawana foram canceladas Ontem noite um parente pr ximo inesperadamente sofreu um infort nio disse a atendente Ushikawa agradeceu a informa o e desligou o telefone Infort nio de um parente pr ximo O nico parente pr ximo de Tengo era o pai que fora cobrador da NHK e estava internado numa casa de sa de distante Tengo ficou um bom tempo afastado de T quio para cuidar dele e voltara havia dois dias O pai havia falecido e Tengo precisou novamente partir Ele deve ter sa do enquanto eu estava dormindo Por que ser que justo hoje eu tinha de dormir t o profundamente e at t o tarde Seja com for agora Tengo est completamente sozinho no mundo pensou Ushikawa Ele sempre foi um solit rio mas agora est ainda mais s
435. ma olhada no rel gio de parede Quanto mais pensava no tempo mais ele demorava a passar Aomame sabia Foi o que Tengo pensou enquanto estava na pia da cozinha amolando uma faca que n o precisava ser necessariamente afiada Ela sabe que eu fui v rias vezes ao escorregador do parque infantil Deve ter me visto sozinho sentado no topo do escorregador e olhando o c u N o h outra explica o Tengo tentou se imaginar no topo do escorregador sob a luz da l mpada de merc rio Naquela ocasi o ele sequer poderia imaginar que estava sendo observado De onde ela o fazia N o importa de onde tenha sido pensou o de menos O importante que s de olhar para mim ela me reconheceu Essa constata o o deixou profundamente feliz Assim como eu sempre estive pensando nela ela tamb m estava pensando em mim Isso por m era algo dif cil de acreditar Crer que num mundo agitado e cheio de labirintos como este os cora es de duas pessoas um menino e uma menina pudessem se unir sem mudan as depois de vinte anos sem se ver Mas por que Aomame n o me chamou na hora em que me viu Se tivesse feito isso as coisas teriam sido bem mais f ceis Como ela descobriu onde eu moro Como foi que ela ou aquele homem descobriu o n mero do meu telefone Tengo n o gostava de receber liga es e o seu n mero n o constava na lista telef nica mesmo atrav s do servi o de informa es era imposs
436. ma velocidade e exatid o Enquanto contemplava a Lua Aomame colocou delicadamente a m o sobre o ventre para se certificar de que ali existia uma coisa pequenina Ainda n o descobri que mundo este Mas independentemente de que mundo seja eu vou ficar aqui pensou Aomame N s vamos ficar aqui Este mundo deve ter os seus pr prios riscos e muitos perigos escondidos Este mundo deve estar cheio de mist rios e contradi es Deve haver in meros caminhos obscuros que n o sabemos para onde nos levar o De agora em diante provavelmente teremos de trilhar alguns desses caminhos Mas tudo bem n o tem problema Vamos aceitar isso sem oposi o N s n o vamos mais sair daqui Vamos fincar os p s neste mundo com uma nica Lua N s tr s Tengo eu e essa coisa pequenina Ponha um tigre no seu tanque diz o tigre da Esso o lado esquerdo do rosto voltado para eles Tanto faz o lado O sorriso aberto espont neo e carinhoso e ele sorri para ela Preciso confiar nesse sorriso importante Ela retribui o sorriso de modo espont neo e afetuoso Aomame estendeu delicadamente a m o no ar e Tengo a pegou Os dois estavam em p e juntos unidos em um nico la o e observavam em sil ncio a Lua pairando sobre os edif cios Iluminada pela luz do novo sol prestes a raiar ela perdeu rapidamente o brilho denso da noite at se transformar em uma lua de papel cinzenta suspensa no c u FIM
437. mame havia solicitado um quarto em um andar bem alto de onde pudessem ver a Lua e disse para a recepcionista que o pre o n o seria problema Essa a condi o mais importante Um local em que se possa ver claramente a Lua disse Aomame A funcion ria foi muito gentil com o casal que acabara de aparecer sem ter feito reserva Contribuiu tamb m o fato de naquela noite o hotel estar calmo F tamb m o fato de primeira vista ela ter sim patizado com eles Ela pediu que um mensageiro fosse at o apartamento para verificar se realmente a lua podia ser vista dali e somente ap s se certificar que passou a chave da su te j nior para Aomame Ela ofereceu um desconto especial para o casal Hoje lua cheia ou algo assim perguntou a mo a para Aomame demonstrando interesse At ent o ela devia ter recebido in meras solicita es desejos e pedidos de h spedes mas era a primeira vez que via uma h spede solicitar seriamente um quarto de onde se pudesse ver a lua N o disse Aomame A lua cheia j passou Hoje ela deve estar com dois ter os do tamanho Mas n o faz mal O importante ver a lua A senhora gosta de ver a lua muito importante para n s disse Aomame sorrindo Muito Mesmo com o amanhecer se aproximando o n mero de luas n o aumentou Havia somente uma e familiar Lua Um nico sat lite que ningu m mais se lembra desde quando ele gira em torno da Terra com a mes
438. mas para a divis o de tr nsito da pol cia metropolitana de Shinjuku E ela tamb m recebeu algumas liga es desse local Mas Aomame n o possu a carro e um policial n o contrataria um personal trainer de um clube esportivo de elite Diante disso temos de supor que ela tinha algum amigo que trabalhava nessa se o N o sabemos exatamente quem Outra coisa que me deixou intrigado foi que al m disso h alguns telefonemas longos feitos de um n mero n o identificado As liga es s o originadas desse n mero e ela mesma nunca ligou para ele Tentei identific lo de v rias maneiras mas n o consegui Existem n meros telef nicos registrados para que o nome n o venha a p blico mas mesmo nesses casos h meios de descobri los No entanto daquele n mero em particular n o h como descobrir o nome por mais que se procure A informa o est guardada a sete chaves Isso algo dif cil de fazer Quer dizer que essa pessoa consegue fazer coisas incomuns Exatamente N o h d vidas de que s o profissionais Uma outra cobra disse Onda Ushikawa alisou sua cabe a calva e deformada e esbo ou um sorriso maroto Isso mesmo Uma outra cobra Daquelas bem terr veis De qualquer modo est ficando bem claro que existe um profissional por tr s dela disse Onda Exatamente Existe alguma organiza o dando cobertura a Aomame E essa organiza o n o de amadores uma divers o para as horas l
439. me imaginou uma garota de dezessete anos sustentando a moralidade Vou levar o assunto para a Madame disse Tamaru Ela quer falar diretamente com voc Mas como sempre costumo dizer sob o ponto de vista da seguran a n o estou muito alegre com essa not cia Estamos tomando todas as medidas t cnicas cab veis mas mesmo assim o telefone um meio de comunica o muito arriscado Sei disso Ela est muito apreensiva com o desenrolar dos fatos e se preocupa muito com voc Tamb m sei disso Sinto me grata Seja prudente Confie nela e ou a o que ela tem a lhe dizer Ela uma pessoa extremamente s bia Farei isso respondeu Aomame Mas independentemente disso preciso agu ar a minha consci ncia e me proteger pensou Aomame N o h d vidas de que a velha senhora de Azabu uma pessoa s bia Ela realmente possui um poder imensur vel Entretanto h coisas que ela n o tem como saber Possivelmente ela n o sabe como funcionam as regras de 1084 Ela ainda n o deve ter notado que existem duas luas no c u KKK Ap s desligar o telefone Aomame deitou se no sof e pegou no sono durante trinta minutos Um sono curto e profundo Sonhou mas o sonho era um espa o vazio Nesse vazio ela pensava sobre v rias coisas Era como estar diante de um caderno em branco escrevendo com tinta Invis vel Ao despertar sua mente guardava uma imagem vaga e ao mesmo tempo estranhament
440. mente Ela cresceu bem tornou se independente e est com sa de Saber disso me deixa com menos remorso H uma coisa que eu n o consigo entender disse Ushikawa esbo ando um sorriso inocente Ser que no prim rio Tengo e Aomame n o tiveram alguma rela o mais pr xima A professora entrela ou os dedos e pensou por um tempo Pode ser que sim Mas eu nunca presenciei nada nem ouvi coment rios a respeito A nica coisa que posso dizer que acho dif cil imaginar que algu m daquela classe tenha tido algum tipo de relacionamento mais pr ximo com ela Tengo pode ter lhe estendido a m o Ele era uma crian a muito gentil e respons vel Mas mesmo que isso tenha acontecido Aomame n o era uma crian a que facilmente abriria o seu cora o assim como uma ostra grudada na rocha dificilmente abre a concha A professora calou se por um tempo e depois prosseguiu Lamento ter de dizer isso mas naquela poca confesso que n o pude fazer nada Como j disse eu era inexperiente e n o tinha seguran a para enfrentar a situa o Se o senhor Kawana e a senhorita Aomame tivessem tido algum relacionamento mais pr ximo isso teria uma grande repercuss o na sala e a hist ria com certeza chegaria aos seus ouvidos n o A professora concordou A intoler ncia era comum em ambos os lados Ushikawa agradeceu Esta conversa com a senhora ser de grande import ncia Espero que a conversa que
441. mente ele n o sofreu O rosto dele tinha uma express o de serenidade Como posso dizer como se num dia sem ventos no final do inverno uma folha se desprendesse sozinha do galho Foi essa a impress o que tive N o sei se consigo me expressar direito Consegue sim disse Tengo Para ele foi melhor assim Voc pode vir hoje Creio que posso disse Tengo Ele assumiria as aulas a partir da segunda feira mas com a morte do pai teria de cancel las Vou pegar o primeiro trem expresso Antes das dez da manh devo estar a Se voc puder fazer isso seria timo Voc precisa resolver alguns assuntos burocr ticos Assuntos burocr ticos disse Tengo Preciso levar alguma coisa em particular Voc o nico parente do senhor Kawana Acho que sim Nesse caso traga o seu carimbo registrado Creio que voc vai precisar dele Voc tem a certid o de autenticidade do carimbo Se n o me engano tenho uma c pia Como precau o melhor voc traz la Acho que o principal isso De resto seu pai j tomou todas as provid ncias ainda em vida Ele tomou todas as provid ncias Isso Enquanto ainda estava consciente ele deixou tudo minuciosamente acertado dinheiro para o funeral a roupa para vesti lo no caix o e at o local onde depositar suas cinzas Era muito organizado Digamos que era uma pessoa com bastante senso pr tico Uma pesso
442. mente mandar embora Como Tengo j havia presumido um certo dia Komatsu apareceu na empresa sem avisar e sem dar qualquer satisfa o ou mesmo se desculpar pela aus ncia voltou a trabalhar Tengo soube disso por meio de outro editor quando este o procurou para tratar de outro assunto Ent o Komatsu j est melhor perguntou Tengo a esse editor Ah ele parece estar bem disse ele Mas anda meio quieto Meio quieto disse Tengo um pouco surpreso Bem como posso dizer Ele parece um pouco menos soci vel do que antes Ele realmente estava doente Eu n o saberia dizer respondeu o editor indiferente Se ele diz que estava s nos resta acreditar Mas com ele de volta os assuntos pendentes que estavam acumulados est o sendo resolvidos e isso para n s uma b n o Enquanto ele esteve ausente ocorreram in meros problemas relacionados Cris lida de ar e voc n o imagina a dor de cabe a que isso nos deu Por falar em Cris lida de ar como ficou o caso do desaparecimento de Fukaeri N o ficou Est do mesmo jeito O caso est parado e ainda n o se sabe o paradeiro da jovem escritora Todos os envolvidos no caso est o perplexos sem saber o que fazer Leio os jornais mas ultimamente n o se fala nada a respeito disso imprensa evita tocar nesse assunto ou se mant m a uma dist ncia segura A pol cia tamb m n o age ostensivamente Sobre ess
443. mente num campo minado Komatsu concordou sem dizer nada O rapaz de cabelo rente fechou os olhos por alguns instantes e os abriu novamente Voc s est o em apuros mas eles tamb m est o enfrentando graves problemas Komatsu resolveu tomar coragem Posso fazer uma pergunta Se eu puder responder Ao publicar a Cris lida de ar n s causamos alguns problemas a esse grupo religioso isso N o foram poucos os problemas disse o rapaz de cabelo rente contorcendo levemente o rosto A voz deixou de falar com eles Voc entende o que isso significa N o disse Komatsu com o tom de voz seco N o faz mal eu tamb m n o pretendo entrar em detalhes e creio que seja melhor que voc n o saiba O que posso dizer que a voz deixou de falar com eles O rapaz de cabelo rente fez uma pausa e prosseguiu Essa situa o desagrad vel ocorreu quando a Cris lida de ar foi publicada Komatsu indagou Eriko Fukada e o professor Ebisuno previam essa situa o desagrad vel quando resolveram publicar a Cris lida de ar O rapaz de cabelo rente balan ou a cabe a num gesto negativo N o Creio que o professor Ebisuno n o sabia dessas implica es Quanto a Eriko Fukada desconhecemos o que ela planejava Mas achamos que essa a o n o foi intencional Caso tenha havido algum plano n o deve ter sido dela As pessoas acham que a Cris lida de ar apenas uma hist ria de fantas
444. mi Adachi pegou outra lata de cerveja abriu a tampa fazendo barulho serviu um pouco em seu copo e tomou cerca de um ter o em um s gole Estreitou os olhos como um gato satisfeito Em seguida apontou para a tela da TV O trem percorria os trilhos em linha reta passando por entre enormes penhascos vermelhos Onde isso Austr lia respondeu Tengo Austr lia disse Kumi Adachi e sua voz parecia buscar algo no fundo de sua mem ria A Austr lia no Hemisf rio Sul Isso mesmo Austr lia dos cangurus Conhe o uma pessoa que foi para a Austr lia disse Kumi Adachi co ando o canto do olho Ela foi bem na poca do acasalamento dos cangurus e quando chegou a uma certa cidade havia cangurus trepando a torto e a direito No parque na rua em todos os lugares Tengo achou que deveria comentar algo a respeito mas faltaram lhe palavras Foi ent o que pegou o controle remoto e desligou a T V Ao deslig la o local ficou repentinamente silencioso N o se ouvia mais o som da T V do vizinho Vez por outra um caminh o parecia fazer quest o de passar na rua mas fora isso a noite estava silenciosa A nica coisa que se podia ouvir ao prestar aten o era um som baixo e abafado vindo de longe N o dava para identificar o que era mas era regular e r tmico De vez em quando parava dava um tempo e recome ava a dona coruja Ela mora num bosque pr ximo daqui e toda noite ela canta dis
445. mimetismo apenas uma engana o N o resolve nada De verdade senhorita Takai Bem agora est na hora de eu ir N o se preocupe agora estou dizendo a verdade Realmente vou embora Mas em breve estarei de volta Se ouvir batidas na porta saiba que sou eu Passe bem senhorita Takai Como sempre n o se ouviram passos Ela aguardou cinco minutos Em seguida foi at a porta e apurou os ouvidos Espiou pelo olho m gico e n o viu ningu m no corredor O cobrador realmente tinha ido embora Aomame apoiou o bast o met lico no balc o da cozinha Tirou a bala da c mara acionou a trava de seguran a embrulhou a arma numa malha de gin stica e a guardou na gaveta Deitou se no sof e fechou os olhos A voz do cobrador ainda ecoava em seus ouvidos Mas n o adianta fazer isso pois n o conseguir fugir para sempre Com certeza algu m vai chegar aqui e abrir a porta verdade Aquele homem n o deve ser de Sakigake Eles s o discretos e agem mantendo uma dist ncia segura Eles jamais berrariam no corredor de um pr dio e fariam insinua es para que o outro fique em estado de alerta O jeito de eles agirem n o era assim Aomame lembrou se do rapaz de cabelo rente e do de rabo de cavalo Eles chegar o de mansinho sem fazer barulho Ao se dar conta eles estar o de p bem atr s dela Aomame balan ou a cabe a mantendo a respira o calma Aquele homem deve ser realmente um cobrador da NHK Mas o estranho que ele
446. mitia tratar do assunto a n o ser diretamente com a pessoa e que nesse caso ele precisaria de alguns dias para providenciar o envio dos documentos pelo correio O homem solicitou que assim o fizesse e desligou o telefone Ushikawa n o ficou particularmente decepcionado por n o ter conseguido falar com a velha senhora Desde o in cio ele n o tinha essa expectativa O que realmente queria averiguar era o quanto ela se preocupava em preservar a privacidade E pelo que constatou a preocupa o era excessiva Algumas pessoas cuidavam e zelavam pela sua prote o Foi a impress o de Ushikawa ao escutar o tom do homem que o atendeu possivelmente o secret rio particular dela O nome dela aparecia na lista telef nica mas as pessoas que t m acesso direto s o restritas As que n o possuem acesso s o imediatamente agarradas e expulsas como formigas que tentam entrar no a ucareiro Com a desculpa de estar procurando algum im vel para alugar Ushikawa percorreu as imobili rias das redondezas com o intuito de discretamente obter informa es sobre o abrigo Os corretores em geral nem mesmo tinham conhecimento da exist ncia daqueles apartamentos Aquela regi o era um dos poucos e raros bairros residenciais de alto padr o existentes em T quio As imobili rias basicamente trabalham com im veis caros e n o est o interessadas em alugu is de apartamentos de um sobrado de madeira Os corretores praticamente ignoraram Ushikawa s de passare
447. mole o tempo todo Talvez a culpa tenha sido do haxixe mas no fundo sabia que n o era isso Naquela noite de trovoadas quando ele e Fukaeri fizeram sexo ela levou algo importante de seu cora o Era como se tivesse levado algum m vel do apartamento Era a impress o que tinha Como o qu por exemplo Tengo meneou a cabe a Ap s beber a cerveja pediu uma dose do bourbon Four Roses e uma por o de castanhas Como da outra vez A ere o daquela noite tempestuosa deve ter sido perfeita demais Seu p nis estava muito mais duro e maior que o normal Nem parecia ser o seu p nis de sempre Era liso brilhante e mais que um p nis de verdade parecia um s mbolo conceitual A ejacula o que se seguiu ere o foi intensa viril e o s men jorrou abundante e denso Com certeza aquele jato atingiu o mago do tero dela Talvez tenha atingido um local bem mais profundo Uma ejacula o perfeita Mas quando alguma coisa sai perfeita demais sempre existe uma rea o A vida assim Como me senti ao ejacular ap s ter tido aquela experi ncia Tengo n o conseguia se lembrar Talvez n o tenha ejaculado nenhuma vez desde ent o O fato de n o se lembrar significava que caso tivesse ejaculado teria sido algo de propor o bem menor Seria como um curta metragem que passa antes do filme principal N o havia sentido em comentar uma ejacula o desse tipo Talvez Tengo se perguntava se ele passaria o resto da vida te
448. mundo Poderia por favor fazer o obs quio de pag la Eu n o fico batendo na porta porque gosto e creio que a senhorita tamb m n o quer continuar passando por essa situa o desagrad vel n o Em algum momento a senhorita deve ficar indignada e se perguntar Por que eu Por que tenho de passar por todo esse constrangimento Por isso que tal fazer o obs quio de pagar a taxa de recep o Se assim o fizer sua vida voltar a ser tranquila como antes A voz do homem ecoava pelo corredor alta e n tida Ele parece se divertir com a pr pria tagarelice pensou Aomame Ele se diverte ridicularizando ca oando e insultando as pessoas que n o pagam a taxa de recep o No jeito loquaz de ele falar Aomame percebeu um n tido e perverso prazer Senhorita Takai devo admitir que a senhora uma pessoa realmente teimosa Confesso que estou admirado A senhorita consegue se manter em sil ncio como uma ostra incrustada nas profundezas do mar Mas eu sei que a senhorita est a Est do outro lado da porta quietinha e olhando fixamente para o lado de c Est tensa e com o suor a brotar nas axilas N o Seguiram se treze batidas na porta De repente as batidas cessaram Aomame sentia o suor brotando das axilas Muito bem Por hoje chega Mas saiba que voltarei em breve Confesso que estou gostando cada vez mais desta porta H diversos tipos de porta e esta n o das piores A sensa o de bater nela
449. n o acredito em hip teses do tipo se tudo der certo por isso que consegui sobreviver at hoje Por isso eu n o devo me aproximar daquele apartamento Exatamente disse Tamaru Escapamos por pouco Nunca ser demais sermos cuidadosos Ser que o cabe o do boneco da felicidade sabia que eu estava escondida neste apartamento Se ele soubesse voc certamente estaria num local longe do meu alcance Mas ele chegou bem perto Chegou Mas acho que foi conduzido at a por puro acaso Nada mais que isso Isso explica por que ele subiu no escorregador e ficou exposto indefeso Tem raz o Ele realmente n o sabia que voc o estava observando Sequer desconfiou Foi isso que o conduziu morte disse Tamaru N o te disse certa vez O qu o t nue a linha que separa a vida da morte Um breve sil ncio pairou sobre eles Um sil ncio pesaroso que a morte de uma pessoa seja ela quem for emana O cabe o do boneco da felicidade n o existe mais mas o grupo religioso continua atr s de mim A esta um ponto que eu ainda n o consegui entender disse Tamaru No in cio a inten o deles era capturar voc e descobrir que tipo de organiza o estava por tr s do plano de matar o L der Eles sabem que voc sozinha n o teria conseguido fazer isso e querem saber quem est na retaguarda Caso te achassem n o h d vidas de que o interrogat rio seria mui
450. n o condizia com a natureza dela Tengo caminhou pelo bairro de K enji O dia estava escurecendo e soprava um vento gelado mas isso n o o incomodava Gostava de pensar enquanto caminhava E ent o se sentar diante da mesa e dar forma a essas ideias Fazia parte de sua rotina Por isso n o se importava em caminhar na chuva ou no vento Chegou em frente ao bar Muguiatama Como n o lhe ocorreu nada para fazer resolveu entrar e pediu um chope Carlsberg O bar tinha acabado de abrir e n o havia nenhum cliente Tengo parou de pensar esvaziou a mente e tomou tranquilamente a sua bebida Mas ficar com a mente vazia era um capricho que Tengo n o conseguia manter por muito tempo Esvaziar a mente era algo t o imposs vel quanto criar um v cuo na natureza Ele n o podia deixar de pensar em Fukaeri Ela estava presente em sua consci ncia como um fragmento de sonho Pode ser que ela esteja bem perto Um lugar que d para ir andando Foram as palavras de Fukaeri Por isso naquele dia ele resolveu sair pela cidade procura de Aomame E naquele dia ele tamb m entrou neste mesmo bar O que mais ela lhe disse N o precisa se preocupar Se voc n o encontr la ela que vai te encontrar Assim como Tengo estava procurando Aomame ela tamb m o procurava Tengo relutou em acreditar nisso Ele estava aflito tentando encontr la e por isso nem lhe passou pela cabe a que ela tamb m estaria procura dele Eu percebo e voc receb
451. n o d a impress o de fazer parte de uma grande organiza o Ele parece agir sozinho Concordo com voc A n o ser que haja um motivo especial n o acho vi vel uma organiza o contratar um sujeito de apar ncia t o estranha para fazer esse tipo de investiga o sigilosa Ent o por que e para quem ele est fazendo essa investiga o N o sei disse Tamaru S posso afirmar que ele muito bom no que faz e uma pessoa perigosa O resto s o suposi es Na minha modesta opini o eu me arriscaria a dizer que ele possui algum tipo de liga o com o grupo Sakigake Aomame refletiu sobre essa modesta opini o Aquele homem mudou o local de ca a Isso mesmo N o saberia dizer para onde ele foi Mas pela l gica suponho que o pr ximo objetivo dele encontrar o seu esconderijo Mas voc mesmo disse que praticamente imposs vel algu m me encontrar Isso mesmo N o h como descobrir nenhuma rela o entre a velha senhora e esse apartamento A liga o foi totalmente apagada Mas por um tempo limitado Se o cerco se estender por muito tempo acabar o encontrando alguma ponta solta Num momento inesperado como por exemplo quando voc sair inadvertidamente e algu m te ver Essa seria uma das possibilidades Eu nunca deixei o apartamento disse Aomame em tom categ rico claro que n o era verdade Ela chegara a sair duas vezes A primeira foi quando correu at o parqu
452. n o respondeu s vezes Tengo lia alguns trechos do romance que escrevera no per odo da manh Ap s l los corrigia com a caneta as partes que n o lhe agradaram e relia o trecho revisado Caso ainda n o ficasse satisfeito com o tom da frase novamente reescrevia o trecho E mais uma vez o relia O trecho revisado ficou melhor disse Tengo voltando se para o pai como se quisesse obter seu consentimento Mas o pai obviamente n o revelava sua opini o N o opinava se ficara melhor ou se antes estava melhor ou que n o via muita diferen a entre o antes e o depois Ele mantinha as p lpebras fechadas sobre os olhos encovados como persianas cobrindo pesadamente as janelas de uma casa triste Vez ou outra Tengo se levantava esticava o corpo e se aproximava da janela para observar a paisagem H alguns dias o tempo andava nublado e agora chovia A chuva que ca a incessantemente durante todo o per odo da tarde molhava os pinheiros quebra ventos tornando os enegrecidos e pesarosos Em dias assim n o se ouviam as ondas do mar Com a aus ncia de ventos a chuva ca a verticalmente e um bando de p ssaros pretos voava sob a tempestade Os cora es desses p ssaros tamb m se tornavam enegrecidos e midos O quarto do hospital tamb m ficava mido Travesseiro livro mesa tudo o que havia ali umedecia Mas independente do tempo da umidade do vento e do barulho das ondas seu pai continuava em coma O estado de inconsci ncia
453. n o saberia responder disse o homem Como eu disse h pouco estou apenas transmitindo o que ela me disse Tengo pensou enquanto passava os dedos nos cabelos em desalinho Mudar E prosseguiu Talvez eu tenha de levar um volume consider vel de pap is Creio que isso n o vai ser problema disse o homem O senhor tem toda a liberdade de escolher o que quiser Mas a bolsa dever ser uma que deixe as m os livres Uma que deixe as m os livres disse Tengo Isso quer dizer que n o pode ser uma mala n o Creio que sim Era dif cil imaginar a idade a apar ncia e o porte f sico daquele homem por meio de sua voz Era uma voz desprovida de pistas concretas Um tipo de voz que n o se consegue mais guardar assim que se desliga o telefone Uma que n o revela quaisquer ind cios de personalidade ou de sentimentos caso haja algum O que eu precisava lhe transmitir era isso disse o homem Aomame est bem perguntou Tengo Fisicamente est bem respondeu o interlocutor escolhendo cuidadosamente as palavras Mas no momento ela est numa situa o um pouco tensa Ela precisa estar constantemente atenta Se houver um deslize pode p r tudo a perder Tudo a perder Tengo repetiu mecanicamente Seria melhor n o protelar disse o homem Nesta situa o o tempo um fator importante O tempo um fator importante Tengo repetiu mentalmente
454. n o ser a pr pria vida Tudo muito simples Envolto na escurid o Ushikawa esbo ou um g lido sorriso frio e cortante como uma l mina bem afiada 14 Aomame Esse meu ser pequenino Aomame passava grande parte do tempo sentindo se confusa como se estivesse vivendo s cegas Ela n o tinha ideia do que poderia lhe acontecer neste mundo de 1084 em que a l gica e o conhecimento adquirido n o eram mais v lidos Mas algo lhe dizia que ela viveria por mais alguns meses at dar luz a crian a Era apenas uma intui o Por m uma intui o bem pr xima da certeza Ter a crian a parecia ser uma condi o para que todas as coisas continuassem a avan ar Era essa a impress o que tinha Aomame lembrava as ltimas palavras ditas pelo L der de Sakigake Voc ainda ter de superar uma prova muito dura Ao passar por ela certamente conseguir enxergar as coisas como elas realmente s o Ele sabia de algo Algo muito importante E tentou transmiti lo ainda que de modo amb guo e vago A prova a que ele se referia poderia ter sido o fato de ela ter chegado muito perto da morte Com a inten o de me matar fui at a placa da Esso com uma pistola na m o Mas voltei para c sem o fazer Foi ent o que descobri estar gr vida Isso tamb m pode ter sido algo predeterminado No in cio de dezembro os ventos sopraram intensos durante as primeiras noites As folhas se desprendiam da zelkova e eram lan adas com viol ncia contra
455. na Um grupo de homens bronzeados com ternos escuros que n o estavam habituados a usar e fumando sem parar enquanto lamentavam a morte do amigo pelo c ncer de pulm o Mas agora na sala de espera estavam somente Tengo e Kumi e o sil ncio era ocasionalmente quebrado pelo canto agudo dos p ssaros N o havia m sica nem vozes luz do sol incidia delicadamente sobre a terra Uma luz que ao passar pela janela formava uma silenciosa rea clara em torno dos p s O tempo flu a lentamente como as guas do rio em dire o foz Obrigado por ter vindo disse Tengo ap s permanecer um longo tempo em sil ncio Kumi Adachi colocou as m os sobre as de Tengo Ficar sozinho numa hora dessas n o f cil Sempre melhor ter algu m por perto Tem raz o admitiu Tengo morte de uma pessoa um acontecimento muito s rio n o importam as circunst ncias Ela abre um buraco no mundo E cabe a n s prestarmos corretamente a nossa homenagem Se n o fizermos isso o buraco n o se fecha direito Tengo concordou com a cabe a N o se deve deixar o buraco aberto disse Kumi Algu m pode cair nele Mas dependendo da situa o a pessoa que morre leva consigo alguns segredos disse T engo Se o buraco se fechar eles jamais ser o revelados Acho que isso tamb m necess rio Por qu Se a pessoa que morreu levou consigo um segredo significa que n o poderia ser deixa
456. nasce com uma quantidade fixa de vulos Lembro Se n o me engano comentei que uma mulher possui cerca de quatrocentos vulos e que mensalmente libera um Pois ent o tenho a n tida sensa o de que um de meus vulos foi fecundado N o sei se essa palavra sensa o a mais adequada para expressar o que sinto A velha senhora fez uma pausa para refletir sobre o assunto Eu tive dois filhos por isso de certa forma entendo essa sensa o que voc diz ter Mas voc est dizendo que apesar de n o ter tido rela o sexual h algum tempo o vulo foi fecundado e voc est gr vida um argumento dif cil de aceitar com facilidade Sei disso e eu tamb m concordo que algo dif cil de aceitar Desculpe me a indelicadeza mas existe alguma possibilidade de algu m ter feito sexo com voc enquanto estava inconsciente De jeito nenhum A minha consci ncia sempre esteve desperta A velha senhora escolheu cuidadosamente as palavras Sempre considerei voc uma pessoa calma e coerente Pelo menos assim que tento ser disse Aomame Mesmo assim voc acha que pode estar gr vida sem ter tido rela o sexual Acho que existe essa possibilidade Concretamente falando disse Aomame claro que o fato em si n o faz nenhum sentido Entendi disse a velha senhora De qualquer modo vamos aguardar o resultado O teste de gravidez ser entregue amanh junto co
457. nce de fantasia que n o possui nenhuma informa o concreta em seu texto N o importa que tipo de mensagem ou como essa voz transmite a informa o n s n o temos mais nada a ver com isso Vamos deixar as coisas como est o Vamos abandonar o barco e pisar em terra firme Komatsu concordou Isso mesmo Vou trabalhar todos os dias na editora e procurar manuscritos que tanto faz publicar ou n o na revista liter ria Voc vai continuar a lecionar matem tica na escola preparat ria para os promissores jovens e nos dias em que n o der aula escrever o seu romance Vamos voltar para a nossa pac fica vida cotidiana Sem fortes correntezas nem cachoeiras O tempo vai passar e envelheceremos tranquilamente Alguma obje o N o temos outra escolha temos Komatsu esticou as rugas das laterais do nariz com a ponta dos dedos Tem raz o N o temos escolha Nunca mais quero ser raptado A experi ncia de ficar preso num cub culo para mim foi o suficiente Se houver uma pr xima vez possivelmente eu nunca mais verei a luz do dia Mesmo que eu n o seja raptado s de pensar em reencontrar aqueles caras meu cora o dispara O olhar deles suficiente para fazer uma pessoa sofrer um ataque fatal Komatsu olhou para o balc o levantou o copo e pediu a sua terceira dose de u sque com soda Levou um cigarro boca Por que voc n o me contou essa hist ria antes J faz um bom tempo que te sequestraram n o Mais
458. ncias n o solicitadas A maioria possivelmente ia direto para o lixo Conforme o sol atingia o seu z nite a temperatura se elevou e muitas pessoas andavam pela rua sem os seus casacos Fukaeri apareceu na entrada do pr dio quando j passava das onze Ela vestia a mesma blusa de gola alta preta do dia anterior sob um casaco curto cinza cal a jeans t nis brancos e culos de sol Trazia uma bolsa verde e grande a tiracolo A bolsa aparentemente cheia estava estufada com um formato esquisito Ushikawa desencostou se da parede e diante da c mera montada no trip passou a observ la atrav s do visor Ushikawa logo percebeu que aquela garota tinha a inten o de deixar definitivamente o apartamento Ela colocou seus pertences na bolsa e pretendia se mudar para outro lugar Essa foi a impress o que Ushikawa teve assim que a viu Provavelmente ela decidiu ir embora ao perceber que eu estava escondido no pr dio cogitou Ao pensar nessa possibilidade Ushikawa sentiu o cora o palpitar Ao sair do pr dio a garota parou e como da vez anterior olhou para o c u Parecia buscar algo no espa o entre os fios emaranhados de alta tens o e a caixa do transformador As lentes de seus culos escuros reluziram ao refletir a luz do sol impedindo o de ver a express o de seu rosto Raz o pela qual Ushikawa n o tinha como saber se ela conseguiu encontrar esse algo Ela permaneceu por cerca de trinta segundos observando o c u im vel
459. ncias pequenas coladas uma na outra Eram constru es de dois pavimentos sem jardim Um pouco adiante havia um bar e uma papelaria para atender principalmente os estudantes do prim rio Dois quarteir es frente havia um pequeno posto policial Nas redondezas n o havia lugares para se esconder e caso Ushikawa ficasse parado em frente ao apartamento de Tengo ainda que ele tivesse a sorte de n o ser visto por ele havia o risco de os vizinhos suspeitarem Uma pessoa com apar ncia incomum como a dele aumentaria em dois graus o n vel de alerta Poderiam inclusive desconfiar de que ele era um tarado espreita de crian as e a possibilidade de chamarem os guardas do posto policial era grande Para vigiar uma pessoa antes de mais nada era preciso encontrar um local adequado Um local de onde se pudesse observar as atividades da pessoa sem chamar a aten o e onde houvesse acesso a gua e alimentos O ideal ent o seria encontrar esse local e com uma c mera com lente telesc pica apoiada num trip vigiar o apartamento de Tengo e as pessoas que entravam e sa am dele Como Ushikawa estava sozinho era imposs vel manter a vigil ncia durante vinte e quatro horas ininterruptas mas ele daria conta de trabalhar por cerca de dez horas por dia Por m encontrar o lugar ideal era uma tarefa dif cil Mesmo assim Ushikawa saiu procura de um andando pelas redondezas Ele era um homem que n o desistia facilmente Caminhou at onde s
460. nco havia dois ideogramas Kawa na O cart o n o era novo Os cantos estavam retorcidos e dobrados e em alguns pontos apresentava a superf cie levemente manchada pela a o da umidade Desde que fora pregado na caixa muito tempo havia se passado Tamaru deve esclarecer se o morador do apartamento Tengo Kawana ou se outra pessoa de mesmo sobrenome Creio que em breve quem sabe at amanh ele j possa me dar essa informa o Ele um homem que n o perde tempo Os fatos ser o esclarecidos E talvez eu possa me encontrar com Tengo pensou Aomame Essa possibilidade a fez se sentir sufocada O ar ao seu redor parecia rapidamente se diluir Mas nem sempre as coisas correm t o bem Se o morador do apartamento 303 for realmente Tengo Kawana aquele sinistro cabe o do boneco da felicidade tamb m pode estar escondido em algum lugar daquele pr dio E possivelmente deve estar planejando algo em segredo n o se sabe o qu que com certeza ser maligno Um plano meticulosamente elaborado que o far seguir obstinadamente os passos de Aomame e de Tengo para impedir lhes o encontro N o N o devo me preocupar com isso Aomame tentava se convencer Tamaru um homem confi vel Ele o homem mais cauteloso h bil e experiente que conhe o Devo deixar esse assunto sob sua responsabilidade pois ele com certeza vai agir a meu favor e me defender do cabe o do boneco da felicidade Aquele cabe
461. nco traseiro Assim que tirou a bolsa do ombro e deixou a de lado tratou de limpar a boca com um len o Sentia o gosto do metal e dos res duos de leo da pistola Encontrou a escada de emerg ncia Aomame balan ou a cabe a negativamente Eu sabia Nunca ouvi falar de uma escada de emerg ncia nesse lugar disse o motorista Devo continuar a rota inicial e seguir at a sa da de Ikejiri Sim Por favor respondeu Aomame O motorista abaixou o vidro colocou o bra o para fora e mudou para a faixa da direita posicionando se na frente do nibus O tax metro marcava o mesmo valor de quando ela deixara o t xi Recostada no banco Aomame respirava ritmicamente enquanto olhava para o outdoor da Esso que j lhe era familiar O rosto do tigre estava de perfil e sorria segurando o bico da bomba de combust vel No outdoor estava escrito Ponha um tigre no seu tanque Ponha um tigre no seu tanque falou Aomame bem baixinho Como disse indagou o motorista N o nada Estou falando sozinha Quero viver mais um pouco para ver o que acontece N o ser tarde demais se eu resolver morrer depois Assim espero No dia seguinte ap s desistir de se suicidar assim que Tamaru lhe telefonou Aomame comunicou que os planos haviam mudado Decidi que n o vou me mudar daqui N o vou mudar de nome nem me submeter a uma cirurgia pl stica Tamaru nada disse na outra ponta da linha Seu
