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fragmentos epistolares de um discurso amoroso

1. unidades significativas e n o no dos elementos A carta de amor ent o s pode ser percebida por oposi o a outro registro epistolar como a carta comercial O g nero carta tomado como eixo sem ntico resulta da reuni o das semelhan as e diferen as comuns aos seus termos polares constitutivos Segundo essa concep o metodol gica importa a exist ncia de um ponto de vista nico dentro de cuja dimens o se manifesta a oposi o que se apresenta sob a forma de dois p los extremos de um mesmo eixo Greimas 1973b p 30 Enquanto manifesta es de um s e id ntico eixo a carta de amor e a carta comercial apresentam semelhan as como realiza es particulares de um mesmo g nero apresentam as caracter sticas gerais da classe que as engloba consubstanciam se como uma mesma forma de intera o verbal Em outros termos focalizando se apenas o eixo sem ntico as duas manifesta es s o consideradas apenas sob o ponto de vista de sua identidade ambas s o cartas Como articula es desse eixo todavia revelam as diferen as respons veis por seus estatutos particulares na condi o de subg neros s o destacados os tra os particulares n o as marcas comuns Do g nero epistolar ent o destacam se suas esp cies Antes de aprofundar tal abordagem todavia necess rio desfazer a confus o entre as categorias g nero tipos de discurso e esferas de circula o no es n o raro
2. ngela Paiva Dion sio e Judith Chambliss Hoffnagel S o Paulo Cortez Editora BERTRAND Denis 2002 Enunciaci n y cuerpo sensible In Bertrand Denis Presupostos sensibles de la enunciaci n T picos del Seminario 7 Benem rito Universidad Aut noma de Puebla p 54 75 2003 Caminhos da Semi tica liter ria Bauru Edusc BESERRA Normanda da Silva e DION SIO ngela Paiva 2003 Tecendo textos Construindo experi ncias Rio de Janeiro Editora Lucerna BEZERRA Maria Auxiliadora DION SIO ngela Paiva e MACHADO Anna Rachel 2002 G neros textuais amp Ensino Rio de Janeiro Editora Lucerna 255 BRONCKART Jean Paul 2003 Atividade de linguagem textos e discursos Por um interacionismo s cio discursivo S o Paulo Educ CALBUCCI Eduardo 2003 Chico Buarque e a trangress o an lise semi tica de tr s can es Disserta o de mestrado c pia xerogr fica CANETTI Elias 1988 O outro processo As cartas de Kafka a Felice Rio de Janeiro Espa o e Tempo CANTON K tia 2004 Espelho de Artista S o Paulo Cosac amp Naify CHAU Marilena 2002 La os do desejo Novaes Adauto org In O Desejo S o Paulo Companhia das Letras p 19 66 CORTAZAR Julio 1982 O jogo da amarelinha Rio de Janeiro Civiliza o Brasileira DISCINI Norma 2003a O estilo nos textos S o Paulo Contexto 2003b Anota es de aula curso T picos
3. 266 Esse amor desinteressado que n o quer nada em troca que n o tem causa nem fim voltado para o simples exerc cio de amar recebe do Padre Vieira o nome de amor fino em seu Serm o do Mandato Definindo S Bernardo o amor fino diz Amor non quaerit causam nec fructum amo qui amo amo ut amem O amor fino aquele que n o busca causa nem fruto ama porque ama e ama para amar Em Judas n o s n o teve causa para o amar mas muitas para o aborrecer e abominar quais eram a sua ingratid o o seu dio a sua trai o e desatinada cobi a e a vontade por tantos modos obstinada de um cora o entregue ao Dem nio Tal amor como este inventou a ingratid o para o maior dos tormentos que quando o amor que se devia a um se aplica a outro E este amor que a ingratid o inventou para o maior torcedor do cora o humano foi tal a fineza do amor de Cristo que no lo deixou em preceito Vieira 2003 p 210 Quanto a Tarsila o exame das cartas mostra que ela n o fazia men o a trai es e ingratid es amava porque amava amava para amar 267 Tais valores como foi visto no cap tulo 2 n o caracterizam o amor como rela o de envolvimento afetivo e sexual entre sujeitos mudou assim o estatuto do amor que poderia ser denominado no caso de ternura 268 Conforme foi analisado s o diferentes os valores projetados no objeto 220 mesmo acabando o amor permaneceria a amizade Citando uma carta de Lu s
4. Greimas 2002 p 223 recorre para construir a imagem do interlocut rio ausente a reconstitui o da cena do di logo imediato face a face ao dizer sim eu te amo muito tamb m tenho pensado em voc Anna cria a impress o de estar dando uma resposta a uma pergunta de Lu s o sim uma resposta afirmativa a uma interpela o o tamb m como desencadeador de pressuposi o indica uma afirma o especular ou seja que faz reverberar o dito do outro Outra estrat gia o recurso sequ ncia descritiva a sele o de tra os que o caracterizam adensa semanticamente o corpo do objeto a que o sujeito se liga por intenso apego O trecho a seguir de uma carta de 11 de janeiro de 1952 reconstr i semioticamente o Lu s de Anna Maria mostrando que a posse do objeto est garantida Querido estou morta de saudades suas De voc quando p e seus culos existencialistas e fica com cara de intelectual aut ntico de voc quando sorri e me diz LS w d A A agora vou ocupar minha boca com um cigarro de voc quando me agrada de voc 215 A A 4 quando quer me encabular e fala em Enfim de tudo que voc faz tudo que voc e eu adoro Beijos da sua Anna Maria Martins 2003 p 117 36 A escrita dessa forma cria o efeito de presen a a fim de realizar essa vontade de conjun o total a ilus o enunciativa coloca o ausente pois ao alcance dos l bios do interlo
5. o que n o simult neo ao momento de enuncia o ou seja o que ainda 23 Taa A 174 E o AA E e x ser parece s lo Cria se assim uma coincid ncia entre momento de enuncia o e E 175 k 5 e momento do acontecimento dando a impress o de que os interlocutores partilham o mesmo espa o e o mesmo tempo como se estivessem face a face A respeito disso vem bem a calhar o seguinte trecho de uma carta de Paul Eluard a Gala Minha formosa Gala maravilhoso tesouro de carne e esp rito levo uma vida bastante triste sem ti Tomas meu sexo em tua m o tens as pernas abertas teu corpo se 174 Tudo ocorre como se nossa vida afetiva fosse do j ao n o ainda ou vice versa modulando os adiantamentos e os atrasos de acordo com a capacidade do sujeito de tolerar o inesperado e programar a espera Tatit 1998 p 54 173 Configura se nesse caso mais uma vez o sujeito impaciente prot tipo do sujeito amoroso para o qual a velocidade suposta bem superior velocidade de fato verificada Tatit 1998 p 54 Em outros termos o fato que ainda n o foi avaliado pelo sujeito como devendo j ter ocorrido N o agiientando esperar o sujeito provoca uma acelera o no tempo adiantando a conjun o por meio de uma trapa a discursiva ou seja da ilus o enunciativa denominada efeito de presen a 165 ondula lentamente me masturbas furiosamente te aperto os seios
6. porque n o h marcas de malqueren a como xingamentos votos de insucesso amea as etc nem clamores para que o comportamento de Lu s fosse outro Em 3 de mar o de 1952 a prop sito escreve a ele o seguinte Em todo o drama por que v est passando o que me consola ver que at o ltimo instante n o mexi uma palha para impedir sua felicidade Martins 2003 p 183 Muito pelo contr rio parecia na verdade se preocupar com ambos como demonstra neste trecho de uma carta de 16 de fevereiro de 1952 Meu querido Lu s passei ontem todo o dia angustiada pensando no sofrimento de voc s Martins 2003 p 142 N o porque diz que n o fez nada para impedir a felicidade do ex companheiro e que se preocupa com o sofrimento de Lu s e Anna Maria no entanto que Tarsila se mostra benevolente e piedosa O thos piedoso se manifesta pela aus ncia n o h nenhuma marca em seu dizer para agudizar o sofrimento de ambos Tarsila n o faz nenhuma cobran a n o manifesta indigna o n o responsabiliza ningu m pela ruptura Mais um tra o de sentido marca assim o thos de Tarsila o da piedade Em carta datada do dia seguinte Tarsila ratifica esse thos resignado desprendido sereno compreensivo e piedoso Na hora da despedida abra amo nos chorando e eu tornei a repetir que estava perfeitamente resignada e n o queria o sacrif cio dela Insisti Estou resignada Martins 2003 p 144 A
7. Anna Beatriz Anna Laura Mariana Diego Lucas e Gustavo explos es de luz que inauguram um novo mundo onde tudo s ludo Para meu sogro e minha sogra que me mostraram que do pior malogro pode nascer a melhor obra Para Dinda li o de que a vida pode ser longa e linda Para Jos Luiz Fiorin que me colocou numa aventura cient fica nos estudos da linguagem e me ensinou que a pesquisa n o termina quando se escreve fim Para Plat o meu preceptor que confere um sentido maior palavra Educa o dignificando a fun o do professor Para Norma Discini Diana Luz Pessoa de Barros Beth Brait Antonio Vicente Pietroforte e Luiz Tatit pelo impulso para a verdade e pela vol pia da ilus o na idade da raz o rima e solu o SUM RIO Agradecimentos Resumo Abstract Introdu o 0 1 Por que estudar cartas 0 2 Um modo de intera o dist ncia 0 3 A estrutura da disserta o Cap tulo 1 Os g neros de discurso e as cartas de amor 1 1 Dificuldades de defini o da categoria G nero 1 2 G neros tipos de discurso e esferas de circula o 1 3 O g nero carta na perspectiva da semi tica francesa 1 3 1 G nero e estilo o thos do enunciador epistolar 1 3 1 A carta cena gen rica e estrutura composicional Cap tulo 2 Os percursos do amor 2 1 Os nomes do amor o apego e a exclusividade 2 2 O grau zero do amor a atra o e a repuls o 2 3 Os modos de exist ncia do sujeito amoroso a pl
8. Cena Englobante est ligada id ia de esferas de circula o conceito mais abrangente do que g nero j que diferentes g neros podem constituir a mesma cena englobante 247 Cena Gen rica refere se no o de contrato de institui o discursiva levando a pensar em regras de forma o em leis de funcionamento discursivo A apreens o da cena gen rica depende do reconhecimento da estrutura composicional da tem tica e do estilo Cenografia n o imposta pelo g nero mas se constitui pelas intera es estabelecidas no pr prio texto marcando as rela es particulares entre os interlocutores ou seja a maneira espec fica de um se dirigir ao outro A categoria estilo dessa forma foi constatada tanto na cena gen rica quanto na cenografia Isso tornou necess rio distinguir o conceito em cada uma das cenas sob a mesma denomina o verificou se que se trata de no es distintas A fim de tornar resol vel o sincretismo a distin o foi marcada por meio da aposi o dos adjuntos adnominais do g nero e da cenografia Denominou se de estilo do g nero pois o conjunto de atributos que o ator deve ter conforme o g nero convocado para a intera o Sob essa perspectiva todas as vozes que se pronunciam em um mesmo g nero devem apresentar esses mesmos tra os caracter sticos Em outros termos entendeu se que em cada cena gen rica
9. Lu s querido Sim querido apesar de tudo voc ainda o Lu s Algumas horas de decep o e desilus o n o poderiam repentinamente esmagar o Ay que sinto por voc Martins 2003 p 147 Essa postura distinta da de Tarsila quando esta desejou a Lu s que ele fosse feliz de qualquer maneira Martins 2003 p 182 Como foi visto na an lise do trecho O importante n o o que est no dito mas o que mostrado no dizer n o h na fala de Tarsila por exemplo ressalvas ao desejo expresso de felicidade No caso de Anna os votos s o seguidos de restri es como em apesar de tudo o pressuposto desencadeado pelo uso da estrutura concessiva deixa impl cito que ela poderia desejar lhe mal Esse modo de dizer indiretamente leva a pensar em ressentimento em rela o mal resolvida O mesmo se nota no emprego da cl usula condicional se voc ainda o puder em que a cr tica ao 281 Como lembra Fiorin as mesmas figuras podem manifestar temas diversos Nesse caso as figuras s o a constante e os temas as vari veis Quando se fixa uma rela o entre temas e figuras h um processo de simboliza o Nele estabelece se para uma dada figura uma determinada interpreta o tem tica Fiorin 1992 p 69 282 Vale lembrar o seguinte trecho j citado de uma carta de Tarsila Ah Meu querido Lu s Queria estar neste momento junto de voc p q suas l grimas ca ssem nos meus
