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Força, Lei e Infinitude na Fenomenologia do Espírito

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1. Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 75 76 Bernardo Enes Dias contida na defini o do tri ngulo Trata se pois de uma infer ncia que pode ser reconduzida de modo mais ou menos mediato ao princ pio da identidade ou tautologia que afirma a igualdade do tri ngulo consigo mesmo No segundo caso por m a necessidade n o de ordem l gica mas f ctica o v nculo reservado no pensamento de Leibniz ao conhecimento dos acontecimentos futuros ou dos desenvolvimentos da no o completa de cada m nada um conhecimento que n o pode ser deduzido matematicamente mas apenas assegurado ex hypothesi por um ponto de vista capaz de vislumbrar a totalidade da cadeia causal que rege a evolu o do universo Na argumenta o de Hegel a lei e a for a s o indiferentes uma outra porque a necessidade que as une uma necessidade de ordem hipot tica no sentido leibniziano do termo nada no conceito de electricidade permite antecipar a divis o entre electricidade positiva e negativa Se necess rio que essa divis o se produza o apenas devido verifica o contingente de que isso sempre acontece o conceito tem este modo de ser apenas porque tem este modo de ser Mas o problema ainda mais complexo pois para al m do desencontro entre for a e lei subsiste ainda um desencontro entre as diversas partes de uma mesma lei Para estabelecer po
2. for a mas que lhes acrescentado Simplesmente uma considera o mais atenta desse movimento vem revelar que a aparente anterioridade das duas inst ncias afinal fict cia Se o entendimento se limitasse a afirmar sem mais a igualdade entre lei e for a as duas no es assimilar se iam ao modo de uma unidades simples isenta de toda a diferen a e n o mais haveria que distingui las Mas esta igualdade afirmada justamente para poder conservar a diferen a entre elas Com o fito de mostrar que a rela o entre lei e for a uma rela o necess ria o entendimento obrigado a p r a sua diferen a e a neg la logo de seguida Todavia ao dividir para poder conquistar ele n o se d conta da necessidade destas duas opera es Atarefado em salvar a unidade do mundo supra sens vel o entendimento n o se apercebe daquilo que h de verdadeiramente necess rio em todo o processo a saber o pr prio Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 79 80 Bernardo Enes Dias movimento por meio do qual a diferen a ao mesmo tempo posta e cancelada Eis nos finalmente em face do ponto de viragem que levar descoberta de um novo est dio na progress o fenomenol gica Ao considerar atentamente a estrutura do processo de explica o a consci ncia foca pela primeira vez o pr prio movimento que converte a identidade em alteridade e vice ve
3. tomos f sicos ou geom tricos cujas diferentes configura es espaciais obede am a um estado acidental de movimento ou repouso mas a posi o de tomos formais ou subst ncias reais isto de unidades mon dicas que possuam em si mesmas a determina o da sua identidade Neste segundo modo de entender a realidade o movimento e o repouso n o s o contingentes mas correlativos de uma identidade formal fundamental que se expressa a si mesma na alteridade do mundo exterior A m nada em Leibniz n o uma unidade elementar ou at mica no sentido cl ssico do termo mas uma unidade expressiva e imanente cuja identidade corresponde justamente a um determinado ponto de vista sobre a alteridade Isto significa pois que o modelo est tico das identidades simples deve ceder o lugar a um modelo globalmente din mico em que todos os movimentos e todas as transforma es se descobrem como momentos particulares de um fen meno de expression ou u erung As oposi es movimento repouso e ipseidade alteridade n o s o oposi es fixas mas momentos arrancados a um gradiente din mico e infinitamente matizado Por isso Leibniz procura vincar o car cter pervasivo da for a enquanto que a consci ncia comum tende a reconhecer a for a como uma realidade meramente regional que modifica o estado de movimento dos corpos e lhes imprime uma velocidade e uma direc o novas a Din mica vem mostrar que a for a omnipresente e constitui o pr
4. Todavia a ser assim a coisa volve se num tamb m absolutamente indiscriminado uma mera superf cie englobante no dizer de Hegel de tal modo que o trabalho unitivo da consci ncia n o capaz de assegurar a subsist ncia da coisa e acaba por descobrir se mais uma vez em face de uma pura universalidade A focagem alternada dos p los opostos da consci ncia e do seu objecto corresponde a uma tentativa de isolar a contradi o e mant la margem do modelo perceptivo Mas esta tentativa revela se v e o pr prio modelo vem mostrar que a contradi o existe de raiz no cora o das coisas O regime de identidade simples que a percep o procura manter cai por terra e o que emerge para a consci ncia um regime de identidade em que o si mesmo e o outro est o absolutamente e irremediavelmente entrosados Para Hegel a descoberta do entendimento corresponde descoberta de que n o existem identidades simples ou de que toda identidade implica correlativamente a sua nega o O que est em causa pois uma altera o radical do modo de reconhecimento da identidade A implos o do modelo perceptivo representa o abandono definitivo da ideia de identidade simples sobre a qual assentava o modelo at mico estrutura est tica da coisa vem substituir se um entendimento din mico da identidade expresso pelas no es de rela o e de for a A identidade n o mais o resultado de uma determina o absoluta mas de um
5. cter aparente da apar ncia mas esta n o se tornou menos aparente devido a esse reconhecimento este justamente o paradoxo do entendimento a descoberta do interior das coisas n o equivale descoberta de algo de novo ou transcendente subtra do ao territ rio da apar ncia mas antes descoberta da peculiaridade da pris o em que est encerrado o ponto de vista uma pris o onde a pr pria descoberta de que se est encerrado e portanto de que existe um para l do ponto de vista de que se possuidor n o diminui em nada o poder absoluto desse encerramento Por isso Hegel insiste sobre o car cter total ou universal da Erscheinung a pr pria apar ncia que p e o interior das coisas e permite pens lo negativamente como um interior mas por outro lado essa posi o n o a posi o de um conte do qualquer mas uma posi o limite um alargamento 7 Trata se da identifica o do mesmo desequil brio constitutivo que est na base da antropologia plat nica Tal como em Kant a distin o entre d ga e yv wor tende a ser compreendida distraidamente como a oposi o de dois termos independentes e mutuamente exclusivos Mas o que Plat o tem em vista o reconhecimento do car cter sempre j h brido do ponto de vista um ponto de vista integralmente endoxal mas afligido pela posi o de um para l formal que mais do que acrescentar se ao plano da realidade a pr pria condi o para que qualque
6. for a todavia afirmado que esta distin o n o distin o nenhuma mas pelo contr rio que o fundamento constitu do exactamente do mesmo modo que a lei A ocorr ncia isolada de um rel mpago por exemplo compreendida como universal e este universal enunciado como a lei da electricidade a explica o re ne pois a lei na for a enquanto ess ncia da lei Esta for a ent o constitu da de tal modo que ao exteriorizar se surgem electricidades opostas que desaparecem de novo umas nas outras OU seja a for a constitu da exactamente do mesmo modo que a lei A solu o do entendimento consiste em tomar a necessidade f ctica da lei pela exterioriza o necess ria de uma for a ou de um fundamento essencial A lei tem esta configura o espec fica porque corresponde t o s tradu o de uma mesma for a essencial mas a for a por seu turno n o outra coisa sen o a necessidade desse modo de manifesta o Assim por exemplo a raz o pela qual a corrente el ctrica se divide em cargas opostas nada menos que a circunst ncia de sofrer a ac o de uma for a que se caracteriza justamente por provocar essa divis o Por outras palavras a corrente el ctrica divide se em cargas opostas porque se divide em cargas opostas A equipara o da for a lei conduz a uma tautologia que nada 1 Hegel 1807 121 Tradu o nossa Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Cent