462. ncordou dizendo estar ciente disso Eu j mencionei isso antes mas vou repetir s para me certificar Consegui obter toda a informa o dispon vel sobre este assunto que voc me pediu para pesquisar Mas se voc n o ficar satisfeito n o minha responsabilidade Eu fiz tudo o que era tecnicamente poss vel O pagamento pelo tempo e pelo esfor o dispensado n o pelos resultados Ent o por favor n o me pe a para devolver o dinheiro caso voc n o encontre a informa o que est procurando Gostaria de confirmar se voc concorda com esse ponto Concordo respondeu Ushikawa Outra coisa que gostaria de dizer que n o consegui obter nenhuma foto de Aomame disse Morcego Elas foram cuidadosamente removidas de todos os documentos Tudo bem deixe estar disse Ushikawa De todo modo ela j deve ter mudado de rosto a essa altura disse Morcego Pode ser disse Ushikawa Morcego tossiu v rias vezes isso disse ele e desligou Ushikawa p s o fone no gancho suspirou e colocou um novo cigarro na boca Acendeu o com o isqueiro e soltou lentamente a fuma a na dire o do telefone Na tarde do dia seguinte uma jovem veio at o escrit rio de Ushikawa Aparentava ter menos de vinte anos O vestido branco e curto real ava os contornos de seu corpo e combinando com o vestido usava um lustroso par de sapatos brancos de salto alto e brincos de p rolas Suas orelhas
463. nde capacidade de aprendizado e gostava de estudar Mas para n o demonstrar isso abertamente ela procurava controlar e reprimir essa sua capacidade O nico meio de se proteger talvez tenha sido o de n o chamar a aten o Se ela vivesse num ambiente normal certamente teria sido uma excelente aluna Quando me lembro disso sinto realmente muita pena A senhora chegou a conversar com os pais dela A professora assentiu V rias vezes Os pais dela frequentemente iam escola reclamar que a filha estava sendo perseguida por quest es religiosas Nessas ocasi es eu solicitava a eles que ajudassem Aomame a se enturmar mais com os colegas Tentar ser um pouco mais flex vel em rela o aos preceitos religiosos Mas foi em v o Para os pais dela obedecer rigorosamente as cren as religiosas era fundamental Para eles a felicidade era alcan ar o Reino dos C us e a vida na Terra era algo transit rio Mas essa era a l gica dos adultos Eles n o entendiam como terr vel para uma crian a ser ignorada e repelida pelos demais colegas e como isso pode causar uma ferida fatal Ushikawa informou que Aomame fora atleta tanto no time de softball da faculdade quanto no da empresa em que trabalhava e que atualmente era uma tima instrutora num clube esportivo de luxo O correto seria dizer que estava trabalhando nesse clube at pouco tempo atr s mas n o precisava ser t o detalhista Que bom disse a professora corando leve
464. ndente um vigor uma curiosa do ura um c ntico Ser que aqueles tempos t o duros tamb m tinham tudo isso Na poca ramos jovens com uma esperan a indom vel Durante aqueles dias todos nos fundimos em uma unidade a tal ponto que mesmo em outro planeta somos capazes de nos reconhecer assim como todas as coisas saudando se umas s outras o rel gio cuco e os meus livros dirigindo se s vacas esquel ticas nos campos e aos velhos quicuios pesarosos Voc s tamb m estavam l Voc s tamb m eram parte da fazenda em Ngong Aquela poca ruim nos aben oou e foi embora Que texto cheio de vida disse a enfermeira O cen rio parece estar diante dos meus olhos 4 fazenda africana de Isak Dinesen Isso mesmo sua voz tima Profunda e cheia de emo o Boa para a leitura Muito obrigado A enfermeira permaneceu sentada no tamborete respirando serenamente de olhos fechados apreciando a expressiva resson ncia das palavras Os seus seios salientes sob o uniforme branco movimentavam se para cima e para baixo acompanhando o ritmo de sua respira o Enquanto a observava Tengo lembrou se de sua namorada mais velha Nas tardes de sexta feira ele a despia e acariciava os bicos duros de seus seios A respira o ficava ofegante e seus rg os genitais midos Pela janela encortinada a chuva ca a discretamente Ela sentia nas m os o peso de seus test culos Mas essa lembran a n o o exci
465. ndo uma ere o de segunda categoria ou se ainda teria alguma Com certeza sua vida seria triste como um longo anoitecer Por outro lado poderia ser algo inevit vel Bem pelo menos ele tivera uma perfeita ere o e uma perfeita ejacula o Como disse a escritora de E o vento levou se voc alguma vez realizou algo de grandioso j um bom motivo para festejar Ap s beber o u sque Tengo pagou a conta e saiu novamente pelas ruas O vento estava forte e o ar ainda mais frio Preciso encontrar Aomame antes que as regras do mundo se afrouxem e ele perca grande parte de sua l gica O que Tengo mais desejava naquele momento era reencontr la Se eu n o conseguir que valor teria a minha vida Ela estava em algum lugar de K enji Isso foi em setembro Se a sorte ajudar ela ainda deve estar no mesmo lugar N o havia nenhuma prova concreta Mas para Tengo s lhe restava seguir essa possibilidade Aomame devia estar em algum lugar perto dali E tamb m devia estar tentando encontr lo Como uma moeda dividida em duas partes cada qual buscando sua cara metade Tengo olhou para o c u mas n o viu as luas Preciso ir a algum lugar onde eu possa v las pensou 13 Ushikawa isso o que significa voltar estaca zero A apar ncia de Ushikawa chamava muita aten o Era inadequada para espionar ou seguir pessoas Mesmo que tentasse passar despercebido na multid o ele se destacava como uma centopeia dentro de um
466. necessitava obter Ele nunca vira aquele homem As negocia es sempre ocorriam por telefone O material solicitado era entregue por correio expresso voz era um pouco rouca e de vez em quando ele costumava dar uma leve tossida para limpar a garganta Provavelmente deve ter algum problema de sa de Do outro lado da linha o sil ncio era total Parecia vir de uma sala prova de som Os nicos sons aud veis eram a voz do interlocutor e uma desagrad vel respira o ofegante Nada mais E a pot ncia desses sons aos poucos se tornava exageradamente alta Que homem sinistro pensava Ushikawa sempre que falava com ele Parece que no mundo existem muitas pessoas sinistras e de certa forma eu tamb m n o deixo de ser uma Ushikawa secretamente batizou o de Morcego Nos dois casos devo colher todas as informa es relativas a Aomame isso indagou a voz rouca pondo se a tossir Isso mesmo N o um nome comum Voc quer todas as informa es poss veis sobre ela n o Desde que o nome dela esteja envolvido quero saber de tudo Se poss vel quero que me consiga uma foto dela para que eu possa identific la O clube esportivo vai ser f cil Eles n o devem sequer cogitar que algu m possa querer roubar informa es Mas em rela o s Testemunhas de Jeov n o vai ser f cil Trata se de uma organiza o grande e que por ter muito dinheiro deve se proteger bem As organiza es r
467. nesses apartamentos Varia de acordo com a poca mas vejamos hoje deve ter umas quatro ou cinco mulheres respondeu o advogado Sobre essa pessoa generosa que ofereceu os apartamentos disse Ushikawa o que ser que aconteceu para que se envolvesse nessa causa Deve ter algum motivo O advogado inclinou a cabe a Isso eu n o saberia responder O que se sabe que ela j auxiliava algumas v timas de modo privado De nossa parte s podemos aceitar essa gentil colabora o com gratid o Se a pessoa n o quer explicar os motivos n s tamb m n o fazemos quest o de saber daro concordou Ushikawa Por falar nisso a localiza o do abrigo mantida em segredo n o Sim As mulheres precisam estar seguras e protegidas e a maioria dos nossos mantenedores quer preservar o anonimato Afinal de contas estamos lidando com casos que envolvem atos de viol ncia A conversa se estendeu durante um tempo mas Ushikawa n o obteve nenhuma informa o concreta al m das que j havia conseguido Ele tomou conhecimento de que o Centro iniciara suas atividades havia quatro anos e que logo no in cio um benfeitor entrou em contato oferecendo um pr dio de apartamentos para servir de abrigo uma vez que n o estava fazendo uso desse im vel Essa pessoa soube deles por meio de um artigo veiculado no jornal A nica condi o exigida foi a de n o revelar o seu nome Mas a partir da conversa com o adv
468. ngo Todo mundo passa por momentos assim Inclusive Komatsu Tengo por outro lado n o tinha nenhum assunto urgente para tratar com ele As vendas da Cris lida de ar estavam paradas o livro deixara de ser o assunto do momento e Tengo sabia exatamente onde Fukaeri estava a jovem escritora supostamente desaparecida Se Komatsu tiver algum assunto a tratar certamente entrar em contato N o ligar era sinal de que n o havia nenhum Por m Tengo achou que j estava na hora de telefonar para ele As palavras de Komatsu em breve numa outra ocasi o te conto a respeito Agora n o uma hora conveniente martelavam estranhamente um canto de seu c rebro deixando o preocupado Tengo ligou para o amigo que o substitu a nas aulas da escola preparat ria e perguntou como estavam as coisas O amigo disse que tudo corria bem e indagou sobre o estado de sa de de seu pai Continua em coma disse Tengo Est respirando e apesar de a temperatura do corpo e a press o sangu nea permanecerem em n vel baixo o estado de sa de dele est vel Mas est inconsciente Possivelmente n o sente dores como estar no mundo dos sonhos Talvez n o seja um jeito ruim de morrer comentou o amigo sem emo o na voz O que ele tentava dizer era Sei que pode soar um pouco insens vel da minha parte mas dependendo do ponto de vista talvez n o seja um jeito ruim de morrer O que faltava em sua mensagem era a parte introdut
469. ngo balan ou a cabe a hesitante Sentia que em algum momento ele fora tragado por uma correnteza forte e que ela o conduzia a um local desconhecido Ele por m n o conseguia explicar esse sentimento a Komatsu Tengo n o revelou a Komatsu que o romance que ele estava escrevendo herdava o mundo descrito na Cris lida de ar Komatsu certamente n o receberia a not cia de bom grado O grupo religioso Sakigake tamb m n o Se n o tivesse cuidado Tengo corria o s rio risco de entrar em outro campo minado Ou colocar em risco as pessoas ao seu redor Mas sua hist ria possu a uma vida e um objetivo pr prios e se desenvolvia quase que espontaneamente Ele pr prio pertencia a esse mundo revelia Para Tengo a hist ria deixara de pertencer ao mundo da fic o Ela havia se tornado o mundo real Uma realidade em que se cortasse a pele com uma faca o sangue vermelho iria escorrer de verdade E no c u desse mundo pairavam duas luas uma grande e outra pequena 19 Ushikawa Coisas que ele consegue fazer e as pessoas comuns n o Era uma tranquila manh de quinta feira sem ventos Como de costume Ushikawa acordou um pouco antes das seis e lavou o rosto com gua fria Enquanto ouvia o notici rio da r dio NHK escovou os dentes e fez a barba com o barbeador el trico Em seguida esquentou gua na panela e preparou um macarr o instant neo Ap s com lo bebeu uma x cara de caf sol vel Dobrou o saco de dormir guard
470. nha cabe a deformada e minha alma suja estavam escondidas do lado de c fotografando as pessoas Esse fato jamais poder ser alterado Ushikawa se afastou da c mera e encostado na parede olhou o teto escuro e manchado Aos poucos tudo lhe pareceu vazio Ele nunca havia sentido uma dor t o profunda por se sentir s Nunca havia percebido o qu o intensa era a escurid o Lembrou se de sua casa em Ch rinkan do jardim gramado e do cachorro da esposa e das duas filhas da luz do sol incidindo na casa Pensou no DNA que ele transmitiu e que suas filhas carregavam dentro delas um DNA com cabe a deformada e alma suja Sentiu o qu o in til seria tentar fazer algo Usara todas as cartas que possu a Desde o in cio ele sabia que suas cartas n o eram boas e mesmo ciente de que seriam insuficientes ele as usou Foi sensato e fez habilmente as apostas Houve uma poca em que isso lhe parecera suficiente Mas agora ele j n o possu a mais nenhuma carta Apagaram a luz sobre a mesa e as pessoas at ent o reunidas se retiraram No final daquela tarde Ushikawa n o tirou mais nenhuma foto Encostado na parede com os olhos fechados fumou alguns Seven Stars abriu uma nova lata de p ssegos e os comeu Quando o rel gio marcou nove da noite ele foi at o banheiro escovar os dentes tirou a roupa se enfiou no saco de dormir e mesmo sentindo calafrios tentou adormecer A noite estava muito fria Mas o frio que fazia estremecer o
471. nhum preju zo preferia que o assunto n o tomasse grandes propor es Pode ser um psicopata ou algu m que est me perseguindo N o creio que seja algu m te perseguindo Fazer aquilo n o leva a nada Muito pelo contr rio faria voc se precaver ainda mais Se for um psicopata por que ser que ele escolheu justamente esta porta H tantas outras Estou tomando os devidos cuidados para que a luz quando estiver acesa n o possa ser vista de fora e evito fazer barulho Mantenho as cortinas sempre fechadas e jamais penduro roupas do lado de fora Ele parece saber que estou escondida aqui ou pelo menos faz quest o de insistir que sabe que estou aqui Faz de tudo para que eu abra a porta Voc acha que ele vai voltar N o sei Se a inten o dele fazer com que eu abra a porta creio que vai continuar vindo Isso est te deixando emocionalmente abalada N o estou abalada disse Aomame Mas n o uma situa o que me agrada Eu tamb m n o estou gostando nem um pouco disso Realmente muito desagrad vel Mas o fato que mesmo que esse falso cobrador apare a novamente n o podemos chamar a NHK e tampouco a pol cia Mesmo que voc consiga me avisar at eu conseguir chegar a pode ser que ele j tenha ido embora Acho que consigo resolver isso sozinha disse Aomame Por mais que ele me provoque eu n o pretendo abrir a porta Ele vai usar v rios subterf
472. nisso Ushikawa balan ou a cabe a num gesto negativo Essa casa existe at hoje beira do lago de Zurique Seus descendentes conservam a casa mas infelizmente como ela n o aberta visita o p blica n o poss vel conhec la por dentro Dizem que h uma pedra com uma frase que o pr prio Jung entalhou e que foi colocada na entrada dessa antiga torre Fa a frio ou n o Deus est presente Essas foram as palavras que Jung esculpiu nessa pedra Tamaru fez novamente uma breve pausa Fa a frio ou n o Deus est presente ele repetiu novamente com a voz serena Voc entende o significado dessas palavras Ushikawa balan ou a cabe a N o N o entendo Pois ent o eu tamb m n o sei o que significam uma frase sugestiva e profunda De dif cil interpreta o Mas o fato que Jung sentiu a necessidade de esculpi la usando o cinzel e fez quest o de colocar essa pedra na entrada da casa que ele pr prio desenhou e construiu pedra por pedra N o sei por qu mas sempre tive um imenso fasc nio por essas palavras N o sei direito o que elas significam mas elas ressoam profundamente no meu cora o N o entendo nada sobre Deus Ou melhor como sofri muito num orfanato administrado por cat licos a impress o que tenho de Deus n o das melhores O orfanato ficava num local que sempre era frio Mesmo em pleno ver o Era um lugar frio ou extremamente frio uma coisa ou outra Se
473. not cias e desde ent o n o a vejo mais Hum disse a enfermeira Adachi Ser que ela enjoou de voc mura a enfermeira alta e com filhos meneou a cabe a discordando e ergueu o indicador Disse voltando se para Adachi Voc ainda n o sabe nada sobre o mundo N o sabe nada imposs vel que uma mulher casada de quarenta anos largue um rapaz saud vel e gostoso dizendo simplesmente Muito obrigada Foi timo Adeus S o contr rio poss vel Ser mesmo disse a enfermeira Adachi inclinando levemente a cabe a Ta uma coisa que n o entendo Mas isso mesmo afirmou categoricamente a enfermeira mura fixando seus olhos em Tengo por alguns instantes como se conferisse as letras de uma l pide talhadas com cinzel Um tempo depois mura balan ou a cabe a concordando consigo mesma Quando voc ficar mais velha vai entender Ah Estou m ngua h muito tempo disse a enfermeira Tamura recostada na cadeira Durante algum tempo elas fofocaram sobre as aventuras sexuais de uma pessoa que Tengo n o conhecia mas que supostamente devia ser alguma enfermeira que trabalhava com elas Segurando o copo de u sque com gua Tengo as observava conversando e se lembrou das tr s bruxas de Macbeth Bom mau e mau bom foram as palavras m gicas que as bruxas entoaram para incutir ambi es m s no cora o de Macbeth Tengo n o considerava as tr s enfermeir
474. nqui ado Se algu m estivesse ali acharia aquilo estranho Ou como j aconteciam coisas por demais surpreendentes a pessoa nem repararia nesse detalhe Por mais que o Povo Pequenino trabalhasse assiduamente eles n o descansavam seria imposs vel tecer uma cris lida de ar em uma s noite Seriam necess rios no m nimo tr s dias Mesmo assim os seis n o pareciam afobados At que a rigidez cadav rica de Ushikawa abrandasse e o corpo fosse levado ao incinerador levaria pelo menos dois dias Eles sabiam disso Em duas noites conseguiriam dar um formato cris lida de ar Eles tinham o tempo necess rio para isso E n o conheciam o cansa o Ushikawa estava deitado sobre a mesa com a p lida luz da Lua incidindo em seu corpo boca estava escancarada e um tecido grosso lhe cobria os olhos que continuavam abertos ltima cena que suas retinas viram no derradeiro instante de sua vida foi a do cachorrinho correndo alegremente no gramado do pequeno jardim de sua casa nova que ele havia adquirido pouco tempo antes no bairro de Ch rinkan E uma parte de sua alma estava se transformando numa cris lida de ar 29 Aomame Nunca mais vou largar sua m o Aomame sussurrou para Tengo abrir os olhos Tengo os abriu E o tempo recome ou a fluir Aomame lhe disse que estava vendo as luas Tengo levantou o rosto e olhou o c u As nuvens haviam se dissipado e as luas pairavam sobre os galhos desfolhados da zelkova Uma lua
475. nsigo ver a maza De dentro da cris lida de ar consegue se ver vagamente o lado de fora Se bem que do lado de fora n o d para se ver dentro da cris lida de ar assim que funciona Mas n o d para ver o rosto da maza Apenas o seu contorno ainda que vagamente Mas eu sei que a minha maza Sei que ela a minha maza Ser que se pode dizer que a cris lida de ar como uma esp cie de tero Acho que sim Mas n o posso comparar de verdade pois n o me lembro do que aconteceu no tero e Kumi Adachi deu suas costumeiras risadinhas O apartamento ficava num pr dio de dois andares de acabamento simples comum nos sub rbios de uma cidade provinciana Parecia rec m constru do mas j apresentava sinais de deteriora o As escadas externas rangiam e as portas eram mal encaixadas Os vidros das janelas vibravam toda vez que um caminh o pesado passava na rua s paredes eram finas e se algu m tocasse guitarra num dos quartos o pr dio todo se transformaria numa enorme caixa ac stica Tengo n o estava muito entusiasmado em experimentar haxixe Ele mantinha a cabe a l cida e vivia num mundo com duas luas Para que distorcer ainda mais esse mundo Ele tamb m n o nutria nenhum desejo sexual por Kumi Adachi apesar de admitir que sentia uma afei o por essa enfermeira de vinte e tr s anos Por m afei o e desejo sexual eram coisas diferentes Pelo menos para Tengo Por isso se ela n o tivesse comentado sob
476. nte delas Sentado no alto do escorredor Ushikawa suspirou profundamente Que tipo de mundo esse indagou a si mesmo Em que tipo de mundo eu vim parar N o havia respostas Como se lan asse um enigma o vento soprava as nuvens e duas luas uma grande e outra pequena pairavam no c u Uma coisa por m Ushikawa sabia Este n o o mundo em que eu estava O mundo que eu conhe o possui um nico sat lite um fato incontest vel Mas agora neste outro mundo existem dois Um tempo depois Ushikawa teve uma sensa o de d j vu Eu j vi esse cen rio antes pensou Ushikawa se concentrou esfor ando se por lembrar de onde vinha aquela sensa o Contraiu os m sculos do rosto arreganhou os dentes e apalpou as profundezas escuras de sua consci ncia Foi ent o que finalmente descobriu Cris lida de ar Naquele romance tamb m havia duas luas Elas surgiam quase no final da hist ria uma grande e outra pequena Quando a dohta e a maza surgiam duas luas passavam a pairar no c u Fukaeri foi quem escreveu a hist ria e Tengo foi o respons vel por inserir os detalhes no texto Ushikawa deu uma olhada ao redor Mas aos seus olhos o mundo continuava o mesmo As janelas do pr dio do outro lado da rua estavam fechadas com cortinas de renda branca e atrav s delas via se a claridade serena N o havia nada de errado Apenas a quantidade de luas que estava diferente Ele desceu as escadas do esc
477. nte passou por aqui disse Fukaeri Um corvo grande Esse corvo sempre aparece na janela ao entardecer Ele faz a mesma coisa todos os dias Isso mesmo respondeu Tengo Como n s Mas n o se importa com o tempo Acho que o corvo n o se preocupa com a quest o do tempo O conceito de tempo s serve para os homens Por qu Os homens concebem o tempo como uma linha reta como marcar uma haste de madeira reta e comprida e definir que o que est do lado de c o passado e do de l o futuro E que aqui e agora o presente Algo assim Entende Acho que sim Na pr tica por m o tempo n o linear No amplo sentido da palavra o tempo n o possui forma Mas diante da dificuldade de imaginar algo que n o possui forma por conveni ncia passamos a perceb lo como uma linha reta At onde se sabe somente o homem capaz de fazer essa substitui o conceitual Mas n s que podemos estar errados Tengo refletiu sobre isso Est dizendo que o fato de considerar o tempo como uma linha reta e cont nua pode estar errado N o houve resposta Essa possibilidade existe claro Podemos estar errados e o corvo que est certo Talvez o tempo n o seja linear como supomos ser Pode ser que ele tenha o formato de uma rosca tran ada disse Tengo Mas o homem provavelmente vive h dez milh es de anos tendo como base a ideia de que o tempo uma lin
478. nto Outro dia voc comentou que precisava falar uma coisa comigo Na ltima vez em que conversamos J faz algum tempo mesmo disse Komatsu Sobre esse assunto quero conversar com calma voc est com tempo Se o assunto importante melhor marcar logo n o Sim O quanto antes melhor Se for hoje noite posso dar um jeito Hoje noite eu tamb m posso Que tal s sete Sete horas est timo concordou Tengo Komatsu sugeriu um bar perto da editora Tengo j havia estado l algumas vezes Aquele bar abre no domingo e aos domingos n o tem muita gente Podemos conversar com calma conversa vai ser longa Komatsu pensou a respeito N o sei N o tenho ideia se vai ser longa ou curta s posso saber conversando Tudo bem Leve o tempo que precisar Serei todo ouvidos Afinal estamos no mesmo barco n o Ou ser que voc j trocou de barco claro que n o disse Komatsu com uma voz que soava extremamente af vel N s dois ainda continuamos no mesmo barco Ent o nos vemos s sete Contarei os detalhes logo mais Ap s pousar o fone no gancho Tengo foi at a mesa e ligou o processador de texto Depois digitou o trecho do romance que havia escrito com caneta tinteiro enquanto esteve na pousada de Chikura Ao reler o texto veio lhe mente a imagem daquela cidade a casa de sa de os rostos das tr s enfermeiras os ventos que so
479. nto creio que esse tipo de leitura o mais adequado para mim Mais do que um livro que flui rapidamente levado pelo enredo N o sei explicar direito mas acho que essa leitura me proporciona uma sensa o de que o tempo oscila de modo irregular o antes pode ser depois e o depois pode ser antes ou seja tanto faz Aomame procurava encontrar uma maneira mais adequada de se expressar como sonhar o sonho de outra pessoa Como se estiv ssemos compartilhando as mesmas sensa es ao mesmo tempo Mas essa simultaneidade dif cil de explicar Nossos sentimentos parecem muito pr ximos mas na verdade h uma dist ncia enorme entre n s Ser que Proust teve a inten o de provocar essa sensa o Aomame obviamente n o tinha a resposta Seja como for disse Tamaru neste mundo real certo que o tempo flui adiante sem atrasos nem retrocessos Voc tem raz o No mundo real o tempo segue adiante Enquanto conversavam Aomame desviou o olhar em dire o porta de vidro Ser que realmente isso Ser que o tempo realmente segue adiante A esta o mudou e 1984 est chegando ao fim disse Tamaru Acho que at o final do ano n o vou conseguir acabar Em busca do tempo perdido N o tem problema disse Tamaru Leve o tempo que precisar um romance escrito h mais de cinquenta anos N o um livro repleto de informa es que precisam ser lidas com urg ncia Ele tem
480. nto a Tamaru confiar lhe o problema para que ele pudesse resolv lo Aomame parou de ficar pensando em Tengo Quanto mais o fazia mais seus pensamentos ficavam emaranhados a ponto de n o conseguir fazer mais nada N o vou mais pensar nisso E tamb m n o vou mais olhar para as luas A luz da lua silenciosamente perturbava lhe o cora o Ela alterava o n vel da mar na enseada e agitava a vida na floresta Ao tomar o ltimo gole de ch ela se afastou da janela e foi cozinha lavar a x cara Ficou com vontade de tomar um pouco de conhaque mas por estar gr vida desistiu da ideia Aomame sentou se no sof acendeu a pequena lumin ria de leitura e resolveu reler a Cris lida de ar Ela j havia lido a obra umas dez vezes N o era uma hist ria longa e j havia inclusive decorado alguns trechos Mesmo assim achou melhor rel la com mais aten o Ela sabia que n o conseguiria dormir e desconfiava de que havia deixado passar alguma coisa importante A Cris lida de ar era um livro que continha uma esp cie de c digo Eriko Fukada provavelmente deve ter escrito essa hist ria com o objetivo de divulgar uma mensagem Tengo reescreveu habilmente o texto tornando o uma obra liter ria Os dois formaram um time e criaram um romance que chamou a aten o de muitos leitores Segundo o L der de Sakigake os dois possu am cada qual um dom que complementava o outro Eles juntaram as for as e realizaram um trabalh
481. ntrou Eu praticamente n o fiz nada Como posso dizer Acho que isso n o me parece justo N o lhe parece justo Estou sendo um fardo para voc No final das contas eu n o servi para nada Voc n o est sendo um fardo para mim disse Aomame categoricamente Foi voc que me conduziu at aqui De um modo que n o se pode ver N s dois somos um Acho que eu j vi essa dohta disse Tengo Ou pelo menos o que ela significa Ela tinha a mesma apar ncia de quando voc tinha dez anos e estava dormindo dentro de uma cris lida de ar iluminada por uma t nue luz Eu toquei no dedo da m o dela Isso aconteceu uma nica vez Aomame apoiou a cabe a no ombro de Tengo Tengo n s n o somos um peso um para o outro De jeito nenhum O que precisamos pensar de agora em diante como proteger esta coisa pequenina Eles est o atr s de n s E est o bem perto Eu consigo ouvir os passos deles N o importa o que aconte a eu jamais entregarei voc s Nem voc nem essa coisa pequenina O fato de estarmos juntos significa que cumprimos o objetivo de estar neste mundo Aqui por m um lugar perigoso Mas voc disse que conhece a sa da Acho que sim disse Aomame Se eu n o estiver errada 31 Tengo e Aomame Como uma ervilha dentro da vagem Ao descer do t xi num local que lhe era familiar Aomame ficou em p no cruzamento olhou ao redor e viu sob a rodovia o dep sito ensombr
482. o Obrigado Boa noite Tengo voc ainda ficar quantos dias por aqui perguntou a enfermeira ajustando os culos sobre o nariz O expediente dela havia terminado e em vez do uniforme vestia uma saia de pregas cor de vinho blusa branca e cardig cinza Tengo ficou parado pensando a respeito Ainda n o sei Creio que vai depender das circunst ncias Voc pode esticar as suas f rias Como tem uma pessoa me substituindo acho que sim Onde voc costuma comer perguntou a enfermeira Nos restaurantes da cidade respondeu Tengo A pousada s serve o caf da manh por isso vou a algum restaurante das redondezas e pe o a refei o do dia ou uma tigela grande de arroz com alguma mistura enfim coisas desse tipo gostoso N o exatamente gostoso mas eu n o ligo Isso n o bom disse a enfermeira com um ar de preocupa o Voc precisa se alimentar bem comer alimentos nutritivos Sabia que ultimamente voc est com cara de cavalo que dorme em p Cavalo que dorme em p indagou Tengo surpreso Voc nunca viu um cavalo dormindo em p Tengo balan ou a cabe a Ainda n o A cara dele fica exatamente como essa sua cara de agora disse a enfermeira de meia idade Acho melhor voc ir at o banheiro e se olhar no espelho De relance n o d para perceber mas se olhar atentamente voc ver Os olhos est o abert
483. o A vista n o l grande coisa dizia ela mas em compensa o me sinto muito tranquila aqui o local t o sossegado quanto o seu morador Um pouco antes do anoitecer um corvo grande costumava pousar no beiral da janela Fukaeri chegou a comentar sobre isso ao telefone O corvo pousava num espa o estreito reservado para vasos de plantas e esfregava suas enormes e negras asas de azeviche nos vidros A rotina desse p ssaro era a de passar um tempo do lado de fora do apartamento de Tengo antes de voltar para seu ninho O corvo parecia ter um interesse especial no interior do apartamento Ele movia rapidamente o enorme olho negro na lateral da cabe a e observando por entre as cortinas parecia colher informa es Era uma ave inteligente E extremamente curiosa Fukaeri havia dito que conversava com ele Mas seria rid culo achar que aquele corvo poderia estar fazendo o reconhecimento da casa de Tengo a mando de algu m Sendo assim de onde que estariam vigiando o apartamento No trajeto da esta o at o seu pr dio Tengo resolveu passar no supermercado para fazer compras verduras ovos leite e peixe Voltou com os pacotes nos bra os e em frente porta de entrada parou e por precau o deu uma r pida olhada ao redor N o havia nada de suspeito Era a mesma paisagem de sempre Fios el tricos pendurados no ar como tripas escuras a grama do jardim da frente ressecada pelo inverno as caixas de correio oxid
484. o Algo girava rapidamente dentro da mente de Tamaru Se prestasse aten o o som poderia ser captado Voc n o acha que esteja gr vida mas precisa do teste de gravidez Isso mesmo Para mim soa enigm tico Desculpe mas por enquanto s posso dizer isso Pode ser daqueles testes bem simples vendidos em farm cias Se puder me mandar um livro sobre o corpo da mulher e o ciclo menstrual agradeceria muito Tamaru manteve se novamente em sil ncio Um sil ncio denso Pelo jeito acho melhor telefonar novamente mais tarde disse Tamaru Tudo bem Tudo bem Ele emitiu um pequeno som no fundo da garganta E desligou o telefone O telefone tocou ap s quinze minutos Fazia tempo que Aomame n o escutava a voz da velha senhora de Azabu Aomame sentiu como que voltando quela poca em que estiveram na estufa Um espa o quente e mido onde ex ticas borboletas voavam e o tempo flu a lentamente Tudo bem com voc Aomame respondeu que mantinha uma rotina A velha senhora quis saber um pouco mais sobre essa rotina e Aomame contou lhe resumidamente o seu dia a dia que inclu a a gin stica e o cuidado em preparar as refei es A velha senhora disse Sei que n o deve ser f cil ficar confinada no apartamento mas como voc uma pessoa determinada n o estou preocupada Sendo voc sei que conseguir superar isso tudo Gostaria que sa sse o quanto antes da mudando se para um local
485. o Normalmente os professores mudavam de turma a cada dois anos mas ela o acompanhara durante quatro anos consecutivos No caso de Aomame foram somente dois a terceira e a quarta s ries Lembro me muito bem do senhor Kawana disse ela Em contraste com o jeito pacato sua voz era clara e jovial Uma voz firme que alcan ava todos os cantos de uma sala de aula barulhenta A profiss o molda a pessoa admirou se Ushikawa Ela deve ser uma professora competente Ele era um aluno excelente em todos os sentidos Leciono h mais de vinte e cinco anos e dei aulas para in meros alunos em diversas escolas mas nunca encontrei algu m t o bom quanto ele Ele se destacava em tudo o que fazia Era uma pessoa boa e com esp rito de lideran a Sempre achei que seria capaz de se sair bem em qualquer rea que escolhesse seguir No prim rio se destacou pela capacidade de lidar com a matem tica mas n o me surpreende que tenha seguido a carreira liter ria Se n o me engano o pai dele era cobrador da NHK n o era Isso mesmo disse a professora O pr prio senhor Kawana comentou que o pai era bem rigoroso disse Ushikawa Era um tiro no escuro Era mesmo disse a professora sem titubear Era um pai muito rigoroso em certos aspectos Tinha um grande orgulho de seu trabalho o que n o deixa de ser maravilhoso mas isso s vezes era um fardo para Tengo Ushikawa puxou habilmente o assunto para c
486. o estou pensando em fechar a firma Os pre os dos terrenos em T quio subiram vertiginosamente e para microempresas como a minha competir nesse mercado imobili rio tornou se imposs vel Se voc n o tem dinheiro sobrando acho melhor procurar em outro lugar Farei isso disse Ushikawa Realmente n o tenho dinheiro sobrando Vou procurar em outra rea O velho suspirou e ao mesmo tempo soltou a fuma a do cigarro Mas se a esposa do senhor Ogata vier a falecer aquela mans o deixar de existir O filho dela um t pico empreendedor e n o vai deixar um terreno localizado numa rea nobre toa Sem perda de tempo ele vai mandar derrubar aquela mans o para construir apartamentos de luxo capaz at que ele j tenha um pr projeto guardado na gaveta Se isso acontecer a atmosfera calma e tranquila desta regi o tamb m deixar de existir Ah Sem d vida mudar da gua para o vinho O filho atua em que tipo de neg cio Basicamente ele do ramo imobili rio Digamos que do mesmo ramo que eu Mas a diferen a entre n s como a do dia e da noite como comparar um Rolls Royce com uma bicicleta velha Ele possui capital e constr i edif cios enormes um ap s o outro estrutura empresarial t o aprimorada que ele consegue sugar todo o lucro para si Ele n o deixa sobrar nenhuma gota para n s O mundo se tornou cruel demais Estive caminhando pelas redondezas e realmen
487. o O meu nome verdadeiro Kumi Adachi Voc n o acha que um nome sem gra a Kumi Adachi Tengo falou em voz alta Nada mal Simples e compacto Obrigada disse Kumi Adachi Desse jeito eu me sinto como um Honda Civic Foi um elogio Eu sei Tenho uma boa milhagem disse ela e segurou a m o de Tengo Posso segurar a sua m o Assim fica mais divertido caminhar junto e me sinto mais segura claro que pode respondeu Tengo Ao estar de m os dadas com Kumi Adachi Tengo lembrou se da sala da escola prim ria e de Aomame O toque era diferente Mas ao mesmo tempo havia algo em comum Acho que estou b bada disse Kumi Adachi Acha mesmo Acho Tengo olhou para o rosto dela de perfil N o parece estar b bada N o aparento da minha natureza Mas acho que estou bem alta N o para menos Voc bebeu muito Realmente eu exagerei Faz muito tempo que n o bebia tanto assim s vezes bom ter momentos de descontra o disse Tengo repetindo as palavras da enfermeira Tamura Tem raz o disse Kumi Adachi concordando enfaticamente com a cabe a De vez em quando as pessoas precisam se descontrair comer algo gostoso at se saciar beber cantar em voz alta jogar conversa fora Voc tamb m costuma fazer isso Voc consegue se soltar e deixar o c rebro espairecer que voc parece sempre t o calmo e comedido
488. o a seguir uma vis o maravilhosa quando todos os caminhos da fazenda viram c rregos e o fazendeiro chapinha no barro com o cora o alegre ao seguir para os cafezais florescentes e molhados Todavia no meio da esta o de chuvas s vezes as estrelas ficam encobertas por nuvens esgar adas ent o ele sai de casa e ergue os olhos como se quisesse se pendurar no firmamento a fim de ordenhar mais chuva a que ele clama aos c us D me o suficiente e mais do que o suficiente Meu cora o se desnuda diante de ti e n o te deixarei ir se n o me aben oares Inunda me se quiseres mas poupa me de teus caprichos C u c u nada de coitus interruptus Coitus interruptus indagou a enfermeira franzindo as sobrancelhas Ela uma pessoa que n o mede as palavras Mesmo assim s o palavras fortes demais para se dirigir aos c us Tem raz o concordou T engo Por vezes basta um dia mais frio e cinzento nos meses seguintes esta o das chuvas para que volte lembran a o marka mbaia o ano ruim o ano da seca Naquela poca os quicuios costumavam levar o gado para pastar perto de casa e um dos pastores que possu a uma flauta de tempos em tempos tocava uma breve melodia Quando ouvi de novo essa melodia veio me de golpe a lembran a de toda a ang stia e o desespero do passado Havia nela o gosto salgado das l grimas Mas ao mesmo tempo percebi na melodia de modo inesperado e surpree