10. a carta de amor como subg nero apresenta particularidades determinadas regras de forma o distintivas A terceira diz respeito s rela es estabelecidas no pr prio texto entre os interlocutores focalizando a situa o de comunica o em si nas diversas cartas de amor circulam distintos simulacros que resultam n o das imposi es do g nero mas da rela o pragm tica entre interlocutor e interlocut rio 174 Na cena gen rica verifica se a presen a dos valores socioletais o g nero como institui o discursiva um ritual convencionado socialmente Na cenografia est o presentes os valores idioletais o sujeito por meio de uma enuncia o particular individual deixa suas marcas pessoais no enunciado constru do Pensando na distin o entre pessoa como papel individual do sujeito e persona como papel social pode se dizer que aquela est para a cenografia assim como esta para a cena gen rica assim quanto menos padronizado o g nero maior o espa o reservado cenografia voz da pessoa Isso leva a pensar na no o de thos categoria central neste cap tulo 3 tanto na cena gen rica quanto na cenografia se verifica um ator qualificado por um corpo um tom de voz e um car ter espec ficos veiculadores de um conjunto de representa es sociais manifestadas tamb m por meio de pap is tem ticos e figurativos Em cada
11. cargo ou fun o Gerente de Cr dito Gerente do Departamento Jur dico Gerente de Cobran as Gerente de Recursos Humanos Departamento de Compras Ger ncia Comercial etc Note se a valoriza o da pessoa p blica da persona em detrimento do papel pessoal privado s vezes sequer o cargo mencionado o fiador da enuncia o o departamento a rela o esvaziada de subjetividade parece se dar entre inst ncias administrativas jur dicas comerciais n o entre pessoas propriamente A denomina o pessoa jur dica por exemplo endossa tal observa o 6l cf Barros 1988 p 55 cf Authier Revuz 1982 p 103 6 cf Souza 2002 p 81 6t cf Souza 2002 p 81 65 cf Medeiros 2002 p 175 206 13 G nero menos flex vel mais padronizado n o possibilita portanto a incorpora o de diferentes normas ling sticas de distintos estilos individuais como no caso das cartas de amor deve se evitar fazer literatura rebuscando o texto com adjetivos irrelevantes met foras inoportunas per odos excessivamente longos Clareza de id ias rapidez de exposi o ir direto ao assunto O vocabul rio ser o usual sem a busca de terminologia complexa neologismos estrangeirismos frases de efeito Portanto nada de estilo empolado Medeiros 2002 p 164 Esse dado decorre da cena enunciativa que constr i o simulacro da transa o
12. es por exemplo a imagem de dois cora es atravessados por uma flecha ou de uma corrente com cadeado atando os 102 Nele o tema presente o da manuten o do elo do querer estar sempre junto do objeto o sujeito tenta remediar a eventual dist ncia f sica entre ele e o objeto presentificando se verbalmente ao outro fazendo que este ou a os seus suspiros d alma Segundo Orsini citando Andr as Capellanus o sujeito amante se v os dois cora es j reunidos envida esfor os em mant los assim para sempre 1999 p 19 De acordo com o Houaiss suspiro definido como uma inspira o mais ou menos profunda e prolongada seguida de expira o aud vel motivada por um inc modo f sico ou ps quico como fadiga desgosto tristeza ou em raz o de al vio satisfa o desejo A defini o providencial j que permite perceber a tentativa do enunciador de construir nesse tipo de carta o efeito de presen a permitindo ao outro ter acesso ao corpo ausente sentindo lhe as modula es as vibra es mais ntimas inclusive ouvindo no texto escrito a 122 Tanto a voz lamuriosa o tom triste de quem sofre com a aus ncia do objeto de desejo em um semema quanto em outro isto tanto para expressar um sentimento disf rico quanto um euf rico o suspiro indicia a presen a Nas palavras de Barthes como Narrativa Romance Paix o o amor uma hist ria que se cu
13. ministrado no segundo semestre de 2003 na FFLCH USP 264 265
14. o ator deve apresentar determinados tra os caracter sticos o que significa que a constru o do thos da imagem do enunciador deve estar de acordo com a qualifica o exigida pelo g nero escolhido nesse sentido que as coer es gen ricas imp em limites ao ator da enuncia o dimensionando a rela o entre os participantes da cena enunciativa Nos g neros mais padronizados o thos mais estereotipado pois neles predominantemente existe o thos do g nero as vozes que se pronunciam s o sempre muito parecidas O estilo aqui o estilo da persona n o da pessoa o estilo socioletal n o o idioletal Al m dessa concep o de estilo trabalhou se tamb m a desenvolvida por Norma Discini em O estilo nos textos Discini 2003a que o define como modo recorrente de dizer como efeito de individualidade de um ator da enuncia o depreens vel de uma totalidade de discursos trata se do thos que se materializa em cada cenografia espec fica marcando a identidade particular daqueles que se comunicam Nesse caso trata se do estilo da cenografia Aqui h maior liberdade para a constru o do thos nos g neros menos estereotipados como o caso das cartas de amor as vozes que se pronunciam marcam sua singularidade o que permite falar na natureza idioletal do estilo Isso n o quer 248 dizer que o enunciador esteja livre de coer es mas sim que est mais livre delas isto que t
15. A respeito disso como se disse no exame das cartas de manuten o do elo entre Tarsila e Lu s a figura do cora o presen a recorrente na cenografia amorosa constru da por ela Aqui o cora o aparece de novo apesar de ser uma carta que aponta para a ruptura do elo A contradi o todavia apenas aparente a refer ncia ao cora o ntegro saud vel pulsando no ritmo do amor substitu da pela figura do cora o machucado doente sofrendo no quadro da separa o 246 Sobre a assinatura h outro dado relevante na mudan a da tem tica da manuten o do elo para a da ruptura antes Tarsila escrevia nos envelopes Tarsila do Amaral Martins ou apenas TAM Segundo Ana Lu sa a partir de 17 de fevereiro de 1952 ap s um envelope sem remetente o Martins desaparece Martins 2003 p 108 207 A imagem do espinho no cora o marcada pelo tra o t til de penetrar no sentido de perfurar invadir atravessar a representa o do cora o perfurado aparece diversas vezes em outras cartas desse momento da hist ria amorosa sempre indicando a profundidade do gradiente t mico disf rico Em carta de 21 de janeiro de 1952 Tarsila escreve o seguinte Nem quero repetir suas palavras elas s o punhais que se enterram nas feridas do meu cora o Martins 2003 p 130 Em 17 de fevereiro do mesmo ano diz N s saber amos o que cada um de n s estava sofre
16. eu se singulariza por meio de tra os espec ficos que lhe conferem identidade a semantiza o permite tratar aquele que diz eu como unidade integral no sentido de que enquanto unidade ele manifesta tra os de individua o Greimas e Fontanille 1993 p 188 Ali s recorrendo novamente ao Dicion rio de Semi tica o ator uma unidade lexical cujo conte do sem ntico pr prio parece consistir essencialmente na presen a do sema individualiza o que o faz aparecer como figura aut noma do universo semi tico Greimas e Court s 1983 p 34 Nessa perspectiva providencial lembrar as descri es que se verificam nas cartas concorrem para a figurativiza o do ator os tra os descritivos adensam semanticamente aquele que diz eu do mesmo modo que ajudam a concretizar aquele a quem se interpela A assinatura do interlocutor na intera o epistolar por exemplo torna mais concreto o eu que fala contribuindo para sua figurativiza o Como se disse Pode se desde j assinalar o papel particular que chamado a desempenhar entre os procedimentos de figurativiza o o subcomponente onom stico Sendo a figurativiza o caracterizada pela especifica o e a particulariza o do discurso abstrato a introdu o de antrop nimos confere ao texto segundo se sup e o grau desej vel de reprodu o do real Greimas e Court s 1983 p 187 Assim para concretizar ainda mais o
17. la transformar a distor o do tempo em vai e vem produzir ritmo abrir a cena da linguagem a linguagem nasce da aus ncia Essa encena o linguageira afasta a morte do 2 outro Manipular a aus ncia alongar esse momento retardar tanto quanto poss vel o instante em que o outro poderia resvalar secamente da aus ncia para a morte Barthes 2003 p 38 A respeito disso Tarsila escreve em 13 de novembro de 1950 216 A polissememia corresponde presen a de mais de um semema no interior de um lexema Os lexemas polissem micos op em se assim aos lexemas monossem micos que comportam um nico semema e que caracterizam sobretudo os l xicos especializados t cnicos cient ficos etc A polissememia entretanto afora os casos de pluriisotopia existe somente em estado virtual em dicion rio pois a manifesta o de um lexema dessa esp cie inscrevendo o no enunciado elimina sua ambigiiidade realizando apenas um de seus sememas Greimas e Court s 1983 p 341 217 Nas cartas de amor nota se com fregii ncia o uso do possessivo sua seu anteposto ao antrop nimo Como elemento d itico o sua remete ao nome interpelado pelo vocativo epistolar Sua Truly assim poderia remeter tanto Truly do pai por exemplo quanto Truly do querido Lu s Martins O percurso sem mico em que se inscreve o lexema assim elide a ambigiiidade potencial d
18. n o h nem pode haver um programa do fazer que n o seja vivido na interioridade dele como um programa do ser Pode se ver no fazer a atividade externa complementar das atividades internas do sujeito do querer afinal o sujeito faz o que faz com o fito de entrar em conjun o com o seu objeto Lopes 1989 1990 p 154 155 Como se disse no t pico anterior o discurso das cartas de amor um espa o de observa o privilegiado para investigar a problem tica da modaliza o do ser e dos efeitos passionais j que a descri o das paix es est diretamente relacionada sintaxe modal as combina es entre as modalidades produzem perfumes pat micos isto efeitos de sentido afetivos visto que os estados de alma est o relacionados exist ncia modal do sujeito Barros 1989 1990 p 61 Para Edward Lopes o primeiro tra o do actante que opera a sua individualiza o o da apet ncia a apet ncia ativa caracteriza o sujeito aquele que quer e a apet ncia passiva o objeto o que querido 1989 1990 p 155 156 No caso do sujeito amoroso pode se dizer que ele por excel ncia um sujeito volitivo que adquire exist ncia portanto modalizado pelo querer mais especificamente sua rela o com o objeto marcada pelo apego intenso e exclusivo traduzido em termos modais como querer ser conjunto no o que se assenta por sua vez sobre a categoria tensiva da