7. o apenas em si mas tamb m para a consci ncia 5 Cf Leibniz 1663 89 224 Hegel 1807 111 Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito Mas a descoberta da for a enquanto mero conceito n o p e fim dualidade sujeito objecto O entendimento ao conceptualizar a evanesc ncia absoluta da realidade p e diante de si o oposto desse conceito isto um para l correspondente realidade enquanto pura actualidade Este para l formal ou negativo porque serve de suporte ou de base ao entendimento com efeito n o acontece que a verdadeira ess ncia das coisas ou o seu interior no dizer de Hegel surja como uma alternativa ao conceito de for a a que a consci ncia n o consegue chegar O interior das coisas das Innere der Dinge aquilo mesmo que o entendimento justamente porque n o tem qualquer not cia do que isso possa ser procura traduzir atrav s do conceito de for a Contudo quando se fala de um interior ou de um em si independente oposto ao territ rio da apar ncia tende a pensar se o problema como a contraposi o de duas realidades qualitativamente diferentes mas semelhantes quanto ao seu estatuto a ser assim a apar ncia corresponderia ao elemento em que se move o ponto de vista incapaz de conhecer a realidade tal como enquanto que o interior das coisa
8. ou de um movimento determinado n o faz sen o proclamar o conte do gen rico de todas as leis Trata se de uma lei que se aplica igualmente a todas as coisas e justamente por n o deixar absolutamente nada de fora do seu mbito de aplica o corresponde a um predicado t o universal quanto a ess ncia ou a exist ncia Como todas as leis universais a lei da gravita o n o tem qualquer poder determinativo e limita se a afirmar de modo abstracto que todas as coisas s o conformes a uma lei Ora como observa Hegel se levarmos at ao limite a unidade desta lei universal aquilo que se nos depara a supera o da pr pria lei enquanto tal e o advento de um puro conceito Atente se no exemplo da gravidade enquanto que a lei da gravita o estabelece uma rela o entre termos distintos o espa o e o tempo o corpo que atrai e o corpo que atra do etc a gravita o universal enquanto puro conceito limita se a afirmar a necessidade dessa rela o transcendendo as diferen as particulares dos termos em rela o A unifica o dessas diferen as a necessidade interior da lei ou a lei anterior sua tradu o no territ rio da fenomenalidade A dial ctica que vai estabelecer se at ao final do cap tulo vai centrar se pois na oposi o entre a lei no primeiro sentido e a lei enquanto conceito absolutamente unit rio a que Hegel chamar novamente for a por Kairos Journal of Philosophy amp Science 7
9. pois no sujeito ou no objecto mas na rela o entre os dois A ltima tentativa de manuten o do modelo olha ambos os termos como essenciais e procura reconhecer a singularidade visada na rela o entre eles se o sujeito e o objecto quando considerados isoladamente v m a descobrir se como operadores universais a fuga da singularidade deve residir no pr prio acto de isol los e consider los separadamente Para corrigir este desvio o ponto de vista deve manter se focado sobre os dois em simult neo um eu este eu considerando um aqui e um agora este aqui e este agora e impedindo que qualquer alteridade venha desfazer a imediatez desse olhar Mas ainda isto se revela insustent vel j que essa focagem pressup e sempre o acto de indicar Aufzeigen isto de nomear a realidade visada e torn la presente consci ncia Ora visto que este processo n o est tico mas din mico ou dial ctico a universalidade est sempre j presente e n o pode ser anulada N o apenas o sujeito ou o objecto mas toda a rela o assenta sobre elementos definidos de modo negativo isto que s o sempre j outros em rela o a si mesmos A singularidade visada pela consci ncia n o pertence pois certeza sens vel Mas esse Meinen perdura e carece de desformaliza o Segundo Hegel ele que leva a consci ncia a abandonar o modelo sens vel e a dar se conta de que a certeza imediata de que se julgava portadora afinal pe
10. prio suporte de realidade dos corpos materiais A diferen a entre a for a actuante active ou ge u ert e a for a est tica passive ou in sich zuriickgedr ngte apenas uma diferen a de express o uma for a que determina o Cf por ex Leibniz 1663 89 229 ou 1690 1703 66 67 Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 67 68 Bernardo Enes Dias movimento vis vel dos corpos mas tamb m uma for a que assegura a sua coes o interna O que a Din mica leibniziana vem mostrar que a for a n o uma inst ncia segunda acrescentada a um substrato material est tico A for a pelo contr rio o termo primeiro de toda a realidade e a configura o adoptada a cada momento pelos corpos materiais a express o de um jogo de for as sempre j constitu do Come a a prefigurar se pela primeira vez a fal ncia definitiva do modelo da identidade simples O abandono da gram tica da subst ncia implica como j acontecia em Leibniz com os conceitos de entrexpression e entremp chement a tradu o da oposi o identidade alteridade num jogo de for as din mico em que n o existem j extremos fixos mas apenas graus diferentes de interfer ncia rec proca As for as n o s o detentoras de uma identidade estanque que se alterasse continuamente no curso da rela o mas que permanecesse a cada momento igual a s
11. um infinitesimal n o corresponde a um nada absoluto mas a um limite assimpt tico tamb m a contradi o que op e 15 Hegel 1807 129 16 Chiereghin 1994 84 A este respeito o autor aconselha o trabalho de A Moretto Hegel e la matematica dell infinito Trento 1984 Cf tamb m F X Miranda La interpretaci n del calculo infinitesimal en el sistema de Hegel Pamplona EUNSA 2008 Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 83 84 Bernardo Enes Dias a identidade e a alteridade representa um limite din mico e irresol vel a contradi o n o consiste no facto de o igual ser tamb m desigual de a diferen a ser posta e tamb m retirada mas sim no interior do tamb m onde acontece a pura permuta da dissolu o dos opostos um no outro TT Ao focar a pr pria contradi o Hegel procura surpreender o momento exacto em que uma determina o apesar de ser ainda si mesma j ao mesmo tempo um outro O si mesmo e o outro n o subsistem lado a lado mas tamb m n o se anulam definitivamente perdendo a sua determina o A infinitude n o outra coisa sen o a subida a um trap zio de instabilidade absoluta em que as determina es se criam e se destroem sem cessar alimentando desse modo a vida da consci ncia Ora esta vida justamente o oposto da morte que Hegel imputar no Pref cio matem tica e a todas as formas de pensamen
12. 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito representar uma assimila o total da diferen a O desencontro entre o interior das coisas e o mundo da apar ncia que o entendimento n o conseguiu eliminar volve se agora no desencontro entre a for a e a lei cuja supera o vai depender n o j de um movimento unilateral que fora tentado sem xito nas etapas objectiva e subjectiva da argumenta o mas de uma reuni o dial ctica dos dois termos em oposi o e da consequente descoberta da realidade como conceito absoluto ou como Unendlichkeit Como vimos a descoberta do car cter integralmente legislado da realidade expressa por meio de uma lei da for a ou de uma lei da fenomenalidade n o conseguira eliminar completamente a conting ncia enraizada no mundo fenomenal Segundo Hegel este n cleo de conting ncia manifesta se ainda de dois modos distintos Em primeiro lugar atrav s do desencontro entre for a e lei no caso da gravita o universal por exemplo o conceito ou a necessidade interna da lei correspondem t o s for a simples gravidade mas a lei da gravidade afirma que no movimento de qualquer corpo a dist ncia percorrida igual ao produto entre o quadrado do intervalo de tempo decorrido e um factor de pondera o constante De igual modo enquanto que a electricidade corresponde a uma for a simples a