489. o apartamento Senhor K zu sou da NHK Estou aqui para fazer a cobran a mensal Por gentileza poderia abrir a porta Ushikawa claro n o pretendia pagar essa taxa O assunto seria facilmente resolvido se ele mostrasse o apartamento para que o cobrador averiguasse que n o possu a televis o Mas em compensa o seria inevit vel que o cobrador suspeitasse de um homem de meia idade sozinho enfurnado no apartamento sem nenhuma mob lia Senhor K zu a lei determina que as pessoas que possuem aparelhos de televis o paguem a taxa de recep o As pessoas normalmente se recusam a pag la dizendo N o assisto a NHK e por isso n o vou pagar Mas esse argumento infundado Independentemente de a pessoa assistir a NHK ou n o desde que possua algum aparelho de televis o ela deve pagar a taxa apenas um cobrador da NHK pensou Ushikawa Se for um cobrador basta deix lo falar vontade Se n o lhe der ouvidos ele vai acabar desistindo e indo embora Mas como ele pode ter tanta certeza de que algu m est no apartamento Ushikawa voltara para o apartamento cerca de uma hora antes e desde ent o n o havia sa do Ele praticamente n o fazia barulho e mantinha as cortinas sempre fechadas Sr K zu sei que o senhor est no apartamento disse o homem como se lesse os pensamentos de Ushikawa O senhor deve se perguntar como eu sei disso Mas saiba que eu sei Voc est a dentro qu
490. o como cobrador da NHK Disse tamb m que praticava jud desde crian a e que no colegial chegou a competir nas finais do campeonato regional Mas n o falou sobre a desaven a de longos anos existente entre ele e o pai nem sobre sua m e que apesar de considerada morta muito provavelmente tenha fugido com outro homem largando o marido e o filho pequeno Esses assuntos tornariam a conversa por demais complexa Obviamente n o podia revelar que havia reescrito o best seller Cris lida de ar e tampouco que via duas luas no c u As enfermeiras tamb m contaram coisas sobre suas respectivas vidas As tr s nasceram naquela regi o e ap s concluir o colegial ingressaram numa escola profissionalizante e se tornaram enfermeiras O trabalho na casa de repouso era mon tono entediante e o hor rio de expediente longo e irregular mas em compensa o elas achavam gratificante trabalhar naquela cidade e consideravam o trabalho na casa de repouso muito menos estressante do que em hospitais onde todos os dias h situa es de vida e morte A perda de mem ria dos idosos era gradativa e alheios ao pr prio estado a morte lhes era tranquila Raramente ocorria derramamento de sangue e o controle da dor minimizava lhes o sofrimento N o havia o corre corre de pacientes chegando de ambul ncia durante a madrugada nem cenas de familiares desesperados e aos prantos O custo de vida era baixo e a despeito de a remunera o n o ser das melhores era
491. o conjunto Se confiarmos nas palavras do L der quando a Cris lida de ar se tornou um best seller ela revelou um tipo de segredo que impedia as atividades do Povo Pequenino e desde ent o a voz se calou Consequentemente o po o secou e a gua deixou de jorrar A influ ncia daquele livro foi imensa Aomame se concentrou em ler atentamente o romance linha por linha Quando os ponteiros do rel gio de parede indicavam duas e meia Aomame j havia lido dois ter os do romance Nesse ponto ela fechou o livro e esfor ou se para colocar em palavras o que sentia em seu mago N o chegava a ser uma revela o mas havia nela uma imagem muito n tida uma forte convic o Eu n o fui trazida para c ao acaso Esse era o sentimento que a imagem lhe proporcionava Eu estou aqui porque preciso estar aqui At hoje eu achava que tinha vindo parar no mundo 1084 sem ter o controle da situa o e que algu m me trouxe para c intencionalmente O trem que eu estava foi desviado do trilho principal num determinado ponto seguindo um plano preestabelecido e foi ent o que vim parar nesse novo e estranho mundo Quando eu percebi estava aqui Estava num mundo em que pairam duas luas no c u e onde existe o Povo Pequenino Neste mundo em que existe uma entrada mas n o uma sa da Foi isso o que o L der me disse um pouco antes de morrer O tren era a hist ria que Tengo escreveu e eu n o tinha como n o fazer parte dela
492. o da vizinhan a pois estava com uma coleira antipulgas Era a primeira vez que Ushikawa o via O gato entrou no canteiro de flores murchas e ap s urinar p s se a cheir las Algo parecia t lo desapontado fazendo o mexer rapidamente os bigodes como que em sinal de desaprova o Por fim levantou o rabo e com ele erguido desapareceu por tr s do pr dio Durante o per odo da manh muitos moradores sa ram do pr dio Pelo modo como se vestiam havia duas possibilidades ou sa am para um passeio ou para fazer compras na vizinhan a Seus rostos j eram familiares a Ushikawa mas nem por isso ele tinha interesse de conhecer o car ter ou a vida dessas pessoas Tampouco se daria ao trabalho de imagin las Suas vidas devem ser muito importantes para voc s Extremamente preciosas Sei disso Mas para mim tanto faz voc s estarem vivos ou n o Para mim voc s n o passam de figuras de papel passando diante de um cen rio montado no palco A nica coisa que pe o que n o atrapalhem o meu trabalho E que continuem sendo essas figuras isso mesmo senhora Pera disse Ushikawa observando uma das moradoras de meia idade que passava diante de sua lente e que por ter um quadril grande com o formato de uma pera ele a apelidou dessa forma Voc n o passa de um recorte N o uma pessoa de verdade Voc sabia disso Ali s para um recorte de papel at que a senhora bem rechonchuda n o Enquanto pensa
493. o dele N o importa o que aconte a preciso reencontr lo neste novo mundo Quero ficar frente a frente com ele At l n o posso deixar este mundo Aconte a o que acontecer Na tarde do dia seguinte Tamaru telefonou sobre o cobrador da NHK disse Tamaru Liguei para a central administrativa da NHK atr s de informa es O encarregado pela cobran a da rea de K enji diz que n o se lembra de ter batido na porta do apartamento 303 Ele disse que j sabia que o pagamento da taxa de recep o era feito por d bito autom tico e que viu o bilhete colado na porta Disse tamb m que jamais ficaria batendo na porta se existe campainha E que bater s machucaria sua m o No dia em que bateram na porta ele estava fazendo a cobran a em outro distrito Pela conversa que tivemos creio que n o deve estar mentindo um veterano que trabalha h quinze anos no setor e tem a reputa o de ser um homem paciente e gentil Isso quer dizer que disse Aomame Isso quer dizer que h uma grande probabilidade de a pessoa que esteve a n o ser um cobrador oficial Algu m est fingindo ser cobrador da NHK e indo bater na sua porta pessoa que falou comigo pelo telefone tamb m estava desconfiada Se existe algu m se passando por cobrador um problema da empresa O encarregado disse que gostaria de agendar uma visita e verificar o caso pessoalmente Obviamente recusei alegando que por n o ter ocorrido ne
494. o e ap s Ushikawa acend lo com seu isqueiro p s se a tragar prazerosamente Uma tragada que lhe deu tanta satisfa o que at o Seven Stars deve ter sentido o deleite de ser devidamente apreciado pensou Ushikawa Eles abrigam as mulheres que fogem dos maridos com os rostos inchados ap s terem levado uma surra deles Certamente o abrigo n o deve cobrar aluguel um tipo de servi o p blico Creio que sim Como ela tinha apartamentos sobrando resolveu abrigar essas pessoas necessitadas Digamos que por ser podre de rica ela pode fazer o que bem entende sem se preocupar em obter lucros Uma situa o muito diferente da nossa que somos do povo Mas por que ser que a esposa do senhor Ogata resolveu fazer isso Teria algum motivo em especial N o sei mas como rica pode ser um passatempo Mesmo que seja um passatempo se dispor a ajudar as pessoas muito bom n o acha disse Ushikawa sorridente Nem todos os que t m dinheiro de sobra costumam tomar esse tipo de iniciativa N o h d vidas de que isso realmente uma coisa boa Antigamente eu vivia batendo na minha esposa e por isso n o posso falar muito disse o velho abrindo exageradamente a boca sem um dos dentes numa sonora gargalhada Era como se o fato de bater na esposa fosse digno de uma men o honrosa Hoje quantas pessoas moram l perguntou Ushikawa Todas as manh s ao caminhar costumo passar
495. o estou fazendo nenhum barulho e a minha respira o est controlada O objetivo principal desse homem ficar plantado em frente porta do apartamento fazer um belo esc ndalo e intimidar os moradores da vizinhan a Ele quer que esses vizinhos pensem que melhor pagar logo a taxa em vez de aguentar esse tipo de esc ndalo Esse homem possivelmente deve estar fazendo isso em v rios lugares e de algum modo deve obter bons resultados Senhorita Takai sei que me acha uma pessoa desagrad vel Sei exatamente o que est pensando Sim Voc tem raz o sou uma pessoa desagrad vel Sei muito bem disso Uma pessoa agrad vel n o conseguiria fazer a cobran a Sabe por qu Porque neste mundo existem muitas pessoas que decidiram n o pagar a taxa de recep o da NHK Quando se vai cobrar esse tipo de gente n o se pode ser uma pessoa agrad vel Por mim eu bem que gostaria de dizer mesmo N o quer pagar a taxa de recep o Tudo bem Desculpe me o inc modo e ir embora Mas n o bem assim O meu trabalho recolher a taxa de recep o e pessoalmente n o consigo gostar de pessoas que fingem estar ausentes Ap s dizer isso o homem se calou e fez uma pausa Seguiram se mais dez batidas na porta Senhorita Takai ser que voc n o est come ando a se sentir desconfort vel N o est sentindo como se fosse uma ladra de verdade Pense bem N o estamos tratando de uma soma enorme de dinheiro Estamos falando
496. o filho pr digo Uma jovem enfermeira sempre sorria timidamente toda vez que via Tengo Ela parecia gostar dele Era pequena tinha os cabelos presos num rabo de cavalo os olhos grandes e as ma s do rosto coradas Devia ter pouco mais de vinte anos Mas desde que Tengo viu aquela menina dormindo dentro da cris lida de ar ele s conseguia pensar em Aomame As mulheres que passavam por ele n o eram mais que uma t nue sombra imagem de Aomame estava sempre presente em algum canto de sua mem ria Ele sentia que ela estava viva em algum lugar deste mundo e intu a que ela o procurava Foi por isso que naquela tarde ela veio ao encontro dele usando uma passagem especial Ela tampouco havia se esquecido dele Isso se o que viu n o fora o fruto de uma alucina o De vez em quando sem querer ele se lembrava da namorada mais velha O que ser que ela est fazendo agora Ela est completamente perdida dissera o marido ao telefone Por isso voc s n o poder o se encontrar novamente Ela est perdida Aquelas palavras ainda o deixavam inquieto e apreensivo Eram palavras que sem d vida traziam uma carga de mau agouro Mas com o passar do tempo a exist ncia dela foi se tornando cada vez mais t nue As tardes que passaram juntos tornaram se apenas uma coisa do passado cumprindo plenamente o seu objetivo Tengo se sentia culpado em pensar desse modo Mas o fato que em algum momento houve uma mudan a no campo g
497. o morrer Em sua cabe a que parecia explodir ele se lembrou da pequena casa no bairro de Ch rinkan e de suas duas filhas pequenas Tamb m pensou no cachorro que tinham Ele n o gostava daquele cachorrinho de dorso comprido e o cachorro tampouco gostava dele Era um cachorro burro que vivia latindo mordendo o tapete e fazendo xixi no corredor Era totalmente diferente do vira lata esperto que ele tinha quando crian a Seja como for a ltima imagem que Ushikawa teve no final de sua vida foi a do cachorrinho burro correndo no gramado do jardim Tamaru olhava com o canto dos olhos o corpo amarrado de Ushikawa que se contorcia violentamente sobre o tatame como um enorme peixe jogado no ch o Mas como o corpo estava amarrado de modo a n o poder se curvar para tr s por mais que ele se contorcesse n o havia o perigo de o barulho ser ouvido por um vizinho de parede Tamaru sabia o qu o horr vel era morrer daquele jeito Mas para matar uma pessoa esse era O modo mais pr tico e limpo N o se ouviam gritos e n o havia derramamento de sangue Tamaru acompanhava os ponteiros dos segundos de seu rel gio de mergulho Tag Heuer Decorridos tr s minutos o intenso espernear de m os e pernas parou e agora havia pequenos espasmos como se algo os fizessem vibrar Tamaru acompanhou os ponteiros dos segundos por mais tr s minutos Depois colocou a m o na nuca para verificar a pulsa o e se certificar de que n o havia mais vida no corpo
498. o naquele mundo Isso provocava nos dois um sentimento muito estranho a ponto de considerarem aquilo algo irracional e incorreto Eles n o conseguiam aceitar a ideia de que al m deles havia outras pessoas vivendo naquele mundo Tengo inclinou levemente o corpo e cheirou os cabelos de Aomame Eles eram lisos e belos Uma orelha pequena e cor de rosa surgia por entre os fios como um ser vivo t mido Foi h muito tempo disse Aomame Foi h muito tempo tamb m pensou Tengo Mas no mesmo instante percebeu que aqueles vinte anos deixaram de possuir uma import ncia substancial Era como se os vinte anos tivessem passado numa quest o de segundos e que seria igualmente poss vel preench los em segundos Tengo tirou a m o do bolso e envolveu os ombros dela Sentiu a densidade de seu corpo na palma de sua m o Levantou o rosto e olhou novamente as luas O par de luas era vis vel por entre as nuvens e elas continuavam a refletir sobre a terra aquela estranha luz de colora o mesclada As nuvens passavam lentamente Sob aquela luz Tengo sentiu profundamente que seu cora o era capaz de transformar o tempo em algo relativo Vinte anos eram muito tempo E durante esse per odo muitas coisas devem ter acontecido Muitas coisas nasceram e outras tantas desapareceram O que restou mudou de forma e se deteriorou Vinte anos eram muito tempo mas para um cora o decidido o tempo jamais ser longo demais Mesmo que eles se encontras
499. o o da chuva Com Tengo guardado bem fundo dentro de si ela chorava copiosamente fazendo todo o corpo tremer Tengo abra ou a firme e carinhosamente Era o corpo de quem ele continuaria a dar todo o seu apoio de agora em diante E Tengo se sentia feliz de poder estar a seu lado Ele disse Para saber o quanto ramos sozinhos cada um precisou desse tempo Mexa disse Aomame em seu ouvido Mexa bem devagar e sem pressa Tengo fez exatamente o que ela pediu Mexeu o corpo devagar Respirava calmamente ouvindo as batidas do pr prio cora o Durante esse tempo Aomame se agarrava ao seu corpo grande como se estivesse prestes a se afogar Ela parou de chorar de pensar e para al m do passado e do futuro sincronizou seus movimentos com os de Tengo Um pouco antes do amanhecer os dois com o roup o do hotel estavam em p um ao lado do outro diante da enorme janela de vidro tomando uma ta a de vinho tinto que haviam pedido pelo servi o de quarto Aomame tomou somente um gole Ainda n o estavam com sono Da janela do d cimo s timo andar podiam ver a Lua vontade o quanto quisessem As nuvens haviam se dissipado e nada lhes obstru a a vista lua perto do amanhecer havia se movido bastante e pairava no limite da linha do horizonte da cidade A colora o era de um branco pr ximo ao cinza e faltava pouco para dar por cumprida sua fun o e poder se retirar para baixo da superf cie da Terra Na recep o Ao
500. o para jogar o lixo ela dependia de algu m para faz lo O modo como eles trabalhavam em equipe era eficaz e sem movimentos sup rfluos N o faziam barulho al m do necess rio e os passos eram discretos Eles terminaram as tarefas em vinte minutos abriram a porta e sa ram E trancaram a porta pelo lado de fora A campainha tocou uma vez como sinal de que haviam terminado Por precau o Aomame aguardou mais quinze minutos Depois saiu do quarto verificou se n o havia mais ningu m e trancou a porta A geladeira grande estava lotada de alimentos suficientes para uma semana Desta vez em vez de pratos congelados para micro ondas trouxeram produtos frescos Variedades de legumes verduras e frutas Peixes e carnes Queijo de soja algas wakame e natt soja fermentada Irouxeram tamb m leite queijos e suco de laranja Uma d zia de ovos Para evitar lixo excedente haviam tirado tudo das embalagens e acondicionado em sacos pl sticos Eles acertaram no tipo de alimento que Aomame necessitava no dia a dia Como que souberam disso A bicicleta ergom trica fora instalada ao lado da janela Era port til e de boa qualidade O display indicava a velocidade a dist ncia percorrida e o n mero de calorias gastas As rota es por minuto e o n mero de pulsa o tamb m podiam ser monitoradas Havia um aparelho fixo para os m sculos do abd men os m sculos ao longo da espinha e os deltoides As pe as adicionais eram f ceis de montar e
501. o quando se aproximava da parede para mudar de dire o seus passos eram regulares Seus sapatos de couro n o emitiam nenhum barulho em contato com o carpete barato de colora o levemente amarelo esverdeada O rapaz de rabo de cavalo como sempre estava em p ao lado da porta totalmente im vel As pernas estavam ligeiramente abertas e em posi o ereta ele mantinha o foco em algum ponto invis vel do ar N o demonstrava cansa o ou frio As nicas coisas que indicavam que ele estava vivo eram os olhos que vez por outra piscavam e o ar esbranqui ado que sa a regularmente pela boca Durante o dia algumas pessoas se reuniram naquele recinto gelado para conversar Foi necess rio aguardar um dia at que alguns dos dirigentes de outras sedes regionais pudessem se deslocar at l A reuni o era sigilosa raz o pela qual a conversa se deu em tom comedido e em voz baixa para que n o pudesse ser ouvida do lado de fora O corpo de Ushikawa permanecia sobre as mesas como um objeto de exposi o de uma feira industrial de ferramentas mec nicas O corpo estava em estado de rigidez cadav rica e at descongelar e se tornar mais flex vel levaria no m nimo tr s dias De vez em quando as pessoas olhavam rapidamente para o cad ver enquanto discutiam quest es de ordem pr tica Durante a discuss o e inclusive quando o assunto era sobre o morto n o se via nenhum sentimento de respeito ou de pesar pela morte de Ushikawa As nicas
502. o que senti enquanto estive preso O objetivo deles certamente deve ter sido esse Por isso que ap s a conversa que tivemos eles fizeram quest o de me deixar mais quatro dias preso naquele lugar um pessoal muito meticuloso Komatsu pegou o copo e bebeu seu u sque com soda Me fizeram cheirar novamente o clorof rmio e quando acordei amanhecia Eu estava dormindo no banco do jardim do Santu rio Meiji Jingu Como est vamos em meados de setembro as manh s eram relativamente frias N o para menos que fiquei realmente gripado Creio que isso n o foi intencional mas nos tr s dias seguintes tive febre e fiquei de cama Mas devo considerar que tive sorte de s pegar uma gripe A hist ria de Komatsu parecia ter terminado e foi ent o que Tengo indagou Voc contou essa hist ria para o professor Ebisuno Sim Ap s ser libertado e dias depois de minha febre baixar fui at a casa dele no alto da montanha Contei ao professor mais ou menos a mesma hist ria que acabei de lhe contar O que ele disse Komatsu bebeu o ltimo gole de u sque e pediu mais um Recomendou a Tengo que tamb m pedisse outro mas este recusou balan ando a cabe a O professor Ebisuno me fez contar a hist ria v rias vezes e me fez v rias perguntas detalhadas O que eu sabia respondi Quando necess rio eu conseguia repetir a mesma hist ria v rias vezes Afinal ap s conversar com o rapaz de cabelo rente fiquei quatro dia
503. obre os pais de Aomame que ainda eram adeptos fervorosos das Testemunhas de Jeov Ushikawa sabia que todas as Testemunhas de Jeov em n vel nacional eram controladas por uma central No Jap o a quantidade de adeptos era enorme e a circula o de pessoas entre a matriz e as filiais era grande Se n o houvesse uma central para armazenar as informa es o sistema n o funcionaria de modo harmonioso A matriz das Testemunhas de Jeov localiza se nos arredores da cidade de Odawara Num imenso terreno h um suntuoso pr dio uma f brica onde se imprimem panfletos um audit rio e acomoda es para acolher os adeptos vindos de todas as partes do pa s Todas as informa es s o armazenadas ali e com certeza s o rigorosamente controladas A outra informa o era o registro de aulas do clube esportivo em que Aomame trabalhava Ushikawa queria saber que tipo de trabalho ela desenvolvia e quando e para quem ela dava aulas particulares As informa es do clube n o devem ser t o bem protegidas quanto as das Testemunhas de Jeov Mas isso n o significava que Ushikawa poderia chegar l e pedir Por favor ser que voc s poderiam me mostrar os registros de aula de Aomame e ser atendido de modo sol cito Ushikawa deixou o nome e o telefone registrado na secret ria eletr nica Decorridos trinta minutos a pessoa retornou a liga o Senhor Ushikawa disse uma voz rouca Ushikawa explicou detalhadamente quais informa es
504. observando em sil ncio a tira azul Por mais que se detivesse em olh la a cor n o se alteraria Por precau o resolveu testar a outra marca Desta vez tinha de urinar na extremidade do bast o Como levaria tempo para ter vontade de urinar ela mergulhou o bast o no recipiente A urina era fresca rec m colhida e n o haveria tanta diferen a entre fazer na hora ou mergulhar o bast o no l quido O resultado seria o mesmo Na janela redonda do bast o pl stico surgiram nitidamente duas linhas verticais Tamb m significava que ela poderia estar gr vida Aomame jogou a urina no vaso sanit rio e deu descarga Embrulhou a tira e o bast o com papel higi nico e os jogou no lixo e lavou o recipiente no banheiro Depois foi para a cozinha e tomou mais dois copos de gua Amanh farei o terceiro teste pensou O n mero tr s era um bom n mero Primeiro arremesso segundo arremesso E contendo a respira o vou aguardar o ltimo Colocou gua para ferver preparou um ch preto e sentada no sof retomou a leitura de Proust Colocou cinco bolachas de queijo no prato para ir mordiscando enquanto bebia o ch Era uma tarde tranquila Ideal para leitura Mas a despeito de seus olhos seguirem as letras impressas n o conseguia prestar aten o no conte do Precisava ler e reler v rias vezes o mesmo trecho s vezes desistia e fechava os olhos imaginando dirigir um convers vel azul na orla da praia a capota ab
505. ocorro Finalmente Aomame recobrou o senso de realidade Tirou os sapatos da bolsa e os cal ou Ajeitou a barra da minissaia e pendurou corretamente a bolsa num dos ombros Fechou o cinto do casaco na frente Em seguida umedeceu os l bios secos com a l ngua e ajeitou a franja com os dedos Pegou um len o e limpou os olhos marejados Por fim aconchegou se ao lado de Tengo Assim como vinte anos antes exatamente no m s de dezembro numa sala da escola prim ria ap s o t rmino das aulas os dois estavam em p em sil ncio um ao lado do outro e de m os dadas Neste mundo n o existia mais ningu m a n o ser eles Os dois contemplavam a fileira de carros deslocando se lentamente diante deles Mas na verdade n o viam nada Para eles n o importava o que estavam vendo ou ouvindo A paisagem os sons e os odores que os rodeavam tinham perdido o significado original Ser que conseguimos entrar num mundo diferente Tengo finalmente conseguiu dizer Acho que sim respondeu Aomame Talvez seja melhor verificar S havia um jeito de checar e n o precisava necessariamente ser expresso em palavras Aomame olhou para o c u sem dizer nada Tengo tamb m olhou o c u quase na mesma hora Eles procuravam a lua Na posi o em que estavam ela devia estar bem acima da placa da Esso Mas n o conseguiam v la por estar atr s das nuvens carregadas pelo vento lentamente para o sul Os dois aguardavam N o havia press
506. ogado Ushikawa deduziu que n o havia d vidas de que esse benfeitor era a velha senhora de Azabu e que o abrigo mencionado era o pr dio de madeira em sua propriedade Desculpe me tomar o seu tempo disse Ushikawa demonstrando respeito cordial ao jovem advogado idealista A atividade que voc s est o realizando de valorosa contribui o para a sociedade Iransmitirei as informa es e estas ser o submetidas aprecia o na pr xima reuni o do Conselho Em breve entrarei em contato Meus sinceros votos para a cont nua prosperidade de suas atividades O pr ximo passo de Ushikawa foi investigar as circunst ncias da morte da filha da velha senhora A mo a se casara com um alto funcion rio do Minist rio dos Transportes e Correios e faleceu aos 36 anos de causas que Ushikawa n o conseguiu descobrir O marido deixou o emprego logo ap s a morte da esposa As nicas informa es obtidas eram essas O motivo de ele deixar o emprego e o que estaria fazendo da vida tamb m eram desconhecidos O fato de ele pedir demiss o poderia estar relacionado morte da esposa ou n o O Minist rio dos Transportes e Correios n o era uma reparti o que prontamente revelava informa es internas para um cidad o comum No entanto Ushikawa possu a um olfato apurado Ele farejava que ali havia algo de suspeito Ushikawa n o conseguia se convencer de que o marido inconformado e entristecido com a perda da esposa tivesse abandonado
507. ois se reencontraram em algum lugar ap s completarem vinte anos devem ter ficado surpresos em constatar que tinham muitas coisas em comum e a conversa certamente foi longa Naquele momento sentiram uma forte atra o um pelo outro Ushikawa conseguia imaginar vividamente essa cena Um encontro decisivo Extremamente rom ntico Ser que realmente se reencontraram Houve um romance entre eles Ushikawa n o tinha como saber Mas pensar nessa hip tese do reencontro fazia sentido E consequentemente fazia sentido os dois terem se unido para atacar Sakigake Cada qual a seu modo Tengo utilizou sua caneta e Aomame provavelmente alguma habilidade espec fica No entanto essa hip tese n o convencia Ushikawa A hist ria de certa forma fazia sentido mas algo n o se encaixava Se Tengo e Aomame estavam intimamente ligados era estranho que isso n o pudesse ser detectado de forma clara Um encontro decisivo resultaria em algo igualmente decisivo e aos olhos experientes de Ushikawa n o passaria despercebido Aomame poderia ser capaz de esconder isso mas Tengo n o Ushikawa era um homem movido pela raz o Sem obter provas n o conseguia seguir em frente Ao mesmo tempo confiava em sua intui o E sua intui o discordava toda vez que ele imaginava Tengo e Aomame conspirando e agindo juntos Sua intui o negava de modo discreto por m insistente Talvez os dois ainda n o soubessem da exist ncia um do outro O envolvimento de ambos
508. oisa Ushikawa neste caso em particular voc est agindo sozinho Ushikawa balan ou a cabe a num gesto afirmativo Isso muito estranho A tarefa de vigiar e seguir algu m normalmente realizada em equipe Para fazer a coisa bem feita preciso ter alguns auxiliares e formar um grupo de no m nimo tr s pessoas E voc ainda por cima est ligado a uma organiza o muito estranho voc me dizer que est trabalhando sozinho Essa sua resposta n o me convence N o sou adepto da religi o disse Ushikawa A respira o estava voltando ao normal e j conseguia falar articulando melhor as palavras O grupo me contratou como investigador particular Eles acham mais conveniente chamar algu m de fora para fazer certos tipos de servi o Eles contratam um diretor efetivo da Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes uma firma de fachada Ela n o existe Foi criada apenas para resolver os problemas de impostos do grupo Sou um aut nomo que trabalha para o grupo sem nenhuma vincula o religiosa Um tipo de mercen rio N o N o sou um mercen rio Apenas aceito os pedidos e coleto as informa es Se for necess rio tomar alguma medida dr stica isso fica sob a responsabilidade de alguma pessoa do grupo Foi o grupo que pediu para voc vigiar Tengo Kawana e ver se havia alguma liga o com Aomame Isso mesmo Creio que n o disse o homem
509. olher informa es mais detalhadas Essa era uma de suas melhores t cnicas Deixar o outro vontade para que falasse espontaneamente das coisas A professora contou que Tengo detestava acompanhar o pai nas cobran as e que na quinta s rie resolveu sair de casa N o foi exatamente sair de casa na pr tica foi como ser expulso disse a professora Tengo realmente era obrigado a acompanhar o pai nas cobran as pensou Ushikawa Isso deve ter afetado muito seu lado emocional quando crian a Foi o que imaginei A professora acolheu Tengo durante uma noite pois ele n o tinha para onde ir Ela lhe deu um cobertor e preparou o caf da manh No dia seguinte ao anoitecer foi conversar com o pai de Tengo e o convenceu a aceit lo de volta A professora contou essa hist ria como se fosse um dos cap tulos mais lindos de sua vida Ela tamb m contou o dia em que reencontrou Tengo num concurso musical e como ele tocara maravilhosamente bem o t mpano Sinfonietta de Jan ek N o uma m sica f cil Algumas semanas antes ele sequer sabia tocar t mpano Mas subiu ao palco para substituir um m sico e tocou magnificamente bem aquele instrumento S pode ter sido um milagre Essa mulher realmente gostava de Tengo admirou se Ushikawa um sentimento quase incondicional Como ser que se sente uma pessoa ao saber que algu m gosta tanto assim dela A senhora se lembra de Massami Aomame pergun
510. om esse tipo de profissional e os contratava de acordo com as necessidades Muitos desses agentes haviam sido policiais e eram peritos em t cnicas de investiga o persegui o e vigil ncia Mas neste caso em particular Ushikawa preferia n o envolver pessoas externas O problema era delicado demais e envolvia um homic dio um crime de extrema gravidade Para falar a verdade o pr prio Ushikawa n o sabia ao certo por que tinha de vigiar Tengo O que Ushikawa tinha em mente era comprovar a liga o entre Tengo e Aomame mas ele sequer sabia como era o rosto dela Tentara obter por v rios meios uma foto mas fora em v o Nem mesmo aquele tal de Morcego conseguira obt la Ushikawa chegou a dar uma olhada no lbum de formatura do colegial mas na foto tirada com a turma o rosto dela aparecia pequeno e a express o n o era nem um pouco espont nea como se estivesse de m scara Numa outra fotografia tirada junto com o time de softball da empresa ela estava com um bon de aba larga que fazia sombra no rosto Por isso caso Aomame passasse por ele n o teria como identific la O que ele sabia era que ela media cerca de um metro e setenta e tinha um porte atl tico Os olhos e as ma s do rosto possu am uma caracter stica peculiar Os cabelos ca am na altura dos ombros E era esbelta Mas mulheres com essas caracter sticas existiam aos montes no mundo De qualquer modo a miss o de vigiar Tengo s poderia ser feita por
511. om tempo E como as cortinas do palco que descem silenciosamente o mundo se tornou um pouco mais escuro Precisamos nos apressar sussurrou Aomame Os dois se levantaram e ficaram em p no topo de escorregador As sombras dos dois se tornaram uma Eles se davam firmemente as m os como se fossem crian as que tentam sair s apalpadelas de uma densa floresta cercada de escurid o N s vamos sair da cidade dos gatos disse Tengo pela primeira vez Aomame escutou com aten o o som daquela nova voz Cidade dos gatos uma cidade onde impera uma profunda solid o durante o dia e gatos grandes ganham o controle durante a noite H um rio bonito e uma velha ponte de pedra Mas n o um lugar para n s ficarmos Cada um chamou este mundo com um nome diferente pensou Aomame Eu chamei de 1Q84 ele de Cidade dos gatos Mas essas denomina es referem se mesma coisa Aomame segurou a m o dele com mais for a Isso mesmo N s vamos sair da cidade dos gatos N s dois juntos Quando sairmos daqui seja de dia ou de noite nunca mais vamos nos separar Quando os dois deixaram o parque infantil as luas estavam escondidas por tr s das nuvens que passavam vagarosamente no c u Os olhos das luas estavam cobertos O menino e a menina deixavam a floresta de m os dadas 30 Tengo Se eu n o estiver errada Ao deixar o parque os dois foram at a avenida e pegaram um t xi Aomame pediu para o
512. ometer nenhum erro est pido e sabe o que quer N s temos uma extrema confian a em voc Muito obrigada Se voc insiste em ficar mais tempo porque deve haver um motivo N o sei que motivo esse mas creio que n o se trata apenas de capricho Por isso a madame quer na medida do poss vel atender ao seu desejo Aomame manteve se em sil ncio aguardando atentamente a continua o da conversa Voc pode permanecer a at o final do ano Mas saiba que esse o limite Quer dizer que no come o do ano vou ser transferida para outro lugar isso Saiba que estamos fazendo o m ximo para respeitar o seu desejo Entendi disse Aomame Vou ficar aqui at o final do ano e depois vou para outro lugar Na verdade aquela n o era sua inten o Ela n o pretendia sair de l enquanto n o reencontrasse Tengo Mas se naquele momento ela dissesse isso complicaria a situa o Havia um certo intervalo de tempo at o final do ano O que vem depois disso melhor deixar para pensar mais tarde timo disse Tamaru A partir de agora vamos repor semanalmente os alimentos e os mantimentos de uso di rio Todas as ter as feiras s 13 horas o pessoal da reposi o ir at a Eles possuem a chave e v o entrar sem cerim nias mas nunca al m da cozinha Enquanto eles estiverem no apartamento voc deve ficar no quarto dos fundos e com a porta trancada Nunca mostre o rosto nem fale na
513. omo se acabasse de se lembrar disso Houve um breve sil ncio Isso j passou Em breve numa outra ocasi o te conto a respeito Agora n o uma hora conveniente Em breve numa outra ocasi o pensou Tengo Havia algo de estranho nesse seu jeito de falar que intrigou Tengo Era como se n o houvesse entre eles um distanciamento E suas palavras pareciam superficiais e sem profundidade Tengo tratou de mudar de assunto e tomou a iniciativa de desligar Evitou falar sobre a Cris lida de ar e igualmente sobre Fukaeri Ele percebeu pelo tom de voz de Komatsu que ele estava evitando tocar nesses assuntos Ser que alguma vez Komatsu deixou de falar algo por n o ser conveniente Seja como for essa foi a ltima vez que Tengo conversou com Komatsu Era final de setembro Desde ent o haviam se passado mais de dois meses Komatsu era um homem que gostava de falar longamente ao telefone Obviamente ele n o fazia isso com qualquer um mas era de seu feitio falar de v rios assuntos um ap s o outro de modo a organizar seus pr prios pensamentos Nessas ocasi es a fun o de Tengo era por assim dizer a de uma parede contra a qual Komatsu arremessava sua bola de t nis s vezes Komatsu telefonava mesmo sem necessidade Quase sempre num hor rio inconveniente Se n o quisesse ficava um temp o sem dar not cias No entanto sumir por mais de dois meses era inusitado Talvez ele n o queira falar com ningu m pensou Te
514. onformou em aguardar e expulsou de sua mente a ideia de comer um oyakodon e beber saqu quente Talvez a pessoa que ele aguardava fosse Fukaeri Ou Aomame Ao pensar nessas possibilidades Ushikawa fortaleceu a sua determina o O meu forte a perseveran a Por menor que seja a possibilidade eu me agarro a ela Por mais que se molhasse na chuva se expusesse aos ventos e ao sol escaldante ou levasse pauladas ele jamais desistia Ele sabia que se desistisse seria imposs vel saber quando teria uma nova oportunidade Ele conseguia resistir aos piores sofrimentos que surgiam diante de si porque sabia na pr tica que no mundo existem sofrimentos muito piores do que esses Ushikawa encostou se na parede na sombra formada pelo poste de ilumina o e pelo cartaz do Partido Comunista Japon s e ficou observando a entrada do Muguiatama Enrolou o cachecol at a altura do nariz e enfiou as m os nos bolsos do casaco de l De vez em quando tirava um len o de papel e assoava o nariz mas fora isso permanecia im vel Vez por outra os avisos dos alto falantes da esta o K enji ecoavam at ele trazidos pelo vento Alguns passantes ficavam tensos e apressavam o passo ao perceberem Ushikawa escondido nas sombras Mas como Ushikawa estava em p na escurid o eles n o conseguiam ver seu rosto sua figura baixa e gorda que surgia negra e envolta na escurid o parecia um boneco cheio de mau agouro fazendo com que as pessoas sentissem