19. o a uma nova plenitude ao oceano come a pela manifesta o da consci ncia da falta Me d teu calor Vem me fazer feliz porque te amo Mais uma vez a presen a do objeto coloca o sujeito em conjun o com os valores a amada o objeto figurativo em que o sujeito investe os valores calor e felicidade Na an lise de Gota d gua de Chico Buarque Tatit afirma que na base dos fen menos de disjun o ou conjun o entre sujeito e objeto de persuas o ou perda de confian a entre destinador e destinat rio das rela es opositivas entre sujeito e anti sujeito residem as escolhas efetuadas pelo enunciador do texto dos valores intensos respons veis pelos limites pelas disjun es pelas paradas pelas formas de concentra o enfim pelas descontinuidades ou extensos respons veis pelas grada es pelas conjun es pelas aberturas pelas formas de expans o enfim pelas continuidades e sobretudo do modo de entrosamento entre eles Tatit 2001 p 113 Ent o na abordagem da tensividade f rica constata se por exemplo a exist ncia de um tempo espa o profundo regido por valores tensivos como conten o e distens o da temporalidade espacialidade ou mesmo aspectualidade que se manifestam na superf cie discursiva O primeiro pode ser expresso por categorias muito gerais como descontinuidade e continuidade que se traduzem respectivamente em parada na ordem temporal ou fechamen
20. o da vacuidade os valores da abertura e da incoatividade na posi o da plenitude Interessante notar que os prefixos re e des se homologam com as preposi es com e sem indicando respectivamente o percurso do sujeito amoroso em dire o plenitude ou vacuidade na configura o do apego ou do desapego reatualizar para viver com porque n o se pode viver sem percurso orientado do sem ao com desatualizar para viver sem porque j n o se pode viver com percurso orientado do com ao sem Ali s a id ia de vacuidade caracterizada pela aus ncia do objeto de desejo priva o marcada pela preposi o sem tra o recorrente nas cartas de amor como exemplifica este trecho de uma carta de Zelda a Scott Fitzgerald Sem voc muito querido querid ssimo n o enxergaria nem ouviria nem sentiria nem pensaria nem viveria Orsini 1999 p 89952 Inevit vel lembrar aqui o Samba em Prel dio de Vin cius de Moraes em parceria com Baden Powell Eu sem voc Sou s desamor Um barco sem mar Um campo sem flor f SEER A 9133 Tristeza que vai Tristeza que vem Sem voc meu amor Eu n o sou ningu m Dessa forma ocorre na carta de Zelda uma oscila o da posi o de inanidade Voc tem de tentar sentir o quanto fico inanimada quando voc se vai para a de 5 O afastamento do objeto um imperativo para a caracteriza o do sujeito como
21. o de benevol ncia o exame das cartas mostra que em nenhum momento Tarsila deixa de querer bem a Lu s como j atesta o fecho de despedida da primeira carta do segundo per odo Sua amiga verdadeira Martins 2003 p 109 Mesmo na atmosfera da ruptura o interlocutor no papel de destinador julgador sanciona positivamente o interlocut rio preservando a boa imagem deste N o tive absolutamente inten o de ofender voc que foi sempre t o delicado comigo Martins 2003 p 109 Ao 259 Quanto ao thos sereno Tarsila diz em 3 de mar o de 1952 Estou cultivando a serenidade que a grande vencedora nas piores circunst ncias da vida Martins 2003 p 183 260 O uso do superlativo concorre combinado com a iteratividade para o refor o do efeito de sentido de franqueza na constru o do simulacro do sujeito sincero 251 O adjetivo verdadeira corrobora a constru o da imagem de sinceridade coerentemente com o simulacro de si que Tarsila pretende comunicar ao outro 216 dizer que n o quis ofender o outro o interlocutor nega o querer fazer mal lexicalizado como dio e se define pelo querer n o fazer mal lexicalizado como simpatia inclina o O interlocut rio como se nota aspectualizado pelo tra o euf rico da delicadeza em muitas cartas de ruptura o outro perde os tra os positivos que o caracterizavam como objeto desej vel passando a ser marcado por tra os disf rico
22. um fazer taxion mico socialmente orientado Apenas interessa ao pesquisador na medida em que faz ver a axiologia subjacente taxionomia Nessa perspectiva mostrou se que tal concep o faz ecoar as id ias de Bakhtin sobre os g neros como formas est veis sobre as formas t picas de estrutura o do g nero e o reconhecimento social de cada estrutura composicional tem tica e estilo Esses tr s fatores foram levados em conta para o reconhecimento do estatuto do g nero Homologando as duas concep es constatou se que semioticamente a estrutura composicional da carta se manifesta por meio de estrat gias da sintaxe discursiva isto 246 por meio da ancoragem espacial e temporal sob a forma de cabe alho e da ancoragem actorial sob a forma de vocativo constru o do interlocut rio o destinat rio e de assinatura constru o do interlocutor ou remetente na linguagem comum Entre a carta de amor e a comercial ent o atestaram se por exemplo diferentes tipos de vocativo e de assinatura indicativos de distintos graus de intimidade entre os interlocutores Quanto tem tica viu se que ela engloba essencialmente a no o de percursos tem ticos Como se disse a carta comercial por exemplo marcada pela tem tica das rela es comerciais enquanto a carta de amor tematiza as rela es amorosas No primeiro caso observou se que os interlocutores de
23. 205 outros tra os foram selecionados no t pico 2 1 para a discretiza o do apego do sujeito amoroso a seu objeto como a possess o a exclusividade e o devotamento 151 Na cobi a o valor pragm tico descritivo isto um valor descritivo objetivo como o s o os valores consum veis e armazen veis cf Barros 1988 p 46 Na curiosidade o valor cognitivo expresso pelo querer saber cf Barros 1989 1990 p 61 146 inteiramente Tu n o lhe prestas a aten o que ele merece Estou sozinho Orsini 1999 p 206 No quadro do desinteresse parece haver algo pr ximo da neutraliza o entre as categorias t micas o objeto n o mais euf rico mas n o de todo disf rico Quanto avers o marcada por uma intensidade maior o tra o disf rico bem acentuado portanto mais evidente Quanto ao desinteresse a prop sito vem bem a calhar este exemplo de uma correspond ncia de ruptura entre Fernando Pessoa e Ophelia Queiroz Agrade o a sua carta Ela trouxe me pena e al vio ao mesmo tempo Pena porque estas cousas fazem sempre pena al vio porque na verdade a nica solu o esta o n o prolongarmos mais uma situa o que n o tem mais a justifica o do amor nem de uma parte nem de outra Da minha ao menos fica uma estima profunda uma amizade inalter vel Orsini 1999 p 221 O trecho n o prolongarmos mais uma situa o
24. A pr pria Tarsila atenta para a diferen a entre essas esp cies de amor quando escreve em 3 de mar o de 1952 A vai meu cora o com a minha profunda e sincer ssima amizade SEA respeito do quadro de resigna o em que se d a transforma o do papel tem tico do ator s o providenciais as seguintes palavras de Barthes Constatar o Insuport vel esse grito tem seu benef cio dizendo a mim mesmo que tenho que p r um fim nisso de qualquer maneira instalo em mim o teatro marcial da Decis o da A o do Desfecho A exalta o como que o benef cio secund rio de minha impaci ncia com ela me nutro nela me ap io Imaginando uma solu o dolorosa renunciar partir etc fa o ressoar dentro de mim o fantasma exaltado do desfecho uma gl ria de abnega o ent o me invade renunciar ao amor n o amizade etc Quando a exalta o definha fico reduzido mais simples das filosofias dimens o natural das fadigas verdadeiras Agiiento sem me acomodar persisto sem me aguerrir Barthes 2003 p 230 1 265 cf item 2 1 cap tulo 2 219 Martins 2003 p 182 O mesmo registra em 7 de mar o de 1952 A vai meu cora o com a minha eterna amizade com o meu carinho desinteressado Martins 2003 p 189 Ainda que o objeto figurativo do querer seja o mesmo s o outros os valores f 267 investidos nele como a amizade e o carinho desinteressado O amor presente na a
25. Ent o a cena foi das mais emocionais Meus pais ficaram transtornad ssimos com o choque mam e teve um disparo de cora o que s custa de coramina cedeu Martins 2003 p 147 Impulsionada pela raiva pela dor da disjun o Anna finaliza assim a carta de ruptura Fique com Tarsila Lu s Ela talvez seja mais compreensiva e concorde em repartir voc com outras Eu jamais poderia Tenho do Amor e da Dignidade no es bem diferentes Martins 2003 p 149 289 Valem para o thos cl ssico de Tarsila as seguintes palavras de Ov dio em sua Arte de Amar Embora o Amor seja arredio e se revolte muitas vezes contra as minhas li es ainda uma crian a d cil que se deixa guiar O Amor me obedece ainda que transpasse meu cora o com suas setas e agite suas tochas Ov dio 2003b p 24 Seguindo o racioc nio do poeta a Anna em contrapartida o amor n o obedece dominando a n o o amor que se deixa guiar por ela ela que guiada pelo sentimento 233 O uso da forma imperativa fique leva a pensar num programa de ren ncia Anna abre m o de Lu s S na apar ncia contudo o interlocutor adota a mesma postura de Tarsila nesta a ren ncia marcada pela resigna o em Anna a ren ncia marcada pela raiva pelo inconformismo A partir disso poss vel entender que a ren ncia se d apenas no modo do parecer no modo do ser o sujeito segue desejante Vale notar que o si
26. a ordem militar os documentos oficiais o discurso cient fico o romance etc Nas palavras de Bakhtin os g neros percorrem uma enorme trilha que vai da r plica monolexem tica ao romance em v rios tomos Bakhtin 2000 p 305 A carta assim um dos elos dessa cadeia de g neros A imensa diversidade de g neros pode ser considerada um fator que dificulta a defini o da categoria N o proposta desta disserta o contudo proceder a um invent rio dos diversos g neros que existem nem sequer das esp cies que integram o g nero carta Como diz Marcuschi considerando os g neros como fen menos s cio hist ricos e culturalmente sens veis n o h como fazer uma lista fechada de todas as atividades de comunica o verbal associadas s atividades de comunica o social Existem estudos feitos por lingiiistas alem es que chegaram a nomear mais de 4000 g neros o que primeira vista parece um exagero Da a desist ncia progressiva de teorias com pretens o a uma classifica o geral dos g neros In Bezerra Dion sio Machado 2002 p 29 O surgimento de novas fun es cient ficas t cnicas ideol gicas oficiais cotidianas e de novas condi es de intera o verbal espec ficas de cada esfera de atividade social geram novos g neros Para exemplificar a sensibilidade dos g neros aos movimentos da hist ria s din micas sociais e s oscila es culturais basta observar que os povos de cultu
27. caracteriza as can es de amor como de restabelecimento do elo existencial s pode voltar quem partiu s pode viver outra vez quem j viveu uma Como ensina Barthes O que afirmei uma primeira vez posso novamente afirmar sem repetir pois o que agora afirmo a afirma o n o sua conting ncia afirmo o primeiro encontro na sua diferen a quero seu retorno n o sua repeti o Digo ao outro Recomecemos Barthes 2003 p 18 A respeito disso vale observar tamb m este trecho de uma carta de Frida Kahlo a Diego Rivera Minha noite sem lua Minha noite se precipita na aus ncia sua Minha noite me responde vazio minha noite me d frio e solid o Orsini 1999 p 64 ra o da priva o novamente marcado pela preposi o sem se faz presente em tr s Ot d t do pel sem f t t 135 Na carta de Zelda fica clara tamb m a id ia de instabilidade de oscila es pr prias do conte do afetivo ela fica inanimada quando o amante se vai sentindo se plena com a sua volta cf Tatit 1998 p 35 136 No trecho n o consigo dormir sem seu bra o o objeto do desejo j no papel de destinador o respons vel pelo poder do sujeito Sem o destinador o sujeito perde a modalidade do poder a compet ncia isto n o pode dormir Vale tamb m observar que a forma acostumado aspectualizada pela duratividade bra o no corpo revestindo objeto e s