13. De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito Bernardo Enes Dias LIF Universidade de Coimbra bernardoenesdiasO gmail com De modo muito gen rico poder se ia caracterizar a primeira grande sec o da Fenomenologia do Esp rito relativa consci ncia em geral e aos modelos sucessivos da certeza sens vel da percep o e do entendimento como um conjunto de varia es sobre um mesmo tema central a convic o gen rica de que existe um objecto exterior consci ncia isto um objecto independente da consci ncia que se tem dele Mas se o ponto de vista comum tende a reconhecer sem dificuldade esta independ ncia um olhar mais atento para a estrutura da objectividade n o tarda a p r a nu o seu car cter problem tico Ao procurar definir o seu objecto a consci ncia d se conta de que a realidade que julgava imediata e independente n o uma coisa nem outra em lugar de estar a imediatamente para a consci ncia que o pensa o objecto est sempre j implicado numa rela o dial ctica com o sujeito que o p e A sua identidade n o simples mas mediada e a sua objectividade est desde o in cio tingida de subjectividade O objecto da certeza sens vel o puramente imediato a realidade sens vel em estado bruto anterior a qualquer distin o categorial Isto significa pois que o pr prio acto de conhecer n o representa sen o uma pura apreens o A consci ncia a ex
14. a No terceiro cap tulo da Fenomenologia Hegel parece reportar se embora de modo inexpl cito a um momento particular da hist ria do pensamento filos fico e cient fico Com efeito o abandono do modelo perceptivo e a descoberta da no o de for a equivalem no plano hist rico ao abandono do dualismo cartesiano e ao advento das din micas de Newton e sobretudo de Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito Leibniz Enquanto que a f sica cartesiana assentava ainda sobre um entendimento at mico da realidade concebendo a mat ria como um mero agregado cujas partes se definem t o s pela sua figura e pela sua extens o a f sica leibniziana procurar mostrar que a realidade da mat ria n o depende da sua extens o e que a unidade e o movimento verdadeiros s podem ser explicados atrav s do recurso no o de for a Para Leibniz a extens o e a figura s o inst ncias puramente relativas incapazes de assegurar os fen menos da identidade ou da alteridade Uma pura res extensa isenta de unidade formal n o seria nada mais do que uma multiplicidade absolutamente indefinida de pontos materiais Para pensar a realidade h pois que pensar uma unidade que transcenda o plano da espacialidade e assegure a identidade real da mat ria O que est em causa n o j um conjunto de
15. a amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 73 74 Bernardo Enes Dias acontecera com os modelos da coisa e da for a a dial ctica que op e estes dois momentos nasce de uma contradi o presente na pr pria arquitectura da no o de lei Enquanto que s uma lei universal capaz de p r cobro conting ncia e assegurar a unidade do mundo fenomenal essa universalidade de tal modo abrangente que nada determina em rela o natureza dos fen menos uma lei total que se limita a assinalar a circunst ncia de toda a realidade ser conforme com uma lei Mas por outro lado ao querer aproximar se dos fen menos e traduzir a sua natureza espec fica a lei converte se numa multiplicidade contingente de leis particulares cuja sucess o determinada pelas circunst ncias arbitr rias da pr pria fenomenalidade A contradi o nasce como j acontecera no modelo coisal da oposi o entre amplitude e determina o quanto mais abrangente a lei menos determinado o seu conte do e vice versa A lei que rege a queda de um corpo e a lei que rege o movimento dos astros podem ser reunidas numa nica lei a lei da gravita o universal mas esta lei nica n o expressa na verdade nem uma nem outra mas apenas a pr pria legalidade enquanto tal A lei da gravita o universal ao manter se num plano globalmente abrangente e recusar a caracteriza o de uma realidade particular
16. a diferen a entre dois p los independentes e repetir se ia o jogo dial ctico que levara destrui o das figuras engendradas anteriormente pelo entendimento a oposi o entre o mundo can nico e o mundo invertido seria apenas uma recapitula o da oposi o entre o mundo das leis e o mundo fenomenal ou entre um interior e um exterior das coisas ou ainda entre um mundo em si e um mundo para a consci ncia Mas a descoberta de uma lei universal da diferen a n o permite j este tipo de leitura visto que implica justamente a destrui o definitiva de toda a polaridade Ao dar se conta do movimento necess rio e ub quo que leva a igualdade a converter se em diferen a e vice versa o que a consci ncia descobre nada menos que a anula o da diferen a entre a interioridade e a exterioridade ou entre o mundo pensado e o mundo fenomenal A fenomenalidade n o nada em si mesma mas apenas o reflexo de uma lei universal que leva a que todas as coisas ao serem aquilo que s o sejam simultaneamente o contr rio de si mesmas luz desta descoberta o Verkehren de que este novo mundo imagem n o pode reduzir se a uma invers o objectiva ou conteudal O essencial da no o de verkehrte Welt n o a oposi o entre dois conte dos antit ticos mas entre dois regimes de sentido radicalmente diferentes Por isso e aqui sobretudo que nos parece residir a ambiguidade este mundo invertido n o pode ser pensado com
17. a rela o em permanente actualiza o do tr nsito permanente que resulta da oposi o para si para outro que est como que engastada no cora o das coisas A singularidade visada no modelo da certeza sens vel foi suprimida e preservada sob a forma de uma universalidade mas esta universalidade era Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito ainda uma universalidade condicionada Com o advento da percep o a contradi o do modelo sens vel n o foi verdadeiramente removida mas apenas transferida para o plano colectivo da coisa e das suas propriedades A universalidade perceptiva veio opor se ideia de singularidade mas continuara a bra os com o problema da determinidade a coisa universal e ao mesmo tempo determinada una e ao mesmo tempo m ltipla A sua universalidade conserva pois uma oposi o que s pode ser superada se os dois termos em oposi o em lugar de permanecerem lado a lado se assimilarem e forem reconhecidos enfim como dois modos de express o do mesmo fen meno Para que isso aconte a por m preciso reformular a pr pria estrutura da apresenta o comum a verdade da percep o n o um de dois extremos nem t o pouco os dois em simult neo j que a sua conviv ncia como se viu invi vel a verdade da percep o o pr prio tr
18. ado Mas enquanto reflexo do entendimento a fenomenalidade a lei por meio da qual tudo o que h se converte de imediato em algo de diferente em obedi ncia a um tr nsito original que corresponde ao modo de ser necess rio de toda a realidade Esta viragem implica tamb m uma altera o fundamental de modalidade A descoberta da implica o universal de todas as for as comporta a nega o definitiva da diferen a enquanto algo de ocasional ou de ocasionado A diferen a n o j algo que ocorre de modo contingente mas a pr pria lei que faz da realidade aquilo que Do mesmo modo n o acontece j que a fenomenalidade exista por direito pr prio como uma pura conting ncia ou como um acontecer cego que cont m em si a sua pr pria raz o de ser e que o entendimento procura com maior ou menor xito ordenar e confinar a determinadas regras acontece antes que a realidade o reflexo ou a express o de uma lei universal e que essa lei o fundamento a partir do qual toda a realidade reconhecida como tal De facto Hegel n o se limita a afirmar que a realidade fenomenal embora pare a por vezes casu stica ou incompreens vel obedece na verdade a um manual de instru es global O que aqui est em causa tal como em Leibniz a verifica o de que a realidade fenomenal s aquilo que enquanto express o de uma lei universal a lei que fornece Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Cen