515. or rios de suas aulas Segundo a atendente o pai de Tengo Kawana faleceu no domingo de madrugada em algum hospital da prov ncia de Chiba Ele precisou ir para o funeral e por isso a aula de segunda foi cancelada Ela n o soube informar quando nem onde seria o funeral mas como a pr xima aula dele na quinta at l ela disse que ele estaria de volta Aomame sabia que o pai de Tengo era cobrador da NHK e que aos domingos costumavam fazer uma rota de cobran as Ela chegou a v los andando pelas ruas da cidade de Ichikawa Ela n o conseguia se lembrar do rosto do pai dele mas lembrava se de que era baixo magro e vestia o uniforme de cobrador E que n o se parecia nem um pouco com Tengo Se o cabe o do boneco da felicidade n o est mais l posso ir falar com Tengo Acho melhor n o disse Tamaru prontamente O cabe o foi totalmente persuadido mas tive de entrar em contato com o grupo religioso para que eles resolvam uma outra parte desta quest o Havia uma certa mercadoria que eu n o queria deixar para as autoridades judiciais Se essa mercadoria for encontrada o morador do apartamento ser investigado a fundo e nesse caso o pente fino poder repercutir de modo a envolver o seu amigo Al m do mais esse um trabalho espinhoso para que eu possa resolver sozinho Se alguma autoridade me pegar carregando sozinho essa mercadoria durante a madrugada e resolver me interrogar n o terei como me desvencilh
516. or do rapaz de cabelo rente lhe fez algumas perguntas Quem matou Ushikawa Por que ele foi morto Qual o objetivo de ter alugado aquele apartamento em K enji O rapaz de cabelo rente como chefe do setor de seguran a precisava dar respostas Mas o fato que ele n o as tinha Na ter a feira antes de amanhecer ele recebera um telefonema de um homem misterioso que era Tamaru informando que o corpo de Ushikawa estava naquele apartamento A conversa que tiveram girou em torno de assuntos pr ticos e ao mesmo tempo insinuava outros assuntos mesclados de dissimula o Ao desligar o telefone o rapaz de cabelo rente convocou imediatamente dois fi is que viviam em T quio e que eram seus subordinados e os quatro vestidos com uniformes e fingindo serem funcion rios de uma empresa de mudan as foram at o local em um Toyota HiAce Foi necess rio gastar tempo para averiguar se aquilo n o era uma armadilha Eles estacionaram o ve culo a uma certa dist ncia do local e antes de mais nada um deles desceu e foi fazer o reconhecimento da rea no entorno do pr dio Era preciso ter muita cautela A pol cia poderia estar de tocaia para captur los assim que dessem um passo para dentro do apartamento Situa o que era preciso evitar a qualquer custo Eles deram um jeito para colocar o corpo de Ushikawa num tipo de caixa cont iner que haviam providenciado e sa ram do pr dio carregando a at a traseira da HiAce Era uma madrugada fria e f
517. oradores cujos rostos lhe eram familiares As nicas fotos que ele observou com real interesse foram de tr s pessoas Fukaeri Tengo e a mulher misteriosa da noite anterior O olhar de Fukaeri deixou Ushikawa tenso Mesmo de dentro da fotografia ela o observava de forma direta e atenta N o h d vidas pensou Ushikawa Ela sabia que ele estava e que n o s a observava como tamb m tirava fotos com uma c mera escondida Aquele olhar l mpido lhe dizia isso Seus olhos enxergavam tudo e n o aprovavam o que Ushikawa fazia Aquele olhar direto espetava impiedosamente o cerne de seu cora o O que ele estava fazendo era injustific vel Ao mesmo tempo ela n o o condenava e tampouco o desprezava Em certo sentido aqueles lindos olhos o perdoavam N o Talvez n o estejam exatamente me perdoando Ushikawa reconsiderou Mais do que perdo lo aqueles olhos expressavam um sentimento de piedade Ao saber que a conduta de Ushikawa era impura ela sentiu compaix o Isso tudo aconteceu num curto espa o de tempo Naquela manh Fukaeri olhou para o alto do poste e um tempo depois virou se rapidamente para a janela em que Ushikawa estava escondido e olhou diretamente para a lente da c mera camuflada e para o olho dele que estava atr s do visor Em seguida ela saiu caminhando O tempo parou e novamente continuou a fluir Isso tudo durou cerca de tr s minutos Nesse pequeno intervalo de tempo ela conseguiu enxergar a alma de Ushi
518. orme carvalho deitava sua sombra no jardim A porta do terra o era decorada com pequenas placas de vidro de formatos irregulares Atualmente rar ssimo encontrar constru es desse tipo em T quio Mas a despeito de a constru o oferecer essa agrad vel sensa o de tranquilidade a seguran a era refor ada Os muros eram altos e com arame farpado O port o de ferro grosso ficava trancado e um pastor alem o latia ruidosamente quando algu m se aproximava Havia v rias c meras de monitoramento Eram poucos os pedestres que circulavam pela rua raz o pela qual n o se podia ficar muito tempo parado em frente casa O bairro residencial era calmo e nas redondezas havia muitas embaixadas Se um homem esquisito e de apar ncia estranha como a de Ushikawa permanecesse muito tempo rondando a rea certamente desconfiariam dele e logo algu m o interpelaria O abrigo era exageradamente guardado Por mais que se quisesse proteg lo da viol ncia era desnecess rio tamanho esquema de seguran a Preciso obter o m ximo de informa es sobre esse abrigo pensou Ushikawa Apesar da seguran a preciso abrir suas portas Ou melhor quanto mais refor ada a seguran a maior a necessidade de abri las Para conseguir isso preciso elaborar uma boa estrat gia E para tanto tenho de espremer o pouco de intelig ncia que possuo Ushikawa lembrou se da conversa que teve com Onda sobre o Povo Pequenino O senhor j ouvir fa
519. orregador cuidando para ver onde pisava e deixou rapidamente o parque como que fugindo dos olhares das luas Ser que estou ficando louco N o N o pode ser N o estou perdendo a raz o A minha consci ncia s lida im parcial e reta como um prego novo de a o Ele foi martelado num ngulo preciso e correto no n cleo da realidade Eu n o tenho nenhum problema Estou completamente l cido o mundo ao meu redor que est come ando a mostrar sua dem ncia Preciso descobrir as causas dessa loucura A todo o custo 20 Aomame Parte da minha transforma o No domingo os ventos cessaram e diferentemente do dia anterior o clima estava quente e sereno As pessoas andavam pelas ruas sem os seus casacos pesados e aproveitavam a luz do sol Aomame alheia ao tempo passou o dia no apartamento com as cortinas fechadas mantendo sua rotina di ria Ao som da Sinfonietta de Jan ek em volume baixo Aomame fez os alongamentos e exercitou se com os aparelhos de gin stica Para cumprir uma cont nua e crescente s rie de exerc cios maior e mais completa ela precisava de cerca de duas horas Depois preparava as refei es limpava o apartamento e sentada no sof lia Em busca do tempo perdido Finalmente conseguira chegar ao volume tr s O caminho de Guermantes Ela procurava na medida do poss vel ocupar todo o seu tempo Na TV assistia somente aos notici rios da NHK do meio dia e das sete da noite Como sempre n o havia
520. orte da nossa parte est tudo bem Depois eu pe o para arrumarem a cama Ent o disse Tengo mudando de assunto O que eu devo fazer agora Assim que receber o atestado de bito assinado pelo m dico respons vel voc deve ir at a prefeitura e solicitar a autoriza o de crema o Em seguida dar entrada no pedido para tirarem o nome de seu pai do registro civil Essas seriam as principais provid ncias a tomar Mas h alguns outros assuntos que voc precisa resolver como a quest o da pens o anual ou a transfer ncia de titularidade da conta corrente mas acho melhor voc conversar com o advogado Advogado disse Tengo surpreso O senhor Kawana ou melhor o seu pai conversou com um advogado e explicou o que ele deveria fazer ap s sua morte Eu disse advogado mas n o se assuste A casa de sa de possui muitos idosos e como muitos deles n o est o em sua perfeita capacidade de racioc nio oferecemos consultas jur dicas por meio de um conv nio com um escrit rio de advocacia local um modo de evitarmos problemas jur dicos em rela o partilha dos bens ou coisas afins Temos inclusive um tabeli o respons vel por elaborar os testamentos Os honor rios n o s o muito altos Meu pai deixou um testamento Isso um assunto que voc deve conversar diretamente com o advogado Eu n o posso lhe dizer nada Entendi Ser que posso encontr lo em breve Ele ficou de vir
521. os mas n o enxergam nada Os cavalos dormem de olhos abertos A enfermeira deu um longo suspiro Exatamente como voc Por alguns instantes Tengo at pensou em ir ao banheiro se olhar no espelho mas optou por n o ir Entendi Vou procurar comer alimentos mais nutritivos Pois ent o voc n o quer sair para comer yakiniku Yakiniku Tengo n o costumava comer carne vermelha N o que n o gostasse mas no dia a dia n o sentia vontade Mas ao receber o convite achou que n o seria nada mal comer espetinho de carne depois de tanto tempo E seu corpo precisava de nutrientes Combinamos de sair noite para comer yakinuku Venha conosco Combinaram Vamos nos encontrar s seis e meia ap s o expediente Somos tr s Que tal As outras duas eram a enfermeira mura que tinha um filho e espetava a caneta no coque e a jovem e pequenina enfermeira Adachi As tr s tamb m cultivavam a amizade fora do ambiente de trabalho Tengo refletiu sobre a possibilidade de acompanh las No fundo n o queria bagun ar sua rotina mas n o conseguiu pensar em algum pretexto para recusar o convite Elas sabiam que ele tinha tempo de sobra Se n o for atrapalhar disse Tengo De jeito nenhum disse a enfermeira Jamais convidaria algu m s por obriga o ainda mais se fosse uma pessoa inconveniente N o fa a cerim nia e junte se a n s De vez em quando bom ter a companhia
522. ossegados Eles possu am tempo suficiente para fazer o que precisavam fazer O tempo n o era muito longo nem muito curto Os seis se sentaram no ch o em sil ncio formando uma roda sem que ningu m precisasse fazer um sinal Um c rculo perfeito com dois metros de di metro Finalmente um deles sem dizer nada esticou o bra o e tirou um fio do ar O fio tinha quinze cent metros de comprimento e sua cor era de um creme quase branco semitransparente Ele colocou esse fio no ch o O pr ximo tamb m procedeu da mesma maneira Puxou um fio da mesma cor e do mesmo tamanho Os outros tr s fizeram o mesmo O ltimo foi o nico que agiu de maneira diferente Ele se levantou afastou se do c rculo subiu novamente na mesa de reuni o esticou o bra o e puxou um fio do cabelo crespo da cabe a disforme de Ushikawa Ouviu se um pequeno barulho breve e destacado do fio sendo arrancado da cabe a Para este ltimo homenzinho o cabelo de Ushikawa que era o seu fio O primeiro homenzinho agrupou com suas m os habilidosas e bem treinadas os cinco fios colhidos do ar e o fio de cabelo de Ushikawa Procedendo dessa maneira os seis homenzinhos come aram a fazer uma nova cris lida de ar Desta vez ningu m conversava Nem marcava o ritmo Em sil ncio eles tiravam uma linha do ar um fio de cabelo de Ushikawa e mantendo um ritmo regular foram tecendo a cris lida de ar Apesar de o recinto estar gelado o ar que eles soltavam n o era esbra
523. oto e ela estava escondida As roupas que eles usavam n o eram luxuosas mas n o causariam vergonha N o parecia que a vida deles fosse t o pobre a ponto de n o poderem comprar uma c mera A fotografia teria sido tirada pouco tempo depois de Tengo nascer ou seja entre 1954 e 1955 Tengo virou a foto mas no verso n o havia data nem local Ele observou minuciosamente o rosto daquela mulher que poderia ser sua m e Na foto o rosto era pequeno e estava borrado Se tivesse uma lupa poderia enxergar alguns detalhes mas n o havia nenhuma disposi o Mesmo assim ele conseguia ver o formato de seu rosto Ele era oval o nariz pequeno e os l bios carnudos N o era exatamente uma mulher bela mas tinha o seu encanto e sua fisionomia causava boa impress o Perto de seu pai que possu a uma apar ncia rude ela parecia ser muito mais elegante e inteligente Tengo ficou feliz em constatar isso Os cabelos estavam presos no alto e a luz do sol ofuscava sua vista Mas pode ser que ela estivesse tensa diante da c mera Por estar de quimono n o dava para saber como era o seu corpo Pelo menos a contar pela foto era dif cil dizer que os dois formavam um belo casal A diferen a de idade tamb m parecia ser grande Tengo tentou imaginar a vida daquele casal desde o momento em que os dois se encontraram se apaixonaram casaram e tiveram um filho mas n o conseguiu A foto n o passava a imagem de um casal feliz Se descartarmos a hip tese
524. otou o nome e o hor rio no caderno de registro de visitas No balc o havia uma mocinha que Tengo via de vez em quando Seus bra os e suas pernas eram exageradamente finos e longos e seus l bios esbo avam um permanente sorriso como uma aranha bem comportada que orienta os caminhos da floresta Normalmente quem ficava na recep o era a enfermeira Tamura de meia idade e culos mas naquele dia ela n o estava O fato de ela n o estar deixou T engo aliviado Ele temia que ela insinuasse algo sobre a noite anterior por ele ter acompanhado Kumi Adachi at a casa dela A enfermeira mura que costumava espetar a caneta no coque tamb m n o estava Talvez elas tenham desaparecido tragadas pela terra Como as tr s feiticeiras em Macbeth Mas isso era imposs vel No caso da Kumi Adachi era o seu dia de folga mas as outras duas disseram que viriam trabalhar normalmente Elas provavelmente estariam em algum outro setor Tengo subiu as escadas e foi at o quarto de seu pai no primeiro andar Deu duas batidas de leve na porta e entrou Seu pai estava deitado na cama e dormia na mesma posi o de sempre No bra o havia o soro e na uretra um cateter Nenhuma mudan a desde o dia anterior A janela e as cortinas estavam fechadas O ar do quarto estava denso e estagnado Um misto de medicamentos flores no vaso respira o do paciente excre es e demais cheiros que a vida exala estavam todos concentrados num odor nico indistinto O fato
525. ou o no arm rio e sentou se diante da c mera O c u na parte leste come ava a clarear O dia prometia ficar quente Ushikawa j havia memorizado os rostos daqueles moradores que costumavam sair cedo para o trabalho e portanto n o havia a necessidade de fotograf los toda vez que deixavam apressadamente o pr dio entre sete e oito e meia seguindo afoitos esta o Eram rostos conhecidos Vozes animadas de um grupo de estudantes do prim rio que seguiam em dire o escola alcan aram seus ouvidos quando a garotada passava diante do pr dio Vozes que o fizeram se lembrar do tempo em que suas filhas eram pequenas Elas adoravam frequentar a escola Aprendiam piano e bal e tinham muitos amigos O fato de ele ter filhas t o normais era algo que ele pr prio nunca conseguiu admitir para si mesmo Como uma pessoa como ele poderia ser o pai delas Ap s o movimentado hor rio de sa da dos moradores praticamente ningu m mais sa a ou entrava no pr dio N o se ouviam mais as vozes animadas das crian as Ushikawa tirou o dedo do bot o do controle do obturador encostou se na parede e fumando um Seven Stars observou por entre as cortinas a entrada do pr dio Como de costume pouco depois das dez o carteiro chegou com sua motocicleta vermelha e habilmente separou e distribuiu as correspond ncias dos moradores em suas respectivas caixas na entrada do pr dio At onde Ushikawa p de observar pelo menos metade era de correspond
526. ou se para Tengo fez uma rever ncia e o furg o partiu Tengo o advogado e as enfermeiras Tamura e mura juntaram as m os em prece olhando a traseira do furg o Toyota Tengo e o advogado sentaram se um de frente para o outro num canto do refeit rio O advogado devia ter cerca de quarenta e cinco anos e ao contr rio do encarregado da funer ria era obeso O seu queixo praticamente n o existia Apesar de estarem no inverno gotas de suor brotavam de sua testa Ele deve sofrer muito no ver o pensou Tengo O palet cinza de l cheirava a naftalina A testa era pequena e os cabelos negros fartos O corpo obeso e os cabelos fartos n o eram uma combina o feliz As p lpebras eram pesadas e intumescidas e apesar de os olhos serem pequenos ao observ los com cuidado via se ao fundo uma luz de bondade Seu pai me confiou o testamento A palavra testamento pode dar a impress o de que se trata de algo vultoso mas n o exatamente o caso N o um testamento como aqueles que aparecem nos romances policiais disse o advogado tossindo para limpar a garganta Neste caso algo bem parecido com um simples lembrete Vou lhe explicar de modo simples e resumido o seu conte do Em primeiro lugar o testamento descreve as instru es para o vel rio Quanto aos detalhes creio que o encarregado da Zenk sha j tenha lhe explicado n o Ele j me explicou um vel rio simples Muito bem disse o advogado
527. ou uma casa redonda e de teto alto As pedras vinham de uma pedreira bem pr xima ao local Naquela poca na Su a para trabalhar com pedras era necess rio obter uma licen a e ter a forma o de cortador de pedras Jung fez quest o de obt la Ele tamb m entrou para a guilda dos artes os Isso mostra como era importante para ele poder construir a casa com as pr prias m os A morte de sua m e foi um fator determinante para que o objetivo se tornasse preponderante Tamaru fez uma pequena pausa casa ficou conhecida com o nome de torre O estilo era semelhante ao das casas pequenas de aldeia que ele viu durante sua viagem frica N o havia nenhuma divis o interna formando um espa o nico Uma casa muito simples Ele achava que isso era o suficiente para se viver nela N o havia luz g s nem gua encanada A gua era trazida de uma montanha pr xima mas um tempo depois ele percebeu que aquilo n o passava de um arqu tipo Foi ent o que o espa o interno da torre foi compartimentado dividido ampliado com a constru o de um segundo andar e depois acrescentadas algumas alas Ele criou suas pr prias pinturas nas paredes Isso sugeria a divis o e o desenvolvimento de sua consci ncia individual Aquela casa funcionava como uma mandala tridimensional Ela s foi conclu da depois de doze anos Por ser a casa de um pesquisador como Jung ela uma constru o muito interessante Voc j tinha ouvido falar
528. p s serem usados at n o aguentarem mais Mas pensando bem o seu pai de hoje tamb m n o seria como um animal de carga beira da morte N o seria o mesmo que um sapato de couro gasto Tengo desviou o olhar e novamente observou a paisagem pela janela As cores avermelhadas da tarde escureciam gradativamente o c u poente Lembrou se da t nue luz azulada que a cris lida de ar emitia e da menina Aomame deitada e dormindo no interior dela Ser que aquela cris lida de ar vai surgir novamente aqui Ser que o tempo realmente possui o formato de uma linha reta Estou num beco sem sa da disse Tengo olhando a parede Existem muitas vari veis Por mais que eu tenha sido uma crian a prod gio imposs vel encontrar respostas Obviamente a parede n o lhe respondeu e tampouco expressou qualquer opini o Ela apenas refletia silenciosamente as cores do entardecer 4 Ushikawa navalha de Occam Ushikawa n o conseguia se livrar da ideia de que aquela velha senhora que morava na mans o de Azabu estava de alguma maneira envolvida no assassinato do L der Ele havia recolhido informa es sobre a vida dela Tarefa relativamente f cil por ser ela uma pessoa famosa na alta sociedade O marido fora uma figura de destaque no mundo empresarial do p s guerra e desfrutara de consider vel poder de influ ncia nas esferas pol ticas Atuara principalmente no setor de investimentos e no ramo imobili rio estendendo os ne
529. parece muito bem disse Komatsu Como vai o novo romance Avan ando aos poucos timo Um escritor s se aperfei oa com o ato cont nuo de escrever como uma taturana que nunca se cansa de comer folhas Eu n o falei que reescrever a Cris lida de ar seria uma influ ncia ben fica para o seu pr prio trabalho Tem raz o concordou Tengo Foi gra as a ela que aprendi algumas coisas importantes sobre o romance Hoje consigo ver coisas que antes eu n o conseguia N o quero me gabar mas saiba que disso eu entendo muito bem O que voc precisava era ter uma boa oportunidade como aquela Em compensa o estou passando por grandes apuros como voc bem sabe Komatsu sorriu arqueando o canto dos l bios numa bela meia lua de inverno Um sorriso impenetr vel que n o revelava seu profundo significado Para conseguir algo importante preciso pagar o pre o Essa a regra do mundo Pode ser mas n o consigo entender direito a rela o entre as coisas consideradas importantes e os crit rios de avalia o de seus respectivos pre os Esse v nculo sempre muito complexo Realmente as coisas s o complicadas E como conversar numa linha cruzada Voc tem raz o disse Komatsu franzindo as sobrancelhas Mudando de assunto voc sabe onde Fukaeri est agora Onde ela est agora n o sei respondeu Tengo escolhendo cuidadosamente as palavras Onde est a
530. partamento de K enji Algu m estava batendo na porta com a m o fechada Por que ser que ele est batendo estranhou Ushikawa tentando despertar sua consci ncia H uma campainha na entrada s apert la Algo muito simples de fazer Mas essa pessoa faz quest o de bater e com muita for a Franziu as sobrancelhas e olhou o rel gio de pulso Eram uma e quarenta e cinco Uma e quarenta e cinco da tarde claro L fora ainda estava claro Ushikawa n o atendeu a porta Ningu m sabia que ele estava l e ele n o esperava a visita de ningu m Provavelmente era um vendedor ou algu m oferecendo assinaturas de jornal ou coisas do tipo A pessoa que estava do outro lado da porta poderia estar precisando de Ushikawa mas a rec proca n o era verdadeira Ushikawa permaneceu encostado na parede encarando a porta em sil ncio Aguardaria pacientemente a pessoa desistir e ir embora No entanto essa pessoa n o desistia Ela continuava a bater na porta a intervalos regulares Quando terminava uma s rie de batidas interrompia de dez a quinze segundos e recome ava uma nova s rie de batidas firmes e fortes desprovidas de hesita o e o som constante ecoava de modo estranho Eram batidas que requeriam insistentemente a resposta de Ushikawa Aos poucos Ushikawa come ou a ficar preocupado pessoa do outro lado da porta poderia ser Eriko Fukada Ela teria vindo at ele para censur lo por essa atitude desprez vel de tira
531. pe as de roupa uma sobre a outra cobria as pernas com um cobertor e bebia chocolate quente Costumava observar atentamente o escorregador at dez e meia e ap s aquecer o corpo num banho tranquilo de imers o deitava se na cama para dormir A possibilidade de Tengo aparecer no parque durante o dia n o podia ser descartada mas era improv vel Se ele fosse at l seria durante a noite com a l mpada de merc rio acesa e a lua pairando no c u Aomame jantava depressa vestia se de modo ligeiro deixava o cabelo arrumado e sentada na cadeira da varanda observava atentamente o escorregador Ao alcance de suas m os havia sempre a pistola autom tica e um bin culo pequeno da Nikon Com o receio de Tengo chegar justamente na hora em que estivesse no banheiro a nica bebida que tomava era chocolate quente Aomame observava o parque diariamente sem descanso Durante a vig lia n o lia n o escutava m sica de modo a prestar aten o somente aos sons externos Dificilmente mudava de posi o a n o ser quando eventualmente erguia o rosto se o c u n o estivesse coberto de nuvens para se certificar de que as duas luas pairavam no c u noturno Mas logo voltava os olhos para o parque Aomame vigiava o parque e as luas a vigiavam Tengo por m n o apareceu Durante a noite pouqu ssimas eram as pessoas que visitam o parque De vez em quando apareciam jovens casais de namorados Sentados no banco ficavam de m os dadas
532. pe pardo sobre a mesa lhe pareceu impessoal e frio N o havia nada escrito nele nem na frente nem no verso Posso fazer uma pergunta disse Tengo para o advogado Quando meu pai lhe entregou o envelope ele n o disse o meu nome ou seja n o disse Tengo Kawana ou mencionou me como sendo o seu filho Enquanto o advogado tentava se lembrar do que fora dito naquela ocasi o ele tirou do bolso o len o e limpou novamente o suor da testa A seguir balan ou a cabe a num gesto negativo N o O senhor Kawana usou somente a express o leg timo herdeiro Em nenhum momento usou outra a n o ser essa Confesso que na ocasi o achei estranho por isso me lembro muito bem disso Tengo permaneceu em sil ncio O advogado tentou se retratar e disse Mas o pr prio senhor Kawana no fundo sabia que o herdeiro leg timo era o senhor Ele apenas n o disse nominalmente em fun o da conversa que est vamos tendo Alguma coisa o preocupa N o que eu esteja preocupado disse Tengo que meu pai era uma pessoa um pouco diferente O advogado sorriu e concordou balan ando levemente a cabe a Em seguida entregou uma nova c pia do registro civil da fam lia de Tengo Por se tratar desse tipo de doen a tomei a liberdade de verificar a certid o para que n o houvesse nenhum problema jur dico Segundo os registros o senhor o nico herdeiro do senhor Kawana Sua m e faleceu um ano e meio ap s o seu nascimento
533. pegaram me fizeram cheirar clorof rmio e me prenderam naquele quarto esquisito pequeno e sem janelas Era tudo muito estranho E o t dio que eu sentia era tanto que achei que fosse enlouquecer Komatsu fitou comovido a fuma a do cigarro que segurava entre os dedos Um tempo depois bateu as cinzas no cinzeiro Acho que me deixaram tr s dias naquele quarto com a inten o de me desestabilizar emocionalmente Devem ser peritos nesse assunto Sabem exatamente o que fazer para abalar os nervos de uma pessoa e torn la vulner vel No quarto dia isto ap s o quarto caf da manh apareceram dois homens Desconfio que tenham sido eles que me abordaram e me raptaram naquele dia Como me pegaram de surpresa e eu n o sabia direito o que estava acontecendo nem tive tempo de olhar para o rosto deles mas ao v los diante de mim as recorda es daquele dia come aram a surgir Lembrei que fui empurrado para dentro do carro e que me torceram os bra os com tamanha for a que pensei que fossem arranc los Depois me fizeram cheirar um pano embebido em algo Enquanto faziam isso os dois n o disseram uma nica palavra Isso tudo aconteceu num piscar de olhos Ao se lembrar disso Komatsu franziu levemente as sobrancelhas Um deles n o era muito alto mas era robusto e tinha o cabelo cortado rente Era bem bronzeado e as ma s do rosto eram salientes O outro era alto com os bra os e as pernas compridas as bochechas chupadas e m
534. pessoa em voz alta ridiculariz la e faz la se sentir envergonhada E servia de li o para os vizinhos Aomame permaneceu em sil ncio Ela n o precisava dar aten o a isso Colocou de volta a pistola sobre a mesa Por precau o manteve a trava de seguran a solta Havia a possibilidade de algu m estar disfar ado de cobrador da NHK Sentada na mesa da cozinha continuou a olhar fixamente a porta da frente Um tempo depois teve vontade de ir at a porta p ante p e dar uma espiada pelo olho m gico Queria saber quem era o homem do lado de fora Mas n o conseguia se levantar da cadeira Achou melhor n o fazer coisas desnecess rias Uma hora ele vai desistir e ir embora No entanto o homem estava decidido a fazer um discurso diante da porta dela Senhorita Takai Vamos parar com essa brincadeira de esconde esconde Eu n o fa o isso porque gosto Saiba que pode n o parecer mas sou uma pessoa muito ocupada Senhorita Takai voc assiste televis o n o mesmo Todos que assistem televis o precisam pagar a taxa de recep o da NHK Pode ser que n o goste mas isso est previsto em Lei Quem se recusa a pagar a taxa est agindo como um ladr o Creio que a senhorita n o quer ser tratada como ladra por algo t o insignificante Para quem mora num apartamento t o bonito como o seu a taxa de recep o da TV n o deve ser algo t o dif cil de pagar N o mesmo O fato de eu ter de declarar essas coisas em voz alt
535. pessoas de fora n o tivessem acesso Ao sair do pr dio foi para o estacionamento onde havia dez carros enfileirados e escolheu um Nissan Gloria preto Os dois entraram no carro e ele girou a chave que j estava na igni o O tanque de gasolina estava cheio conforme o regulamento Quem novamente dirigia o carro era o rapaz de rabo de cavalo A placa do Nissan Gloria era legal e os documentos estavam em ordem N o haveria problemas caso passassem um pouco o limite de velocidade Ap s percorrer um bom tempo a rodovia que o rapaz de cabelo rente se deu conta de que n o havia recebido a permiss o do superior para voltar a T quio Isso poderia se tornar um problema mais tarde Mas n o havia outro jeito Era uma quest o urgente O jeito era explicar a situa o assim que chegasse a T quio Ele franziu levemente as sobrancelhas As restri es impostas pela organiza o s vezes o aborreciam A quantidade de regras costumava aumentar nunca diminuir Mas ele sabia que n o conseguiria viver longe da organiza o Ele n o era um lobo solit rio Era apenas um entre in meros dentes de uma roda que se limitava a cumprir ordens Ele ligou o r dio para ouvir o notici rio das oito Ao terminar o notici rio o rapaz de cabelo rente desligou o r dio reclinou o banco e dormiu um pouco Quando acordou estava com fome quando foi a ltima vez que fizera uma refei o decente mas n o tinham tempo de parar o carro numa rea de servi os
536. po de cren a mas como recebi uma ajuda pessoal do l der morto n o vou medir esfor os para descobrir o paradeiro de Aomame e para isso tenho me empenhado ao m ximo em saber o que h por tr s disso E tenho alcan ado alguns progressos Por isso pe o lhe que tenha um pouco mais de paci ncia Em breve creio que terei timas not cias s informa es parciais que o senhor pode nos passar com seguran a foram essas indagou Onda Ushikawa fez uma pequena pausa para reflex o Como eu disse anteriormente Aomame telefonou duas vezes para a divis o de tr nsito da pol cia metropolitana do distrito de Shinjuku E algu m dessa se o tamb m telefonou para ela algumas vezes Ainda n o consegui identificar o nome dessa pessoa Afinal uma divis o da pol cia e por mais que eu pergunte o nome dessa pessoa n o v o me fornecer Mas naquele momento uma luz brilhou resplandecente nessa minha cabe a feia Lembrei me de que havia acontecido alguma coisa envolvendo essa divis o de tr nsito Pensei durante um bom tempo sobre o que que havia acontecido por l O que exatamente estava tentando estabelecer um elo com a minha parca lembran a Confesso que demorei para lembrar dureza envelhecer A idade faz com que as gavetas da mem ria deixem de deslizar facilmente Antes as lembran as surgiam num piscar de olhos Foi h uma semana que finalmente consegui me lembrar do que se tratava Ushikawa interrompeu a conver
537. po de segredo seria revelado iria ser grande Mas da boca aberta de Ushikawa n o saiu nenhuma voz O que saiu n o foram palavras nem ar mas seis homens pequeninos Todos com cerca de cinco cent metros Estavam vestidos e pisando na l ngua esverdeada como musgo e transpondo os dentes irregulares e sujos foram saindo em fila como os mineiros que retornam para a superf cie ao entardecer ap s um dia de trabalho Mas tanto as roupas quanto os rostos estavam limpos e eles n o estavam suados Eram homens que n o tinham nenhuma rela o com sujeira e desgaste O seis homenzinhos do Povo Pequenino sa ram da boca de Ushikawa desceram at as mesas em que o corpo estava deitado e conforme se chacoalhavam seus corpos cresciam gradativamente Eles mudavam de tamanho de acordo com a necessidade Mas nunca passavam de um metro de altura ou ficavam menores que tr s cent metros Quando atingiram o tamanho de seis a sete cent metros pararam de se chacoalhar e um por um foram descendo da mesa at o ch o Os rostos do Povo Pequenino eram isentos de express o Mas isso n o significava que seus rostos eram como m scaras Eram rostos bem comuns Exceto pelo tamanho eles possu am um rosto muito parecido com o meu ou o seu Portanto o fato de n o esbo arem uma express o significava apenas que naquele momento n o havia a necessidade de esbo ar nenhum tipo de express o Eles n o demonstravam estar com pressa tampouco pareciam estar s
538. po em que limita o pensamento e as a es das pessoas tamb m lhes tira a liberdade Ele capaz de alterar a ordem de prioridades e em determinados casos distorcer o racioc nio No seu caso em particular voc diz que n o quer ser transferida desse local pelo menos at o final do ano Est se recusando a se mudar para um local mais seguro Isso acontece porque voc est procura de algo Enquanto voc n o encontrar esse algo voc n o vai se afastar da Ou n o quer se afastar Aomame manteve se calada N o sei do que se trata nem o quanto voc realmente deseja isso Desconhe o os detalhes E tampouco tenho a inten o de sab los Mas do meu ponto de vista esse algo exatamente o seu ponto fraco Voc tem raz o admitiu Aomame O cabe o do boneco da felicidade deve estar em busca desse seu ponto fraco Ele vai tentar encontrar a todo custo as raz es pessoais que determinam a sua limita o Ele acha que se encontrar isso ir solucionar o problema Se ele for t o bom quanto eu penso que vai obter essa informa o analisando os dados fragment rios que j deve possuir Creio que n o vai conseguir obter essa informa o disse Aomame N o h como ele relacionar esse algo comigo algo que est dentro do meu cora o Voc pode afirmar com cem por cento de certeza Aomame pensou a respeito N o posso afirmar cem por cento mas noventa e oito Ent o ac
539. po para lhe dar explica es detalhadas mas resumindo o que ele realmente queria lhe dizer era que a causa da morte era desconhecida A despeito de terem realizado in meros exames n o conseguiram encontrar nada de errado Muito pelo contr rio Os resultados indicavam que seu pai era uma pessoa saud vel O nico problema era ele estar com o mal de Alzheimer Mas sem causa aparente ele entrara em coma e desde ent o jamais recuperara a consci ncia e o seu corpo aos poucos definhou Ao transpor o n vel aceit vel de decl nio das fun es org nicas a manuten o da vida se tornou dif cil e n o foi poss vel evitar que seu pai adentrasse o territ rio da morte A explica o era f cil de entender mas do ponto de vista m dico a quest o n o era t o simples assim porque n o conseguiam identificar a causa da sua morte O motivo mais plaus vel seria concluir que falecera por estar senil mas ele tinha pouco mais de sessenta e cinco anos e portanto era novo demais para este diagn stico Como m dico respons vel vou emitir o atestado de bito disse o doutor num tom entre cerimonioso e hesitante A causa mortis ser descrita como colapso card aco decorrente de um longo per odo de coma O senhor concorda Mas na verdade meu pai n o morreu de colapso card aco decorrente de um longo per odo de coma n o indagou Tengo O m dico esbo ou desconforto O seu pai nunca apre
540. poss vel viver bem A enfermeira Tamura que usava culos perdera o marido num acidente de tr nsito havia cinco anos e desde ent o morava com a m e numa cidade pr xima A enfermeira mura que espetava a caneta no coque e era a mais alta entre elas tinha dois filhos pequenos e o marido trabalhava como motorista de t xi A jovem enfermeira Adachi morava com a irm cabeleireira tr s anos mais velha que ela num apartamento alugado na periferia da cidade Voc uma pessoa bondosa Tengo disse a enfermeira mura enquanto substitu a a bolsa pl stica de soro N o conhe o nenhum familiar que visite diariamente o paciente e leia livros para algu m que est inconsciente Esse coment rio fez com que Tengo se sentisse desconfort vel que eu consegui tirar umas f rias Mas creio que n o poderei ficar por muito tempo Por mais que se tenha tempo ningu m vem aqui por gostar disse ela Sei que n o devia dizer isso mas esse tipo de doen a n o tem cura Com o passar do tempo as pessoas s tendem a ficar mais deprimidas Meu pai me pediu para ler um livro disse que podia ser qualquer um Me disse isso quando ainda estava consciente Fora isso n o tenho o que fazer O que voc costuma ler para ele V rias coisas Basicamente recito em voz alta o que eu estiver lendo E que voc est lendo agora fazenda africana de Isak Dinesen A enfermeira balan ou a cabe a
541. pote de iogurte Os demais membros de sua fam lia n o eram como ele al m dos pais tinha dois irm os um mais velho e outro mais novo e uma irm ca ula O pai administrava uma cl nica e a m e se encarregava da contabilidade Tanto o irm o mais velho quanto o mais novo ingressaram na faculdade com notas excelentes e se tornaram m dicos O mais velho trabalhava num hospital de T quio e o mais mo o seguiu carreira de pesquisador na mesma faculdade em que se formou O irm o mais velho assumiria a administra o da cl nica da fam lia na cidade de Urawa quando o pai se aposentasse Seus dois irm os eram casados e cada um tinha um filho A irm ca ula estudou no exterior formou se numa faculdade americana e de volta ao Jap o trabalhava como tradutora e int rprete Tinha trinta e cinco anos mas continuava solteira Todos eram magros altos e possu am um rosto oval de bonita fei o Dentre os familiares Ushikawa era sem d vida uma exce o em todos os sentidos sobretudo na apar ncia Era baixo tinha a cabe a grande e deformada os cabelos crespos e encaracolados Suas pernas eram curtas e vergadas como um pepino O globo ocular era saltado como se estivesse assustado e em torno do pesco o havia um estranho denso e excessivo volume de pele As sobrancelhas eram enormes e grossas faltando pouco para se juntarem em um nico tra o Pareciam duas enormes taturanas com desejo de se acasalarem As notas na escola