28. continuidade As chamadas paix es simples s o aquelas que resultam de um arranjo modal da rela o sujeito objeto decorrendo exatamente da modaliza o pelo querer ser como o 148 Consoante se indiciou no t pico anterior os percursos modais sofrer o a varia o tensiva pr pria da organiza o narrativa e caminhar o da tens o passional a seu relaxamento e vice versa Barros 1989 1990 p 61 145 desejo por exemplo que caracteriza de maneira particular a rela o do sujeito amoroso com seu objeto um quer outro querido o sujeito desejante o objeto desejado Outras paix es contudo s o definidas pela mesma modalidade como a cobi a e a curiosidade Para discretizar esses quadros pat micos ent o necess rio recorrer a outros crit rios como o gradiente t mico do querer e os tipos de valores desejados O apego do sujeito amoroso assim marcado pela intensidade e pela exclusividade trata se como v rios exemplos atestaram de um desejo intenso ardente orientado para um nico objeto Quanto natureza dos valores a que aspira o sujeito na paix o amorosa verifica se a busca por valores descritivos subjetivos como o prazer sexual e a felicidade por exemplo e modais como o poder No caso das cartas de amor tal quadro se constitui em linhas gerais nas rela es epistolares de estabelecimento de manuten o e de restabelecimento
29. de 0 83 Greimas e Fontanille 1993 p 215 Na verdade como ensina Semi tica das paix es o apego repousaria num dever ser que modalizaria n o o objeto mas a jun o seja ela qual for Um dever ser que compromete de certa forma a exist ncia semi tica do sujeito tudo com efeito se passa como se uma vez rompido o apego o sujeito tivesse de regressar a uma fase pr semi tica onde nada mais teria valor algum para ele Greimas e Fontnille 1993 p 182 0 Nessa acep o mais ampla apego se confunde com atra o for a motriz da rela o sujeito objeto no n vel tensivo como constante das pr condi es do sentido 83 em que ele n o se interessa pelas varia es nega o interroga o etc que afetam o posto Greimas e Fontanille 1993 p 182 A respeito das distintas formas que o amor assume subsumidas na l ngua portuguesa pela mesma palavra os gregos usavam na Antigiiidade distintos lexemas para denominar cada esp cie Nesse caso n o se trata ent o de um mesmo lexema manifestando distintos percursos sem micos mas de distintas configura es discursivas Em L ngua Portuguesa Eis F 1 verifica se o sincretismo que n o ocorre no Grego Antigo a mesma grandeza engloba no es distintas Assim em Portugu s o sincretismo se torna resol vel pela aposi o de um adjunto adnominal ou de um complemento nominal grandeza amor o que ocorre r
30. enunciador como seu objeto de busca Que volta meu amor Seu bem est chamando mas nada impede que o enunciador sincretize os actantes destinador e sujeito e em contrapartida o enunciat rio assuma as fun es de destinat rio e objeto Tatit 2001 p 155 141 J que se falou do desentendimento sem ruptura ou seja que se movimenta em dire o reconcilia o interessante retomar a an lise da can o Acontece de Cartola cujo percurso representa bem o modelo de uma carta de ruptura sem desentendimento Na composi o o sujeito eu entra em disjun o com o objeto voc na rela o objetal por for a de um destinador que n o se configura com nitidez mas que poderia ser chamado de destino ou acaso o destinat rio sujeito ent o no papel de destinador apenas comunica a voc como destinat rio os efeitos nocivos do contrato sobre a continuidade da vida amorosa Tatit 2001 p 155 Ali s Tatit lembra que para desenvolver sua argumenta o este enunciador exercendo seu papel de destinador persuasivo produz um relato no qual figura como sujeito de um programa narrativo amoroso que tende a n o se realizar Tatit 2001 p 196 199 Nas an lises realizadas procurou se reproduzir no n vel modal narrativo basicamente os percursos investigados na abordagem do n vel tensivo Em linhas gerais o sujeito passional amoroso movimenta se basicamente em du
31. g neros do discurso o g nero a codifica o historicamente atestada das propriedades discursivas Todorov 1981 p 53 Disso decorre que a riqueza e a variedade dos g neros s o ilimitadas como justifica Bakhtin no estudo Os g neros do discurso pois a variedade virtual da atividade humana inesgot vel e cada esfera dessa atividade comporta um repert rio de g neros do discurso que vai diferenciando se e ampliando se medida que a pr pria esfera se desenvolve e fica mais complexa Bakhtin 2000 p 279 Como ser visto adiante as cartas comerciais s o mais padronizadas estereotipadas as de amor em contrapartida constituem um exemplo de g nero mais pl stico mais livre de coer es 10 Para Bakhtin ao ouvir a fala do outro sabemos de imediato j nas primeiras palavras pressentir lhe o g nero adivinhar lhe o volume a dada estrutura composicional prever lhe o fim ou seja desde o in cio somos sens veis ao todo discursivo isto ao g nero escolhido para o estabelecimento da intera o verbal Bakhtin 2000 p 302 Na feliz formula o de Todorov pelo fato de os g neros existirem como uma institui o que funcionam como horizonte de espera para os leitores e como modelos de escrita para os autores Todorov 1981 p 52 29 Essa diversidade de g neros inclui enunciados distintos que comp em a cadeia da comunica o humana como a curta r plica do di logo cotidiano o relato familiar
32. gicos do enunciador em cada cena se verifica um ator qualificado por um corpo um tom de voz e um car ter espec ficos veiculadores de um conjunto de representa es sociais pap is tem ticos e figurativos Assim para enunciar o ator deve estar atento para o tipo de qualifica o exigida para ter a autoridade enunciativa Maingueneau 1995 p 78 isto para o conjunto de tra os que deve apresentar para mover se em dado g nero a constru o do thos assim deve estar de acordo com a qualifica o exigida pelo g nero escolhido para a atividade enunciativa o g nero um contrato discursivo portanto apresenta coer es imp e limites estilo socioletal n o o idioletal Al m dessa concep o de estilo h a que o entende como modo recorrente de dizer como efeito de individualidade de um ator da enuncia o depreens vel de uma totalidade de discursos 4 V cenografia ntima Bertrand 2002 p 58 61 ao ator da enuncia o dimensionando a rela o entre os participantes da cena enunciativa Retomando a abordagem de estilo em Bakhtin se o estilo elevado respons vel por um maior distanciamento entre locutor e destinat rio a maior proximidade a que se pode chegar entre eles por meio do estilo ntimo No limite chega se a uma esp cie de fus o entre eles como exemplifica o trecho de uma carta de amor de Apollinaire a Madeleine em que o destinador que escreve do front de batalha na
33. interesseiro e sem car ter A escolha lexical dessas express es qualificativas disf ricas confere ao thos dela os tra os da exalta o raivosa o corpo tenso o tom de voz gritado o car ter irritadi o E contra voc vinha tudo aquilo que me repugna repetir suas liga es por interesse sua pouca firmeza de car ter etc Voc jamais poderia ser um orientador um guia para meu filho Com voc a vida para mim seria o in cio do despenhadeiro Martins 2003 p 148 Como de novo se nota diferentemente de Tarsila cujo thos equilibrado se manifesta pelo que n o diz o thos descontrolado de Anna se revela por aquilo que n o cala O que o enunciado diz a enuncia o sustenta ela fala em descontrole e mostra descontrole A respeito disso interessante notar tamb m nessa passagem a figura do despenhadeiro que se associa ao trecho desmorona ante meus olhos na isotopia da ruptura amorosa O desmoronamento o despenhadeiro o abismo trata se de imagens marcadas pelo sema da inferatividade Isso quer dizer que se no in cio da rela o os amantes n o raro se descrevem topograficamente al ados s alturas permanecendo no alto na manuten o do elo na ruptura se direcionam para baixo O percurso em termos espaciais apresenta o deslocamento do sujeito de cima para baixo esta posi o terminal correspondendo ao tema da morte Como Anna escreve Tudo minha volta est vazi
34. m Orsini 1999 p 19 82 A defini o de apegar como fazer sentir ou sentir apego opera como uma par frase de capturar ou ser capturado que define por sua vez o amor Considerando c6 29 66 Pi 2 A 7 apegar como fazer aderir a colar agarra se novamente poss vel estabelecer um paralelo com a defini o de amor segundo Capellanus aquele que ama um sujeito apegado que adere malha do desejo atra do pela for a do objeto Isso leva a concluir que o amor se desenvolve na configura o do apego que caracteriza a rela o entre o sujeito amoroso e seu objeto N o importa se o sujeito ama m e ao irm o ao cachorro a Deus ou esposa por mais que sejam espec ficas as trajet rias de cada sujeito apaixonado em todas se verifica como constante do imagin rio passional do amor essa no o Diz se no senso comum inclusive que n o poss vel amar sem manifestar forte liga o com o objeto nessa perspectiva n o havendo apego o sentimento outro mas n o amor O sujeito amoroso um sujeito apegado ao objeto atra do por sua for a Essa id ia prova que se trata de uma marca de sentido necess ria para a defini o do lexema sem a qual o sentimento n o se consubstancia O seguinte trecho de Semi tica das paix es corrobora tal entendimento conferindo x 3 x 7 si x 0 ao termo inclusive um sentido ainda mais gen rico um alcance mais amplo E
35. mas das paix es complexas que partem de um estado inicial de espera definida pelo arranjo modal entre o querer ser e o crer ser O sujeito da espera deseja estar em rela o de conjun o ou de disjun o com um objeto valor O sujeito da espera nada pretende fazer para concretizar suas aspira es e por isso mant m com outro sujeito uma rela o fundamentada na confian a e cr poder com ele contar para realizar suas esperan as ou direitos ou seja atribui a outro sujeito um dever fazer Barros 1989 1990 p 62 N o se trata aqui da espera de valores decorrente das rela es firmadas entre sujeito e objeto mas da espera relativa ao contrato fiduci rio estabelecido entre os sujeitos Focaliza se nessa perspectiva portanto n o a rela o objetal mas a subjetal Na carta de Augusto Frederico Schmidt por exemplo nota se um estado de alma No fundo de l 3 PES s 1 mim marcado pela inquietude t pica do ressentimento a em que o sujeito come a a p r em d vida tanto a rela o entre sujeito e objeto O meu amor n o devia ser teu quanto os termos do contrato fiduci rio firmado entre os sujeitos h uma grande reserva a teu respeito marcando a ruptura com o tra o da definitividade eu nunca perdoarei Questiona se a pr pria compet ncia do outro marcada pelo n o saber Tu o desconheces inteiramente Diante desse quadro de decep o com o outro
36. nesse patamar que as organiza es narrativas s o investidas de tempo de espa o de pessoa tornam se atores de aspecto e ainda tematizadas e figurativizadas Barros 2001 p 58 Assim para definir g nero na perspectiva da semi tica francesa deve se proceder an lise das estrat gias de actorializa o nas proje es da inst ncia da enuncia o a constru o dos pap is caracter sticos de cada tipo de intera o bem como a instala o das categorias de tempo e de espa o Al m disso a defini o do g nero carta e de seus subg neros depende tamb m do estudo da sem ntica discursiva das isotopias figurativas e tem ticas que percorrem os tipos de intera o espec ficos quem diz o qu a quem como em cada modalidade de carta em cada regime epistolar Para Maingueneau o sujeito n o interpelado como sujeito sob a forma universal de sujeito da enuncia o mas em um certo n mero de lugares enunciativos que fazem com que uma segii ncia discursiva seja uma alocu o um serm o etc Os enunciados se apresentam com efeito n o apenas como fragmentos de l ngua natural desta ou daquela forma o discursiva mas tamb m como amostras de um certo g nero de discurso Reencontra se aqui a no o de contrato cada g nero presume um contrato espec fico pelo ritual que define Vale dizer que um discurso n o delimitado maneira de um terreno nem desmontado como uma m quina