19. ca porque entende a identidade de modo estanque como o lugar de desaparecimento de toda a diferen a Para Hegel e para a consci ncia natural de que a Fenomenologia tra a o percurso evolutivo a contradi o entre a universalidade da for a e a diversidade fenomenal das diferentes leis s pode ser resolvida se a diferen a superficial do processo de explica o se converter numa diferen a interna isto numa diferen a que n o se limite j a afirmar a heterogeneidade de identidades diversas mantendo a sua autonomia mas que se instale no interior da pr pria identidade individual Ao inv s de um movimento exterior que assegure a necessidade da rela o entre as leis ou entre os seus componentes internos o que a argumenta o procurar revelar uma diferen a necess ria interna pr pria estrutura da lei que a leva a cada momento a reconhecer se como o outro de si mesma Eis o principal ponto de viragem do cap tulo cuja articula o argumentativa procuraremos acompanhar agora em maior detalhe UL Diferen a interna e Infinitude A Erkl rung engendrada pela consci ncia para salvaguardar a unidade do entendimento face conting ncia do mundo fenomenal n o mais do que uma tautologia Mas esta tautologia tal como Hegel p e em evid ncia n o corresponde j a uma igualdade est tica certo que ao equiparar a lei for a o entendimento toma a seu cargo um movimento que n o pertence lei ou
20. de que modo a diferen a pode surgir da unidade qual a sua origem ou o seu comutador A diferen a fora sempre encarada como algo de derivado por oposi o simplicidade primeira da Sebistgleichheit Mas a descoberta de que a diferen a corresponde a uma inst ncia original atr s da qual n o poss vel recuar vem mostrar que a pr pria unidade anteriormente considerada era apenas uma abstrac o De acordo com o mecanismo de desconfinamento do ponto de vista que orienta 14 Hegel 1807 126 Tradu o nossa Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito e orientar at ao seu termo a ascens o fenomenol gica a descoberta de uma diferen a interna corresponde descoberta do car cter mediado de uma realidade tomada erroneamente por imediata Aquilo que se supunha ser id ntico a si mesmo e afectado a posteriori por diferen a na verdade um dos extremos de uma oposi o Por isso a pura unidade ou o v de Parm nides n o outra coisa sen o o isolamento distra do de um dos termos de uma oposi o sempre j posta e imposs vel de suspender Aquilo para que Hegel procura chamar a aten o no fim de contas o facto de a Selbtsgleichheit constituir sempre o resultado de um processo Tudo o que igual a si mesmo o porque se tornou igual a si mesmo atrav s da supr
21. do Esp rito 1968 Gesammelte Werke ed Nordrhein Westf lische Akademie der Wissenschaften Hamburg Felix Meiner Verlag Koj ve A 1933 39 ntroduction la lecture de Hegel Ed Paris Gallimard 2011 Hyppolite J 1947 Structure et G n se de la Ph nom nologie de l Esprit Aubier Montaigne Labarri re P J 1979 La ph nom nologie de l esprit de Hegel Introduction une lecture de la ph nom nologie de l esprit Paris Aubier Montaigne Scheier C A 1980 Analytischer Kommentar zu Hegels Ph nomenologie des Geistes Die Architektonik des erscheinenden Wissens Freiburg M nchen Alber Moretto A 1984 Filosofia della matematica e della mecanica nel sistema hegeliano Trento Il Poligrafo coll Percorsi Belaval Y 1993 Etudes leibniziennes de Leibniz Hegel Paris Gallimard Chiereghin F 1994 La Fenomenologia dello Spirito Introduzione alla Lettura Roma Carocci Trad port A Fenomenologia do Esp rito de Hegel Lisboa Edi es 70 1998 Schlemm A 2005 Wie wirklich sind Naturgesetze Auf Grundlage einer an Hegel orienterten Wissenschaftsphilosophie M nster Lit Verlag Vieweg K Et al 2008 Hegels Ph nomenologie des Geistes ein kooperativer Kommentar zu einem Schl sselwerk der Moderne Frankfurt am Main Suhrkamp Alonso A et al 2009 Figuraciones contempor neas de lo absoluto Bicentenario de la Fenomenologia del esp ritu de Hegel Valencia PUV Kair
22. e qui est tr s intelligible quoiqu elle soit du ressort de la M taphysique Embora a f sica cartesiana n o consiga explicar de modo exacto a natureza dos fen menos o seu olhar corresponde por assim dizer a uma complexifica o do ponto de vista natural o seu vocabul rio ainda o da subst ncia e da oposi o movimento repouso A for a e o dinamismo leibnizianos pelo contr rio introduzem um modo de ver que n o corresponde j a nenhum desenvolvimento emp rico mas a um olhar que pensa a finalidade antes da efici ncia e antep e um fundamento metaf sico conting ncia dos fen menos naturais Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 65 66 Bernardo Enes Dias surgimento representa apenas o avesso do modelo perceptivo Visto que se trata de um conte do objectivo ela carece ainda de determina o Ora esta determina o n o pode ser feita ao modo das coisas isto atrav s do isolamento daquilo que a universalidade em si mesma A identidade e a alteridade residem nela uno tempore e o seu entrosamento absoluto que assegura o car cter incondicional da universalidade A sua identidade uma identidade suprimida que atira imediatamente para a alteridade absoluta das suas propriedades e do mesmo modo a multiplicidade dessas propriedades resolve se de imediato na unidade que as cont m O novo objecto da consci ncia pois
23. e si mesmo ele ele pr prio e o seu oposto numa unidade S deste modo a diferen a diferen a interior ou diferen a em si mesma ou infinitude Pela primeira vez em toda sucess o de figuras da consci ncia a instabilidade intr nseca da oposi o identidade alteridade deixou de poder ser decomposta num objecto determinado Ao descobrir a diferen a como diferen a interna ou como lei a consci ncia d se enfim conta da fal ncia absoluta do modelo de identidades simples Enquanto que nos est dios anteriores sob m ltiplas formas a diferen a era ainda entendida como um resultado isto como o desencontro resultante do confronto entre unidades simples e iguais a si mesmas que no seu conjunto davam origem a um mosaico de diferen as o que agora se descobre que essas unidades simples pura e simplesmente n o existem ou dito de outro modo que a sua diferen a n o externa mas interna ela a mat ria prima de que feito o tecido da fenomenalidade e por isso para onde quer que se olhe imposs vel n o surpreender j o tr nsito eterno e necess rio mediante o qual a identidade se converte em diferen a e esta por seu turno regressa novamente identidade A descoberta de uma diferen a interna representa pois uma invers o radical do modelo de reconhecimento da realidade que orientara todas as figuras anteriores da consci ncia Nos est dios anteriores o problema consistira sempre em saber
24. em tico aspira a um conhecimento da igualdade que exclui de si mesmo toda a diferen a e afirma algo como uma identidade absoluta ou uma reine Selbstgleichheit De modo an logo o processo de explica o consiste apenas no isolamento espec fico de um dos infinitos desenvolvimentos poss veis do princ pio de identidade Ao procurar explicar os fen menos f sicos o entendimento p e em confronto duas proposi es que decorrem de um mesmo fundamento tautol gico mas que correspondem a diferentes graus de complexifica o desse fundamento em lugar de se afirmar por exemplo que 2 2 afirma se que 2 1 1 ou para retomar o exemplo acima utilizado em vez de se afirmar que a electricidade igual a si mesma afirma se que a electricidade a divis o entre positividade e negatividade divis o que por seu turno n o outra coisa sen o electricidade Ora o que Hegel procura mostrar que nenhuma destas afirma es afirma o que quer que seja acerca dos fen menos em causa e que o seu conte do explicativo exactamente o mesmo da tautologia simples A A A explica o est condenada a esta 11 cf a discuss o do Pref cio acerca das diferen as entre conhecimento matem tico e filos fico em particular Hegel 1807 40 41 Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito remiss o tautol gi