542. pravam do mar e balan avam os pinheiros as gaivotas brancas sobrevoando o c u Tengo levantou e foi at a janela afastou as cortinas e ao abrir as vidra as encheu os pulm es com o ar frio que vinha de fora Tengo voc est lendo esta carta porque voltou da cidade dos gatos isso muito bom Foi isso que Fukaeri escreveu na carta Mas ao voltar a T quio ele soube que o seu apartamento estava sendo vigiado Ele n o sabia quem nem de onde poderiam estar vigiando o Talvez tenham instalado alguma c mera dentro do apartamento Preocupado com essa possibilidade Tengo vasculhou o im vel de ponta a ponta Mas n o encontrou nenhuma c mera ou aparelhos de escuta Seu apartamento de um quarto era antigo e pequeno Se instalassem algo com certeza o equipamento n o passaria despercebido mesmo que Tengo quisesse Ele voltou mesa e continuou a digitar o texto at come ar a escurecer O trabalho de passar o manuscrito a limpo levou muito mais tempo do que esperava pois n o se tratava apenas de digit lo mecanicamente mas inclu a o trabalho de revis o que n o raro exigia reescrever e corrigir alguns trechos Ao fazer uma pausa para descansar as m os Tengo acendeu a luz sobre a mesa Foi quando lhe ocorreu que naquele dia o corvo n o aparecera Se ele tivesse vindo Tengo imediatamente o notaria pelo barulho das asas a esfregar na janela Esfregava tanto as asas que deixava marcas de gordura espalhadas pelo vidro como c digos a
543. quando poderei devolv lo e tenho medo de suj lo com a menstrua o Aomame diz Sem uma palavra a mulher apenas balan a discretamente a cabe a e passando por entre os carros retorna para o Mercedes coup prateado Do banco do motorista ela parece acenar discretamente para Aomame Mas isso pode ser uma ilus o de tica Aomame sente se protegida envolta no leve e macio casaco de meia esta o Ela n o precisava mais expor seu corpo aos olhares alheios E um fio de sangue como que aguardando impacientemente por esse momento escorre pela sua coxa Um fio de sangue quente espesso e pesado O terceiro tipo de sonho daqueles dif ceis de explicar com palavras um sonho sem nexo sem enredo e sem cen rio Trata se apenas de uma sensa o de estar em movimento Aomame transita incessantemente indo e vindo no tempo e no espa o Neste tipo de sonho o importante n o quando nem onde mas o fato de transitar pelo tempo e pelo espa o Tudo inst vel e nessa instabilidade que se apreende o real significado do sonho Quando ela se encontra assim sua pele se torna invis vel A palma de sua m o se torna transl cida e ela v atrav s dela Enxerga os ossos os rg os o tero Se continuar assim vou deixar de existir Se eu ficar invis vel o que vai acontecer ela se pergunta N o h resposta s duas da tarde o telefone tocou assustando Aomame que cochilava no sof Alguma novidade perguntou
544. quarta s ries Foi o que imaginei pensou Ushikawa Realmente h uma liga o entre os dois A professora ta foi a respons vel pelas classes do terceiro e quarto anos Professora Toshie ta Atualmente ela leciona na escola prim ria municipal da cidade de Narashino Telefonando para a escola talvez ela possa me atender J entrei em contato disse a vice diretora esbo ando um leve sorriso Ela disse que se o assunto for esse ter o maior prazer em receb lo Muito obrigado agradeceu Ushikawa Al m de ser bonita ela tamb m era uma excelente profissional vice diretora escreveu o nome da professora e o telefone da Escola Prim ria Tsudanuma no verso do cart o pessoal e o entregou a Ushikawa que o guardou cuidadosamente em sua carteira Soube que a senhorita Aomame era seguidora de uma religi o disse Ushikawa Esse um ponto que nos preocupa e que gostar amos de esclarecer A vice diretora franziu as sobrancelhas fazendo surgir pequenas rugas nos cantos de seus olhos Somente uma mulher madura e com vasta experi ncia pessoal conquista aquelas delicadas rugas charmosas e inteligentes Desculpe me mas esse um assunto que n o cabe discutirmos aqui disse ela E porque envolve quest es pessoais n o perguntou Ushikawa Isso mesmo Principalmente por envolver quest es religiosas Mas se eu conversar com a professora ta pode ser que eu
545. que estava Ushikawa desconhecia os rumos tomados pelo grupo Sakigake ou o que eles desejavam Agora que o L der estava morto ele mesmo n o sabia quem de fato havia assumido seu posto De qualquer modo eles queriam saber onde estava Aomame entender as raz es do assassinato do L der e esclarecer as circunst ncias que estavam por tr s disso Provavelmente tinham a inten o de vingar a morte do L der e castigar impiedosamente os culpados Para isso estavam determinados a n o permitir qualquer interfer ncia E quanto a Eriko Fukada O que ser que o grupo Sakigake pensa hoje sobre o romance Cris lida de ar Ser que o livro continua sendo uma amea a para eles Eriko Fukada caminhou em linha reta sem diminuir os passos ou se voltar para tr s como uma pomba que volta para o ninho Ushikawa finalmente descobriu que o destino dela era um supermercado de m dio porte chamado Marush Fukaeri pegou uma cesta e andando de fileira em fileira foi pegando enlatados e produtos frescos Para escolher um p de alface ela pegava um e examinava todos os ngulos da verdura minuciosamente Isso vai levar tempo pensou Ushikawa Resolveu ent o sair do supermercado e ficar do outro lado da rua fingindo que esperava o nibus no ponto enquanto vigiava Apesar de esperar muito tempo a garota n o apareceu Ushikawa come ou a ficar preocupado Talvez ela tenha sa do por alguma outra porta No entanto pelo que Ushikawa p de notar n
546. que eu n o sirvo para nada que sou apenas um estorvo Eles est o errados Estou a um passo de encontrar o paradeiro de Aomame Ushikawa tentou dizer isso ao homem Queria pedir que ele o escutasse Mas a voz n o saiu N o havia ar suficiente para fazer vibrar a voz e a l ngua estava no fundo da garganta r gida como pedra A traqueia agora estava obstru da e o ar impedido de entrar Os pulm es lutavam desesperadamente por oxig nio mas n o havia em lugar algum Ele sentiu o corpo e a consci ncia se separarem Enquanto seu corpo continuava a se contorcer dentro do saco de dormir sua consci ncia estava sendo arrastada para a camada mais viscosa e pesada do ar Rapidamente deixou de sentir os bra os e as pernas Por qu Ushikawa se perguntava com a consci ncia se esvaindo Por que eu preciso morrer nesse lugar desagrad vel desse jeito vergonhoso N o houve resposta Finalmente a escurid o sem contorno desceu do teto e envolveu tudo Quando recobrou a consci ncia Ushikawa estava fora do saco de dormir N o sentia os bra os nem as pernas nica coisa que ele sabia era que estava com os olhos vendados e sentia o tatame encostado em sua testa Ele n o estava mais sendo estrangulado Seus pulm es inspiravam o ar fresco e respiravam ruidosamente como se fossem um fole Era o ar frio de inverno Com o oxig nio a circula o sangu nea se renovava e o cora o bombeava com toda velocidade o sangue t pido e
547. que n o merece nem ser comentado Tengo jamais perguntou sobre a lua para ningu m a n o ser para aquele amigo que o substituiu na escola preparat ria Muito pelo contr rio ele evitava ao m ximo tocar nesse assunto em p blico como se fosse algo moralmente conden vel Por qu Talvez esse seja o desejo das luas pensou Tengo Elas seriam uma esp cie de mensagem pessoal e intransfer vel e nesse caso essa mensagem poderia n o estar autorizada a ser compartilhada com outras pessoas Mas esse modo de pensar era no m nimo estranho Por que a quantidade de luas indicaria a exist ncia de uma mensagem espec fica para ele Que tipo de mensagem elas queriam transmitir Para Tengo parecia mais um enigma do que uma mensagem Mas nesse caso quem seria o autor desse enigma Quem afinal desautorizaria Tengo a compartilhar a informa o O vento soprava atrav s dos galhos da zelkova com um som agudo como o do ar que escapa por entre os dentes de algu m que perdeu a esperan a Tengo olhou para as luas e sem se importar com o vento permaneceu sentado at sentir o corpo gelar Em termos de tempo n o deve ter levado mais que quinze minutos N o Talvez tenha sido um pouco mais Ele perdera a no o do tempo O corpo at ent o aquecido com o u sque estava r gido e gelado como uma pedra lisa e solit ria nas profundezas do oceano Os ventos continuavam a soprar as nuvens para o sul e a despeito de a quantidade de
548. quela mulher fosse ela Mas parecia estar muito cautelosa como se temesse ser vista por algu m Seu corpo estava em estado de tens o como uma atriz que teme ser vigiada por uma revista de fofocas Mas seu senso pr tico n o lhe permitia pensar que uma atriz famosa perseguida pela m dia frequentasse um apartamento miser vel em K enji Vamos imagin la como sendo Aomame Ela veio at aqui para se encontrar com Tengo No entanto ele estava ausente A luz do apartamento continuava apagada Ela veio ao seu encontro mas como ele n o estava teve de desistir e ir embora Aquele distante som de campainha que ele escutou tocar duas vezes deve ter sido ela Mas para Ushikawa essa hist ria estava mal contada Aomame estava sendo perseguida e portanto devia estar vivendo de um modo a n o chamar a aten o para evitar quaisquer riscos de ser encontrada Se ela quisesse conversar com Tengo o normal seria antes de mais nada verificar se ele estava no apartamento Se o fizesse ela n o precisaria se arriscar toa Ushikawa continuou sentado diante da c mera tentando pensar em v rias possibilidades mas nenhuma lhe pareceu satisfat ria O comportamento daquela mulher que deixou seu esconderijo e veio a p at aqui com um disfarce que n o era exatamente um disfarce n o se enquadrava no perfil que Ushikawa tinha de Aomame que era muito cautelosa e atenta Por isso ele estava confuso A possibilidade de ter sido ele que a tro
549. r aqui disse para si Ela precisava acreditar nisso Encontraram a escada de emerg ncia Na verdade era praticamente uma escada de m o muito mais simples e mais perigosa do que se lembrava Ela pr pria ficou admirada pela fa anha de ter usado aquilo para descer Mas a escada estava ali Agora era s subir degrau por degrau Ela tirou os saltos altos da Charles Jourdan guardou os na bolsa e a ajeitou a tiracolo Pisou no primeiro degrau com o p envolto pela meia cal a Me siga disse Aomame virando se para tr s e olhando Tengo N o seria melhor eu subir na frente perguntou Tengo preocupado N o Eu vou primeiro aquele foi o caminho por onde ela desceu Agora era a hora de ela subir A escada estava bem mais fria e gelada que da outra vez As m os que seguravam o ferro que servia de corrim o ficavam entorpecidas a ponto de perderem a sensa o t til Os ventos que sopravam por entre os pilares de sustenta o da rodovia tamb m estavam bem mais fortes e cortantes Aquela escada era desafiadora indiferente e n o prometia nada Em setembro quando ela procurou aquela escada do alto da rodovia ela havia desaparecido O caminho estava bloqueado Mas o caminho inverso que partia do dep sito de materiais para subir at a rodovia existia como ela constatava naquele exato momento Era como Aomame previa Sua intui o lhe dizia que de baixo para cima a escada ainda estaria l Dentro de mim e
550. r fotos das pessoas escondido e estaria l para question lo severamente Ao cogitar isso seu cora o disparou Passou rapidamente a l ngua grossa pelos l bios Mas o som que ecoava nos ouvidos parecia ser o de um homem de punhos grandes batendo numa porta de a o N o a m o de uma garota Outra possibilidade era a de Eriko Fukada ter contado para algu m sobre ele e essa pessoa queria tirar satisfa es Por exemplo algum encarregado da imobili ria ou quem sabe um policial Se fosse isso a coisa se complicaria Mas se fosse algu m da imobili ria ele teria uma chave extra e no caso de ser um policial ele se identificaria Al m do mais n o teriam o trabalho de bater Bastaria tocar a campainha Senhor K zu era a voz de um homem Senhor K zu Ushikawa lembrou que K zu era o nome do antigo morador do apartamento Para Ushikawa era conveniente que o nome do antigo morador fosse mantido na placa da caixa de correio na entrada do pr dio Talvez o homem achasse que o senhor K zu ainda morava l Senhor K zu disse a voz Sei que o senhor est a Saiba que ficar enfurnado no quarto contendo a respira o n o faz bem sa de Era a voz de um homem de meia idade A voz era um pouco rouca e n o t o alta No entanto ela possu a em seu mago algo duro como um caro o Uma rigidez como a de um tijolo bem queimado e cuidadosamente seco Essa caracter stica fazia com que a voz ecoasse por todo
551. r o local Ela lhe pedia para ficar onde estava observar todas as pessoas que entravam e sa am do pr dio sem deixar escapar ningu m Era isso que a sua velha e singela intui o no interior de sua cabe a disforme dizia Independentemente de Tengo estar aqui vou continuar a vigiar o pr dio Vou dormir aqui e antes de Tengo voltar vou saber o rosto de todos aqueles que cotidianamente entram e saem do pr dio Se eu souber quem s o os moradores obviamente saberei num piscar de olhos quem n o Sou um animal carn voro pensou Ushikawa Um animal carn voro precisa ter muita paci ncia Precisa se fundir ao ambiente e obter o m ximo de informa es sobre a sua presa Um pouco antes do meio dia quando a circula o de pessoas era drasticamente menor Ushikawa aproveitava para dar uma sa da Para tentar esconder o rosto usava um gorro de tric e enrolava o cachecol at a altura do nariz Mesmo assim sua apar ncia chamava aten o O gorro de l bege esparramava se sobre a sua enorme cabe a como um chap u de cogumelo O cachecol verde parecia uma enorme cobra enrolada em seu pesco o N o serviam de disfarce E o cachecol e o gorro n o combinavam de jeito nenhum Ushikawa foi at o est dio fotogr fico em frente esta o para revelar dois rolos de filmes Depois entrou num restaurante que servia macarr o soba e pediu uma tigela de macarr o com tempur Havia tempos que n o comia algo quente Ushikawa s
552. ra Por isso preciso se mudar o quanto antes para um local seguro A senhora tem raz o Mas antes disso preciso terminar de fazer uma coisa Ap s desligar o telefone Aomame saiu para a varanda e observou a rua e o parque infantil em seu final de tarde entre os v os da amurada de pl stico O anoitecer se aproximava Antes de terminar o ano de 1084 antes de eles me encontrarem preciso encontrar Tengo n o importa o que aconte a comigo 15 Tengo N o estou autorizado a falar sobre isso Ao deixar o bar Muguiatama Tengo perambulou pelas ruas enquanto pensava Durante a caminhada resolveu ir at o parquinho infantil local em que viu pela primeira vez as duas luas pairando lado a lado no c u Vou subir no escorregador e observar o c u como fiz da ltima vez pensou Talvez eu possa v las novamente e quem sabe elas queiram me dizer algo Enquanto seguia em dire o ao parque tentou se lembrar de quando fora a ltima vez em que estivera l N o conseguia O tempo flu a de modo n o linear tornando a no o de distanciamento vari vel Provavelmente teria sido no in cio do outono Havia uma vaga lembran a de que vestia uma camiseta de manga comprida E agora era dezembro O vento gelado soprava blocos de nuvens em dire o ba a de T quio Nuvens firmes e compactas de formas indefinidas que pareciam feitas de pat pairavam no c u Vez por outra as luas podiam ser vistas ao fun
553. ra elas eram apenas sons nada mais que uma lista de sinais fon ticos Mas conforme ela entoava mecanicamente aquela ora o era tomada de um estranho sentimento Possivelmente algo que se poderia chamar de devo o Alguma coisa que sutilmente tocava seu cora o N o importa o que tenha acontecido sinto me grata por n o ter me perdido pensou Que bom que estou aqui n o importa onde seja aqui e sou eu mesma Venha a n s o Vosso Reino ela repetiu em voz alta da mesma forma como entoava antes das refei es na escola N o importava o que significava aquilo era algo que ela desejava do fundo do cora o Venha a n s o Vosso Reino Tengo acariciou os cabelos dela como se os penteasse Dez minutos depois Tengo parou um t xi que estava passando Durante um tempo n o conseguiam acreditar no que os seus olhos viam Um t xi sem passageiros passava vagarosamente no meio do congestionamento da via expressa Assim que Tengo ergueu o bra o ainda que hesitante o t xi abriu a porta de tr s e os dois entraram rapidamente como se temessem que aquilo fosse uma ilus o que poderia desaparecer a qualquer momento O motorista um rapaz de culos virou se assim que os dois entraram no carro Por causa desse congestionamento vou pegar a sa da de Ikejiri que fica bem perto daqui tudo bem perguntou o motorista Ele tinha uma voz bastante aguda para um homem mas que n o chegava a ser irritante
554. ras capazes de unir o espa o entre n s Ushikawa checava a entrada e a sa da dos moradores por entre as cortinas encostado na parede Talvez Fukaeri reconsidere e resolva voltar Quem sabe ela se lembre de algo importante que esquecera no apartamento Mas ela n o voltou Estava decidida a partir N o importa o que aconte a ela jamais voltar Ushikawa passou a tarde desse dia com uma profunda sensa o de fraqueza Uma fraqueza desprovida de forma e peso O fluxo sangu neo tornou se lento let rgico O campo visual estava encoberto com uma fina n voa e as articula es dos bra os e das pernas rangiam pregui osamente Ao fechar os olhos sentia nas costelas as pontadas deixadas pelo olhar de Fukaeri Essas pontadas vinham e iam como as ondas que delicadamente se aproximam da praia E novamente vinham e iam De vez em quando elas eram t o fortes a ponto de ele franzir a testa Ao mesmo tempo essa dor o fazia sentir uma ternura que jamais havia sentido E Ushikawa percebeu isso Nem a esposa nem as duas filhas e tampouco a casa de Ch rinkan com seu jardim gramado lhe proporcionaram um sentimento de calor t o afetuoso como aquele Em seu cora o sempre existiu uma esp cie de massa s lida e fria como um peda o de gelo Ele sempre viveu com esse caro o r gido e gelado dentro de si E apesar dessa coisa gelada nunca chegou a sentir frio Para ele aquela temperatura era a normal Mas de algum modo o olhar de Fukaeri
555. ravam diversos tipos de pessoas de diferentes faixas et rias Havia jovens e solteiros que trabalhavam em empresas universit rios casais com filhos pequenos e at idosos que moravam sozinhos As pessoas inocentemente passavam diante de sua lente telesc pica A despeito das idades e das fases da vida todos pareciam cansados e insatisfeitos com a rotina que levavam Desejos desbotados ambi es esquecidas sentimentos desgastados e um espa o vazio onde imperava o sentimento de conformismo e apatia Os rostos eram sombrios e os passos pesados como se estivessem sob o efeito de anestesia aplicada duas horas antes para a extra o de um dente Podia ser uma interpreta o equivocada de Ushikawa Alguns na verdade podem levar uma vida plena e feliz Ao abrir a porta do apartamento podemos encontrar um para so pessoal surpreendente Ou poderiam ser pessoas que optaram por uma vida simples e modesta para fugir do fisco Isso era plaus vel Mas como meros transeuntes que atravessavam as lentes telesc picas da c mera eles n o passavam de cidad os sem perspectiva de conquistar uma vida melhor presos a um apartamento barato prestes a ser demolido No final das contas Tengo n o apareceu e tampouco apareceu algu m que poderia ter alguma liga o com ele Quando o rel gio marcou dez e meia Ushikawa resolveu descansar Era o primeiro dia e as condi es ainda n o estavam totalmente satisfat rias Ainda teria muito tempo pela frent
556. ravitacional e o centro de gravidade se deslocou E nada voltaria a ser como antes Ao entrar no quarto do pai Tengo sentava na cadeira ao lado da cama e o cumprimentava brevemente Depois come ava a contar ordenadamente o que havia feito desde o final da tarde do dia anterior at aquele exato momento Obviamente n o havia muita coisa a contar pegou um nibus para voltar cidade foi para um restaurante fez uma refei o leve bebeu uma cerveja voltou para a pousada e leu um livro s dez foi dormir Ao despertar caminhou pela cidade tomou o desjejum e durante cerca de duas horas escreveu seu romance Todos os dias eram a mesma coisa Mesmo assim Tengo contava em detalhes suas atividades rotineiras para o pai inconsciente N o havia nenhuma rea o por parte de seu interlocutor Era como se estivesse conversando com uma parede Tudo n o passava de uma mera e corriqueira formalidade Mas s vezes a simples repeti o pode significar algo ainda que minimamente Em seguida Tengo come ava a ler o livro que trazia consigo N o havia um livro predeterminado Recitava em voz alta trechos do livro que porventura estivesse lendo Se tivesse em m os o manual de instru es de um cortador de grama el trico ele o leria Tengo procurava ler com uma dic o clara e sem pressa para que o seu ouvinte n o tivesse dificuldade de entend lo Esse era o nico cuidado que ele fazia quest o de ter L fora os rel mpagos foram se int
557. raz o pensou Aomame Mas pode ser que n o Aomame n o tinha tanta confian a no tempo Mudando de assunto como est aquilo dentro de voc Tamaru indagou At agora est bem Isso bom disse Tamaru Pois ent o voc j deve saber que havia um homem baixinho e careca de apar ncia muito suspeita que andou perambulando nos arredores da mans o n o Fiquei sabendo Ele continua andando pela rea N o Aqui ele n o apareceu mais Ele rondou durante dois dias e depois sumiu Mas nesse per odo ele procurou algumas imobili rias da regi o dizendo que queria alugar um im vel e aproveitou a deixa para colher informa es a respeito do abrigo Ele um tipo que chama a aten o ainda mais usando aquelas roupas chamativas Quem conversou com ele lembrava se rapidamente dele Foi f cil seguir seus passos Um tipo que n o serve para investigar ou reconhecer o terreno Isso mesmo Para esse tipo de servi o a apar ncia dele n o ajuda Ele possui um cabe o como o do boneco da felicidade Mas parece ser um homem habilidoso Consegue obter as informa es de que precisa com extrema desenvoltura Sabe exatamente aonde ir e o que perguntar muito inteligente N o deixa escapar informa es importantes e n o perde tempo buscando coisas desnecess rias Ent o ele conseguiu obter algumas informa es sobre o abrigo Possivelmente ele j sabe que o abrigo um lo
558. rc cios habituais de alongamento deitado no tatame As articula es do seu corpo emitiam secos estalidos e os m sculos foram gradativamente adquirindo a flexibilidade natural Era o hor rio em que as pessoas voltavam do trabalho e da escola Ushikawa tentava se convencer de que precisava retomar seu servi o de vigil ncia N o era uma quest o de vontade Nem se era certo ou n o Preciso terminar o que comecei Meu destino depende disso N o posso ficar para sempre no fundo dessa caverna deixando me levar por esses pensamentos sem nexo concluiu Ushikawa sentou se novamente diante da c mera O entorno estava completamente escuro e a luz da entrada do pr dio acesa Deve haver um sensor que aciona a luz ao anoitecer pensou As pessoas entravam no pr dio como p ssaros an nimos voltando aos ninhos miser veis Dentre eles Ushikawa n o viu o rosto de Tengo Kawana Mas em breve ele deve retornar N o pode ficar tanto tempo cuidando do pai Possivelmente deve voltar a T quio at o fim de semana e retomar as aulas na semana seguinte Faltam poucos dias N o Talvez ele volte entre hoje e amanh Essa era a intui o de Ushikawa Sou como um verme nojento e pegajoso que se mexe sob a pedra mida Devo admitir isso sem ressalvas Ao mesmo tempo sou um verme extremamente h bil perseverante e obstinado N o desisto f cil Basta uma nica pista para segui la at o fim Escalo qualquer muro por mais alto e inclin
559. re o do pr dio em que Ushikawa foi encontrado morto A nica diferen a era o n mero do apartamento Um ficava no terceiro pavimento e o outro no primeiro Ser que o Ushikawa estava l para vigiar os passos de Tengo Kawana N o havia d vidas N o se tratava apenas de uma simples coincid ncia Mas por que Ushikawa resolveu espreit lo numa situa o t o cr tica como aquela O rapaz de cabelo rente n o se lembrava do endere o de Tengo pois ele havia deixado de ser um dos alvos de sua aten o Tengo Kawana havia reescrito a Cris lida de ar de Eriko Fukada A obra recebeu o pr mio de autora revela o da revista liter ria foi publicada em livro e enquanto estava na lista de mais vendidos Tengo realmente foi um dos alvos de sua aten o Havia tamb m uma certa desconfian a de que Tengo tivesse alguma fun o importante naquilo tudo e que talvez guardasse algum segredo importante Mas agora sua fun o havia terminado Eles conclu ram que Tengo apenas reescrevera a obra a pedido de Komatsu e que recebera uma modesta remunera o por esse trabalho Sua participa o portanto limitara se a isso O atual interesse do grupo era apenas de encontrar Aomame Mesmo ciente disso Ushikawa agira tendo como foco aquele professor de escola preparat ria Ele montou todo um esquema e seguiu risca essa linha de investiga o Como resultado perdera a vida Por qu Esse era um ponto que o rapaz de cabelo rente n o consegu
560. re a dohta e a maza ele certamente teria dado uma desculpa qualquer e recusaria o convite de subir at o apartamento dela Ele pegaria um nibus no meio do caminho ou caso n o houvesse mais chamaria um t xi para lev lo at a pousada Pois aquela era a cidade dos gatos Na medida do poss vel era melhor evitar lugares perigosos Mas assim que ouviu as palavras maza e dohta Tengo foi simplesmente incapaz de recusar o convite Ele tinha a esperan a de que Kumi Adachi conseguisse desvendar o porqu de a cris lida de ar aparecer naquele quarto de hospital com a menina Aomame dentro dela O apartamento era condizente com uma moradia de duas irm s na faixa dos vinte anos Havia dois quartos pequenos copa e cozinha conjugada e cont gua a uma pequena sala A mob lia parecia uma miscel nea de objetos trazidos de v rios lugares sem estilo pr prio Sobre a mesa laminada da cozinha havia uma imita o de lumin ria chamativa da Tiffany que destoava do lugar Ao abrir a cortina de pequenas estampas florais via se atrav s da janela uma planta o indistinta e mais adiante uma mata escura vis o era boa e n o havia nada que a bloqueasse Mas o que se via n o era uma paisagem enternecedora Kumi Adachi indicou o sof de dois lugares da sala para Tengo se sentar Era um sof vermelho bem chamativo do tipo love chair posicionado de frente TV Ela tirou da geladeira uma lata de cerveja Sapporo e a colocou diante dele acompan
561. resse de quem deixa a f Para a seita era como se Massami Aomame tivesse morrido aos onze anos N o existia um s registro nem uma linha sequer sobre o destino de Aomame se estava viva ou morta ap s abandonar a religi o Nesse caso o jeito procurar os pais ou o irm o para perguntar a respeito dela pensou Ushikawa Indo at l quem sabe consiga ter uma ideia Mas pelo que constatou vendo o material que tinha em m os Ushikawa sabia que n o responderiam de bom grado s suas indaga es Os familiares de Aomame sob o ponto de vista de Ushikawa eram pessoas intolerantes com uma vida de intoler ncia e eram pessoas que acreditavam piamente que quanto mais intolerantes mais se aproximavam do Reino dos C us Para eles uma pessoa que abandonou a f ainda que um familiar considerada uma pessoa que tomou o caminho errado e sujo N o Para eles ela deixa de ser parte da fam lia Ser que a Aomame foi v tima de viol ncia dom stica pensou Ushikawa Pode ser que sim pode ser que n o Caso tenha sido v tima seus pais n o devem considerar o fato como viol ncia dom stica Ushikawa sabia que as Testemunhas de Jeov costumavam educar suas crian as com severidade N o raro eram v timas de castigo f sico Ser que uma crian a com esse tipo de inf ncia guardaria tamanho dio em seu cora o a ponto de quando adulta matar algu m N o era de todo imposs vel mas Ushikawa
562. retornasse a liga o Se deixasse o n mero da pousada seria um transtorno caso Komatsu resolvesse telefonar no meio da madrugada A ltima vez em que Tengo conversou com Komatsu foi quase no final de setembro Uma conversa bem r pida Depois disso nenhum dos dois entrou em contato com o outro Desde o final de agosto Komatsu sumiu durante tr s semanas N o estou me sentindo bem quero um tempo para descansar foi a satisfa o que ele deu empresa por telefonema e desde ent o n o dera mais not cias Era como se tivesse desaparecido Obviamente Tengo ficou intrigado mas n o a ponto da real preocupa o Komatsu era do tipo insolente e basicamente s agia movido por sua pr pria comodidade Para Tengo era s uma quest o de tempo para ele retornar ao servi o como se nada tivesse acontecido Numa organiza o empresarial claro n o se permite esse tipo de capricho Mas no caso de Komatsu ele sempre tinha algum colega que dava um jeito de resolver a situa o a fim de evitar futuros transtornos N o que ele fosse uma pessoa popular mas o incr vel era que ele sempre tinha algu m bondoso que fazia quest o de segurar as pontas por ele A empresa tamb m fazia vista grossa Apesar de ele ser uma pessoa ego sta arrogante e sem esp rito de coopera o era considerado competente sem contar que recentemente fora o editor respons vel pelo best seller Cris lida de ar N o era uma pessoa que se podia simples
563. rguntasse por que Fukaeri deixara o apartamento Ele parecia caminhar em dire o esta o Ser que pretendia pegar o trem Nesse caso segui lo seria uma a o arriscada A esta o bem iluminada e por ser s bado noite n o havia muitos passageiros Em lugares assim Ushikawa fatalmente chamaria a aten o O mais prudente nesse caso era desistir No entanto Tengo n o ia para l Ap s caminhar um certo trecho ele dobrou a esquina distanciando se da esta o e ap s seguir por uma rua pouco movimentada parou em frente a um bar chamado Muguiatama Um snack bar para um p blico mais jovem Tengo verificou as horas no rel gio de pulso e segundos depois resolveu entrar Muguiatama cabelo de trigo pensou Ushikawa e balan ou a cabe a Como que pode algu m dar um nome desses a um bar um nome que n o faz nenhum sentido Ushikawa ficou parado sombra de um poste e deu uma olhada volta Provavelmente Tengo deve tomar algo ou jantar cogitou Se for isso ele deve levar no m nimo trinta minutos Na pior das hip teses pode demorar at uma hora Ushikawa tentou encontrar um local seguro para passar o tempo e observar as pessoas que entravam e sa am do bar Mas naquela rea havia somente uma distribuidora de leite um pequeno sal o de reuni o da seita Tenriky e uma mercearia especializada em arroz Todos esses estabelecimentos estavam fechados Mas que coisa pensou Ushikawa O ven
564. ri tiveram uma rela o sexual muito estranha e que aquilo acontecera uma nica vez Do lado de fora os trov es reverberavam intensamente e enormes gotas de chuva se chocavam contra a janela Se tomasse emprestadas as palavras de Fukaeri o Povo Pequenino estava alvoro ado Tengo sentia o corpo entorpecido e quando estava deitado de costas na cama Fukaeri subiu sobre o seu corpo colocou o p nis duro dentro de si e sugou todo o seu s men Ela parecia em transe Os olhos dela se mantiveram fechados como numa medita o Os seios eram grandes redondos e ela n o tinha pelos pubianos N o parecia uma cena real Mas n o havia d vidas de que aquilo de fato acontecera No dia seguinte Fukaeri parecia n o se lembrar do que ocorrera na noite anterior Ou fingiu que n o havia acontecido Tengo achou que aquilo n o tinha sido exatamente uma rela o sexual mas algo parecido com uma transa o comercial Naquela noite de intensas trovoadas Fukaeri aproveitou o corpo entorpecido de Tengo para colher eficientemente todo o seu s men Literalmente sugou o at a ltima gota Tengo ainda se lembrava da estranha sensa o que sentiu naquela noite Fukaeri parecia outra pessoa Lembro me de uma coisa disse Tengo com a voz seca Realmente aconteceu uma coisa comigo que n o consigo explicar racionalmente Aomame fitou os olhos de Tengo Quando aquilo aconteceu eu n o sabia o que significava e mesmo agora ainda n o se
565. rimeira menstrua o ocorreu meses depois de ter segurado a m o de Tengo na sala da escola prim ria Ela sabia que havia uma rela o entre os dois acontecimentos O toque da m o de Tengo teria estimulado internamente seu corpo Quando informou a m e que estava menstruando ela fez uma careta como se aquilo fosse mais um inc modo que tivesse de suportar Veio cedo demais n o disse ela na ocasi o Aomame no entanto n o se importou com esse coment rio Aquilo era problema dela e n o de sua m e ou de qualquer outra pessoa Ela havia dado seu primeiro passo sozinha num mundo novo Agora estava gr vida Ela pensou em seu vulo Um de meus quatrocentos vulos pr programados quem sabe um do meio da s rie foi fecundado Isso deve ter ocorrido em setembro naquela noite do intenso temporal com trovoadas Naquele dia matei um homem num quarto escuro enfiando uma agulha fina e pontuda na altura da nuca em dire o parte inferior de sua cabe a Mas aquele homem era diferente de todos os outros que matei anteriormente Ele n o s sabia que seria morto como tamb m queria que isso acontecesse E eu ofereci o que ele desejava N o como uma puni o mas como um gesto de compaix o Em troca recebi o que queria Uma troca ocorrida num quarto escuro Foi naquela noite que em segredo deve ter ocorrido a fecunda o Eu sei disso Enquanto eu tirava a vida de um homem com as minhas pr prias m os uma vida
566. ringia ao que se costuma denominar cultura geral Ele buscava sempre informa es concretas com forma peso e pass veis de serem objetivamente constatadas Sua enorme cabe a disforme que lembrava o boneco da felicidade tornou se um excepcional recept culo de informa es importantes Um recept culo aparentemente feio mas de grande utilidade Ele adquiriu um vasto conhecimento muito superior m dia de sua faixa et ria Se desejasse desbancaria facilmente qualquer um N o somente seus irm os e colegas de classe como tamb m os professores e inclusive seus pais Mas Ushikawa evitava mostrar publicamente seu dom O conhecimento e a capacidade eram apenas ferramentas e portanto n o cabia a ele us los para se gabar O pr prio Ushikawa admitia ser como um animal de vida noturna que se oculta na escurid o da floresta espreita da presa Sabia aguardar pacientemente o momento certo para atacar Antes do bote cuidava em n o deixar nenhum vest gio de sua exist ncia O importante era se ocultar e saber distrair o outro Desde o tempo do prim rio ele agia dessa maneira Nunca dependia dos outros e tampouco demonstrava seus sentimentos s vezes ele pensava em como seria sua vida caso tivesse nascido com uma apar ncia um pouco melhor N o precisava ser bonito nem admirado pela beleza Bastaria ter uma apar ncia normal Uma apar ncia que n o fosse t o feia a ponto de as pessoas que passassem por ele se voltassem para olh
567. rmado a pol cia assim que descobriram que o l der estava morto Seja como for a morte dele deveria se tornar p blica N o se pode ocultar para sempre um acontecimento dessa grandeza Um segredo compartilhado por mais de dez pessoas deixa de ser segredo inevit vel em breve voc s estar o encrencados A express o do rapaz de cabelo rente manteve se inalterada Esse tipo de decis o n o faz parte do meu trabalho Apenas sigo ordens Ent o quem que decide N o houve resposta a pessoa que vai substituir o L der Onda permaneceu em sil ncio Est bem disse Ushikawa Voc s receberam instru es de um superior e secretamente cuidaram do corpo do l der Na sua organiza o a ordem dos superiores absoluta Mas do ponto de vista da justi a isso que voc s fizeram oculta o de cad ver e considerado um crime extremamente grave Creio que voc j deve saber n o Onda concordou Ushikawa novamente respirou fundo Eu j lhe disse anteriormente mas na pior das hip teses se a pol cia for envolvida nessa hist ria quero que sustentem a vers o de que voc s n o me contaram nada sobre a morte do L der N o quero ser acusado e me envolver em quest es criminais O senhor n o foi informado sobre a morte do L der N s o contratamos como um investigador externo para descobrir o paradeiro de uma mulher chamada Aomame O senhor n o est infringindo a lei disse Onda
568. rovid ncias em rela o ao livro Pelo menos em determinado momento era essa a inten o deles Mas enquanto Eriko Fukada chamava a aten o do p blico era muito arriscado tentar qualquer tipo de a o contra ela Por isso em vez de atac la era o que Ushikawa presumia o grupo resolveu contratar uma pessoa de fora e pediu para Ushikawa se aproximar de Tengo O grupo ordenou que ele fizesse algum tipo de contato com esse professor que dava aulas na escola preparat ria Do ponto de vista de Ushikawa Tengo era apenas uma pe a secund ria de um grande esquema Ele apenas reescreveu a pedido de um editor o romance Cris lida de ar que concorria a um pr mio liter rio de modo a tornar o enredo e a leitura mais agrad veis O trabalho de reescritura foi magn fico mas a fun o dele n o deixava de ser secund ria Ushikawa n o se conformava com o tamanho do interesse que eles tinham por Tengo Mas Ushikawa era apenas um soldado raso e n o cabia a ele question los Ele apenas cumpria ordens dizendo Sim entendi e imediatamente come ava a agir No entanto a proposta que Ushikawa delineara ap s pensar muito e que era relativamente boa e generosa fora prontamente rejeitada por Tengo Assim a tentativa de estabelecer uma rela o entre eles foi por gua abaixo Enquanto Ushikawa elaborava um novo plano o L der pai de Eriko Fukada morreu Por isso aquele assunto foi colocado de lado interrompido no ponto em