37. no sentido mais restrito e convencional desse termo pois ao escrever uma carta n o se pode fugir a um c digo que modela e altera o que t o simplesmente queremos e gostar amos de dizer Galv o e Gotlib 2000 p 15 Esta disserta o pretende sobretudo no cap tulo 1 trazer algumas contribui es para uma reflex o semi tica sobre a problem tica do estatuto do g nero Parte do pressuposto assim de que as an lises semi ticas investigam objetos pertencentes a distintos g neros como receitas culin rias textos mitol gicos leis propagandas editoriais de jornal mas parecem considerar a categoria como dado sem refletir especificamente sobre ela Isso significa que n o se preocupam em responder o que g nero de discurso e quais s o os elementos que permitem reconhec lo Para tratar do problema toma se como objeto de an lise o g nero epistolar Este por sua vez constitu do de uma infinidade de subg neros os manuais de epistolografia 7 O exame de g neros diversos atesta a aplicabilidade irrestrita do simulacro metodol gico proposto pela semi tica francesa 20 mostram esp cies de cartas t o diversas como a carta comercial a carta administrativa a carta oficial a carta de amor a carta aberta a carta precat ria a carta de presidi rio de suicida etc Pela denomina o de cada subg nero nota se a ado o de crit rios distintos de classifica o a carta comercial e a carta administrativa por
38. o concretiza de tal forma o tema do amor que em caso de desamor n o raro um sujeito diz ao outro no senso comum voc n o tem cora o 233 Assim a figuratividade n o um simples ornamento das coisas ela esta tela do parecer cuja virtude consiste em entreabrir em deixar entrever gra as ou por causa de sua imperfei o como que uma possibilidade de al m do sentido Os humores do sujeito reencontram ent o a iman ncia do sens vel Greimas 2002 p 74 34 Em Nossa Senhora das Flores de Jean Genet o personagem Mignon escreve sua amada Divina uma carta Preso e com saudades dela diz para ela decifrar a linha pontilhada que desenhou e para em seguida dar um beijo nela A linha pontilhada a que Mignon se refere o contorno do seu pau Vi uma vez um cafet o de pau duro escrevendo para a namorada colocar o pesado caralho sobre o papel e tra ar o seu contorno Gostaria que esta linha servisse para retratar Mignon Genet 1983 p 331 emblem tico o coment rio final de Genet expressando o desejo de que a linha representasse Mignon como se a partir dela fosse poss vel apreender o thos do cafet o O que interessa n o o que est no enunciado o desenho do p nis ou a palavra pau o importante notar que a escolha do que se projeta no enunciado da responsabilidade da enuncia o O sujeito que escreve ou desenha um cora o n o o mesmo que escreve ou desenha u
39. o da ruptura por meio de instru es sobre como agir para atingir dado fim Apesar de n o ter sido apresentada nos seis tipos b sicos a disserta o pode ser considerada como uma esp cie de macro tipo que engloba o segmento argumentativo o opinativo e o expositivo Esses tr s tipos portanto t m as propriedades gerais do texto dissertativo cujas caracter sticas s o as seguintes e Disserta o Dissertar defender uma tese sobre determinado tema um ponto de vista sobre dada quest o posta em debate disserta o um texto de natureza abstrata que opera com conceitos id ias opini es interpreta es de fatos diferentemente da narra o que trabalha com palavras concretas remete a figuras imagens do mundo natural construindo uma representa o da realidade cria um simulacro do real Por esse motivo a disserta o um texto predominantemente tem tico disserta o ortodoxa apresenta a seguinte forma protot pica estrutura composicional introdu o desenvolvimento e conclus o Na introdu o tradicional o enunciador costuma apresentar a tese isto o tema posto em debate acrescido de sua vis o cr tica 45 O desenvolvimento a parte do texto em s o selecionados os recursos argumentativos como o argumento de autoridade o argumento de provas concretas o argumento de exemplifica o o argumento de compet ncia ling stica o a
40. objeto sujeitos e objetos ainda que n o marcados pelo tra o da consangiiinidade podem assumir os pap is de pais e filhos o tra o da consangiiinidade portanto n o necess rio nem suficiente para demarcar a exclusividade da rela o 106 Yale lembrar contudo que a exclusividade n o apresenta um estatuto ontol gico sendo uma constru o discursiva basta que um dos sujeitos n o d seu consentimento recuse a partilha para que seu objeto seja considerado como n o partitivo e ele como exclusivo Greimas e Fontanille 1993 p 188 107 Os objeto reconhecidos por meio de seus tra os de individua o s o unidades integrais a cole o dos tra os que lhes s o comuns os transforma em unidades partitivas a soma o dessas unidades partitivas constitui ent o uma totalidade partitiva que por sua vez porque ela apresenta enquanto totalidade tra os de individua o diretamente oriundos dos tra os comuns que foram coletados no percurso pode tornar se uma totalidade integral Greimas e Fontanille 1993 p 188 92 Encontro em minha vida milhares de corpos desses milhares posso desejar algumas centenas mas dessas centenas amo apenas um O outro de que estou enamorado designa a especialidade de meu desejo Essa escolha t o rigorosa que s conserva o nico Barthes 2003 p 11 O texto a seguir tamb m apresenta o amor marcado pelo tra o da exclusividade Quase n o se pode falar de escolha
41. sticas de tem tica estilo e estrutura um texto n o pode ser classificado como bula de rem dio Sistematizando as categorias por tem tica deve se entender n o um tema espec fico um assunto determinado mas as grades sem nticas amplas em que circulam dados valores os temas de uma poca s o as quest es mais gerais universais objeto de 1 Vale ressalvar que as defini es seguem a perspectiva bakhtiniana que ser o homologadas adiante com categorias da semi tica francesa 39 intera es em dada sociedade em dado momento hist rico Em uma carta comercial por exemplo a tem tica uma transa o comercial em uma carta de amor a problem tica passional da vida ntima Em uma cr nica a tem tica centrada nos fatos corriqueiros banais do dia a dia em um editorial os grandes acontecimentos locais ou nacionais constituem a tem tica em um debate eleitoral a discuss o de projetos pol ticos Interessa aqui particularmente ressaltar o fato de que os temas dominantes de cada poca est o articulados a um repert rio espec fico de g neros Quanto ao estilo a categoria refere se ao valor hier rquico dos participantes do processo de comunica o ao grau de proximidade entre os interlocutores manifestando se como uma reuni o de tra os ling sticos particulares Em uma carta comercial por exemplo o estilo deve ser marcado dominantemente pela impessoalidade pelo distanciamento por
42. thos aspectualizado pela justa medida o tom s rio o car ter equilibrado o corpo ocupa o espa o exato dentro dos limites convencionados social e historicamente pela cena gen rica Clarice na poca com apenas 21 anos mas com plena consci ncia do tipo de intera o entre os sujeitos falantes e dos cuidados necess rios na constru o do thos assim se dirige autoridade num jogo de imagens de seriedade e distanciamento fundamental para o estabelecimento do pacto veridict rio Senhor Presidente N o pretendo afirmar que tenho prestado grandes servi os Na o requisito que poderia alegar para ter direito de pedir a V Ex a dispensa de um ano de prazo necess rio para a minha naturaliza o Sou jovem e salvo em ato de hero smo n o poderia ter servido ao Brasil sen o fragilmente Demonstrei minha liga o com esta terra e o meu desejo de servi la cooperando com o DIP por meio de reportagens e artigos distribu dos aos jornais do Rio e dos estados na divulga o e 5 Neste exemplo verificam se os seguintes elementos a ancoragem temporal 3 06 1942 a ancoragem espacial Brasil a ancoragem actorial o interlocutor Clarice e o interlocut rio Presidente Vargas o conte do tem tico o pedido de naturaliza o e a forma de estrutura o intera o verbal via carta Em seu fazer persuasivo o interlocutor recorre ao artif cio discursi
43. tica entre os interlocutores como objeto de pesquisa A forma verbal odeio por exemplo marca j no t tulo do texto Odeio cartas uma dada rela o entre o sujeito e o objeto o enunciador revela avers o pela carta considerando a objeto indesej vel Neste trabalho em contrapartida a rela o entre o sujeito e o objeto modalizada pelo querer a carta um objeto desej vel para o sujeito pesquisador atraindo o como forma particular de intera o verbal A figura do pesquisador assim come a a se delinear por meio de contornos passionais trata se de um ser que ama cartas definindo se por oposi o aos que a odeiam Entre os dois pap is tem ticos todavia h um elemento comum a rela o intensa com o objeto que faz ser o sujeito amante e o inimigo das cartas Na condi o de amante O pesquisador amante das cartas no n vel da meta l ngua n o da l ngua objeto caso em que o actante desempenharia o papel de remetente trata se de falar sobre a carta e n o de falar por meio dela 16 das cartas o papel tem tico do pesquisador se adensa semanticamente e o ator da enuncia o adquire uma corporalidade revelando por suas afinidades com o objeto um modo de presen a no mundo Como diz Melo e Castro odeio uma palavra forte eu sei Mas igualmente forte seria dizer eu amo cartas sem que isso causasse qualquer constrangimento In Galv o e Gotlib 2000 p 14
44. 1 Guerra Mundial tenta anular a dist ncia que o separa da amada presentificando se para ela atualizando o elo existencial entre eles criando a impress o de anula o do hiato espa o temporal e o efeito de fus o dos corpos Trata se aqui de um corpo pr ximo de um tom doce e de um car ter jovial alegre agrad vel bem de acordo com a representa o social tradicional regularidade que 549 parece atravessar tempos e lugares do ator amante Segue um trecho de uma carta de Apollinaire amada Eu te amo minha querida Nunca lamentes me ter escrito e dever ainda me escrever t o belas cartas apaixonadas especialmente agora que n o as recebo todos os dias Fale me de ti da querida vida que teremos e para a qual me preparo com terna piedade Fazes milagre nunca tinha escrito longas cartas de amor mas te adoro a ponto de querer te dizer isso sem cessar e te provar mais vezes ainda Fitei teus queridos olhos procurei decifrar a palavra riscada escrita atr s Me diz as flores que d o nesse momento na Alg ria Diz como reagem aos comunicados b licos a tua alma e o teu cora o que s o meus e dos quais sou Beijo te infinitamente amor querido Te adoro te amo te desejo t o profundamente se soubesses Hecker Filho 1984 p 169 47 O thos toma corpo em dada cenografia a situa o de enuncia o da obra e que a cenografia ligada a uma dada cena gen rica cen rio O