25. ess o da cis o que era desde sempre parte da sua natureza De igual modo onde a igualdade se volve diferen a o que tem lugar um nova supress o uma supress o da supress o inicial mediante a qual a unidade isolada volta a cindir se e a diferen a suprimida se converte em diferen a aparente Face descoberta deste movimento infinito de cis es e unifica es ou para retomar a express o de Hegel desta inquietude absoluta do puro mover se a si mesmo a consci ncia descobre pela primeira vez que a diferen a que serve de base a toda a realidade n o j uma diferen a qualquer mas uma diferen a absoluta ou uma pura contradi o Enquanto que o mundo das leis procurava legislar ou por assim dizer regularizar o devir do mundo fenomenal o mundo invertido que agora se descobre ao fundir em si mesmo essa regularidade e o seu oposto institui uma lei da diferen a total S ao percorrer a totalidade do espectro da diferen a elevando a a pura contradi o este mundo logra desfazer enfim as oposi es intelectuais entre um f r sich e um f r anderes ou entre um interior e um exterior das coisas Sob a ac o desta lei universal cada determina o ao ser posta precipita se irresistivelmente rumo sua pr pria destrui o Como nota F Chiereghin a no o hegeliana de Unendlichkeit pode ser aproximada da no o de infinito tal como considerada no c lculo infinitesimal Da mesma forma que
26. i mesma O que aqui est em causa pelo contr rio um modelo de identidade na alteridade ou seja a descoberta de uma identidade puramente puramente expressiva A identidade de cada for a expressa por uma outra for a e a identidade dessa for a por seu turno expressa fora de si O ser de cada for a n o na verdade algo de essencial mas um puro ser posto atrav s de outro ein reines Gesetzsein durch ein Anderes No entanto a compreens o deste entrosamento absoluto resulta na perda de realidade da for a e na descoberta de um puro desaparecer Verschwinden Uma vez que as for as n o existem j enquanto extremos fixos de um movimento de transi o n o existe nelas nada que possa manter ou assegurar a sua identidade a sua ess ncia consiste antes pura e simplesmente na circunst ncia de cada uma ser apenas atrav s da outra e assim aquilo que cada uma deixa de s lo imediatamente uma vez que o outro de si mesmaj gt Face pura actualiza o da for a o que resta apenas o seu conceito n o j um conceito por actualizar mas o conceito que se descobre enfim como conceito Begriff als Begriff Confrontada com o desaparecimento da for a o que a consci ncia ret m um puro pensamento o pensamento da universalidade que constitu ra inicialmente o seu objecto e que se revela agora o seu conceito Recorrendo formula o de Hegel a universalidade incondicionada agora n
27. istir de modo aut nomo constitui apenas um filtro de absoluta transpar ncia que se limita a registar a riqueza e a concretude infinitas do mundo sens vel Mas esta riqueza e esta concretude quando consideradas atentamente depressa se convertem em pobreza e abstrac o O hic et nunc imediato vem a revelar se afinal a tradu o Cf Hegel 1807 79 Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 61 85 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 61 62 Bernardo Enes Dias necessariamente universal de um Meinen singular Ao compreender que o isto o aqui e o agora correspondem a operadores indiferenciados suscept veis de traduzir toda e qualquer realidade a consci ncia descobre que a singularidade reside afinal em si mesma O modelo conservado mas transferido para um plano subjectivo a pr pria consci ncia a portadora da singularidade que reconhecera erroneamente no objecto s para ela que um objecto este objecto e n o qualquer outro e que o agora este instante temporal e n o qualquer outro No entanto esse eu que se mant m e assegura alegadamente a singularidade do mundo exterior acaba por revelar se tamb m ele universal e indiferenciado Cada eu sempre um eu que x um operador abstracto que se define a cada momento pela sua rela o com uma infinidade de outros operadores abstractos A verdade dessa singularidade visada die gemeinte Einzelheit n o reside
28. lei da electricidade estipula a atrac o entre um campo el ctrico positivo e um campo el ctrico negativo Contudo em ambos os casos a lei n o decorre necessariamente da for a mas representa antes um mero atributo desta por isso se diz habitualmente que a lei da gravita o tem a propriedade de se expressar deste modo ou que o modo de ser da electricidade a divis o entre positividade e negatividade E embora chegue a afirmar se por vezes que a gravidade ou a electricidade s o necessariamente rela es desta natureza a necessidade aqui em causa um termo vazio pois n o se avista a implica o l gica que vincularia estas for as a este modo de ser e n o a outro qualquer O problema pode ser reconduzido oposi o leibniziana entre necessidade l gica e necessidade hipot tica ou entre finalidade e efici ncia O primeiro tipo de necessidade aquele de que se faz uso ao afirmar se por exemplo que a soma dos ngulos internos de um tri ngulo necessariamente igual a dois ngulos rectos ou que num tri ngulo rect ngulo o quadrado da hipotenusa necessariamente igual soma do quadrado dos catetos Nestas duas situa es o v nculo necessitante corresponde t o s afirma o expl cita de uma propriedade implicitamente A constante gravitacional g Hegel alude c lebre f rmula enunciada Galileu relativa ao movimento uniformemente acelerado de queda de um corpo d 1 29 Kairos
29. nsito dial ctico entre os dois isto o movimento eterno e instant neo por meio do qual uma coisa ao mesmo tempo e do mesmo modo outra em rela o a si mesma S a consci ncia desta uni o faz emergir a verdadeira universalidade a universalidade incondicionada livre de qualquer distin o ou determina o O entendimento representa pois a primeira tentativa de constitui o de um olhar verdadeiramente cient fico isto a primeira proposta concreta de supera o da inconsist ncia inerente ao ponto de vista emp rico Est pela primeira em causa a adop o de um modelo de apresenta o artificial que rejeita o modo normal de olhar a realidade para suprir as contradi es de que ele padece Mas a universalidade incondicionada aquando do seu R Unbedingte Allgemeinheit ou apenas das Unbedingte O alem o joga com a raiz ding e com a sua nega o o universal condicionado a nega o do modelo das coisas Por isso a no o leibniziana de for a que serve de ponto de partida ao modelo hegeliano do entendimento apresentada pelo pr prio Leibniz como uma no o eminentemente metaf sica Cf por ex 1690 1703 66 ayant t ch de d approfondir les principes m mes de la M canique pour rendre raison des lois de la nature que l exp rience faisait conna tre je m aper us que la seule consid ration d une masse tendue ne suffisait pas et qu il fallait employer encore la notion de forc