569. ru queria dizer era que o cabe o do boneco da felicidade fora for ado a se retirar E a pessoa que mora naquele apartamento o Tengo Kawana que voc est procurando O mundo ao redor de Aomame se expandiu e se contraiu como se fosse o seu pr prio cora o Est me ouvindo perguntou Tamaru Estou Mas no momento ele n o est l Precisou sair por alguns dias Ele est bem Ele n o est em T quio mas com certeza est bem O cabe o do boneco da felicidade alugou um apartamento no t rreo e estava aguardando voc ir at l se encontrar com ele Estava com uma c mera escondida vigiando a entrada Ele tirou minha foto Tirou tr s Como era noite e voc estava de bon culos e cachecol n o d para ver os detalhes de seu rosto Mas n o h d vidas de que voc Se voc voltasse l provavelmente ter amos um problema e tanto Acho que fiz a escolha certa ao confiar em voc n o Se que existe algo que se possa chamar de escolha certa Seja como for n o preciso mais me preocupar com ele disse Aomame Aquele homem n o vai mais poder te fazer mal Porque ele foi persuadido por voc Foi preciso fazer alguns ajustes mas no final deu tudo certo disse Tamaru Peguei todas as fotografias O objetivo dele era esperar voc aparecer e Tengo Kawana era apenas uma isca Por isso n o vejo motivos para que eles o prejudiq
570. s a n o ser em casos complexos normalmente n o era necess rio fazer esse tipo de checagem Diante do que investigou sobre Aomame n o havia um nico ponto que levantasse alguma suspeita sobre ela De qualquer modo Ushikawa n o podia permitir que eles continuassem insatisfeitos Eles o pagavam bem mas eram pessoas perigosas S o fato de Ushikawa saber que haviam secretamente sumido com o corpo do L der j o colocava em perigo Era preciso provar para o grupo que valia a pena deix lo vivo que vivo ele seria mais til N o havia provas de que a velha senhora de Azabu estivesse envolvida com o assassinato do L der At aquele momento tudo n o passava de uma hip tese Mas o faro de Ushikawa o fazia intuir que havia algum segredo muito importante escondido naquela enorme mans o repleta de belos salgueiros Ele precisava revelar a verdade uma tarefa nada f cil O suspeito estava bem protegido e n o havia d vidas de que contava com a ajuda de profissionais Seria a yakuza Talvez No mundo dos neg cios especialmente no setor imobili rio comum existirem negocia es entre as empresas e a yakuza sem o conhecimento da sociedade O servi o sujo fica sob a responsabilidade dessas gangues N o seria de estranhar que a velha senhora usasse esse subterf gio Mas Ushikawa n o aceitava essa hip tese A velha senhora era uma pessoa de ber o e por demais bem educada para se envolver com esse tipo de gente Era dif cil acei
571. s bito aplausos efusivos Um assistente deve estar escondido atr s da c mera mostrando para a plateia cartazes indicando risos e aplausos Tengo fechou os olhos e pensou na floresta Resolveu ele pr prio adentr la As profundezas da floresta s o territ rio do Povo Pequenino Mas a coruja tamb m est l A coruja sabe tudo e nos oferece a sabedoria da noite De repente n o se ouvia mais nenhum som Era como se algu m desse a volta por tr s dele e tampasse seus ouvidos Em algum lugar algu m fechou uma tampa e em outro lugar outra se abriu A sa da e a entrada foram trocadas Quando recobrou os sentidos Tengo estava na sala de aula da escola prim ria As janelas estavam completamente abertas e as vozes das crian as vindas do p tio do col gio invadiam a sala As cortinas brancas balan avam ao ritmo dos ventos Aomame estava ao seu lado segurando firmemente sua m o A mesma cena de sempre mas desta vez alguma coisa estava diferente Tudo o que via era t o n tido a ponto de se tornar irreconhec vel e de t o v vidas as coisas pareciam ter a superf cie granulada Os contornos e as formas podiam ser vistos claramente em seus m nimos detalhes Se esticasse o bra o podia realmente toc los O cheiro das tardes do in cio do inverno invadia as suas narinas Era como se tirassem de uma s vez algo que at ent o o impedia de sentir todos esses cheiros Era um odor aut ntico Aquele que define uma determina
572. s informa es detalhadas e provas concretas sobre o fato e a qualquer momento podemos torn las p blicas Por isso acho melhor voc n o ficar tentando dar justificativas infundadas N o pense que isso ir nos convencer Ser uma perda de tempo Komatsu concordou balan ando a cabe a Se isso acontecer certamente voc n o s ter de deixar a empresa como tamb m ser exclu do do meio liter rio Todas as portas ir o se fechar Pelo menos nos meios legais Acho que sim concordou Komatsu Mas por enquanto poucas pessoas sabem disso disse o rapaz de cabelo rente Voc Eriko Fukada o professor Ebisuno e Tengo Kawana o respons vel por reescrever a obra Al m de voc s somente mais algumas pessoas Komatsu disse escolhendo cuidadosamente as palavras De acordo com a hip tese que estamos levando em considera o essas poucas pessoas a que voc se refere seriam por acaso pessoas que pertencem ao grupo religioso Sakigake O rapaz de cabelo rente acenou discretamente Se levarmos em considera o essa nossa hip tese pode se dizer que sim mas isso n o vem ao caso O rapaz fez uma breve pausa para aguardar que Komatsu assimilasse a informa o E prosseguiu Se essa sua hip tese estiver correta enquanto voc estiver aqui eles podem fazer o que quiserem com voc Podem trat lo como um h spede ilustre e deix lo preso neste quarto o tempo que quiserem Para eles isso n
573. s e tentou ouvir atentamente a voz N o h d vidas de que existe alguma coisa dentro de mim Alguma coisa pequena e com vida Ela sabia disso Dohta ela diz em voz baixa Maza alguma coisa responde 9 Tengo Antes de a sa da se fechar Ap s comerem yakinuku os quatro foram para outro local cantar karaok e beberam uma garrafa de u sque 0 pequeno banquete simples mas de certa forma animado terminou um pouco antes das dez Ao deixarem o bar Tengo ficou de acompanhar a Jovem enfermeira Adachi at o apartamento dela Em parte porque as outras duas pegariam o nibus at a esta o num ponto pr ximo de onde estavam e tamb m porque elas meio que o fizeram acompanh la Tengo e a enfermeira Adachi caminharam lado a lado por uma rua deserta cerca de quinze minutos Tengo Tengo Tengo disse a enfermeira cantarolando Tengo um nome bonito F cil de chamar A enfermeira Adachi tinha bebido bastante mas como suas bochechas eram naturalmente coradas n o se percebia o quanto estava alta As palavras eram pronunciadas de forma clara e seus passos eram firmes N o parecia estar b bada Realmente h diversas maneiras de as pessoas ficarem b badas Sempre achei o meu nome esquisito disse Tengo De jeito nenhum Tengo Soa bem e f cil de gravar um nome muito bonito Por falar nisso ainda n o sei o seu primeiro nome Notei que te chamam de Kuu o meu apelid
574. s gotas deslizavam pela face caindo no cobertor sobre o colo Talvez estivesse se sentindo sozinha ou insegura Ou com uma sensibilidade maior por causa da gravidez Ou quem sabe tivesse sido o vento gelado que estimulara suas gl ndulas lacrimais Fosse o que fosse Aomame deixou as l grimas ca rem vontade sem a preocupa o de enxug las Quando se chora at um certo ponto as l grimas se esgotam Aomame continuava sua vig lia solit ria N o N o estou mais t o s pensava Dentro de mim existe esse ser pequenino N s somos dois N s dois estamos vendo as duas luas aguardando Tengo aparecer De vez em quando Aomame pegava o bin culo e focava o topo do escorregador vazio Em outras pegava a pistola para sentir seu peso e seu toque Agora tenho o dever de me proteger de reencontrar Tengo e de enviar nutrientes para este ser pequenino Certo dia enquanto observava o parque infantil enfrentando os ventos gelados Aomame percebeu que ela acreditava em Deus Ela descobriu essa verdade de maneira inesperada Foi como se a sola de seus p s encontrassem o ch o firme no fundo de um lama al Uma sensa o inexplic vel um conhecimento que jamais imaginara existir dentro dela Desde que se entendia por gente ela sempre odiara tudo o que fosse relacionado a Deus Talvez seria mais correto dizer que ela rejeitava todas as pessoas e sistemas que interferiam em sua comunica o com Ele Durante muitos anos consider
575. s logo se recomp s e abriu um sorriso profissional O senhor est com sorte disse o rapaz Um casal que morava ali teve um imprevisto familiar e resolveu se mudar de repente e h uma semana desocupou o apartamento Terminaram de limp lo ontem noite e ainda n o anunciamos a vaga O apartamento fica no t rreo O barulho da rua pode incomodar um pouco e h o inconveniente de n o bater muito sol mas em compensa o a localiza o tima O nico por m que o propriet rio do pr dio pretende reconstruir o edif cio daqui a quatro ou cinco anos por isso uma das condi es para fechar o contrato que o locat rio desocupe o im vel seis meses antes das obras E o pr dio n o possui estacionamento Ushikawa disse que n o havia problema Ele n o pretendia ficar tanto tempo e n o tinha carro Muito bem Se o senhor concorda com as condi es pode se mudar amanh mesmo Mas suponho que o senhor queira conhecer o apartamento n o Ushikawa disse que sem d vida gostaria de ver o apartamento O rapaz pegou a chave numa das gavetas da mesa e a entregou a ele Eu tenho um compromisso e se o senhor n o se importar poderia ver o apartamento sozinho Ele est vazio e na volta o senhor pode deixar a chave comigo Combinado disse Ushikawa Mas o que voc faria se eu fosse uma pessoa ruim e n o devolvesse a chave ou resolvesse tirar uma c pia para depois roubar o apartamento O rapaz
576. s sozinho trancado naquele quarto N o tinha ningu m com quem conversar e tempo era o que eu tinha de sobra Por isso pude refletir sobre o que aquele rapaz me disse e com isso consigo me lembrar perfeitamente de todos os detalhes da conversa que tivemos Isso sim que se tornar um gravador humano Mas a morte dos pais da Fukaeri apenas uma desculpa que eles inventaram n o perguntou Tengo Creio que sim Isso o que eles alegam pois n o temos como comprovar a veracidade dos fatos N o foi emitido o atestado de bito Mas do jeito que aquele rapaz de cabelo rente disse tive a impress o de que ele n o estava inventando aquilo Ele pr prio chegou a dizer que para eles quest es relacionadas vida e morte s o sagradas Assim que contei a hist ria o professor Ebisuno ficou durante um bom tempo em sil ncio pensando Ele uma pessoa que realmente pensa nas coisas com tempo e profundidade Depois sem dizer nada levantou se e s retornou ap s muito tempo De certa forma tive a impress o de que o professor tentava se conformar com a morte dos dois Talvez no fundo ele j previsse isso e portanto precisasse de um tempo para se conformar com o fato Quando somos informados de que nossos amigos n o est o mais neste mundo isso certamente provoca uma grande ferida em nosso cora o Tengo lembrou se daquela sala grande e sem adornos do frio intenso e do sil ncio do canto agudo dos p ssaros que
577. sa e ap s esbo ar um sorriso caricatural observou o rosto do rapaz de cabelo rente Este aguardou pacientemente a continua o da conversa Foi algo que aconteceu em agosto deste ano Uma policial jovem que trabalhava na divis o de tr nsito da pol cia metropolitana do distrito de Shinjuku foi estrangulada num motel no bairro de Maruyama distrito de Shibuya Ela foi encontrada completamente nua e presa com as pr prias algemas Foi um pequeno esc ndalo Pois ent o os telefonemas que Aomame fez para o departamento concentram se nos meses anteriores a esse incidente Ap s essa ocorr ncia n o houve mais nenhuma liga o O que acha N o se trata de uma simples coincid ncia n o acha Onda permaneceu em sil ncio por algum tempo Depois disse Est querendo dizer que Aomame telefonava para a policial assassinada Seu nome era Ayumi Nakano Idade vinte e seis anos Era uma jovem graciosa que esbanjava simpatia O pai e o irm o mais velho tamb m eram da pol cia uma fam lia de policiais Era considerada uma excelente oficial A pol cia tem se empenhado em encontrar o criminoso mas at agora n o conseguiram identific lo Desculpe me fazer esse tipo de pergunta mas ser que voc por acaso sabe alguma coisa sobre esse incidente Onda encarou Ushikawa com um olhar duro e g lido como se acabasse de sair de uma zona glacial N o estou entendendo onde o senhor quer chegar disse o rapaz Senhor Ushi
578. sa que lhe pe o que nunca mais bata na minha porta Eu n o tenho televis o em casa Aqueles dias que sa amos juntos para fazer as cobran as das taxas de recep o terminaram fazem parte de um passado remoto Quanto a isso creio que fizemos um acordo na presen a da professora lembra N o consigo me lembrar do nome dela mas era uma professora baixinha de culos respons vel pela classe Voc deve se lembrar disso n o Por isso pare de bater na minha porta N o s na minha como de qualquer outra O senhor n o mais cobrador da NHK e portanto n o tem mais o direito de incomodar as pessoas Tengo se levantou foi at a janela e contemplou a paisagem Um idoso vestindo um su ter grosso andava com sua bengala em frente barreira de pinheiros Devia estar caminhando Os cabelos eram grisalhos ele era alto e de boa postura Mas seus passos eram desengon ados Esfor ava se para dar um passo de cada vez com muita dificuldade como se tivesse esquecido como se anda Tengo observou essa cena durante um bom tempo O velho levou um temp o para atravessar o jardim e desapareceu ao contornar o edif cio Durante todo o trajeto ele parecia sentir muita dificuldade para se locomover Tengo voltou se para o pai N o estou te censurando O senhor tem todo o direito de levar a sua consci ncia para onde quiser a sua vida a sua consci ncia O senhor deve estar agindo conforme o que considera ser o certo por isso sei que n o t
579. saber que quisessem ou n o ele era parte deste mundo Ushikawa sentou se no sof e esticou as pernas curtas apoiando as na mesa de centro e enquanto bebia a cerveja de repente lhe veio um pensamento Podia n o dar certo mas valia a pena tentar Por que n o pensei nisso antes se perguntou As coisas simples s o as que menos se notam N o toa que dizem que o que est mais perto o que menos se v Na manh seguinte Ushikawa foi novamente para K enji entrou numa imobili ria que ele havia visto no dia anterior e perguntou se n o havia algum apartamento vago para alugar no pr dio em que Tengo morava Os corretores disseram que n o trabalhavam com aquele im vel e informaram que quem o administrava era uma outra imobili ria em frente esta o Mas acho dif cil ter algum apartamento para alugar naquele pr dio O pre o do aluguel razo vel e a localiza o boa dif cil algu m querer sair de l De qualquer modo n o custa perguntar disse Ushikawa Ele foi at a imobili ria em frente esta o Quem o atendeu foi um rapaz de pouco mais de vinte anos Os cabelos eram pretos e grossos e fixados com gel ganhavam o formato de um ninho de p ssaro ex tico Vestia uma camisa impecavelmente branca e a gravata era nova Devia ser rec m contratado Em seu rosto havia marcas recentes de espinhas Assim que viu Ushikawa entrando na imobili ria o rapaz se mostrou um pouco intimidado ma
580. sabia de alguma coisa Ela possu a algo de especial diferente das pessoas comuns Essa era a impress o de Ushikawa Ele n o sabia muita coisa sobre Eriko Fukada Sabia apenas que era a filha nica do L der e que ap s fugir sozinha de Sakigake aos dez anos foi acolhida por um famoso estudioso chamado Ebisuno e que cresceu sob seus cuidados um tempo depois ela escreveu uma obra chamada Cris lida de ar que se tornou um best seller com a ajuda de Tengo Kawana No momento ela era dada como desaparecida e como a pol cia havia sido informada ela realizara uma investiga o na matriz de Sakigake O conte do da Cris lida de ar parecia ser inconveniente para o grupo religioso Sakigake Ushikawa comprou o livro e chegou a l lo com aten o mas n o conseguiu identificar que parte do livro e de que modo aquilo poderia ser considerado inconveniente O romance em si era muito interessante e bem escrito O texto era f cil de ler e tinha um estilo elegante e determinados trechos despertavam a aten o do leitor Para Ushikawa aquele livro era apenas um inocente romance de fantasia sem maldades A impress o do p blico parecia ser a mesma O Povo Pequenino sa a da boca da cabra morta constru a uma cris lida de ar a protagonista se dividia em maza e dohta e duas luas pairavam no c u Que parte dessa hist ria fantasiosa e que tipo de informa o seria inconveniente ao ser divulgada Mas o grupo Sakigake estava disposto a tomar algumas p
581. sabia que isso tinha um significado importante Novamente o sil ncio prevaleceu Aomame n o fazia ideia do que Tamaru estava pensando Mas ela sabia que ele n o gostava de desculpas Est bem disse finalmente Tamaru Deixe estar De qualquer modo vamos encurtar a hist ria Voc quer dizer que o cabe o do boneco da felicidade est ciente disso e seguindo essa pista est de olho nessa pessoa chamada Tengo Kawana E a partir dele est tentando descobrir o seu paradeiro Acho que isso N o consigo entender disse Tamaru Por que esse Tengo Kawana uma pista para te encontrar N o deve haver uma liga o entre voc e ele A n o ser o fato de voc ter matado o pai de Eriko Fukada e ele ser o ghost writer do romance dela H uma liga o disse Aomame com a voz neutra Existe uma rela o direta entre voc e Tengo Kawana Eu e Tengo Kawana estudamos na mesma classe na escola prim ria E a crian a que estou esperando provavelmente dele Por enquanto n o posso dar mais informa es algo pessoal demais Do outro lado da linha ela ouviu a ponta de uma caneta bater ritmadamente sobre a mesa Fora isso n o se escutava nenhum outro som Algo pessoal disse Tamaru com a voz de quem acabou de encontrar uma estranha criatura sobre uma pedra achatada no jardim Sinto muito disse Aomame Entendi um assunto pessoal N o vou perguntar mais nada di
582. scondida no apartamento dele Ao chegar a essa conclus o imediatamente Ushikawa colocou seu gorro de l vestiu o casaco azul e enrolou o cachecol no pesco o Ao sair do pr dio correu na mesma dire o que ela Ela andava bem r pido Talvez n o conseguisse alcan la mas como ela n o carregava nada n o devia ir muito longe Em vez de segui la de perto e correr o risco de chamar aten o o melhor era aguardar pacientemente o seu retorno Apesar de pensar assim ele n o conseguiu deixar de segui la Aquela garota possu a algo il gico que o abalava Era como uma luz misteriosa de fim de tarde que atinge o cora o e traz uma lembran a especial Depois de um tempo Ushikawa a avistou novamente Fukaeri havia parado e observava atentamente uma papelaria Algo parecia ter despertado sua aten o Ushikawa ficou de costas para ela e demonstrando uma indiferen a casual parou diante de uma m quina de bebidas Tirou uma moeda do bolso e comprou um copo de caf quente Finalmente a garota continuou a caminhar Ushikawa bebeu meio copo colocou o no ch o e ap s estabelecer uma dist ncia segura continuou a segui la Ela parecia estar totalmente concentrada no ato de caminhar Ela o fazia como se estivesse atravessando a superf cie de um imenso lago sem ondula es Com esse seu jeito especial de andar ela atravessaria o lago sem afundar ou molhar os sapatos Parecia dominar esse tipo de arte secreta Aquela garota certamente
583. se tornaria obsoleto Mesmo ciente disso Ushikawa n o era pessimista Ele sabia que possu a uma intui o inata Gra as ao seu rg o olfativo especial era capaz de discernir os v rios odores sua volta e atrav s da dor que sentia na pele compreender o rumo dos acontecimentos Uma tarefa que o computador jamais conseguiria realizar Uma capacidade que n o permite ser quantificada ou sistematizada O trabalho do hacker consistir em obter informa es acessando habilmente um computador rigorosamente protegido Mas somente o ser humano de carne e osso estar apto a decidir que tipo de informa o e quais dentre v rias s o realmente relevantes Sei que devo ser um homem de meia idade desagrad vel e obsoleto pensou Ushikawa N o N o se trata de devo ser Sou sem sombra de d vida um homem de meia idade desagrad vel e obsoleto Mas possuo alguns dons naturais que a maioria das pessoas n o tem Uma capacidade olfativa mpar e uma firme determina o de agarrar com for a uma coisa e n o larg la de jeito nenhum Foi gra as a esses dons que consegui sobreviver at hoje Enquanto eu possuir essa capacidade independentemente de o mundo se tornar cada vez mais estranho seja onde for certamente conseguirei sobreviver Eu vou te pegar Aomame Sei que voc inteligente h bil e cautelosa Mas fique sabendo que ainda vou te achar Me aguarde Estou caminhando em sua dire o Voc est escutando os m
584. se a enfermeira Kumi Adachi inclinou a cabe a apoiou a no ombro de Tengo e sem dizer nada pegou sua m o e a segurou Os cabelos dela ro avam o pesco o de Tengo A poltrona continuava desconfort vel A coruja continuava cantando no bosque como se estivesse dizendo algo importante O som de seu canto soou aos ouvidos de Tengo tanto como um toque de encorajamento quanto de advert ncia Tamb m como uma advert ncia com toque de encorajamento Um som amb guo poliss mico Voc acha que eu sou muito atirada perguntou Kumi Adachi Tengo n o respondeu Voc n o tem namorado uma quest o dif cil disse Kumi Adachi com uma express o s ria no rosto Um rapaz esperto geralmente vai para T quio ao concluir o colegial Por aqui n o h boas escolas e os empregos bons n o s o muitos N o pra menos Mas voc est aqui Sim O sal rio n o grande coisa apesar de o trabalho ser rduo mas eu gosto de viver aqui O nico problema que dif cil encontrar um namorado mas quando encontro algum eu namoro S que ainda n o encontrei aquele que eu possa dizer este Os ponteiros do rel gio indicavam um pouco antes das onze s onze horas a pousada fecha e ele n o poderia mais entrar Mas Tengo n o conseguia se levantar daquele sof desconfort vel Seu corpo n o o obedecia Talvez fosse o formato da poltrona Talvez estivesse mais b bado do que pensava Ele escutava o canto da
585. seguir sair ileso O desdobramento certamente n o ser agrad vel Pode ser Mas acho que deve levar algum tempo at isso acontecer E considerando o que voc acabou de dizer a situa o requer pressa O homem deu uma leve tossida Pode levar tempo Ou quem sabe pode n o levar S d para saber na pr tica Isso disse o homem H mais uma coisa muito importante que eu preciso dizer Usando a met fora que voc acabou de usar voc s realmente est o no comando do jogo mas voc ainda n o sabe como s o as regras S se aprende jogando Se jogar e perder o resultado n o ser agrad vel Para ambos os lados disse Tamaru Houve um breve sil ncio repleto de insinua es E o que voc vai fazer com Ushikawa indagou Tamaru Vamos retir lo o mais breve poss vel Provavelmente esta noite porta do apartamento n o est trancada Obrigado disse o homem prop sito a morte de Ushikawa ser muito lamentada A morte de uma pessoa qualquer pessoa algo que sempre se deve lamentar Espero que lamentem mesmo Ele era um homem muito capaz Mas n o o suficiente N o isso Ningu m capaz o suficiente para viver eternamente o que voc acha disse o homem Sim disse Tamaru o que eu penso Voc n o Estarei espera do seu contato disse o homem com a voz indiferente sem respon
586. segundos continuavam ritmicamente a marcar o tempo e a plateia se esborrachava de rir com alguma piada Era uma risada do tipo que por mais que se risse n o trazia felicidade para ningu m N o acontece nada disse Tengo Acho que para mim n o faz efeito Kumi Adachi deu duas leves batidas no joelho de Tengo N o se preocupe Demora um pouquinho Ela tinha raz o Realmente aconteceu Ele escutou um clique no p do ouvido como se um interruptor secreto fosse acionado e em seguida algo pastoso balan ou dentro de seu c rebro A mesma sensa o de inclinar uma tigela com papa de arroz Meu c rebro est balan ando pensou Tengo Era a primeira vez que sentia isso O c rebro parecia um objeto viscoso O som profundo emitido pela coruja penetrava em sua cabe a mesclando se com a papa de arroz em completa fus o A coruja est dentro de mim disse Tengo Naquele momento a coruja era parte de sua consci ncia Uma parte importante e insepar vel coruja a protetora da floresta e ela sabe tudo por isso ela nos oferece a sabedoria da noite disse Kumi Adachi Onde e como Tengo poderia adquirir essa sabedoria A coruja est em toda parte e ao mesmo tempo em lugar nenhum N o consigo pensar numa pergunta disse Tengo Kumi Adachi segurou a m o de Tengo Em vez de perguntar v at a floresta bem mais f cil Tengo ouviu novamente as risadas do programa humor stico e de
587. sem daqui a vinte anos ele provavelmente sentiria a mesma coisa ao estar diante de Aomame Tengo estava ciente disso Mesmo que tivessem cinquenta anos ao estar diante de Aomame ele sentiria o cora o palpitar e estaria assim como agora profundamente confuso Sentiria a mesma alegria e a mesma certeza Tengo pensou sobre isso apenas dentro de seu cora o sem se expressar verbalmente Mas ele sabia que Aomame escutava atenta cada palavra ainda que n o dita Ela estava com a orelha rosada encostada em seu peito e prestava aten o nas batidas de seu cora o como uma pessoa que consegue enxergar vividamente as paisagens ao seguir o mapa com o dedo Aomame disse em voz baixa que gostaria de ficar ali para sempre sem se importar com o tempo mas lembrou que precisavam fazer uma coisa N s vamos nos mudar pensou Tengo Isso mesmo N s vamos nos mudar disse Aomame E prosseguiu dizendo que o quanto antes melhor pois n o tinham muito tempo Ela n o sabia dizer em palavras para onde precisavam ir N o precisa dizer pensou Tengo Voc n o quer saber para onde vamos indagou Aomame Tengo balan ou a cabe a num gesto negativo Os ventos da realidade n o podiam apagar a chama de seu cora o N o havia mais nada de t o significativo quanto aquilo Nunca mais vamos nos separar disse Aomame Isso est mais do que certo Nunca mais vou largar sua m o Uma nova nuvem apareceu e engoliu as duas luas durante um b
588. senhor n o tem culpa natural que n o tenha percebido Ushikawa apertou o cigarro no cinzeiro e jogou o resto de ch sobre ele Em seguida levantou se foi at a janela e a abriu completamente Apaguei o cigarro e abri a janela para arejar o ambiente Apesar de n o dar para dizer que l fora o ar seja mais limpo Desculpe me o inc modo O sil ncio prevaleceu por dez segundos Absoluto e pl cido Ent o Conseguiu obter as informa es sobre as Testemunhas de Jeov indagou Ushikawa Sim O volume grande A fam lia dela devota h muito tempo e existe muita coisa sobre eles A sele o do que serve ou n o deixarei a seu cargo Ushikawa concordou Era exatamente o que ele desejava Quanto ao clube n o tivemos nenhum problema Abrimos a porta pegamos o que precis vamos sa mos e fechamos a porta Como o tempo era escasso pegamos tudo sem selecionar o material por isso o volume tamb m ficou grande De qualquer modo encaminharei tudo do jeito que est E como sempre a entrega ser mediante o pagamento em dinheiro Ushikawa anotou o valor ditado pelo Morcego O pre o ficou vinte por cento mais caro do que o or ado Ushikawa por m n o tinha escolha a n o ser aceit lo Desta vez n o quero usar o correio por isso amanh por volta dessa hora vou mandar um mensageiro entregar lhe o material em m os Providencie o dinheiro Como sempre n o espere um recibo Ushikawa co
589. sentado nessa caverna existente em seu interior que at ent o lhe era desconhecida e n o conseguia se levantar Sentiu uma dor amarga em seu peito mas o correto seria dizer que n o era exatamente uma dor Era uma sensa o de press o que surge no ponto de interse o entre a aus ncia e a n o aus ncia Ele permaneceu sentado no ch o dessa caverna durante um longo tempo com o corpo encostado na parede e fumando um cigarro sem gosto Ela que deixou esse espa o vazio antes de partir N o Pode ser que n o pensou Ushikawa Talvez isso j existisse dentro de mim e ela apenas me mostrou a presen a desse vazio Ushikawa percebeu que aquela garota chamada Eriko Fukada o deixava literalmente abalado Aquele olhar profundo penetrante e firme inquietava n o somente o seu corpo como tamb m a ess ncia do ser humano chamado Ushikawa como se ele estivesse perdidamente apaixonado Era a primeira vez que Ushikawa sentia isso N o Isso imposs vel pensou Por que eu me apaixonaria por ela Para come ar n o existe no mundo um casal t o discrepante como n s Desnecess rio ir at o espelho do banheiro constatar isso N o N o apenas em rela o apar ncia A enorme diferen a entre n s existe em todos os sentidos Ushikawa n o se sentia atra do por Fukaeri No que dizia respeito a sexo para ele bastava se encontrar uma ou duas vezes por m s com uma prostituta conhecida sua Ele ligava para
590. sentou quaisquer anomalias no cora o E os exames tamb m n o acusaram nenhuma anomalia nos demais rg os Isso mesmo disse o m dico constrangido Mas no documento necess rio deixar bem claro a causa da morte isso Isso mesmo N o sou especialista mas isso que o senhor acabou de dizer significa que o cora o dele parou de bater isso Sim O cora o dele parou de funcionar Isso seria o mesmo que dizer que ele sofreu um colapso O m dico pensou a respeito Se considerarmos que as atividades card acas indicam o funcionamento normal do cora o n o h d vidas de que seu pai sofreu um colapso Nesse sentido o senhor n o deixa de ter raz o Se isso o senhor pode escrever que a causa mortis de meu pai foi colapso card aco decorrente de um longo per odo de coma N o tenho nenhuma obje o O m dico parecia aliviado e informou que liberaria o atestado de bito em meia hora Tengo agradeceu O m dico deixou a sala e a enfermeira Tamura de culos permaneceu com Tengo Voc gostaria de ficar um tempo a s s com o seu pai indagou ela A pergunta parecia fazer parte de um procedimento padr o e soou um pouco trivial N o N o necess rio Obrigado disse Tengo Mesmo que ficasse a s s com ele n o tinham mais nada a conversar Se eles mal se falavam quando ele estava vivo n o era ap s a morte que surgiria um assunto para conversare
591. seria cremado com ele Ao v lo assim Tengo n o conseguia imagin lo vestido de outra forma Era como na pera de Wagner em que os guerreiros s o queimados com suas armaduras Naquela manh de ter a com a presen a de Tengo e Kumi Adachi o caix o foi fechado selado com pregos e em seguida transportado no carro f nebre N o era exatamente um carro f nebre mas um furg o Toyota b sico como o que transportara o corpo de seu pai da c nica at a funer ria A nica diferen a era que em vez da maca com rodas agora era um caix o Esse tipo de carro f nebre tamb m devia ser o mais barato N o havia nada de solene nele N o se ouvia a m sica O crep sculo dos deuses Mesmo em rela o ao modelo do carro f nebre Tengo n o fazia obje o Kumi Adachi tampouco parecia se importar com aquilo Ele apenas cumpria a fun o de transportar o corpo O mais importante era que uma pessoa havia desaparecido deste mundo e isso sim deveria ficar guardado no cora o dos que permaneciam Os dois pegaram um t xi e seguiram o furg o O cremat rio ficava afastado da praia em meio s montanhas O edif cio era relativamente novo e desprovido de personalidade mais do que um cremat rio parecia uma f brica ou um edif cio governamental Mas o jardim era bonito e bem cuidado e a chamin elevava se alta e majestosa em dire o ao c u detalhe que indicava a fun o diferenciada daquele pr dio Naquele dia o cremat rio pare
592. seu corpo n o era o da noite gelada Era um frio que vinha de seu corpo At onde quero chegar se indagou envolto pela escurid o do quarto E afinal de onde foi que eu vim Ele ainda sentia no peito aquela dor aguda que o olhar garota lhe cravara Essa dor talvez nunca mais desaparecesse Ou talvez estivesse sempre ali sem que ele percebesse Na manh seguinte ap s tomar o desjejum de queijo bolacha de gua e sal e caf instant neo Ushikawa recobrou o nimo e novamente sentou se diante da c mera Como no dia anterior continuou a observar e a tirar fotos das pessoas que entravam e sa am do pr dio Mas nem Tengo Kawana nem Eriko Fukada estavam entre eles Ele via apenas pessoas curvadas que rotineiramente come avam um novo dia Era uma manh de tempo bom e ventos fortes As pessoas exalavam um bafo branco que o vento se encarregava de espalhar Devo parar de pensar em coisas desnecess rias pensou Ushikawa Devo aquecer o corpo endurecer a casca do meu cora o e viver um dia de cada vez N o passo de uma m quina Uma m quina insens vel eficaz e resistente Que suga o tempo novo por uma ponta transforma o em velho e o expele por outra ponta Que existe por existir Devo voltar a ser novamente uma m quina que opera de modo puramente c clico um movimento perene que um dia haver de findar Ushikawa estava decidido a lacrar seus sentimentos dentro do cora o e expulsar a imagem de Fukaeri
593. shikawa n o conseguiu dizer nada A voz n o saiu Ushikawa sei que estou sendo repetitivo mas insisto em dizer que quero que me responda corretamente Por isso vou perguntar de novo Foi o grupo religioso que pediu para voc vigiar os passos de Tengo Kawana e descobrir se h alguma liga o entre ele e Aomame Isso muito importante Est em jogo a vida de uma pessoa Pense bem e me responda corretamente Se voc mentir vou saber O grupo n o sabe Ushikawa conseguiu responder a muito custo Agora sim resposta est correta O grupo n o sabe que existe uma liga o entre Tengo Kawana e Aomame Voc ainda n o disse isso para eles n o mesmo Ushikawa assentiu Se voc tivesse optado por responder corretamente desde o in cio n o precisaria ter conhecido o fundo do mar Foi uma experi ncia bem sufocante n o foi Ushikawa concordou Sei bem como Eu j passei por isso disse o homem como se fosse um assunto trivial Quem nunca passou por isso jamais saber o quanto a experi ncia horr vel A dor um conceito que n o se pode generalizar O sofrimento de cada um possui caracter sticas pr prias Se me permite parafrasear Tolstoi toda a felicidade igual mas cada dor dolorosa sua pr pria maneira Mas eu n o iria t o longe a ponto de afirmar que uma quest o de gosto Voc n o acha Ushikawa concordou continuando a gemer de dor O homem prosseguiu Por
594. soas sentiam afei o por ela desde o momento em que a conheciam Mas no final das contas Tamaki precisou interromper sua vida em meio decep o e ao desespero deixando uma Aomame incapaz de sorrir direito Era um domingo calmo Muitas pessoas atra das pelo calor do sol passeavam no parquinho em frente ao pr dio Os pais deixavam as crian as brincando no tanque de areia ou no balan o Havia crian as descendo no escorregador Os idosos sentados no banco observavam sem se entediar as crian as que brincavam Aomame saiu para o terra o sentou se na cadeira de jardim e por entre os v os do guarda corpo observava a cena sem prestar muita aten o Uma cena pac fica O mundo seguia sua marcha Naquela cena n o havia ningu m correndo o perigo de ser morto ou perseguindo um assassino As pessoas n o escondiam em suas gavetas uma pistola nove mil metros carregada envolta numa pe a de roupa Ser que um dia eu tamb m farei parte desse mundo normal Aomame se perguntava Ser que um dia poderei levar esta coisa pequenina de m os dadas ao parque para que ela brinque no balan o e no escorregador Ser que um dia vou ter uma vida em que n o precise pensar em matar ou me preocupar em ser morta por algu m Ser que essa possibilidade existe neste mundo de 1084 Ou ser que isso s ser poss vel em algum outro mundo E o mais importante ser que Tengo estar ao meu lado Aomame desistiu de observar o parque e
595. spondeu Aquelas informa es n o eram reveladas para pessoas do n vel do rapaz de cabelo rente Ele n o fazia parte da diretoria do grupo Era apenas o chefe de uma unidade de a o Mas o rapaz de cabelo rente sabia Sabia que aquela era a ltima mensagem deles e que aquela teria sido a ltima vez que as donzelas que tinham uma fun o semelhante das miko donzelas dos santu rios xinto stas escutaram aquela voz No recinto gelado o rapaz de cabelo rente caminhava de um lado para outro diante do corpo de Ushikawa quando de repente algo passou de relance no cantinho de sua consci ncia Nesse exato momento ele parou de andar fez uma careta que aproximou as sobrancelhas e tentou descobrir o formato daquela coisa que acabara de passar por sua mente Assim que ele parou de andar o rapaz de rabo de cavalo que estava em p ao lado da porta mudou um pouco a postura Expirou profundamente e passou o centro da gravidade de uma perna para a outra K enji pensou o rapaz de cabelo rente franzindo levemente as sobrancelhas E seguindo atenta e calmamente uma linha t nue vasculhou as profundezas escuras de sua mem ria Algu m que estava envolvido nesse caso morava em K enji Mas quem Ele tirou do bolso sua agenda grossa toda amassada e come ou rapidamente a folhe la Queria ter a certeza de que sua mem ria n o estava errada Era Tengo Kawana O endere o dele era Suguinami distrito de K enji O mesmo ende