45. 191 Conforme se l em uma carta de Tarsila a Lu s Martins uma afei o nascida de uma intimidade de 18 anos que a gente n o pode esquecer Martins 2003 p 159 184 fam lia paulista de Tarsila conhecida como os Amarais tratava de modo preconceituoso o companheiro dela designando o como o homem que vive com Tarsila Some se a tudo isso o hist rico dos relacionamentos amorosos da pintora que havia tido tr s companheiros antes de Lu s Martins Em 1906 oficializou o matrim nio com o farmac utico Andr Teixeira Pinto primo de sua m e Dessa rela o nasceu Dulce filha nica da artista Em fins de 1922 ano da Semana de Arte Moderna Tarsila come ou a namorar o escritor Oswald de Andrade Para formalizar em 1926 essa rela o foi obtida a anula o do primeiro casamento para desgosto de muitos familiares dela SA 196 P A uni o de Tarsiwald durou at 1929 quando o escritor a abandonou para ficar com Patr cia Galv o a Pagu que estava gr vida do modernista Entre 1931 e 1933 Tarsila ficou 2 No caso da persona Tarsila do Amaral do papel social de artista pl stica em praticamente todas as cartas publicadas de Tarsila a Lu s Martins h refer ncias ao trabalho dela Os jornais t m anunciado minha exposi o at em Santos Martins 2003 p 65 Rino Levi marcou para o dia 9 de janeiro uma homenagem a mim Um coquetel primeira presidente do Clube dos Ar
46. 20 de fevereiro de 2004 SAUSSURE Ferdinand de 1993 Curso de lingii stica geral S o Paulo Cultrix 262 SAVIOLI Francisco Plat o amp FIORIN Jos Luiz 1996 Li es de texto leitura e reda o S o Paulo tica SOUZA Geraldo Tadeu 2002 Introdu o teoria do enunciado concreto do C rculo Bakhtin Volochinov Medvedev S o Paulo Humanitas STALLONI Yves 2003 Os g neros liter rios Rio de Janeiro Difel TATIT Luiz Augusto de Moraes 1995 A semi tica e Merleau Ponty Landowski Eric e Oliveira Ana Cl udia de orgs In Do intelig vel ao sens vel Em torno da obra de Algirdas Julien Greimas S o Paulo Educ p 161 167 1998 Musicando a Semi tica S o Paulo Annablume Fapesp 2001 An lise semi tica atrav s das letras S o Paulo Ateli Editorial 2004 O s culo da can o S o Paulo Ateli Editorial TODOROV Tzvetan 1981 Os g neros do discurso Lisboa edi es 70 TREVISAN Dalton 1968 Os desastres do amor Rio de Janeiro Civiliza o Brasileira VIEIRA Antonio 2003 Serm es Sele o e organiza o de Alcir P cora S o Paulo Hedra ZAMORA Martha org 2002 Cartas apaixonadas de Frida Kahlo Rio de Janeiro Jos Olympio ZILBERBERG Claude 1984 De affect la valeur In Castellana Marcello Texte et valeur Paris Harmattan p 43 78 263 2003 Anota es de aula curso T picos de Semi tica Tensiva
47. A oscila o na verdade n o pode ser interpretada como um percurso entre posi es extremas o inquieto n o ciclot mico ela uma perp tua hesita o no interior de uma representa o mista que n o chega a fixar seus termos por isso que o inquieto pode ser compreendido como sujeito imerso nas modula es tensivas Greimas e Fontanille 1993 p 194 150 As paix es desse tipo de espera s o paix es de confian a ou de decep o que se manifestam por exemplo por meio dos lexemas confian a decep o inseguran a e seguran a Pensando nos percursos de varia o tensiva dessas paix es tem se o seguinte na orienta o do relaxamento para a tens o o aumento da tens o leva o sujeito a se deslocar da posi o de confian a em que ele quer ser e cr ser para a de decep o em que ele quer ser e n o cr ser e enfim para a de inseguran a Na orienta o contr ria ou seja da tens o para o relaxamento em que ocorre portanto uma diminui o da tens o o sujeito parte da posi o inicial de inseguran a em que ele quer ser e cr n o ser para a de seguran a em que ele quer ser e n o cr n o ser e enfim para a de confian a em que o sujeito quer ser e cr ser poss vel a conjun o desejada Em outras palavras no primeiro percurso o sujeito caracterizado como cr dulo torna se descrente no segundo o suj
48. Cultrix 2002 Da Imperfei o S o Paulo Hacker Editores GREIMAS Algirdas Julien amp COURT S Joseph 1983 Dicion rio de Semi tica S o Paulo Cultrix GREIMAS Algirdas Julien e FONTANILLE Jacques 1993 Semi tica das paix es S o Paulo tica GREIMAS Algirdas Julien e LANDOWSKI Eric orgs 1986 An lise do discurso em ci ncias sociais S o Paulo Global Universit ria HARKOT DE LA TAILLE Elizabeth 1999 Ensaio semi tico sobre a vergonha S o Paulo Humanitas HECKER FILHO Paulo 1984 Terno como a lembran a cartas a Madeleine In Escritos de Apollinaire Porto Alegre L amp PM p 151 198 KAFKA Franz 1985 Cartas a Felice Trad de Robson Soares de Medeiros Rio de Janeiro Editora Anima KAFKA Franz 2000 Cartas a Milena Trad de Torrieri Guimar es Belo Horizonte Editora Altaya KAFKA Franz 2002 Carta ao Pai Trad de Modesto Carone S o Paulo Companhia das Letras 259 KIERKEGAARD 1953 O Banquete Lisboa Guimar es Editores KRIEGER Maria da Gra a e MACIEL Ana Maria Becker 2001 Temas de Terminologia Porto Alegre S o Paulo Ed Universidade UFRGS amp Humanitas USP LANDOWSKI Eric 1992 A sociedade refletida S o Paulo Educ Pontes 2002 Presen as do outro S o Paulo Perspectiva LEMINSKI Paulo 1992 Uma carta uma brasa atrav s cartas a R gis Bonvicino S o Paulo Iluminuras LEMINSKI Paulo 1996
49. Fr mitos e arrebatamentos por exemplo trata do amor denominado como amor paix o t pico do sujeito apaixonado intenso exagerado Depois de um sinal de assentimento j se conhece o gosto do amor retribu do e vem ent o o incontrol vel e como aos amantes se permite o exagero Alfred de Musset n o 3 Na perspectiva crist do Padre Vieira trata se do chamado amor fino definido como aquele que n o busca causa nem fruto ama porque ama e ama por amar Vieira 2003 p 207 85 relutava em escrever a George Sand Morro de amor de um amor sem fim sem nome insensato desesperado perdido Ou num tom igualmente arrebatado por m mais objetivo Chico M rio dizia a N via Recebi voc em sua carta mas quero voc inteirinha p 53 Se nesse caso o substantivo paix o se associa a amor para indicar tipo na forma o do substantivo composto em outras situa es os lexemas amor e paix o s o empregados indistintamente como se fossem sin nimos perfeitos o que se pode constatar por exemplo numa carta do Visconde de Valmont Madame de Tourvel extra da do romance epistolar Liga es Perigosas de Choderlos de Laclos Ap s uma noite de tempestade e durante a qual eu n o pude fechar os olhos ap s ter estado sem cessar na agita o de uma paix o devoradora ou na completa dissolu o de todas as faculdades de minha alma venho procurar junto
50. Mam e In Montero 2002 p 261 Quanto ao ltimo estilo identificado por Bakhtin o estilo objetivo neutro trata se do estilo adotado nas exposi es essencialmente orientadas para o objeto e que portanto parece desprezar o destinat rio Note se que tamb m esse estilo implica certa id ia do destinat rio Nas palavras de Bakhtin Esse estilo objetivo neutro seleciona os recursos lingii sticos em fun o n o s de uma adequa o ao objeto do discurso mas tamb m do pressuposto fundo aperceptivo do destinat rio do discurso ainda que esse fundo seja levado em considera o de um modo muito generalizado com a abstra o dos aspectos expressivos a expressividade do locutor num estilo objetivo tamb m reduzida ao extremo Bakhtin 2002 p 324 Al m do estilo do g nero h tamb m o estilo dos autores das cartas Aqui se fala no estilo que emerge de uma totalidade discursiva da qual se depreende o ator da enuncia o o estilo que se manifesta na cenografia n o o estilo do g nero Em outros termos trata se do estilo numa perspectiva idioletal e n o socioletal Segundo Norma Discini o estilo se reconstr i na an lise pela capta o das recorr ncias do dito Revela se ent o o thos do enunciador compreendido como um modo de presen a no mundo enuncia o que revela uma maneira de habitar o espa o social definindo uma maior proximidade ou distanciamento entre os interlocut
51. Tatit Sempre haver uma inst ncia hipot tica portadora de ondula es vagas n o categoriz veis onde a integra o dos valores concebida como harmoniosa e absoluta para justificar a interven o do homem que troca essa plenitude informe pelo percurso de busca que d sentido sua vida Esse horizonte fluido ainda necess rio para se pensar n o apenas o gesto da cis o primordial em que o sujeito se aparta do objeto mas sobretudo o elo de atratividade que permanece ap s a cis o conduzindo o sujeito ao restabelecimento de sua identidade pela recupera o do objeto Em outras palavras o distanciamento do objeto s intensifica os la os de conjun o com o valor cuja figura o mais precisa a da nostalgia da fus o plena quando sujeito e objeto faziam parte do mesmo continuum Tatit 1998 p 16 a isso que se chamam pr condi es do sentido isto a imagem do sentido anterior Quando as pr condi es do sentido foram definidas como tensivo f ricas assim procurou se aproximar a tensividade do sujeito que percebe proje o do mundo natural sobre o sujeito rela o entre o exteroceptivo e o interoceptivo e a foria do sujeito 108 que sente na dimens o proprioceptiva Barros 1995 p 94 Ent o que se fala em quase sujeitos ligados a uma sombra de valor a um pressentimento de valor Greimas e Fontanille 1993 p 26 em uma estrutura de atr
52. Tomando como refer ncia as can es de amor investigadas por Tatit que se inscrevem portanto na esfera de circula o dos discursos amorosos a carta do poeta ingl s se assemelha mais can o Oceano de Djavan o n o posso viver sem voc do primeiro ecoa no s sei viver se for por voc do segundo o que pressuposto por um implica o que posto por outro A exist ncia do sujeito assim depende do objeto com o qual a rela o de apego intensa exclusiva a perda do objeto implica a pr pria perda da identidade do sujeito O desejo de restabelecimento da rela o assim uma busca de reconcilia o do sujeito com os valores constitutivos de sua identidade o sentimento de falta como efeito provocado pela disjun o leva o sujeito a uma nova busca em dire o plenitude Apesar de ser uma can o ela serve de certo modo como exemplo de carta na medida em que se realiza como uma comunica o diferida uma intera o dist ncia entre um eu e um voc um eu que espera a chegada de um voc que est longe como se depreende do seguinte trecho N o h nada em lugar nenhum que v crescer sem voc chegar Longe de ti tudo parou A disjun o pragm tica como se nota desloca o sujeito para a posi o da falta a aus ncia da amada Longe de ti indica um movimento de parada tudo parou de terminatividade A volta da amada em contrapart
53. VIII p 91 151 AUTHIER REVUZ Jacqueline 2001 Palavras incertas As n o coincid ncias do dizer Campinas Editora da Unicamp BAKHTIN Mikhail 2000 Est tica da cria o verbal S o Paulo Martins Fontes BARROS Diana Luz Pessoa de 1988 Teoria do discurso fundamentos semi ticos S o Paulo Atual 1989 1990 Paix es e apaixonados exame semi tico de alguns percursos Cruzeiro semi tico Porto APS 11 12 60 73 O 1995 Sintaxe narrativa In Landowski Eric e Oliveira Ana Cl udia de orgs Do Intelig vel ao sens vel Em torno da obra de Algirdas Julien Greimas S o Paulo Educ p 81 97 254 1997 Gosto bom gosto ruim In Landowski Eric e Fiorin Jos Luiz orgs O gosto da gente o gosto das coisas S o Paulo Educ p 163 176 _ 2001 Entre a fala e a escrita algumas reflex es sobre as posi es intermedi rias In Preti Dino org Fala e escrita em quest o S o Paulo Humanitas p 56 77 2002 Intera o em an ncios publicit rios Preti Dino org In Intera o na fala e na escrita S o Paulo Humanitas p 17 44 BARTHES Roland 1982 Sollers escritor Fortaleza Edi es UFC 1990 O bvio e o obtuso Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 2003 Fragmentos de um discurso amoroso S o Paulo Martins Fontes BAZERMAN Charles 2005 G neros textuais Tipifica o e Intera o Ed org por