30. o algo de independente existindo em oposi o ao mundo das leis mas antes como uma inst ncia omniebglobante que abrange tamb m o mundo can nico e o assimila Embora Hegel isole este novo mundo e o destaque do mundo precedente importante frisar que n o se trata simplesmente de um outro mundo que se op e ao primeiro e 13 Para uma discuss o mais detalhada deste passo cf H G Gadamer Die verkehrte Welt Hegel Tage Royaumont 1964 135 54 J C Flay Hegel s Inverted World Review of Metaphysics 23 1970 662 678 M Moneti Hegel e il Mondo alla Rovescia Una figura della Fenomenologia dello Spirito Floren a 1986 Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 81 82 Bernardo Enes Dias toma o seu lugar O que est aqui em jogo n o a substitui o de uma identidade simples por outra mas a substitui o do pr prio regime da identidade simples por um regime de diferen a interna O mundo invertido n o apenas um mundo novo mas o mundo antigo e ao mesmo tempo o seu contr rio a identidade e o seu oposto numa mesma unidade absoluta e absolutamente contradit ria H que pensar a pura mudan a ou a oposi o em si mesma ou a contradi o O mundo supra sens vel que o mundo invertido assimilou assim ao mesmo tempo o outro mundo e passou a cont lo em si mesmo ele para si mesmo o mundo invertido isto o inverso d
31. o pr prio movimento de transi o entre a identidade e a alteridade expresso pela no o de for a I For a e Express o Na Fenomenologia do Esp rito a descoberta da no o de for a implica a supress o da oposi o pensada pela consci ncia e a posi o de algo como um movimento absoluto isento de p los ou limites formais Mas tal como havia acontecido no modelo perceptivo essa oposi o est como que engastada na no o de for a e n o pode ser suprimida sem que esta perca o seu sentido O impasse dial ctico que conduzira ao colapso do modelo perceptivo retomado agora a um outro n vel por um lado o movimento por meio do qual a for a perde a sua unidade e se dispersa no meio inclusivo das suas propriedades a express o ou exterioriza o da for a por outro o movimento sim trico por meio do qual essa pluralidade reconduzida unidade a for a propriamente dita ou a for a recolhida sobre si mesma Simplesmente ao contr rio do modelo perceptivo a rela o entre os dois p los din mica o que significa que o movimento de posi o de um deles implica dialecticamente o movimento da sua supress o a express o sempre express o de uma for a e inversamente a for a s existe porquanto pode expressar se a si mesma Por isso a exterioriza o absoluta e o recolhimento absoluto conduzem ambos destrui o da for a o primeiro corresponde a uma pura alteridade e o segundo a uma tautologi
32. onte do desvio perceptivo ela prop e se corrigilo e restabelecer o equil brio do modelo Esta correc o comporta dois momentos distintos e igualmente v os Em primeiro lugar a consci ncia aceita a unidade absolutamente exclusiva da coisa e reconhece se como portadora da multiplicidade das suas Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 63 64 Bernardo Enes Dias propriedades o gr o de sal s branco aos nossos olhos e salgado ao nosso paladar etc a multiplicidade dos sentidos que decomp e a unidade da coisa e a reconhece ilusoriamente como uma multiplicidade Mas esta hip tese desmentida mediante a verifica o de que essa unidade implica em si mesma determina o e logo multiplicidade As categorias branco salgado c bico etc s podem pertencer a uma coisa na medida em que esta se op e a outras isto na medida em que a sua identidade se op e alteridade alheia Confrontada com esta evid ncia a consci ncia inverte a sua posi o inicial aceita a multiplicidade intr nseca da coisa e reconhece se como portadora da sua unidade o gr o de sal branco e salgado e c bico simplesmente na medida em que branco n o salgado e na medida em que salgado n o c bico a pr pria consci ncia que para evitar a contradi o isola cada uma das propriedades e a faz subsistir de modo independente
33. os Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 85
34. por assim dizer face a um abismo de pura negatividade a an lise hegeliana procurar mostrar que esse abismo corresponde t o s incapacidade da consci ncia em reconhecer se como fautora desse para l negativo ou no dizer do pr prio Hegel a incapacidade de reconhecer que esse F r sich sein aut nomo afinal o seu pr prio ser para si sein eigenes Fiir sich sein Sigamos atentamente o desenrolar da argumenta o hegeliana o interior das coisas ou o mundo supra sens vel que emerge da descoberta do car cter integralmente fenomenal da realidade apresenta se consci ncia como um limite puramente negativo Um vez que representa apenas o avesso ou a nulidade da apar ncia das Nichts der Erscheinung o mundo interior um mundo vazio Mas esta vacuidade n o resulta de uma limita o estrutural da consci ncia que a impedisse devido ao modo como est constitu da de avistar esse Jenseits de outro modo que n o a pura negatividade Esta vacuidade resulta t o s do modo como o problema considerado pelo sujeito do entendimento certo que o interior das coisas na sua imediatez n o pode corresponder a nada mais do que uma pura inc gnita j que a sua condi o de puro al m implica justamente a aboli o de toda a realidade objectiva f cil de ver al m disso que qualquer tentativa de preencher este territ rio limite mesmo ao modo de um Heiliges et reo ou on rico redunda necessariamen
35. r realidade possa ser vivida como tal O manique smo que Kant e Hegel se esfor am por combater o mesmo que aflora involuntariamente em toda a exegese plat nica que vinca a separa o de um mundo concreto ou terreno e um mundo de Ideias ou Formas puras refor ada por uma leitura imediata e algo simplista dos mitos escatol gicos que povoam o corpus platonicum Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito negativo que visa algo de positivo que n o est em condi es de representar II O Mundo das Leis Tanto Kant como Hegel e antes deles toda a tradi o plat nica d o por adquirida uma mesma convic o fundamental se existe um para l do ponto de vista comum ele n o pode ser pensado como mais um dos conte dos a que esse ponto de vista tem acesso Para que se possa apreender a radicalidade dessa inst ncia limite preciso reconhecer em primeiro lugar o car cter globalmente aparente do mundo em que o ponto de vista habitualmente de move O n meno kantiano s conceb vel por oposi o ao car cter fenomenal da apresenta o comum a sua concep o emerge do reconhecimento da realidade comum como pura apar ncia e assinala um limite puramente negativo ou absolutamente heterog neo Mas enquanto que a an lise kantiana se det m neste ponto e se mant m
36. r exemplo a regra de um qualquer movimento no espa o e no tempo necess rio considerar a rela o entre a dist ncia percorrida e o intervalo de tempo decorrido De facto a lei n o outra coisa sen o a rela o necess ria entre estes dois factores No entanto se o movimento pensado como uma realidade simples e unit ria ou como a rela o enquanto tal a lei incapaz de expressar esta unidade em si mesma E isto porque a lei indica a rela o de um conjunto de factores que embora se relacionem necessariamente de determinado modo n o se relacionam necessariamente tout court ou dito de outro modo n o decorrem uns dos outros da mesma forma que o teorema de Pit goras decorre da no o de tri ngulo A cada dist ncia corresponde necessariamente uma determinada velocidade mas a rela o entre estas duas inst ncias acidental Enquanto que no caso da electricidade o problema residia unicamente no desencontro entre for a e lei j que na lei da electricidade a positividade e a negatividade decorriam logicamente uma da outra eram o reverso uma da outra no caso do movimento dos corpos o problema interno ao pr prio enunciado da lei A dist ncia pensada como algo de aut nomo que existe independentemente do tempo e o tempo pensado tamb m como algo em si mesmo anterior dist ncia de que Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon Unive