596. spons vel pela seguran a n o Tamaru n o respondeu Ele estava na posi o de fazer perguntas e n o de respond las At agora voc respondeu s minhas perguntas sem mentir disse Tamaru Pelo menos em linhas gerais Quando se conhece o fundo do mar perde se a coragem de mentir e mesmo que se tente a voz rapidamente o denuncia O medo provoca isso N o menti disse Ushikawa Isso timo disse Tamaru N o bom ter de sofrer desnecessariamente A prop sito voc j ouviu falar de Carl Jung Ushikawa franziu as sobrancelhas por baixo da venda Carl Jung Onde esse homem quer chegar Jung o da psicologia Esse mesmo O pouco que sei disse Ushikawa cuidadosamente que ele nasceu na Su a no final do s culo XIX Foi disc pulo de Freud mas depois cortou rela es com ele Inconsciente coletivo tudo o que sei Muito bem disse Tamaru Ushikawa aguardou a continua o da conversa Carl Jung possu a uma linda casa num tranquilo bairro residencial de alto padr o beira de um lago em Zurique e levava uma vida feliz com a fam lia Mas ele precisava de um lugar onde pudesse ficar sozinho para aprofundar suas reflex es Encontrou um terreno pequeno na ponta extrema do lago Zurique numa rea bem distante chamada Bollingen e nele construiu uma pequena casa N o era exatamente uma bela casa de campo Ele pr prio carregou pedra por pedra e mont
597. sse Tamaru Me diga ent o o que voc quer que eu fa a Para come ar eu gostaria de saber se aquele morador chamado Kawana de fato Tengo Kawana Se pudesse eu mesma gostaria de verificar mas perigoso demais eu me aproximar daquele apartamento Sem d vida concordou Tamaru Creio que o cabe o do boneco da felicidade est escondido num daqueles apartamentos e planeja algo Se ele est para descobrir onde estou acho necess rio tomar alguma provid ncia Aquele homem j desconfia que h uma liga o entre voc e a velha senhora Ele est tentando juntar todas essas pistas Sem d vida n o podemos ignor lo Tenho mais um favor a pedir disse Aomame Diga Se o morador daquele apartamento realmente for Tengo Kawana n o quero que ele corra nenhum perigo Caso um de n s tenha de ser prejudicado eu fa o quest o de tomar o lugar dele Tamaru permaneceu novamente quieto Desta vez n o se ouvia o bater da ponta da caneta sobre a mesa N o se ouvia nada Ele pensava envolto num mundo de sil ncios Quanto aos primeiros dois pedidos posso dar um jeito de resolv los disse Tamaru Faz parte do meu trabalho Quanto ao terceiro n o posso dizer nada Ele envolve circunst ncias pessoais e h muitos pontos que eu n o consigo entender N o se trata de eu querer fazer isso ou n o trata se de estabelecer prioridades Tudo bem siga as suas prioridades S
598. sta com asas de t nue colora o como a sombra de um esp rito Vou apenas observ la dist ncia pensou Ushikawa Ap s Fukaeri entrar no pr dio com os pacotes Ushikawa aguardou um tempo antes de voltar ao apartamento Ao chegar ao quarto tirou o gorro e o cachecol e novamente sentou se diante da c mera Suas bochechas estavam geladas por terem sido expostas ao vento Fumou um cigarro e tomou uma gua mineral A sede era tanta que parecia ter comido uma por o de algo muito apimentado Anoitecia As l mpadas das ruas se acenderam e o hor rio das pessoas voltarem para casa se aproximava Ushikawa continuava de casaco e segurando o controle de acionamento do obturador observava atentamente a entrada do pr dio Conforme os raios solares do fim de tarde se atenuavam o quarto esfriou abruptamente Esta noite vai ficar ainda mais fria que a de ontem Vou at a loja de aparelhos eletr nicos na frente da esta o comprar um aquecedor ou um cobertor el trico pensou Ushikawa Quando Eriko Fukada surgiu novamente na entrada do pr dio os ponteiros do rel gio indicavam quatro e quarenta e cinco Ela estava com a mesma roupa uma blusa de gola alta preta e cal a jeans Mas sem a jaqueta de couro blusa justa ressaltava o contorno dos seios Apesar de magra seus seios eram grandes Enquanto observava pelo visor sua bela silhueta Ushikawa se sentiu novamente sufocado e prensado O fato de ela n o estar de casaco signi
599. stadoramente convincente N o havia nenhuma explica o sobre quem os observava ou como ela soube disso A impress o era de que no mundo de Fukaeri os fatos n o podiam ser revelados abertamente Estavam sempre envoltos em sugest es e enigmas ou expressos com lacunas e de formas inusitadas como o mapa de um tesouro enterrado por piratas Ou como no texto da Cris lida de ar originalmente escrito por ela Fukaeri por m n o tinha a inten o de escrever desse modo sugestivo e enigm tico Esse era o seu jeito natural de se expressar O nico jeito de ela conseguir transmitir imagens e pensamentos era usando esse tipo de vocabul rio e constru o frasal Para conversar com ela era preciso se acostumar com esse modo espec fico do uso da linguagem Para entender o que ela falava o interlocutor precisava mobilizar toda sua capacidade e seu dom de discernimento para n o s mudar a posi o das palavras como tamb m preencher adequadamente as lacunas Toda vez que Tengo recebia dela uma mensagem concisa ele tentava entend la do jeito mais direto poss vel Quando ela dizia estavam sendo vigiados significava que estavam realmente sendo vigiados Quando ela intu a que precisava deixar o apartamento era porque sabia que estava na hora de deixar o apartamento Tengo procurava portanto aceitar integralmente o que ela relatava O contexto os detalhes e os fundamentos que geraram essa informa o eram algo que ele podia
600. sto n o havia narcisismo Ela observava detidamente o rosto sob v rios ngulos com um olhar objetivo de quem examina as fei es de outra pessoa Ser que seu rosto realmente ficou mais bonito Ou ele continuava o mesmo de sempre e o olhar que havia mudado Isso era algo que Aomame n o sabia responder De vez em quando Aomame costumava fazer caretas diante do espelho Sua careta continuava a mesma de sempre Os m sculos do rosto se esticavam e suas fei es se transformavam completamente Todos os sentimentos do mundo brotavam em seu rosto N o era belo nem feio Dependendo do ponto de vista ela parecia um dem nio ou um palha o Conforme o ngulo parecia apenas a express o do caos Quando deixava de fazer caretas os m sculos gradativamente se relaxavam como ondula es da superf cie de um rio a se acalmar e suas fei es voltavam ao normal Aomame conseguia ver uma nova vers o de si pr pria completamente diferente da anterior Na verdade seria bom se voc conseguisse sorrir com mais espontaneidade era o que Tamaki costumava dizer Ao sorrir voc fica com a fei o mais relaxada uma pena voc n o tentar sorrir mais Mas Aomame n o conseguia sorrir espontaneamente diante das pessoas Se tentasse sorrir for a o sorriso parecia de esc rnio e as pessoas ficavam tensas e desconfort veis Tamaki tsuka por m conseguia abrir um sorriso alegre e natural Ela causava uma boa impress o e as pes
601. t apenas blefando Diz aquilo em voz alta para que as pessoas se sintam desconfort veis Ele n o sabe nada de mim N o sabe o que fiz e por que estou aqui Apesar disso seu cora o n o conseguia se acalmar Por mais que voc tente conter a respira o algu m com certeza ir encontr la As palavras daquele cobrador soaram como se carregassem um significado impl cito Poderia ter sido mera coincid ncia mas era como se ele soubesse exatamente o que dizer para me deixar perturbada Aomame desistiu de ler o livro e fechou os olhos no sof Tengo onde voc est pensou ela para em seguida diz lo em voz alta Tengo onde voc est Encontre me logo Antes que outra pessoa o fa a 6 Tengo Pinica meu polegar Tengo levava uma vida regrada na pequena cidade litor nea E na medida do poss vel procurava manter aquela vida met dica Ele pr prio n o sabia dizer por qu mas a impress o que tinha era de que manter a rotina era algo fundamental naquele momento De manh sa a para caminhar escrevia seu romance ia para a casa de repouso lia algum livro para o seu pai em coma voltava para a pousada e dormia Uma rotina que lembrava o ritmo daquelas mon tonas e repetitivas can es folcl ricas da poca do plantio de arroz Ap s algumas noites quentes seguiram se outras extremamente frias Mas independentemente dessa varia o clim tica que anunciava a mudan a de esta o Tengo seguia s
602. ta forma era de conhecimento p blico de nosso conhecimento que a Cris lida de ar ganhou o concurso de revela o de novos autores de uma revista liter ria por meio de uma fraude O original enviado para o concurso foi em grande parte alterado e reescrito por uma terceira pessoa sob o seu comando antes de ser encaminhado para a comiss o julgadora O texto sigilosamente reescrito ganhou o pr mio chamou a aten o do p blico foi editado e tornou se um best seller Estou certo Isso depende do ponto de vista replicou Komatsu H casos em que o autor por sugest o do editor reescreve parte do texto O rapaz de cabelo rente ergueu a palma da m o na dire o de Komatsu para que se calasse Quando o autor mexe em seu pr prio texto por sugest o do editor n o um ato il cito Voc tem raz o Mas contratar uma terceira pessoa para reescrever uma obra com o objetivo de ganhar um pr mio liter rio uma atitude que de uma forma ou de outra s pode ser considerada desonesta Al m disso voc abriu uma empresa fantasma para distribuir os lucros obtidos com as vendas do livro N o sei como isso ser interpretado pela lei mas creio que em termos sociais e morais essa atitude ser severamente censurada N o h justificativas para o que voc s fizeram Os jornais e as revistas v o tratar o assunto com tremendo alvoro o e a sua empresa cair em descr dito Voc deve estar ciente disso N s temo
603. tadoramente parecido com ele Desconfiaram at que um fosse a reencarna o do outro tamanha a semelhan a Os genes desse tio pareciam ter dado novamente o ar de sua gra a Se Ushikawa n o existisse a fam lia Ushikawa da cidade de Urawa prov ncia de Saitama seria considerada perfeita tanto na apar ncia quanto em termos curriculares e profissionais Qualquer um teria inveja dessa fam lia exemplar e fotog nica Mas quando Ushikawa sa a na foto as pessoas costumavam franzir levemente as sobrancelhas e inclinar a cabe a Achavam que aquilo era uma brincadeira do destino que puxara com satisfa o o tapete da deusa da beleza Ou era assim que os seus pais achavam que os outros certamente pensariam Por isso faziam de tudo para n o exp lo em p blico e se isso fosse inevit vel cuidavam para que ele n o chamasse a aten o apesar de ser uma tentativa in til Ushikawa no entanto n o se sentia particularmente insatisfeito triste ou solit rio com essa situa o Muito pelo contr rio Como ele pr prio detestava sair em p blico adorava o cuidado que tinham de deix lo sombra Para os irm os era como se ele n o existisse mas o fato de eles o ignorarem tamb m n o o afetava Ele pr prio n o sentia nenhuma afei o especial por eles Seus irm os eram bonitos sempre tiravam notas altas na escola e ainda por cima eram os deuses do esporte e sempre estavam rodeados de amigos Mas do ponto de vista de Ushikawa eles
604. tar a ideia de que ela estaria usando o poder da m fia japonesa para proteger as v timas da viol ncia dom stica O mais prov vel era que ela pr pria tivesse um sistema de seguran a Uma estrutura particular refinada Devia ser oneroso manter esse tipo de seguran a mas ela n o tinha problemas financeiros Um sistema que quando necess rio poderia se tornar violento Se a hip tese de Ushikawa estivesse correta Aomame essa altura estaria bem longe escondida em algum lugar Todas as pistas teriam sido eliminadas e inclusive ela deveria estar com uma nova identidade e um nome novo Quem sabe at com uma apar ncia totalmente nova Nesse caso com os recursos de investiga o de que dispunha Ushikawa n o conseguiria encontrar seu rastro De qualquer modo a nica alternativa era seguir essa linha de investiga o em torno da velha senhora de Azabu Preciso descobrir alguma ponta solta e a partir da seguir os passos de Aomame Isso tanto pode dar certo como n o dar em nada O m rito de Ushikawa era possuir olfato apurado e extrema perseveran a Uma vez que ele agarrava algo jamais soltava Al m disso o que mais eu tenho que vale a pena mencionar se perguntou Ushikawa Ser que tenho alguma outra capacidade de que eu possa me gabar N o tenho mais nenhuma respondeu Ushikawa com extrema convic o 5 Aomame Por mais que se contenha a respira o Levar uma vida mon tona e solit ria
605. tas das Testemunhas de Jeov estavam ocupadas em pregar a exist ncia do Para so e a ensinar o caminho que conduzia a ele Aos justos cabe fazer o que justo e aos dem nios fazer o mal que lhes conv m Havia uma esp cie de divis o do trabalho Dentro da cabe a de Ushikawa algu m batia na divis ria de madeira de uma constru o barata e o chamava Senhor Ushikawa senhor Ushikawa Ushikawa fechou os olhos e p s se a escutar atentamente essa voz Uma voz baixa mas insistente Estou deixando escapar alguma coisa pensou ele Algo de muito importante deve estar registrado num desses documentos Mas n o consigo enxergar As batidas na madeira est o tentando me avisar isso Ushikawa resolveu olhar novamente a pilha de documentos N o s leu as informa es como tamb m imaginou as cenas Aomame de tr s anos seguindo a m e em prega o e n o raro ambas sendo dispensadas de forma rude na porta de alguma casa Ela cursando a escola prim ria e continuando as atividades mission rias Os fins de semana eram reservados para esse fim Ela n o tinha tempo para brincar com os colegas N o Melhor dizer que ela n o tinha tempo para fazer amigos Normalmente as crian as das Testemunhas de Jeov eram maltratadas e rejeitadas na escola Ushikawa havia lido um livro sobre as Testemunhas de Jeov e estava ciente disso Aos onze anos Aomame largou a religi o Para tomar essa decis o ela deve ter nutrido uma forte
606. tasse Tengo Colocou tudo o que precisava numa bolsa de couro preta bem grande N o havia muito Ma o de dinheiro roupas limpas e a Heckler amp Koch carregada Somente isso Ela colocou a bolsa numa posi o em que pudesse peg la rapidamente Tirou o blazer da Junko Shimada do cabide no arm rio e ap s verificar se n o estava amassado deixou o pendurado na parede da sala Separou a blusa branca que combinava com o blazer as meias finas e seus sapatos de salto alto da Charles Jourdan E o seu casaco bege Eram as mesmas roupas que usava na primeira vez em que desceu as escadas de emerg ncia da rodovia Metropolitana O casaco era fino demais para uma noite de dezembro Mas n o havia op o Ap s arrumar suas coisas Aomame foi para a varanda e sentada na cadeira de jardim observou o escorregador do parque por entre os v os da grade da sacada O pai de Tengo falecera na madrugada de domingo Entre a morte e a crema o necess rio aguardar vinte e quatro horas Aomame sabia de uma lei que estabelecia esse per odo Significava que a crema o estaria liberada somente a partir da ter a feira Hoje era ter a Ap s a crema o Tengo sair desse algum lugar e mesmo saindo cedo dever chegar somente no final da tarde a T quio Tamaru deve passar o recado s depois de ele chegar Antes disso Tengo n o vir ao parque E ainda estava claro Ao morrer o L der deixou preparada esta coisa pequenina no meu tero essa
607. te fiquei admirado A mans o da senhora Ogata magn fica Ah a resid ncia mais bonita dessa rea S de pensar que um dia aquele bel ssimo salgueiro poder ser cortado e vir abaixo me d i o cora o disse o velho balan ando a cabe a demonstrando estar realmente entristecido Espero que a esposa do senhor Ogata continue a viver por mais tempo Tem raz o concordou Ushikawa Ushikawa entrou em contato com o Centro de Apoio s Mulheres V timas de Viol ncia Dom stica Para sua surpresa esse grupo de apoio constava na lista telef nica exatamente com esse nome Era uma organiza o sem fins lucrativos administrada por uma equipe de advogados volunt rios que se revezavam no atendimento s mulheres O abrigo da velha senhora colaborava com essa institui o e acolhia as mulheres que n o tinham para onde ir Ushikawa agendou uma visita em nome de sua empresa Aquela intitulada Nova Funda o Jap o para a Promo o das Ci ncias e das Artes Ushikawa sutilmente deu a entender que a institui o poderia receber um aux lio financeiro e com isso conseguiu agendar um hor rio para a visita Ushikawa entregou o cart o de visitas igual ao que ele entregara a Tengo e explicou que um dos objetivos da Funda o era selecionar anualmente uma organiza o sem fins lucrativos que notoriamente vinha contribuindo para o bem da sociedade oferecendo lhe um aux lio financeiro O Centro de Apoio s Mulher
608. tempo Ushikawa n o saberia precisar a dura o os dois se entreolharam De repente ela olhou para tr s girando o corpo e rapidamente voltou ao pr dio Era como se tivesse acabado de ver o que deveria ser visto Assim que ela saiu de seu campo de vis o Ushikawa soltou o ar dos pulm es e pouco depois encheu os de novo O ar gelado era como uma por o de espinhos no peito As pessoas retornavam aos seus apartamentos e como na noite anterior passaram uma ap s a outra sob a ilumina o da entrada do pr dio mas Ushikawa n o estava diante da c mera Sua m o n o segurava mais o controle do obturador O olhar direto e sem reservas daquela garota parecia ter tirado todas as for as de seu corpo e as levado consigo Que olhar pensou Ushikawa Um olhar afiado como uma comprida agulha de a o perfurando fundo o meu peito a ponto de me sentir trespassado at as costas Aquela garota sabia Sabia que Ushikawa secretamente a observava Sabia que ele havia tirado fotos com a c mera escondida N o poderia dizer como mas Fukaeri sabia Ela possivelmente captava aquilo por meio de algum sentido especial que possu a Ushikawa sentiu um desejo enorme de tomar algo Se pudesse encheria um copo de u sque e o beberia num s gole Cogitou at em sair para comprar uma garrafa pois havia um bar nas proximidades Mas acabou desistindo Beber n o mudaria nada Aquela garota bonita me viu atrav s do obturador Viu que mi
609. tidez era sofr vel mas havia at uma foto de T engo quando jovem Ap s o almo o Ushikawa telefonou para a escola prim ria de Tsudanuma Conversou com a professora Toshie ta e combinou de se encontrarem na escola s quatro Ela lhe disse que a partir daquele hor rio poderiam conversar com calma Sei que isso faz parte do meu trabalho mas visitar duas escolas prim rias num s dia demais pensou Ushikawa soltando um suspiro Fico deprimido s de pensar que preciso fazer isso Mas at aquele momento havia valido a pena ir pessoalmente at l Ele descobriu que Tengo e Aomame estudaram na mesma classe durante dois anos Um grande avan o Tengo ajudou Eriko Fukada a transformar a Cris lida de ar em uma obra liter ria que se tornou um best seller Aomame matou secretamente o pai de Eriko Tamotsu Fukada na su te do Hotel kura Parece que o objetivo dos dois atacar o grupo religioso Sakigake cada qual a seu modo Eles podem estar agindo juntos Qualquer um chegaria a essa conclus o mais que bvia No entanto seria precipitado revelar isso para aqueles dois de Sakigake Ushikawa n o gostava de passar as informa es a conta gotas Ele preferia obter o m ximo delas confirmar meticulosamente uma s rie de evid ncias circunstanciais e ap s agrupar todas as provas concretas que revelaria o resultado dizendo Bem a verdade que Fazer esse tipo de encena o teatral era um h bito adquirido d
610. tionada Muito pelo contr rio a informa o era de que estava fluindo bem Por isso aceitei a sugest o do passageiro e peguei a Rodovia Metropolitana em Y ga Mas houve uma colis o no bairro de Tani e o resultado esse Uma vez na via expressa o nico jeito de escapar do congestionamento seria pegar a sa da de Ikejiri Enquanto segu amos nessa dire o o passageiro encontrou uma conhecida Est vamos literalmente parados na altura de Komazawa quando um Mercedes Benz coup prateado parou na pista ao lado e a motorista desse carro por acaso era uma conhecida desse meu passageiro Eles abriram as janelas e come aram a conversar e pouco depois a motorista do outro carro perguntou se ele n o queria passar para o carro dela Ele me perguntou se poderia acertar o valor at ali e se eu n o me importava de ele passar para o outro carro Era a primeira vez que um passageiro descia do t xi em plena via expressa mas est vamos parados e ainda por cima eu n o tinha como dizer n o Foi assim que o meu passageiro foi para Mercedes Ele pediu desculpas e deixou um valor a mais mas mesmo assim me senti prejudicado Ainda mais que tive de ficar parado no congestionamento E aos poucos cheguei at aqui bem perto da sa da de Ikejiri Foi ent o que vi o senhor levantando a m o uma hist ria inacredit vel N o acha Eu acredito disse Aomame concisamente Naquela noite hospedaram se no quarto bem alto de um hotel em Akas
611. tivemos sobre Aomame n o seja um obst culo para que ele receba o aux lio financeiro disse a professora preocupada Os problemas que ocorreram na sala de aula s o de minha responsabilidade N o culpa de Tengo nem de Aomame Ushikawa balan ou a cabe a N o se preocupe Estou apenas verificando os fatos que podem estar por tr s de sua obra liter ria Como a senhora j deve saber as quest es que envolvem religi o s o sempre muito complicadas O senhor Kawana possui um grande talento e em breve se tornar conhecido Ao ouvir isso a professora sorriu satisfeita Suas pequenas pupilas cintilaram como se tivessem captado os raios solares uma luminosidade como o brilho da geleira no cume de uma distante montanha Ushikawa achou que ela estivesse se recordando do menino Tengo J haviam se passado mais de vinte anos mas para ela era como se tivesse acontecido ontem Enquanto aguardava o nibus que o levaria at a esta o Tsudanuma num ponto pr ximo escola Ushikawa pensou nas professoras da escola em que estudou Ser que elas ainda se lembram dele Caso se lembrem certamente seus olhos n o refletiriam um brilho t o carinhoso ao pensar nele O que Ushikawa conseguiu verificar e esclarecer era algo muito pr ximo ao que ele havia imaginado Tengo era o melhor aluno da classe E tamb m era um garoto popular Aomame ao contr rio era solit ria e ignorada por todos N o havia possibilidade de eles se aprox
612. to de possu rem um talento nato para os esportes contribuiu para que conquistassem essa autonomia Mas na situa o em que estavam eles precisavam veementemente se destacar em alguma coisa Para eles o nico meio plaus vel para conquistar a pr pria independ ncia era se destacarem como atletas e como estudantes precisavam tirar boas notas de modo a obterem o reconhecimento das pessoas Era um passaporte importante para a sobreviv ncia e a autoprote o Eles n o pensavam como as demais crian as de dez anos e o modo de os dois enfrentarem o mundo era diferente Pensando bem a situa o de Ushikawa tamb m n o diferia tanto da deles No caso de Ushikawa ele n o precisou obter bolsas de estudo nem passou por dificuldades financeiras pois sua fam lia era abastada Mas para ingressar numa faculdade conceituada e passar no exame de magistratura precisou estudar muito Assim como Tengo e Aomame N o tinha tempo para se divertir como faziam os demais colegas de sala Deixou de lado todos os prazeres mundanos sabia que n o seria f cil obt los mesmo que os desejasse e dedicou se exclusivamente aos estudos Seus sentimentos sempre oscilaram entre o complexo de inferioridade e o de superioridade Sou um Raskolnikov que jamais encontrou uma Sonia era o que Ushikawa costumava pensar Vamos deixar esse assunto de lado N o adianta nada pensar nisso agora Preciso voltar para o caso Tengo e Aomame Se por acaso os d
613. to noroeste soprava com vigor as nuvens no c u Aquele calor ameno do dia agora parecia uma ilus o Ficar em p na cal ada durante meia ou uma hora sem fazer nada exposto aos ventos gelados n o era algo que Ushikawa apreciava Ushikawa pensou em desistir Tengo deve ter vindo at aqui somente para jantar N o preciso ter todo esse trabalho de continuar a segui lo Ushikawa achava que ele pr prio deveria ir a algum lugar comer algo quente e depois voltar para o apartamento Tengo tamb m deveria voltar logo Essa era a escolha mais atrativa para Ushikawa Ele se imaginou entrando num estabelecimento com boa calefa o depois saboreando um oyakodon uma tigela grande de arroz com ovos e frango Ultimamente n o estava se alimentando bem Poderia at pedir um saqu quente que havia tempos n o bebia Estava muito frio Se desse um passo para fora do restaurante a bebedeira passaria logo Mas uma outra cena lhe passou pela cabe a Tengo poderia ter marcado um encontro com algu m no Muguiatama Essa possibilidade n o poderia ser descartada Tengo saiu do pr dio e caminhou diretamente para esse bar sem hesitar E antes de entrar verificou as horas Talvez algu m estivesse esperando por ele l dentro Ou algu m estava para chegar no Muguiatama Se fosse isso Ushikawa precisava saber quem era essa pessoa Mesmo que suas orelhas ficassem congeladas ele precisaria ficar em p na cal ada observando a entrada do bar Ushikawa se c
614. to rigoroso Por isso eu precisava da pistola disse Aomame O cabe o do boneco da felicidade tamb m devia saber disso prosseguiu Tamaru Ele sabia que o grupo estava atr s de voc para interrog la e puni la mas me parece que as coisas mudaram de rumo no desenrolar dos acontecimentos Ap s o cabe o sair de cena conversei com um deles pelo telefone e ele me disse que o grupo n o tem mais a inten o de causar danos a voc Ele pediu para te dizer isso Pode ser uma armadilha Mas para mim soou verdadeiro Ele me explicou que a morte do L der era algo que o pr prio L der desejava e que n o havia a necessidade de puni la por algo que no fundo era uma esp cie de suic dio Foi isso mesmo disse Aomame com um tom de voz neutro O L der j sabia que eu estava l para mat lo e aprovava o meu intuito Ele queria que eu o matasse naquela noite na su te do Hotel kura Os seguran as n o conseguiram descobrir o seu objetivo mas o L der sim Isso N o sei como mas ele sabia de tudo disse Aomame Ele j estava me esperando Ap s um breve sil ncio T amaru prosseguiu O que aconteceu Fizemos um acordo Eu n o fiquei sabendo disse Tamaru num tom que denotava uma temerosa inquieta o N o tive oportunidade de falar sobre isso Ent o me conte agora que tipo de acordo voc s fizeram Durante a sess o de alongamento que durou uma hora ele
615. to t o a s rio Sem d vida Mas n o creio que tudo isso seja em v o disse Tengo Eles j devem ter algu m em mente Komatsu concordou Eu tamb m tive essa impress o e por isso que eles querem se livrar da gente o quanto antes Em outras palavras eles n o querem que atrapalhemos o trabalho deles Pelo jeito estamos realmente incomodando Por que ser que n s incomodamos tanto Komatsu balan ou a cabe a Ele tamb m n o sabia a resposta Que tipo de mensagem essa voz transmitia para eles Que tipo de rela o existe entre o Povo Pequenino e essa voz indagou Tengo Komatsu balan ou novamente a cabe a sem muito entusiasmo Isso era algo que extrapolava a imagina o deles Voc j assistiu ao filme 2001 uma odisseia no espa o J respondeu Tengo N s somos como aqueles macacos disse Komatsu Aqueles com o pelo preto e comprido que bradam coisas sem sentido enquanto giram em torno do mon lito Duas pessoas que pareciam clientes habituais entraram no bar se acomodaram no balc o e pediram coquet is Mas uma coisa certa disse Komatsu para finalizar a conversa Sua hip tese convincente e seus argumentos s o plaus veis sempre muito divertido conversar com voc Mas n s vamos bater em retirada e deixar o campo minado Provavelmente n o vamos mais ver Fukaeri nem o professor Ebisuno A Cris lida de ar ser apenas um inocente roma
616. to ter de trocar de roupa e ir escola N o raro o nervosismo lhe causava diarreia e vez por outra v mitos s vezes tinha febre dor de cabe a e sentia dorm ncia nos bra os e nas pernas Mesmo assim nunca deixou de ir escola Se faltasse um dia certamente teria vontade de continuar faltando e com o tempo passaria a n o mais frequentar a escola Isso era o mesmo que assumir a derrota diante dos colegas e dos professores N o havia d vidas de que sem a presen a dela todos se sentiriam aliviados Aomame por m n o queria proporcionar esse al vio n o para eles Por isso por mais que fosse penoso ela ia para a escola ainda que rastejando E suportou tudo calada Comparado com aquela situa o cruel da inf ncia ficar sozinha sem falar com ningu m e escondida num apartamento bonito limpo e bem arrumado era o de menos Em compara o com a agrura de se manter calada quando todos ao redor conversavam animadamente estar sozinha e em sil ncio era muito mais f cil e natural E havia alguns livros que precisava ler Come ara pelo Proust que Tamaru lhe enviara Ela lia no m ximo vinte p ginas por dia Uma leitura cuidadosa e sem pressa palavra por palavra sem perder o enredo da hist ria Ap s essas vinte p ginas ela pegava outro livro E antes de dormir sempre lia algumas p ginas Cris lida de ar Era um livro que fora escrito por Tengo e num certo sentido servia como um manual para viver em 1084 Ela tamb
617. todo apertado e em posi o totalmente desconfort vel Admirou ter conseguido dormir a noite toda desse jeito Ao seu lado havia uma mulher Ela estava de lado com o rosto apoiado no travesseiro dormindo profundamente Os cabelos cobriam parte de sua bochecha como um vi oso gramado de ver o mido com o orvalho da manh Kumi Adachi pensou Tengo Uma jovem enfermeira que acabou de completar vinte e tr s anos O rel gio de Tengo estava ca do no ch o no canto do p da cama Os ponteiros indicavam 7h20 7h20 da manh Tengo se levantou da cama bem devagar tomando o cuidado de n o acord la e foi at a janela observar a paisagem por entre as cortinas Havia uma planta o de repolho Sobre a terra preta os repolhos enfileirados mantinham se agachados e cada qual firmemente enrodilhado Adiante havia uma mata Tengo se lembrou do canto da coruja Na noite anterior era de l que a coruja cantava s bia da noite Tengo e a enfermeira fumavam haxixe enquanto ouviam seu canto Ele ainda sentia em suas coxas os rijos pelos pubianos dela Tengo foi para a cozinha e tomou gua da torneira com as m os A sede era tanta que por mais que bebesse parecia nunca se saciar Fora isso n o sentia nada de diferente N o tinha dor de cabe a nem sentia o corpo mole A consci ncia estava l cida Mas algo o fazia sentir que dentro dele as coisas circulavam bem demais Era como se um t cnico tivesse feito uma h bil limpeza n
618. topo do escorregador era a mesma que Tamaru descrevera na noite anterior Aquele homem sinistro continuara a investigar de forma obstinada e agora se aproximava sorrateiramente dela Preciso pegar a pistola Por que justamente esta noite eu a deixei na gaveta do quarto pensou Aomame pondo se a respirar fundo para manter a calma N o posso me afobar Neste momento n o h a necessidade de t la nas m os Para come ar aquele homem n o observava seu apartamento Ele apenas estava sentado no topo do escorregador olhando na mesma dire o em que Tengo estivera olhando Ele dava a impress o de estar pensando sobre o que via diante dos olhos Durante um bom tempo n o se moveu Era como se n o soubesse como movimentar o corpo Ele n o parecia preocupado em olhar o apartamento de Aomame Isso a deixou confusa O que isso significa Aquele homem veio at aqui para me capturar Provavelmente deve ser membro de Sakigake Sem d vida um perseguidor competente Afinal ele conseguiu seguir os meus passos desde a Mans o dos Salgueiros de Azabu at aqui Mesmo assim ele est se expondo sem nenhuma preocupa o e observa o c u totalmente distra do Aomame levantou se da cadeira bem devagar abriu minimamente a porta de vidro entrou no apartamento e sentou se diante do telefone Com os dedos tr mulos discou o n mero de Tamaru Precisava comunicar lhe imediatamente que o cabe o do boneco da felicidade estava naquele
619. tos de arte e antiguidades Nesse sentido posso dizer que se trata de uma heran a simples e sem complica es Tengo assentiu Era do feitio de seu pai Mas ele se sentia deprimido de herdar a caderneta de poupan a Era como se lhe entregassem v rios cobertores molhados e pesados Se poss vel ele preferia n o ter de herdar isso Mas n o era o caso de diz lo ao advogado obeso com farta cabeleira e de cora o bondoso Al m disso seu pai deixou comigo um envelope Trouxe o comigo e gostaria de lhe entregar em m os O envelope pardo estava estufado e fora lacrado com v rias voltas de fita adesiva O advogado tirou o envelope de sua pasta preta de documentos e o colocou sobre a mesa Eu conversei com o senhor Kawana ap s ele se internar aqui e na ocasi o ele me entregou este envelope Naquela poca o senhor Kawana estava l cido apesar de ficar um pouco confuso de vez em quando Mas ele ainda levava uma vida normal Ele pediu para entregar esse envelope ao leg timo herdeiro no caso de ele vir a falecer Leg timo herdeiro disse Tengo um tanto surpreso Isso mesmo Leg timo herdeiro Seu pai n o mencionou o nome espec fico de ningu m Mas o leg timo herdeiro no caso refere se ao senhor At onde sei devo ser o nico herdeiro Sendo assim disse o advogado indicando o envelope sobre a mesa Devo lhe entregar isso Por favor poderia assinar o recibo Tengo assinou O envelo
620. tou Ushikawa Tamb m me lembro muito bem dela disse a professora com a voz neutra totalmente diferente de quando falava de Tengo O tom havia ca do dois n veis um sobrenome diferente Sim Bem diferente Mas n o por causa disso que eu me lembro dela Houve um breve sil ncio Ouvi dizer que a fam lia dela era fiel seguidora das Testemunhas de Jeov verdade indagou Ushikawa para sond la Gostaria que esse assunto ficasse somente entre n s disse a professora claro N o vou comentar com ningu m Ela concordou Existe uma grande filial das Testemunhas de Jeov na cidade de Ichikawa Por isso tive contato com muitas dessas crian as ao longo dos anos Do ponto de vista do professor lidar com essas crian as sempre foi um problema delicado que requeria um certo cuidado Mas at hoje n o conheci nenhuma fam lia t o fiel s Testemunhas de Jeov quanto a de Aomame Est querendo me dizer que s o pessoas intolerantes A professora mordiscou levemente os l bios como se voltasse no tempo Isso mesmo Eram pessoas extremamente rigorosas com as regras e exigiam o mesmo rigor de suas crian as Por isso Aomame sempre ficava sozinha na classe Aomame de certo modo era uma pessoa especial n o era Era uma pessoa especial a professora admitiu claro que a crian a n o pode ser responsabilizada por isso Se fosse necess rio apontar o culpado d
621. tou a ponto de despertar lhe o desejo sexual A cena e a sensa o eram vagas e distantes como se uma pel cula as envolvesse Um tempo depois a enfermeira abriu os olhos e fitou Tengo Um olhar que parecia ler seus pensamentos Mas esse olhar n o era de reprova o Ela se levantou com um sorriso no rosto e mirou Tengo que permanecia sentado Preciso ir disse a enfermeira Ap s tocar o coque e verificar que a caneta estava espetada nele deu meia volta e deixou o quarto Tengo costumava telefonar para Fukaeri no final da tarde E ela sempre lhe dizia que n o havia acontecido nada de novo Segundo ela o telefone tocou mas conforme o combinado ela n o atendeu Isso mesmo disse Tengo Deixe o tocar Quando Tengo telefonava para Fukaeri o combinado era dar tr s toques desligar uma vez e imediatamente ligar de novo mas ela dificilmente cumpria esse acordo Quase sempre atendia no primeiro toque Voc precisa seguir o combinado Tengo costumava chamar lhe a aten o toda vez que isso acontecia N o se preocupe Sei quando voc respondia Fukaeri Voc sabe quando sou eu que telefona Outras liga es eu n o atendo Realmente acho que isso poss vel pensou Tengo Ele pr prio de algum modo tamb m sabia quando o telefonema era de Komatsu O tom era impaciente e nervoso como o toque irritante de algu m batendo os dedos no tampo de uma mesa Mas isso de algum modo