54. a falando em sexo A reconstitui o discursiva do Ea a o 277 quadro de posse produz no sujeito a sensa o de al vio de bem estar uma vez que cria a impress o de que o ausente est ao alcance das m os do interlocutor Alguns trechos dessa carta s o particularmente interessantes para a apreens o do thos de Anna enquanto Tarsila manifesta um thos comedido o de Anna marcado pelo tra o do excesso como sugere o tom hiperb lico expresso pelo adjetivo morta na 278 passagem morta de saudades Por meio da seq ncia descritiva Anna mostra um corpo mais erotizado diferentemente de Tarsila o conte do sexual do envolvimento amoroso silenciado na enuncia o desta na daquela explicitado Trata se ent o de dois modos de presen a do corpo no relacionamento pelo modo de dizer cada uma manifesta um modo de ser Se o ator da enuncia o Tarsila ao dizer a vai meu cora o cria um efeito de sentido de distanciamento segundo a preocupa o com a dist ncia ideal o thos de Anna ao colocar o ausente ao alcance das m os cria um efeito de sentido de aproxima o conforme a preocupa o em saciar as saudades Como se nota o corpo mais erotizado se compatibiliza com o tom de voz hiperb lico o corpo mais distante com o tom de voz mais sereno 276 SEA e A sar o A 5 A As retic ncias sugerem tanto o corte da censura por meio do qual o sujeito cognitivo int
55. a apreens o do estatuto do g nero depende do exame de tr s fatores essenciais o estilo a estrutura composicional e a tem tica Em termos semi ticos o estilo est ligado no o de recorr ncias do modo de dizer aos pap is tem ticos e figurativos por meio dos quais se constroem os interlocutores dimensionando um grau de proximidade ou de distanciamento entre eles o que se manifesta por meio de marcas ling sticas de maior formalidade ou informalidade no primeiro caso vale como exemplo a carta comercial no segundo a carta de amor A estrutura composicional da carta se atesta na ancoragem espacial e temporal representada sob a forma de cabe alho na ancoragem actorial que se materializa na forma de vocativo constru o do interlocut rio o destinat rio e de assinatura constru o do interlocutor ou remetente no senso comum Como j se disse entre a carta de amor e a comercial constatam se por exemplo diferentes tipos de vocativo que indicam distintos graus de intimidade entre os interlocutores aqui estilo e estrutura composicional se articulam lembrando que o estilo se manifesta em dada estrutura 2 of Maingueneau 1995 p 139 cf Maingueneau 1995 p 140 H of Maingueneau 1995 p 141 59 Por fim a tem tica engloba essencialmente a no o de percursos tem ticos No caso espec fico das cartas de amor pode se fal
56. a de ver a linguagem por todos os lados A Ana Dalva in memoriam Gisele Scavasin Andr a Albuquerque Marcel Reginato Marcos Batistela Cl udio Martins Djalma In s e Georges pelos sonhos que sonhamos juntos A Mauro Puerro Arnald o e Mello pela paix o segundo a revolu o A Sorocaba por ouvir as diversas vozes do concerto polif nico do discurso cient fico A Paran poeta do comportamento pela delicadeza com que conjuga arte ci ncia e educa o A Ang lica Arbex Marta Negreiros Elaine Senise Rose Fornazari Renato Freire Nelson Bacic Olic Eduardo Soveral e Lorenzo Fiaccadori que viram no ainda aprendiz um poss vel mestre A Omar Jubran porque o nosso cancioneiro um derramamento de l grimas A N lson de Castro porque as enciclop dias tamb m frequentam os bares da vida A Pl nio Martins Filho Pl nio Coelho e S rgio Cohn pela cren a na biblioteca de Borges pela presen a no mundo dos livros A Antonio Medina Rodrigues e D cio Ant nio de Castro por nosso amor comum pelas nove musas A Cust dio Porto por nossas afinidades eletivas A Ricardo Valadares por encarnar o amor humor oswaldiano A Marcela e L cia que tornaram mais leves as minhas tardes na USP Aos meus amigos da Livraria Cortez C sar V tor Marcel Marc lio Samuel Ednilson e Roberto Pagu pelo acesso a grande parte da bibliografia desta pesquisa Aos meus amigos do Anglo de S o Paulo sob
57. ainda apegado a ele busca reatar o la o estabelecendo nova conjun o Em um caso est em curso a disjun o somente esvaziando se o sujeito estar na posi o de uma nova busca pronto para outra Noutro a disjun o est consumada vazio o sujeito busca novamente a plenitude Enquanto um sujeito marcado pela conten o pela parada da continua o o outro se caracteriza pela distens o pela parada da parada Do ponto de vista aspectual a carta de restabelecimento do elo marcada pela iteratividade tra o caracter stico do tema do recome o Evidentemente h tamb m o tra o da incoatividade que est presente tanto na carta de estabelecimento do elo quanto na de restabelecimento a diferen a que naquela a aspectualiza o indica o come o e nesta que h uma parada anterior que o sujeito deseja interromper para voltar a imperar a for a da continuidade Segundo Tatit tudo que prov m da primeira parada da primeira tomada de posi o remissiva um esfor o no sentido de restabelecer o cont nuo 1998 p 17 No estabelecimento o sujeito n o parte de uma parada isto de uma disjun o anterior como se diz no senso comum a hist ria come a do zero Se a carta de restabelecimento se orienta a partir do movimento de parada da parada interrompendo a continua o da parada a carta de ruptura do elo por sua vez marcada pe
58. algu m que segue uma dire o a dire o do objeto e portanto compromete se com um sentido Tatit 1998 p 53 132 Grifos nossos 133 Grifos nossos 134 De acordo com Tens o e significa o a plenitude e a falta pertencem d ixis da presen a a N vacuidade e a inanidade d ixis da aus ncia Fontanille e Zilberberg 2001 p 131 117 vacuidade existencial A perda dos tra os sens veis vitais indicia o esvaziamento modal no n vel narrativo e o vazio tematizado como morte no n vel discursivo isso que se constatou tamb m em Alfred de Musset ou no samba de Vin cius em que o eu sem a presen a da amada se reduz a ningu m e enfim desloca se da posi o de vazio para a consci ncia da falta e a busca de uma nova plenitude para essa dire o que apontam os versos Ai que saudade Que vontade de ver renascer nossa vida Volta querido Na busca das recorr ncias dos tra os invariantes o mesmo que se d tamb m em Volta de Lupic nio Rodrigues Volta vem viver outra vez ao meu lado N o consigo dormir sem seu bra o Pois meu corpo est acostumado No primeiro caso a palavra renascer indica a busca da reconcilia o como sugere o prefixo re no segundo caso o desejo de reatar o elo aparece explicitamente no pedido vem viver outra vez ao meu lado Nas duas can es a palavra volta
59. comercial r pida e objetiva A cena gen rica carta de amor Presen a de vocativos que indicam maior afetividade maior intimidade entre 66 os interlocutores como Minha querida minha alegria Querid ssima e bon ssima 2568 2370 67 A i 69 nei mulher Meu bem Minha Norazinha silenciosa Elzinha meu divino amor 5571 Meu querido menino etc Presen a de assinaturas marcadas pela informalidade e que produzem efeito de sentido de intimidade como Teu Graciliano Chiquinho O Fogo Foguinho Eu etc Muitas assinaturas s o acompanhadas de apostos tamb m de teor ntimo como Teu fidel ssimo esposo e amigo W A Mozart Seu eterno marido Dostoievsky e Seu devotado e ligeiramente delirante amante Henry 6 Carta de Vladimir Nabokov a Vera Nabokov Orsini 1999 p 193 7 Carta de Mozart a Constanze Orsini 1999 p 189 68 Carta de Pedro I Marquesa de Santos Orsini 1999 p 109 Carta de James Joyce a Nora Barnacle Orsini 1999 p 101 70 Carta de Nelson Rodrigues a Elza Orsini 1999 p 106 7 Carta de Oscar Wilde a Lord Alfred Douglas Orsini 1999 p 108 12 Carta de Graciliano Ramos a Heloisa Medeiros Orsini 1999 p 28 73 Carta de Chico M rio a N via Orsini 1999 p 60 74 Carta de Pedro I Marquesa de Santos Orsini 1999 p 110 75 Carta de Maiakovski a Lili Br
60. conjun o marcada lingiiisticamente nesse caso por meio do processo de forma o do nome do casal que composto por aglutina o Tarsila Oswald Tarsiwald 185 casada com o m dico Os rio C sar para ent o iniciar seu relacionamento com Lu s Martins A Tarsila da poca figurativizada por Ana Lu sa por meio dos seguintes tra os a partir de depoimentos dos que conheceram a pintora e conviveram com ela Mesmo balzaquiana era uma mulher deslumbrante Al m de impressionar pela beleza ex tica exuberante impressionava pela intelig ncia cultura vivacidade Fora educada na Europa mas passara a inf ncia em fazendas no interior do estado de S o Paulo Era chique sem ser esnobe era aristocr tica e ao mesmo tempo simplic ssima A todos encantava e os homens ca am a seus p s N o foi diferente com meu pai A abund ncia de relacionamentos as separa es a pris o tudo isso aliado total e desafiadora falta de convencionalismo de Tarsila eram um esc ndalo para a poca e principalmente para a moral provinciana da fam lia Martins 2003 p 20 22 Por fim quanto ao ltimo v rtice do tri ngulo Anna Maria Martins era filha de uma 201 Ea 1 200 bis SER prima irm de Tarsila Casou se com Lu s Martins em 1952 enfrentando a resist ncia familiar 2 conforme depoimento dele 197 Os rio C sar teve um importante trabalho psiqui trico no Hospital do
61. considerar o sincretismo como o procedimento ou seu resultado que consiste em estabelecer por superposi o uma rela o entre dois ou v rios termos ou categorias heterog neas cobrindo as com o aux lio de uma grandeza semi tica ou ling stica que os re ne Greimas e Court s 1983 p 426 Em Latim por exemplo h lexemas distintos para indicar o branco opaco e o branco brilhante No primeiro caso diz se albus no segundo candidus cada nominativo designa uma no o espec fica Em Portugu s as no es est o sincretizadas no termo branco o sincretismo se torna resol vel pela aposi o de adjuntos adnominais que operam a especializa o de sentido 84 fam lia podendo contudo ocorrer nela irm os por exemplo podem querer se bem sem ser amigos A fil a portanto estabelece outro la o entre os sujeitos a rela o passa a ser marcada pela troca n o mais pela doa o O sujeito que d amor ao outro espera ser sancionado positivamente aguardando a retribui o Os valores investidos no objeto podem ser o interesse o carinho a hospitalidade a cumplicidade a franqueza etc Nesse tipo de amor n o se investe no objeto o valor prazer sexual Em contrapartida o amor denominado como ros aquele em que o sujeito investe no objeto exatamente o prazer sexual que n o se verifica no amor fil a Trata se do chamado amor e
62. cora o e que vai estar sempre ao seu lado em qualquer momento de sua vida s voc chamar Com amor de sua m e Orsini 1999 p 138 Nessa esp cie de amor a m e como sujeito tem como objeto de querer o filho no qual investe cuidado carinho aten o Trata se de um querer intenso como se percebe pela express o do fundo do cora o a localiza o espacial em um ponto extremo 5 Carta de Adriana ao filho Michele personagens do romance epistolar Caro Michele de Nat lia Ginsburg Orsini 1999 p 121 Carta de Cazuza a L cia Ara jo Orsini 1999 p 124 carta de Henfil a D Maria Orsini 1999 p 143 Carta de Rudyard Kipling ao filho Orsini 1999 p 145 8 Carta de Tenessee Williams a Donnie Orsini 1999 p 159 Carta de Van Gogh a Th o Orsini 1999 p 164 carta de Mariana a Joana personagens do livro Novas cartas portuguesas de Maria Isabel Barreno Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa Orsini 1999 p 151 carta de Clarice Lispector a T nia Kaufmann Orsini 1999 p 127 100 Carta de Vanka a seu av no conto Vanka de A P Tchecov Orsini 1999 p 166 87 fundo indica a tonicidade forte do sentimento figurativizado pelo cora o figura que reveste o tema do amor Esse querer tem nome o que se denomina geralmente de amor de m e Esse querer incondicional aspectualizado pela duratividade como sugerem resp