37. rcep o O regime de identidade simples ou de absoluta auto coincid ncia implicado no modelo da certeza sens vel cede o lugar a um regime de identidade por determina o Uma vez que o isto o aqui e o agora s o inst ncias universais a consci ncia n o pode conhec los imediatamente P como meros aioOruara O modelo at mico substitu do pelo modelo da Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito coisa e das suas propriedades a consci ncia e o seu objecto volvem se res cogitans e res extensa A consci ncia adopta ent o o modelo perceptivo de acordo com o mesmo esquema tri dico em primeiro lugar a coisa o seu objecto Ela cont m em si a universalidade resultante da nega o do hic et nunc singular ou seja algo como uma simplicidade feita de multiplicidade A coisa que a consci ncia adopta como objecto ao mesmo tempo simples na medida em que esta por oposi o a outras coisas e m ltipla porquanto composta de propriedades universais e indiferenciadas suscept veis de integrar a composi o de qualquer outra coisa Um gr o de sal simples e ao mesmo tempo branco c bico salgado etc Mas a contradi o reside justamente no confronto da unidade passiva das diferentes propriedades ou mat rias livres expressa por um Auch unitivo que as ag
38. ro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 77 78 Bernardo Enes Dias adianta acerca da necessidade de uma ou da outra Com efeito a ruse do processo de explica o consiste em afirmar a diferen a de duas inst ncias que n o s o verdadeiramente diferentes para poder em seguida afirmar a sua igualdade Trata se por assim dizer de uma reitera o disfar ada do princ pio de igualdade A cr tica de Hegel a este Erkl ren apesar da sua relativa brevidade retoma um dos temas mais significativos de todo o pensamento hegeliano O que aqui parece estar em causa nada menos que uma den ncia da defectividade intr nseca de todo o pensamento cient fico convencional assente numa estrutura de dedu o matem tica que n o consegue ir al m de uma mera remiss o igualdade Recorde se que no pref cio Fenomenologia Hegel denunciaria a imobilidade do conhecimento matem tico e a sua incapacidade de incorporar a diferen a interna que apan gio da vida e de todo o pensamento dial ctico O car cter est tico ou morto da matem tica e de todas a ci ncias ditas exactas que a adoptam como m todo decorre justamente de uma entroniza o ing nua do modelo da identidade simples os teoremas e as f rmulas matem ticas correspondem a desenvolvimentos internos de complexidade vari vel de uma mesma tautologia fundamental e todos podem ser reconduzidos idealmente ao princ pio da identidade O conhecimento mat
39. rsa Ao longo do cap tulo o jogo de for as a oposi o entre for a solicitada e for a solicitante e a diferen a entre lei e for a correspondiam a realidades fabricadas para tentar manter a identidade e a diferen a em campos isolados certo que cada uma destas inst ncias porquanto representava j uma supera o do modelo coisal se caracterizava por um entrosamento total ou por um movimento incessante de permuta de determina es Mas este entrosamento era ainda o fluxo resultante do entrosamento de dois p los opostos A necessidade do movimento residia no objecto e nascia da peculiaridade crescente do seu modo de ser Agora pelo contr rio o que vem a descobrir se o pr prio movimento como lei universal isto como condi o necess ria para a posi o de toda e qualquer realidade O entendimento reconhece se a si mesmo ent o como a lei da apar ncia ou a lei da diferen a A lei por meio da qual todas as diferen as s o na verdade igualdades e todas as igualdades s o na verdade diferen as Aquilo que igual a si mesmo por via dessa mesma igualdade repele se a si mesmo e aquilo que diferente de si mesmo atrai se irresistivelmente e converte se em igualdade Esta lei universal afirma pois exactamente o oposto daquilo a que anteriormente se chamara lei Enquanto que a primeira lei afirmava a const ncia da diferen a ou uma perman ncia da n o perman ncia eine Best ndigkeit der Unbest ndigkei
40. rsity De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito medida A lei n o consegue pois libertar se do modelo at mico e a necessidade por ela afirmada mais uma vez uma falsa necessidade Face a estas dificuldades a cr tica de Hegel incide sobre aquilo a que chama o processo de explica o das Erkl ren mediante o qual o entendimento procura desfazer a contradi o entre a necessidade absoluta da for a e a necessidade acidental da lei ou entre a unidade da consci ncia e a diversidade do mundo fenomenal Esta contradi o subsiste como vimos porque a consci ncia n o se descobriu ainda como a autora integral da fenomenalidade Embora o mundo fenomenal seja um mundo globalmente legislado as pr prias leis cont m ainda n cleos de identidade simples que escapam ao movimento do entendimento e for am ainda a oposi o est tica entre identidade e alteridade A necessidade da for a pensada pela consci ncia ainda um movimento que vem como que agitar ou diluir uma estrutura r gida de identidades contingentes ela vem p r em rela o um conjunto de leis que permanecem diferentes umas das outras mas cuja diferen a n o ainda percebida como diferen a interna ou como infinitude Ora face a este desencontro o entendimento come a por igualar a lei e a for a por meio de uma tautologia Uma lei enunciada Com isso o seu universal em si ou o fundamento distinguido como
41. rupa sem comprometer a sua independ ncia e a unidade negativa ou exclusiva que faz de cada coisa uma coisa e mais ainda esta coisa cujo branco o seu branco e n o o branco em geral e cuja forma a sua forma e n o simplesmente uma mat ria universal etc Se a coisa verdadeiramente una a universalidade da suas propriedades n o pode subsistir e a sua variedade tende a anular se numa unidade tautol gica e absolutamente exclusiva mas por outro lado se a coisa m ltipla a sua identidade perde se reduzida a um agregado mais ou menos complexo de propriedades Ao momento objectivo do desenvolvimento segue se um momento subjectivo por meio do qual se tenta salvar a integridade do modelo No entanto ao contr rio do que sucedera na certeza sens vel a consci ncia n o interv m aqui como portadora da verdade do modelo mas justamente como portadora da sua n o verdade a consci ncia d se conta de que a sua capta o do objecto n o corresponde a um puro Wahrnehmen ou a um puro Nehmen des Wahres transparente e eficaz mas envolve um momento de reflex o sobre si mesma que torna opaca a sua apreens o A contradi o entre a universalidade e a singularidade n o pois inerente estrutura da coisa mas corresponde a um mero defeito de observa o Assim embora a verdade do modelo perten a ainda ao objecto o momento essencial da rela o agora a pr pria consci ncia ao reconhecer se a si mesma como a f
42. s se referiria pelo contr rio a uma realidade verdadeira aut noma e impoluta subsistindo algures no exterior do territ rio da apar ncia Ora este v cio de racioc nio o mesmo que presidia j a uma leitura simplista do projecto kantiano e que o pr prio Kant se esfor ara iteradamente por dissipar Ao chamar a aten o para a natureza integralmente fenomenal do ponto de vista comum Kant n o se limita a estabelecer uma distin o sim trica entre o reino da apar ncia a que o olhar humano est eternamente votado e um em si transcendente que n o consegue alcan ar Se assim fosse o problema esgotar se ia na verifica o de um desencontro que em ltima inst ncia nada teria de problem tico pois que nesse caso a realidade em si seria apenas outra realidade que n o esta e n o chegaria a comprometer o seu estatuto referencial Mas o que est em causa na an lises kantiana e hegeliana da fenomenalidade algo bastante mais complexo por um lado visto que o ponto de vista natural lida apenas com fen menos a realidade em si n o menos fenom nica do que tudo o resto a que tem acesso e s pode ser concebida a partir do territ rio da fenomenalidade mas por outro esse territ rio n o se constitui de tal modo que o ponto de vista que o habita seja indiferente ao estatuto da apresenta o a que tem acesso N o acontece com efeito que aquilo que lhe aparece se limite a aparecer lhe sem mais nada dizendo quanto ao