622. u alguma sombra agourenta atrav s da luneta Mas o que seus olhos extremamente atentos desejavam encontrar era uma nica pessoa Tengo Kawana Talvez Tengo estivesse morando numa outra cidade e por acaso passara por ali naquela noite Caso houvesse sido isso a possibilidade de ele voltar para o parque era praticamente nula Mas Aomame era da opini o de que aquilo estava fora de cogita o No dia em que ele esteve no escorregador sua roupa casual e seu jeito de se portar davam a impress o de que ele morava nas redondezas e que de repente resolvera sair para uma caminhada pela vizinhan a E durante a caminhada resolvera passar no parque e subir no escorregador Possivelmente para observar a lua Sendo assim ele devia morar pr ximo dali dist ncia de uma caminhada No bairro de K enji n o f cil encontrar um local em que se pode ver a lua O terreno plano e praticamente n o h pr dios altos Nesse sentido o escorregador do parque n o seria uma op o t o ruim para ver a lua durante a noite O parque silencioso e n o h ningu m para incomodar Se Tengo tiver vontade de ver a lua certamente ele vir at aqui Essa era a suposi o de Aomame Mas no instante seguinte reconsiderava N o As coisas n o s o t o simples assim Ele j deve ter encontrado alguma cobertura de um pr dio alto um local muito mais adequado para ver a lua Ao pensar nisso Aomame balan ava a cabe a resoluta N o devia se preoc
623. u cora o bater mais forte e r pido Recolocou o fone no gancho Vou informar Tamaru depois decidiu Aomame Antes preciso fazer uma coisa Algo que sem d vida arriscado Afinal a perseguida ir seguir seu perseguidor Mesmo que o perseguidor seja um profissional Mas nem por isso posso deixar escapar uma oportunidade dessas Essa pode ser a ltima chance E aquele homem parece temporariamente distra do Aomame correu para o quarto e tirou da gaveta da c moda a Heckler amp Koch Levantou a alavanca da trava de seguran a e com um barulho seco puxou o ferrolho posicionou a bala na c mara e novamente acionou a trava de seguran a Em seguida enfiou a na parte de tr s do jeans e voltou para a varanda O cabe o do boneco da felicidade continuava na mesma posi o olhando o c u A cabe a disforme mantinha se im vel Ele parecia totalmente absorto e fascinado observando algo naquela parte do c u Um sentimento que Aomame conhecia muito bem Realmente era uma cena fascinante Aomame voltou para o quarto vestiu seu casaco de n ilon e um bon de beisebol Colocou um par de culos de aros pretos sem marca e sem grau S de coloc los a apar ncia do seu rosto ficava bem diferente Enrolou um cachecol cinza no pesco o e enfiou a carteira e a chave nos bolsos Desceu as escadas correndo e saiu do pr dio As solas de seus t nis atingiam a cal ada sem emitir sons Seus passos firmes e constantes trouxeram lhe
624. u no bolso Como sempre quanto mais ele relia mais o texto de Fukaeri se tornava cr vel Ele estava sendo vigiado Agora ele aceitava isso como um fato Ergueu o rosto e olhou o sal o da lanchonete Como era hor rio de aula havia poucas pessoas Alguns alunos estavam lendo suas apostilas outros escreviam algo em seus cadernos N o encontrou ningu m que estivesse escondido em algum canto a observ lo Havia uma quest o fundamental Se n o era Fukaeri que eles estavam vigiando quem seria Ele pr prio ou o seu apartamento Pensou a respeito Claro tudo n o passava de uma suposi o Mas Tengo achava que n o teriam interesse exatamente nele Ele n o passava de um revisor que aceitara o pedido de reescrever a Cris lida de ar O livro fora publicado virou not cia e finalmente deixou de ser o assunto do dia Portanto o papel de Tengo estava conclu do havia muito tempo N o havia motivos para que esse assunto voltasse tona Fukaeri quase n o deve ter sa do do apartamento O fato de ela sentir que estava sendo observada significava que o apartamento que estava sendo vigiado Mas afinal de onde que eles estariam vigiando Apesar de ele morar numa regi o movimentada o apartamento dele no terceiro pavimento possu a uma localiza o inusitadamente privilegiada fora do alcance dos olhares alheios Esse era um dos motivos de Tengo morar nele havia muito tempo Sua namorada mais velha tamb m valorizava muito esse quesit
625. u no sof Fechou os olhos e pensou em Tengo N o conseguiria pensar em mais nada Sentia uma dor no peito como se algo o estivesse espremendo Mas era uma dor agrad vel Uma dor suport vel Ele realmente morava muito perto dali A uma dist ncia de dez minutos a p S de pensar nisso sentia o centro de seu corpo se aquecer Ele era solteiro e dava aulas de matem tica numa escola preparat ria Morava num apartamento modesto e limpo cozinhava passava roupa e estava escrevendo um romance longo Aomame sentiu inveja de Tamaru Se pudesse ela tamb m gostaria de entrar no apartamento de Tengo sem a presen a dele No interior do apartamento silencioso ela tocaria em cada um dos objetos Verificaria a ponta do l pis que ele usava para escrever pegaria a x cara em que ele toma o caf sentiria o cheiro de suas roupas Antes de encontr lo queria poder fazer isso Sem essas preliminares ela n o saberia o que falar quando se visse diante dele somente os dois S de imaginar esse momento sua respira o ficava mais r pida e sua mente a rea Havia muitas coisas para conversar e ao mesmo tempo ela tinha a impress o de que na hora n o precisaria dizer nada As coisas que ela queria falar ao serem postas em palavras pareciam perder totalmente o sentido A nica coisa que Aomame poderia fazer naquele momento era esperar Esperar calma e atentamente Ela arrumou as coisas de modo que pudesse sair a qualquer momento assim que avis
626. u que a cris lida de ar era exatamente igual quela descrita por Fukaeri no romance inclusive em seus pormenores e tampouco revelou que nutria uma secreta esperan a de que a cris lida surgisse novamente diante de si Fukaeri estreitou os olhos manteve os l bios cerrados e permaneceu encarando o durante um bom tempo Era como se tentasse ler uma mensagem redigida em letras mi das Tengo levou a m o ao rosto num gesto quase que inconsciente mas pelo toque sentiu que n o havia nada escrito nele Fa a isso disse Fukaeri decorrido um tempo balan ando a cabe a em sinal de aprova o N o se preocupe comigo Vou tomar conta do apartamento acrescentou ap s uma breve reflex o Por enquanto n o h perigo Por enquanto n o h perigo repetiu Tengo N o se preocupe comigo reiterou Fukaeri Vou telefonar todos os dias est bem Tome cuidado para n o ficar abandonado na cidade dos gatos Tomarei cuidado disse Tengo Tengo foi para o supermercado e comprou uma quantidade de alimentos suficiente para que Fukaeri n o precisasse sair para fazer compras durante um tempo Alimentos de f cil preparo Tengo sabia que ela n o tinha muita capacidade nem vontade de preparar a pr pria comida Queria evitar o dissabor de voltar em duas semanas e encontrar os alimentos completamente estragados na geladeira Encheu uma sacola de vinil com mudas de roupa e artigos de higiene Al m de alg
627. ual Enquanto observava essa s rie de movimentos Tengo tentava imaginar como ela devia se sentir trabalhando numa casa de sa de de uma pequena cidade litor nea cuidando de idosos com problemas cognitivos e sem perspectiva de cura Ela era jovem e aparentava ser uma pessoa saud vel Sob o uniforme branco impecavelmente engomado seus seios e o quadril eram pequenos mas tinham um volume adequado Uma penugem dourada brilhava em seu pesco o liso No crach de pl stico preso ao peito estava escrito Adachi O que a trouxe para um local t o distante impregnado pelo esquecimento e dominado pela morte lenta Tengo sabia que ela era uma enfermeira eficiente e zelosa Ainda era jovem e de not vel desempenho Se ela assim desejasse certamente poderia trabalhar em cl nicas de outras especialidades Um lugar mais divertido e muito mais interessante Por que ela escolheu trabalhar justamente naquele lugar t o triste Tengo queria saber os motivos e as circunst ncias que a levaram a estar ali Caso perguntasse certamente ela lhe responderia sem rodeios Pelo menos essa era a impress o de Tengo Mas achou melhor n o se envolver al m do necess rio Ainda por cima aquela era a cidade dos gatos Algum dia ele teria de pegar o trem e retornar para o seu mundo Ao concluir as tarefas a enfermeira recolocou a prancheta no lugar e voltando se para Tengo esbo ou um sorriso acanhado N o h altera es Seu estado continua o mesmo Est
628. ubserviente as mesmas atividades realizadas no dia anterior E dentro do poss vel empenhava se em viver como um espectador invis vel Controlava a respira o e minimizava ao m ximo quaisquer ind cios de sua presen a aguardando em silenciosa expectativa aquele momento A diferen a entre um dia e o outro gradativamente se dilu a Uma semana dez dias se passaram E nada de a cris lida de ar novamente se materializar No final da tarde quando seu pai era levado para a sala de exames a nica coisa que ficava sobre a cama era a depress o deixada por seu corpo pequeno e digno de compaix o Ser que aquilo teria sido um acontecimento nico pensou Tengo mordiscando os l bios naquele pequeno quarto de hospital iluminado pela luz crepuscular Teria sido uma esp cie de revela o especial que jamais ocorrer de novo Ou s um mero capricho da imagina o N o houve resposta Os nicos sons que seus ouvidos captavam eram o distante bramido do mar e o sibilar dos ventos por entre a barreira de pinheiros Tengo n o tinha como averiguar se sua conduta era correta Ficar naquele quarto de hospital numa cidade litor nea longe de T quio e afastado da realidade efetiva poderia ser apenas uma grande perda de tempo Mas apesar da incerteza Tengo n o queria deixar aquilo tudo para tr s Foi naquele quarto que ele viu a pequena Aomame dormindo dentro da cris lida de ar envolta numa t nue claridade Ele chegou a tocar sua
629. udo at chegarmos l N o temos muito tempo Mas por mais tempo que se tenha creio que n o conseguiria dizer tudo Tengo balan ou a cabe a discretamente N o havia necessidade de explicar tudo De agora em diante eles poderiam preencher calmamente as lacunas uma por uma se fosse preciso preencher alguma Para o Tengo de agora se fosse algo que ambos compartilhavam as lacunas podiam ser ignoradas e os mist rios jamais revelados e mesmo assim ele sabia que seria capaz de sentir algo muito pr ximo alegria diante daquela situa o O que devo saber sobre voc indagou Tengo O que voc sabe sobre mim Aomame devolveu lhe a pergunta Quase nada respondeu Tengo Que voc instrutora de um clube esportivo solteira e atualmente mora em K enji Eu tamb m n o sei quase nada de voc Sei apenas que professor de matem tica leciona numa escola preparat ria em Yoyogui e mora sozinho E foi quem realmente escreveu a Cris lida de ar disse Aomame Tengo fitou o rosto de Aomame com os l bios levemente entreabertos numa express o de surpresa Pouqu ssimas pessoas sabiam daquilo Ser que ela tinha alguma liga o com o grupo religioso N o se preocupe Estamos do mesmo lado disse ela Se eu fosse te explicar como que sei disso a conversa ia ficar longa Mas eu sei que a Cris lida de ar um trabalho conjunto realizado por voc e Eriko Fukada E n s dois em algu
630. ue essa possibilidade forte Temos de reconhecer que Fukaeri sempre esteve no centro dos acontecimentos como se fosse o olho do furac o Komatsu estreitou os olhos e entrela ou os dedos sobre a mesa Quando ele queria era capaz de concatenar os pensamentos com perspic cia Tengo andei pensando numa hip tese Ser que a Fukaeri que conhecemos a dohta e quem ficou l a maza A quest o de Komatsu deixou Tengo ressabiado Ele nunca havia pensado nisso Para Tengo Fukaeri sempre foi um ser nico Mas a hip tese de Komatsu lhe pareceu pertinente Eu n o tenho menstrua o por isso n o h o perigo de engravidar foi o que ela lhe disse naquela noite ap s a estranha rela o sexual que tiveram Se ela realmente apenas o seu alter ego aquilo que ela disse fazia sentido O alter ego n o pode se reproduzir Somente a maza capaz disso No entanto essa era uma hip tese que Tengo n o conseguia aceitar a possibilidade de ele ter mantido uma rela o sexual com o alter ego de Fukaeri Tengo disse Fukaeri possui uma personalidade bem marcante E um padr o de comportamento peculiar O alter ego possivelmente n o possui essas particularidades Realmente concordou Komatsu Voc tem raz o Fukaeri possui uma personalidade e um padr o de comportamento pr prios N o tenho como negar Mesmo assim Tengo tinha a impress o de que Fukaeri escondia algum segredo Aquela linda garota possu a um c d
631. uem Que bom disse Aomame Tengo Kawana ensina matem tica numa escola preparat ria de Yoyogui Ele um excelente professor mas como s trabalha alguns dias da semana o sal rio n o deve ser t o alto solteiro tem uma vida modesta e mora naquele humilde apartamento Ao fechar os olhos Aomame conseguia escutar dentro de seus ouvidos as batidas do cora o Era dif cil discernir a linha divis ria entre ela e o mundo Al m de ser professor de matem tica de uma escola preparat ria ele est escrevendo um romance Um romance longo Ser ghost writer da Cris lida de ar foi apenas um trabalho tempor rio uma vez que ele j possu a desde muito antes sua pr pria ambi o liter ria O que muito bom Uma certa quantidade de ambi o faz a pessoa se desenvolver Como voc conseguiu descobrir isso Como ele estava ausente tomei a liberdade de entrar no apartamento Estava trancado mas era como se n o estivesse Sei que errado violar a privacidade alheia mas precisava obter algumas informa es b sicas Para um homem que mora sozinho at que o apartamento estava bem arrumado O fog o estava limpo e brilhando Dentro da geladeira tamb m estava tudo limpo e organizado sem um repolho apodrecendo no fundo Havia ind cios de que ele passa suas roupas Seria um timo companheiro para voc Se ele n o for gay claro O que mais voc descobriu Telefonei para a escola e perguntei os h
632. ui uma pessoa da funer ria Zenk sha disse a enfermeira Tamura Voc deve entregar a ela uma c pia da autoriza o de crema o A funer ria tomar as demais provid ncias Em vida seu pai chegou a conversar com o respons vel da funer ria e ele j deve saber o que fazer O dinheiro para o funeral tamb m est reservado Voc n o precisa fazer nada Isso claro se voc n o tiver nenhuma obje o Tengo respondeu que n o tinha nenhuma obje o Os objetos pessoais que seu pai deixou eram poucos roupas velhas e alguns livros Praticamente isso Voc quer ficar com alguma coisa de recorda o Se bem que as nicas coisas que eram dele eram um r dio despertador um antigo rel gio de pulso e um par de culos de leitura disse a enfermeira Tamura N o quero nada Pode fazer o que quiser com eles disse Tengo Exatamente s duas e meia o encarregado da funer ria chegou de terno preto e entrou no refeit rio com passos r pidos e silenciosos Era magro e aparentava ter pouco mais de cinquenta anos Os dedos eram compridos tinha os olhos grandes e uma verruga seca e escura na aba do nariz Era bronzeado at a ponta das orelhas como se passasse muitas horas ao sol Era estranho Tengo nunca vira um funcion rio de uma funer ria que fosse obeso Esse homem explicou em linhas gerais como funcionava um funeral Suas express es eram polidas e o seu jeito de falar bem calmo Dava a impress o de que tudo
633. uidado com a sa de Afinal essa a minha especialidade Muito bom disse a velha senhora E ap s uma pausa prosseguiu J faz um certo tempo mas uma pessoa suspeita rondou a minha casa durante alguns dias Ele andou perguntando algumas coisas a respeito do abrigo As tr s mulheres que est o na casa viram a imagem gravada nas c meras de seguran a e me disseram que n o o conheciam Pode ser algu m que est atr s de voc Aomame esbo ou uma leve careta Ser que eles j sabem que temos uma liga o Ainda n o sabemos Mas n o podemos descartar essa possibilidade Esse homem possui uma apar ncia bem estranha Ele tem uma cabe a muito grande e deformada A parte de cima achatada e praticamente calva baixo e os bra os e as pernas s o curtos e fortes Parece algu m familiar Cabe a calva e deformada Sempre observo aqui da varanda as pessoas que passam pela rua mas nunca vi ningu m com essa descri o um tipo que chama a aten o n o Muito como um palha o espalhafatoso de circo Se por acaso foram eles que o contrataram para sondar a minha casa a escolha n o foi muito feliz Aomame concordou com a velha senhora Era dif cil acreditar que Sakigake tenha escolhido uma pessoa de apar ncia t o chamativa para fazer a investiga o Eles n o devem estar com falta de pessoal Por outro lado talvez esse homem n o possua nenhuma liga o com o grupo religioso o que s
634. ulos tendem a se atrofiar ao permanecerem por muito tempo na mesma posi o e no caso de ter de entrar imediatamente em a o eles n o conseguem reagir com rapidez Ushikawa deitava se no ch o e exercitava com destreza seu corpo arredondado e disforme de modo a relaxar os m sculos como um Gregor Samsa ao se transformar num inseto Para n o ficar entediado sintonizava a r dio AM e ouvia m sica com seus fones de ouvido Durante o dia a programa o era voltada para donas de casa e idosos Os apresentadores faziam piadas sem gra a riam por qualquer bobagem davam opini es banais e a sele o de m sicas era t o ruim que dava vontade de tapar os ouvidos Ainda por cima anunciavam produtos que ningu m desejava adquirir Pelo menos era assim que soava aos ouvidos de Ushikawa Mas o que ele queria mesmo era escutar algu m conversando n o importava quem Por isso continuava ouvindo o r dio Como poss vel algu m ter a coragem de fazer um programa t o imbecil e ainda transmiti lo para v rias regi es por meio de ondas do r dio Mas apesar de Ushikawa achar isso ele pr prio n o possu a um trabalho requintado ou produtivo Estava enfurnado no quarto de um apartamento barato oculto atr s das cortinas e tirando fotos das pessoas s escondidas Ele n o estava numa posi o digna e privilegiada a ponto de poder criticar o trabalho dos outros N o era de hoje Mesmo quando atuava como advogado seu trabalho n o era t o di
635. umiu os neg cios da fam lia e tinha tr s filhos A filha foi casada mas morreu de uma doen a havia quinze anos e n o deixou filhos Reunir esse tipo de informa o era relativamente f cil Mas ao tentar descobrir dados mais pessoais subitamente surgia uma parede maci a bloqueando o caminho Todos os caminhos poss veis e imagin veis estavam bloqueados Deparava se com um muro alto e com in meras trancas nas portas Ushikawa se deu conta de que a mulher n o tinha nenhuma inten o de expor sua vida particular E que n o media esfor os nem dinheiro para se resguardar Ela n o dava entrevistas e tampouco se pronunciava N o conseguiu sequer encontrar uma foto dela mesmo nas fontes mais variadas O nome dela constava na lista telef nica do distrito de Minato Ushikawa telefonou para o n mero indicado Seu modus faciendi era sempre o de ver para crer independentemente do que fosse Antes do segundo toque um homem atendeu o telefone Ushikawa identificou se com um nome fict cio e dizendo trabalhar numa dessas empresas de investimentos explicou que gostaria de conversar com a propriet ria sobre um fundo de investimento que ela possui O homem respondeu A senhora n o pode atender o telefone Diga me do que se trata que eu me encarrego de transmitir a informa o O tom de sua voz denotava uma seriedade convincente como daquelas vozes sintetizadas mecanicamente Ushikawa explicou que a norma da empresa n o per
636. umo ler os jornais Se n o me engano a autora desse livro Eriko Fukada filha de um dos membros do grupo Sakigake Ela desapareceu e suspeitaram de que o grupo a havia raptado A pol cia foi acionada para fazer as investiga es Eu ainda n o li o livro Eriko Fukada n o apenas a filha de um dos membros do grupo O pai dela o l der de Sakigake Ou seja ela a filha do homem que eu mandei para o outro lado E Tengo Kawana foi o ghost writer que reescreveu a obra modificando em grande parte a Cris lida de ar O livro na verdade foi escrito em coautoria Um profundo sil ncio caiu sobre eles Tempo suficiente para algu m caminhar at o outro lado de uma sala comprida pegar um dicion rio consultar um verbete devolver o dicion rio estante e voltar Passado esse tempo Tamaru retomou a conversa N o h como provar que o morador desse apartamento Tengo Kawana Por enquanto n o admitiu Aomame Mas se for a hist ria come a a fazer sentido s pe as come am a se juntar disse Tamaru Mas me diga uma coisa como voc soube que Tengo Kawana reescreveu a Cris lida de ar Creio que essa informa o n o foi divulgada Afinal se isso se tornasse p blico seria um tremendo esc ndalo O pr prio L der me contou Ele disse isso um pouco antes de morrer A voz de Tamaru se tornou um pouco mais fria Voc devia ter me contado isso antes N o acha que antes eu n o
637. unca senti sequer uma vez que esse era o lugar da minha vida Aqui era apenas um local tempor rio como uma ilha flutuante que surge no meio da corrente de gua Minha namorada mais velha que se encontrava secretamente comigo uma vez por semana desapareceu Fukaeri que morou comigo durante um tempo tamb m se foi Tengo n o sabia para onde elas foram e o que estariam fazendo De qualquer modo desapareceram silenciosamente de sua vida Quanto s aulas se ele deixasse o emprego certamente algu m o substituiria O mundo continuaria a existir mesmo sem Tengo Se Aomame quer se mudar para outro lugar ele poderia acompanh la sem hesitar Quais seriam as coisas importantes que ele levaria consigo Uns cinquenta mil ienes em dinheiro e um cart o de d bito banc rio Isso era tudo o que ele podia chamar de bens Em sua conta corrente havia cerca de um milh o de ienes N o Havia mais Havia o dinheiro dos royalties de Cris lida de ar A inten o era devolver o dinheiro para Komatsu mas ele ainda n o o fizera Fora isso havia as folhas impressas de uma parte do seu romance em andamento Isso ele n o podia deixar para tr s N o possu a um valor p blico mas para Tengo era algo muito importante Colocou os originais num envelope e o guardou numa bolsa castanho avermelhada de n ilon resistente que costumava usar para ir escola Com isso a bolsa ficou cheia e pesada O disquete ele guardou no bolso da jaqueta de couro Como
638. uns livros pap is e um estojo com canetas e l pis Como de costume pegou o trem expresso na esta o de T quio baldeou para um trem regular em Tateyama e desceu na segunda esta o em Chikura Dirigiu se ao posto de informa es tur sticas em frente esta o e procurou um hotel n o muito caro para se hospedar Por ser um per odo de baixa temporada foi relativamente f cil encontrar um quarto vago Escolheu uma modesta pousada tipicamente japonesa que costumava hospedar principalmente os pescadores Os quartos apesar de pequenos eram limpos e cheiravam a tatame novo Da janela do primeiro andar dava para ver o porto di ria com caf da manh era muito mais em conta do que imaginava Ainda n o sei quanto tempo pretendo ficar mas de qualquer modo vou deixar tr s di rias pagas disse Tengo A dona da pousada n o fez nenhuma obje o Informou que a pousada fechava s onze horas e cheia de dedos pediu para que ele n o trouxesse mulheres para o quarto explicando que era para evitar situa es embara osas Tengo tamb m n o fez nenhuma obje o quanto a isso Ap s se acomodar no quarto telefonou para a casa de repouso e perguntou enfermeira a de meia idade que costumava atender as liga es se n o seria inconveniente visitar o seu pai no dia seguinte por volta das tr s da tarde Ela respondeu que n o havia problema O senhor Kawana continua dormindo disse ela Assim come ou o dia a
639. upar em demasia A nica op o que tenho acreditar que Tengo voltar ao parque e continuar aguardando o pacientemente N o posso sair daqui uma vez que neste momento o parque o nico ponto de conex o entre n s Aomame n o havia puxado o gatilho Isso foi no in cio de setembro Ela estava no acostamento da Rota 3 da Rodovia Metropolitana em pleno congestionamento e sob o intenso sol da manh a ofuscar lhe os olhos colocou o cano da pistola Heckler amp Koch dentro da boca Ela vestia Junko Shimada e cal ava sapatos de salto alto da Charles Jourdan As pessoas ao redor sem terem a menor no o do que acontecia observavam na de dentro dos carros Havia uma senhora de meia idade em sua Mercedes Benz coup prateada Homens bronzeados observavam na do alto das cabines de seus caminh es inten o de Aomame era estourar os miolos com uma bala 9 mm bem diante deles O nico jeito de desaparecer do mundo de 1Q84 era acabar com a pr pria vida Com isso a vida de Tengo estaria salva Pelo menos foi o que o L der havia lhe prometido Ele havia prometido isso em troca de ela mat lo O fato de ela ter de morrer n o a deixava particularmente triste Provavelmente isso estava previsto desde o dia em que fora tragada para esse mundo de 1084 Eu apenas segui um roteiro predeterminado Para que viver sozinha num mundo em que pairam duas luas uma grande e uma pequena e que ainda por cima a vida controlada por
640. uxera at o pr dio n o lhe passou pela cabe a Seja como for na manh do dia seguinte ele pretendia ir ao est dio fotogr fico em frente esta o e revelar todos os rolos de filmes acumulados Um deles haveria de conter a foto dessa mulher misteriosa Ushikawa continuou a vigiar at pouco depois das dez mas ap s a sa da daquela mulher ningu m mais entrou ou saiu do pr dio O hall estava vazio e quieto como um palco abandonado e esquecido cujo espet culo se encerrou por ter sido um fracasso de bilheteria O que aconteceu com Tengo Ushikawa ficou intrigado At onde ele sabia era estranho que Tengo ficasse at t o tarde da noite fora de casa Ainda mais que no dia seguinte ele retomaria as aulas na escola Ou ser que ele j voltou enquanto Ushikawa esteve fora e foi dormir cedo Ele sentiu ent o que estava exausto Estava com tanto sono que mal conseguia manter os olhos abertos Para algu m que como ele era do tipo not vago isso era algo muito raro de acontecer Normalmente se houvesse necessidade ele conseguia ficar acordado o tempo que precisasse No entanto naquela noite em particular o sono pesava sobre sua cabe a implacavelmente como blocos de pedra de t mulos antigos Eu n o devia ter olhado as luas por tanto tempo pensou Ushikawa Acho que minha pele ficou tempo demais exposta quela luz A imagem daquelas luas a grande e a pequena ficou sutilmente impregnada em minhas retinas
641. va de ir at a biblioteca fazer esse tipo de pesquisa Gostava de sentir o c rebro armazenando conhecimentos Um h bito adquirido na inf ncia Ap s levantar as informa es na biblioteca Ushikawa foi at o bairro de Jiy gaoka ver o apartamento que Aomame alugava e novamente se certificar de que continuava vazio Na caixa de correio ainda constava o nome da Aomame mas n o parecia que algu m estivesse morando no apartamento Em seguida Ushikawa resolveu ir at a imobili ria que administrava o im vel Ouvi dizer que havia um apartamento vago nesse pr dio Ser que posso alug lo indagou Ushikawa Que existe um apartamento vago existe mas n o posso alug lo at o in cio de fevereiro respondeu o corretor O contrato de aluguel firmado com a atual moradora termina no final de janeiro e o valor do aluguel est sendo mensalmente depositado Todas as coisas j foram retiradas e a eletricidade o g s e a gua tamb m foram desligados Mas o aluguel continua a ser pago Quer dizer que mesmo vazio o aluguel ser pago at janeiro Isso mesmo disse o corretor Eles disseram que pagariam o valor integral do aluguel e pediram para que o deixasse como est Se eles est o pagando o aluguel n o temos do que reclamar Mas estranho um desperd cio pagar aluguel sem ningu m morando Eu tamb m fiquei desconfiado e fui com o propriet rio dar uma olhada no apartamento Estava com medo
642. va nisso todas as coisas existentes nesse cen rio gradativamente deixaram de fazer sentido e tornaram se coisas que tanto fazia existirem ou n o Ou quem sabe o cen rio em si jamais existiu Quem est realmente vivendo como uma pessoa de papel sem vida talvez seja ele pr prio Ao pensar nisso Ushikawa come ou a se sentir cada vez mais incomodado Ele deveria estar se sentindo assim por estar dia ap s dia enfurnado naquele quarto sem mob lia vigiando em segredo natural que estivesse com os nervos abalados Para amenizar a situa o ele decidiu se esfor ar em verbalizar seus pensamentos Bom dia senhor Orelha Comprida cumprimentou Ushikawa olhando para um idoso alto e magro que passava diante do visor da c mera As pontas das orelhas eram como chifres saindo dos cabelos brancos Est indo caminhar Caminhar faz bem sa de O tempo est bom e espero que se divirta Eu tamb m gostaria de esticar os bra os e as pernas e sair para caminhar tranquilamente mas infelizmente preciso ficar sentado aqui o dia inteiro nesse apartamento sem gra a vigiando a entrada do pr dio O velho vestia um cardig e uma cal a de l e caminhava mantendo a coluna ereta Se estivesse acompanhado de um fiel c o branco o par seria perfeito mas era proibido ter c es no apartamento Quando o velho se foi Ushikawa foi dominado sem motivo por um profundo sentimento de impot ncia Essa vigil ncia no final pode ser algo
643. vermelho at as extremidades nervosas De vez em quando Ushikawa tinha um intenso acesso de tosse mas sua consci ncia se limitava a respirar Gradualmente come ou a sentir as m os e as pernas Escutava no fundo do ouvido as batidas secas do cora o Ainda estou vivo pensou Ushikawa em meio escurid o Ele estava de bru os deitado sobre o tatame Suas m os estavam colocadas para tr s e amarradas com algo que parecia um tecido macio As pernas tamb m estavam amarradas N o estavam apertadas mas o modo de amarr las era eficaz feito por um especialista N o podia mexer o corpo a n o ser rolar Ushikawa achou estranho ainda estar vivo e respirando Aquilo n o foi a morte Ele ficou beira da morte mas n o morreu Uma dor aguda ainda podia ser sentida nas laterais da garganta A urina que vazou na cueca estava come ando a esfriar Mas n o era uma sensa o desagrad vel Muito pelo contr rio a dor e o frio significavam que ele ainda estava vivo Voc n o vai morrer assim t o f cil disse o homem Era como se houvesse lido os pensamentos de Ushikawa 23 Aomame A luz estava definitivamente ali Ap s a meia noite o dia mudou de domingo para segunda e Aomame ainda n o conseguia dormir Ela saiu do ofur vestiu um pijama deitou se na cama e apagou a luz N o adiantaria ficar acordada at tarde se ela n o podia fazer nada O problema a princ pio j estava nas m os de Tamaru e fosse o que
644. versa se encerrou nesse ponto Onda levantou se calmamente e ajeitou a gola do palet O rapaz de rabo de cavalo afastou se da parede dando um passo frente Senhor Ushikawa como j lhe disse anteriormente a quest o do tempo fundamental disse Onda voltando os olhos para baixo para observar Ushikawa que permanecia sentado preciso descobrir o paradeiro de Aomame o mais r pido poss vel N s tamb m estamos nos empenhando ao m ximo mas precisamos que o senhor trabalhe paralelamente por outras vias de investiga o Se Aomame n o for encontrada estaremos em s rios apuros N o se esque a que o senhor uma das pessoas que guardam um segredo importante Grandes conhecimentos trazem grandes responsabilidades Exatamente respondeu Onda com a voz desprovida de emo o Em seguida deu meia volta e saiu sem olhar para tr s O de rabo de cavalo seguiu o de cabelo rente e ap s deixar o escrit rio fechou a porta sem fazer barulho Assim que os dois sa ram Ushikawa abriu a gaveta e desligou o gravador Ergueu a tampa retirou a fita cassete e anotou com uma caneta o dia e a hora na etiqueta A despeito de sua apar ncia a letra de Ushikawa era bonita Depois tirou o ma o de Seven Stars da gaveta pegou um cigarro levou o a boca e o acendeu com o isqueiro Tragou com gosto e soltou a fuma a em dire o ao teto Com o rosto voltado para cima manteve os olhos fechados por alguns instantes Quando nov
645. voz transmite necess rio que ambas estejam juntas Se tomarmos emprestado as palavras de Fukaeri o receptor e o perceptivo precisam estar juntos E para isso a primeira coisa a fazer a cris lida de ar pois atrav s dela que nasce a dohta E para fazer a dohta necess rio uma maza apropriada Essa a sua interpreta o Tengo balan ou a cabe a N o bem uma interpreta o Apenas pensei nisso enquanto ouvia o resumo da hist ria que voc acabou de contar Tengo sempre tentou entender o significado de maza edohta n o s enquanto reescrevia o romance como tamb m depois de terminada a tarefa mas faltava lhe a vis o do conjunto Enquanto conversava com Komatsu as pe as come aram a se encaixar apesar de ainda restar uma d vida Por que apareceu uma cris lida de ar no leito hospitalar de seu pai e dentro dela a menina Aomame Realmente um conjunto de elementos muito interessante disse Komatsu Mas n o seria um problema para a maza ficar longe de sua dohta Sem a dohta possivelmente a maza n o se torna um ser completo Assim como no caso da Fukaeri que n s conhecemos dif cil determinar exatamente o que mas sabemos que lhe falta algo Ela parece uma pessoa que perdeu sua pr pria sombra Eu n o saberia dizer o que acontece com uma dohta que n o possui a maza Mas acho que ela tamb m n o um ser completo porque a dohta apenas o alter ego da pessoa Mas no caso de Fukaeri
646. wa segurou novamente o isqueiro abriu a tampa e acendeu o fogo como a averiguar a intensidade da chama e rapidamente fechou a tampa O l der me pareceu uma pessoa extremamente cautelosa comentou Ushikawa Tem raz o Ele era extremamente atento e cauteloso Houve um profundo sil ncio Tenho mais uma pergunta disse Ushikawa sobre Tengo Kawana Ele mantinha uma rela o com uma mulher mais velha casada chamada Ky ko Yasuda Uma vez por semana ela frequentava o apartamento dele e passavam algumas horas ntimas Afinal de contas s o jovens mais que natural Mas certo dia inesperadamente o marido dela telefonou para Tengo dizendo que ela n o poderia mais se encontrar com ele E desde ent o Tengo nunca mais teve nenhuma not cia dela Onda franziu as sobrancelhas N o entendo o motivo dessa conversa Est querendo me dizer que Tengo Kawana est de alguma forma envolvido nisso N o posso afirmar nada Mas n o de hoje que estou intrigado Afinal independentemente das circunst ncias o normal seria que ao menos uma vez a mulher se dignasse a telefonar para Tengo O relacionamento deles era ntimo Mas o estranho que essa mulher desapareceu sem dar satisfa o Sumiu sem deixar vest gios Detesto deixar pendente algo que me intriga e por precau o achei melhor perguntar se voc s por acaso sabem de alguma coisa Eu pessoalmente n o sei nada sobre essa mulher d
647. wana disse o homem Era uma voz desconhecida Sim disse Tengo Ele achou que a liga o se devesse a algum detalhe administrativo relacionado morte de seu pai A voz do interlocutor soava calma e profissional Mas o despertador indicava que era pouco antes das oito N o era um hor rio normal para as reparti es p blicas ou a funer ria telefonar Desculpe me incomod lo t o cedo mas que o assunto requer urg ncia Assunto urgente Do que se trata indagou Tengo com a mente confusa O senhor se lembra de uma pessoa chamada Aomame perguntou o interlocutor Aomame Instantaneamente a embriaguez e a sonol ncia desapareceram A consci ncia rapidamente despertou como a troca de cen rio de uma pe a teatral Tengo apertou o fone Lembro respondeu Tengo N o um nome muito comum Estudei na mesma classe que ela no prim rio disse Tengo com a voz voltando ao normal O homem fez uma pequena pausa O senhor teria algum interesse em conversar sobre ela neste momento Tengo achou que aquele homem tinha um jeito estranho de falar Um jeito peculiar Como se fosse a tradu o de uma pe a teatral de vanguarda Se o senhor n o estiver interessado ser uma perda de tempo para ambos Nesse caso desligarei imediatamente o telefone Tenho interesse disse Tengo apressadamente Mas posso saber com quem estou falando Tenho uma mensagem de Aomame d
648. xiste uma coisa pequenina Se ela possui algum poder especial com certeza vai me proteger e indicar a dire o certa Havia uma escada Mas n o era poss vel saber se ela realmente conduziria at a via expressa Havia a possibilidade de ela estar bloqueada no meio do caminho Isso mesmo Neste mundo tudo era poss vel O nico jeito de saber era de fato usar as pernas e os bra os subir as escadas e verificar com os pr prios olhos o que existe ou n o l em cima Aomame subiu a escada com muito cuidado degrau por degrau Ao olhar para baixo conseguia ver Tengo subindo logo atr s dela De vez em quando uma forte rajada de vento passava por eles emitindo um silvo estridente e fazendo agitar seu casaco de meia esta o A barra da minissaia ergueu se at a altura das coxas Os cabelos ao sabor dos ventos estavam embara ados e grudavam no rosto tampando lhe a vis o e dificultando a respira o Aomame arrependeu se de n o os ter prendido Achou tamb m que devia ter providenciado um par de luvas Por que n o pensei nisso Mas agora n o adianta reclamar Seja como for a nica coisa com que me preocupei era estar vestida do mesmo jeito de quando desci as escadas O importante segurar firme no corrim o e continuar subindo Enquanto tremia de frio e subia as escadas ela olhou o pr dio do outro lado da rodovia Era um pequeno pr dio de apartamentos de cinco andares com a fachada de tijolos marrons Naquele di

Haruki Murakami - 1Q84

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