43. scoberta come a por ser apenas parcial O vazio correspondente ao reconhecimento imediato do interior das coisas foi preenchido pela descoberta de uma lei universal da diferen a que esvaziou por seu turno o territ rio da apar ncia Mas este processo de transfer ncia deixa subsistir ainda uma por o n o legislada do territ rio da apar ncia A vig ncia da lei n o ainda universal e os passos subsequentes do cap tulo Ill da Fenomenologia consistir o justamente em denunciar os aspectos de que a apar ncia reclama ainda a autoria como outros tantos modos de express o de uma mesma lei global A lei da fenomenalidade surge em primeiro lugar contraposta ao territ rio da fenomenalidade que persiste como realidade objectiva Embora as rela es de for as entre os dois territ rios se tenham invertido a lei ainda a imagem ou a c pia intelig vel do mundo dos fen menos Ela n o consegue assimilar completamente o plano da fenomenalidade porque deixa subsistir nesse plano um n cleo irredut vel de conting ncia Esse n cleo ou esse defeito de que n o consegue libertar se prende se com a ambiguidade da sua defini o a lei por um lado uma lei universal e por isso indeterminada a lei da fenomenalidade enquanto tal mas por outro ela espelha a variedade do mundo fenomenal e converte se numa pluralidade de leis determinadas as diferentes leis que regem o mundo f sico Tal como Kairos Revista de Filosofi
44. seu valor de verdade Toda a apresenta o implica a fixa o original de um estatuto de verdade ou de um An sich excessivo em rela o aos conte dos Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 69 70 Bernardo Enes Dias apresentados mas que tende a confundir se a cada momento com eles Por isso a apar ncia n o vivida como apar ncia ou como uma pura apresenta o mas sempre j como a apresenta o da pr pria realidade ou antes de uma vers o da realidade reconhecida como a pr pria realidade A cr tica de Kant procura chamar a aten o para a simultaneidade destes dois aspectos e para a impossibilidade de suspender um deles em favor do outro se certo que o n meno apenas um fen meno n o menos certo que se trata de um fen meno peculiar A fenomenalidade ainda que constitua uma totalidade fechada sobre si mesma est desde o in cio desequilibrada pela posi o formal do seu pr prio exterior ao modo de uma negative Erweiterung ou de um reines Jenseits Ora este desequil brio que permite distinguir entre realidade e apar ncia e ele que est na base da diferen a entre o olhar emp rico e o olhar cient fico Neste ponto a an lise de Hegel assemelha se de Kant com a diferen a fundamental de que o modo de ver do entendimento n o corresponde j nat rliche Denkart O sujeito do entendimento reconheceu o car
45. t e assegurava desse modo a unidade do mundo supra sens vel a segunda lei afirma a impossibilidade absoluta de qualquer perman ncia na diferen a Assim esta segunda lei d origem a um segundo mundo supra sens vel diametralmente oposto ao primeiro Este mundo invertido assimilou completamente a diferen a que o primeiro mundo votava ao territ rio da fenomenalidade e eliminou por fim a conting ncia que esse territ rio insistia em manter para si Neste segundo mundo tudo se passa ao contr rio do primeiro o que naquele mundo era igual a si mesmo neste mundo diferente de si mesmo 12 Cf Hegel 1807 123 Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito o que era positivo negativo o que era preto branco o que era honroso ignominioso etc Contudo importa tentar perceber mais exactamente o que est em causa na oposi o entre estes dois mundos tanto mais que a descri o de Hegel neste passo nos parece especialmente amb gua primeira vista poderia parecer que o mundo invertido vem opor se ao mundo das leis da mesma forma que o positivo vem opor se ao negativo ou que o preto vem opor se ao branco Se assim fosse os dois mundos corresponderiam a duas subst ncias opostas separadas uma da outra por um dispositivo especular Ora a ser assim ter amos novamente um
46. te numa nova 3 Hegel 1807 112 Kairos Revista de Filosofia amp Ci ncia 7 2013 Centro de Filosofia das Ci ncias da Universidade de Lisboa 71 72 Bernardo Enes Dias concess o ao mundo da apar ncia Mas se o interior das coisas n o significar nada mais do que este limite vazio e abstracto a consci ncia est condenada a uma contradi o insol vel por um lado ela reconhece o mundo da apar ncia como um mundo irreal mas por outro condenada a viver aquilo que lhe aparece como a pr pria realidade Ora a viragem proposta por Hegel consiste na verifica o de que esse al m que se op e apar ncia e que se sup e conter a sua verdade n o verdadeiramente um al m ou um negativo do movimento fenomenal mas a pr pria regra que p e a fenomenalidade enquanto tal Enquanto que inicialmente o mundo sens vel era o mundo real ainda que evanescente e o mundo supra sens vel um al m vazio e incognosc vel o que agora se descobre justamente o contr rio o mundo fenomenal n o outra coisa sen o o reflexo de uma lei da consci ncia a consci ncia a autora da lei que permite reconhecer a diferen a universal dos fen menos naturais e por isso ela a autora da fenomenalidade A vacuidade que antes se atribu ra ao interior das coisas agora transferida para o pr prio territ rio da fenomenalidade enquanto pura apar ncia a fenomenalidade mais do que um puro desaparecer insuscept vel de ser pens
47. ter for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia do Esp rito inteligibilidade ao mundo da apar ncia e ela que confere aos fen menos o estatuto de fen menos Assim por exemplo as leis do movimento dos corpos estabelecem rela es entre vari veis que consideradas isoladamente representam puras inc gnitas Ao mover se no tempo e no espa o um corpo descreve uma traject ria que pode ser fixada por meio de uma rela o quantific vel entre a dist ncia percorrida e o intervalo de tempo entretanto decorrido mas enquanto que a rela o se mant m a mesma permitindo agrupar os sucessivos estados de movimento do corpo num nico movimento discreto o tempo e o espa o variam continuamente Por isso Leibniz definira o tempo e o espa o como conte dos irreais isto puramente relacionais A heterogeneidade absoluta que op e os diferentes momentos do espa o e do tempo s pode ser compreendida atrav s da rela o que esses momentos estabelecem uns com os outros Mas essa rela o n o superveniente de tal modo que esses momentos existissem primeiro em si mesmos e s em seguida se relacionassem entre si Pelo contrario a pr pria lei que ao estabelecer uma rela o intelig vel entre os fen menos p e a sua exist ncia independente Todavia embora o entendimento descubra enfim a ascend ncia da pr pria lei sobre os fen menos legislados essa de
48. to pr dial ctico presas ao c none tautol gico da igualdade e por isso incapazes de mover se a si mesmas A infinitude inaugura um sistema de reconhecimento que abre enfim m o do princ pio de identidade e pensa a contradi o como princ pio primeiro de toda a realidade Refer ncias Bibliogr ficas Leibniz G W 1663 1689 Discours de M taphysique et autres textes Ed Paris Flammarion 2001 1690 1703 Syst me Nouveau de la Nature et de la communication des substances et autres textes Ed Paris Flammarion 1994 1703 16 Principes de la Nature et de la Gr ce Monadologie et autres textes Ed Paris Flammarion 1996 1875 90 Die philosophischen Schriften von Gottfried Wilhelm Leibniz in sieben B nden Berlin C Gerhardt Kant l 1781 Kritik der reinen Vernunft Riga Hartknoch Ed Frankfurt am Main Suhrkamp 1974 1968 Kants gesammelte Schriften hrsg von der Berlin Brandenburgischen Akademie der Wissenschaften Berlin De Gruyter Hegel G W F 1807 Ph nomenologie des Geistes Bamberg W rzburg J Goebhardt Ed Reclam Stuttgart 1987 o Chiereghin 1994 84 A respeito do conceito hegeliano de Unendlichkeit cf tamb m o cap tulo hom nimo da Jenenser Logik Hegel 1968 vol 6 18 Hegel 1807 40 Kairos Journal of Philosophy amp Science 7 2013 Center for the Philosophy of Sciences of Lisbon University De Leibniz a Hegel For a Lei e Infinitude na Fenomenologia

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