63. da embreagem Prosseguindo a an lise desse mecanismo enunciativo verifica se que na vertigem actancial caracter stica do discurso passional o cora o assume o papel de objeto ocupando o lugar do ausente que se quer fazer presente Nos termos de Denis Bertrand Por deslizamentos progressivos o discurso efetua de fato uma verdadeira constru o em abismo actancial Uma an lise r pida mostra que passamos do actante epistolar que postula a rela o inicial ao valor pat mico com que o sujeito o investiu e que o transforma em objeto de busca ou de desejo Esse valor selecionado se acha ent o isolado e transformado em actante aut nomo Bertrand 2003 p 387 O cora o passa a valer assim como objeto modalizado como desej vel o eu como sujeito do fazer n o coloca o voc como sujeito de estado em conjun o com o eu como objeto mas com o actante figurativizado pelo cora o Tal fato acaba originando ent o uma verdadeira nebulosa actancial Bertrand 2003 p 387 Nessa perspectiva da cena enunciativa constru da em abismo actancial Bertrand 2003 p 386 vale destacar novamente a seguinte passagem A vai meu cora o com muitas saudades desejando para voc tudo que h de bom Martins 2003 p 67 Se o cora o preencheu antes o papel de objeto ocupa agora o papel de sujeito de fazer trata A se do actante que quer colocar
64. de amor segundo o simulacro metodol gico do percurso gerativo de sentido este cap tulo tem por finalidade aprofundar a abordagem do sujeito amoroso no n vel discursivo Para tanto pretende investigar a constru o dos atores em cenografias amorosas espec ficas a partir do exame das cartas de Tarsila do Amaral e de Anna Maria Martins para Lu s Martins Assim depois da apreens o de certos elementos invariantes ou seja de tra os recorrentes em cartas de amor de distintas pocas e espa os procede se agora an lise de cartas reveladoras de um quadro cultural bem marcado trocadas por sujeitos bem semantizados Considerando que as cenografias analisadas se desenvolvem na circunscri o de um g nero particular o que significa que o discurso escolhe o g nero para a legitima o de sua cena enunciativa ser o recuperadas certas no es desenvolvidas no cap tulo 1 acerca do estatuto do g nero carta Para tal an lise deve se retomar fundamentalmente a id ia de cena de enuncia o Conforme foi apresentado ela se subdivide em tr s tipos de cena a cena englobante a cena gen rica e a cenografia A primeira refere se s esferas de circula o ou seja aos dom nios em que os textos circulam as cartas est o vinculadas atividade de comunicar se dist ncia o subg nero carta de amor relacionado atividade de comunica o amorosa A segunda est ligada categoria g nero
65. de fecho de despedida e o assunto 20 Reproduzindo sob forma de simulacro no interior do discurso a estrutura da comunica o o di logo pressup e os dois actantes destinador e destinat rio que s o ent o denominados conjuntamente interlocutores ou separadamente interlocutor interlocut rio Greimas e Court s 1983 p 239 40 tratado Numa carta de amor por exemplo marcada por um estilo mais ntimo pode se usar um vocativo como maravilhoso tesouro de carne e de esp rito a um fecho de 22 E uma assinatura como Seu devotado e despedida como te adoro te cubro de beijos ligeiramente delirante amante Henry Numa carta comercial cujo g nero exige maior distanciamento entre os interlocutores e linguagem formal seria utilizado um vocativo como Senhor Empres rio um fecho de despedida como atenciosamente e uma 24 i Articulam se assim as assinatura como Os rio de Almeida Diretor Administrativo tr s categorias uma vez que o estilo e a tem tica se realizam em uma determinada forma composicional Definida a categoria g nero deve se proceder agora abordagem da categoria tipo a fim de estabelecer as diferen as entre as duas denomina es Os tipos devem ser tomados como formas ling sticas mais espec ficas que entram na composi o dos g neros estes definidos como formas comunicativas Bronckart 2003 p 15 Com
66. desejo impulsiona a performance tornando o sujeito realizado O querer essa vontade e essa emo o que d partida ao movimento narrativo Lopes 1989 1990 p 154 155 A exist ncia modal do sujeito amoroso assim tribut ria do querer e 29 bi ma o amor cresce na dire o do amante como express o da busca do sujeito por valores como o prazer sexual e a fidelidade por exemplo Uma vez em conjun o o sujeito 134 desdobra toda a extens o de seu querer sobre o objeto Greimas e Fontanille 1999 p 186 ent o que o querer conquista um nome e nomeado alcan a um estatuto o sujeito amoroso um sujeito volitivo apegado intensa e exclusivamente a seu objeto Quanto mais forte o apego a for a do querer mais o sujeito amoroso tende a se confundir com seu objeto de valor de certa forma pode se pensar que o apego intenso tamb m chamado desejo a absor o do sujeito pelo objeto esse investimento integral e alienante do sujeito Greimas e Fontanille 1993 p 195 Quanto fus o dos actantes ela se expressa inclusive em termos figurativos como atesta o seguinte trecho de uma carta de Chico M rio a N via N via Nossa primeira filha vai chamar N via Eu vou chamar N via eu vou chamar voc Orsini 1999 p 59 Como se percebe o sujeito de tal forma absorvido pelo objeto que no plano discursivo um ator se funde ao outro Esse instante
67. desloca se para a inst ncia da sem ntica discursiva onde se diferenciam discursos tem ticos e discursos figurativos Barros 1988 p 111 2 43 Opera dominantemente com verbos de a o enquanto a descri o recorre a verbos de estado Quanto aos tempos verbais verifica se um regime distinto daquele do tipo descritivo no tipo narrativo dominante o sistema do pret rito composto pelo pret rito perfeito pelo pret rito imperfeito pelo pret rito mais que perfeito e pelo futuro do pret rito o tipo textual que predomina em g neros como o romance a novela o conto a pe a teatral o filme o depoimento em ju zo etc Nas cartas de amor por exemplo o enunciador recorre a esse tipo para mostrar as transforma es de estado do sujeito na rela o amorosa da disjun o conjun o com o objeto como ocorre nas cartas de restabelecimento do elo existencial os amantes estavam separados e retomam a rela o da n o conjun o disjun o como ocorre nas cartas de ruptura do elo existencial os amantes estavam em crise e acabam rompendo a rela o etc e Injun o Trata se de um tipo de segii ncia que tem por objetivo geral levar o interlocutor a agir de determinada maneira numa determinada dire o Em outros termos um texto que intenciona fazer fazer para tanto dizendo como agir Por meio da sequ ncia injuntiva ent o o enunciador tran
68. desta disserta o a homologa o com a semi tica de linha francesa ocorrer de fato no item 1 4 41 os tipos s o constructos te ricos definidos por propriedades lingii sticas intr nsecas constituem segii ncias lingii sticas ou segii ncias de enunciados no interior dos g neros e n o s o textos emp ricos sua nomea o abrange um conjunto ilimitado de categorias te ricas determinadas por aspectos lexicais sint ticos rela es l gicas tempos verbais In Bezerra Dion sio e Machado 2002 p 23 Quanto s denomina es dos tipos pode se falar em seis segmentos textuais b sicos a descri o a narra o a injun o a argumenta o a opini o e a exposi o Os tr s ltimos podem ser agrupados numa esp cie de macro tipo a disserta o necess rio agora definir cada um desses tipos a partir de suas propriedades ling sticas uso dos tempos verbais aspectos sint ticos rela es l gicas l xico para ent o verificar como as v rias sequ ncias se realizam no g nero carta especificamente na correspond ncia comercial e na carta de amor e Descri o Descrever retratar por meio de palavras pessoas coisas lugares sentimentos criar verbalmente a imagem de um objeto Descrever assim fazer o enunciat rio perceber o objeto retratado por meio da sele o de tra os que produzem efeitos de sentido de objetividade e de subjetividade de aproxima o
69. do ator o todo dominado pelo aspecto incoativo Greimas e Fontanille 1983 p 26 125 cf Zilberberg 1984 Fontanille e Zilberberg 2001 107 Tamb m quando se verifica a resist ncia do apego s conting ncias da jun o est presente a no o aspectual de continuidade o apego que resiste por exemplo morte da pessoa amada atesta que o amor continua apesar da disjun o pragm tica nem a morte separa O apego permanece inabal vel como se nada houvesse acontecido o que n o mais parece continuar a ser Por outro lado entende se que um amor interrompido sofreu uma opera o de parada caracterizando se pela no o de descontinuidade de terminatividade na atmosfera da tens o no n vel narrativo a parada se manifesta na disjun o entre sujeito e objeto desapego que se traduz no n vel discursivo como a ruptura da rela o amorosa A figura do la o desatado ou da alian a desfeita por exemplo concretiza bem essa id ia Em outros termos atar as pontas sugere um fazer orientado pela for a da atra o desat las pela for a da repuls o No caso de uma carta de restabelecimento do elo existencial depois de uma parada que interrompe a rela o sujeito objeto o sujeito busca uma nova conjun o as palavras reatar e restabelecer manifestam no prefixo re o tra o aspectual da iteratividade Nos termos de
70. do elo pela duratividade a ruptura pela terminatividade o restabelecimento pela iteratividade Cada subg nero de carta de amor se caracteriza pela domin ncia de um desses percursos que reunidos tentam dar conta dos movimentos poss veis que simulam os caminhos e descaminhos da vida amorosa O detalhamento da constru o de cada um desses quatro movimentos na perspectiva metodol gica do percurso gerativo de sentido tem in cio no t pico seguinte 104 2 2 O grau zero do amor a atra o e a repuls o O sentir se oferece primeira vista como uma maneira de ser natural anteriormente a toda marca ou gra as elimina o de toda racionalidade Situar a paix o num al m da emerg ncia da significa o anteriormente a toda articula o semi tica sob a forma de puro sentir seria como captar o grau zero do vital o parecer minimal do ser e que constitui sua tela ntica Greimas e Fontanille 1993 p 22 como o grau zero de todos os lugares em que se forma o desejo muito especial que tenho por aquele outro Barthes 2003 p 11 O apego e o desapego s o algumas no es que manifestam os valores juntivos em nossa cultura Tatit 1998 p 52 No n vel mais abstrato de sentido essas rela es s o orientadas respectivamente pelas for as de atra o e de repuls o No n vel narrativo o apego se traduz na conjun o entre sujeito e objeto o desapego em contrap
71. e o presente t pico desta disserta o o que se entende por esferas de circula o n o raro tratada tamb m como equivalente de g nero N o se deve considerar por exemplo o discurso jur dico como um g nero uma vez que ele o espa o 50 em que circulam distintos g neros todos ligados a essa esfera de atividade institucionalizada a peti o inicial o mandado de seguran a a senten a judicial a carta precat ria a contesta o etc Nessa linha o discurso amoroso tamb m n o um g nero mas um dom nio em que se realizam g neros diversos como o poema de amor a can o de amor a carta de amor etc O mesmo vale para o discurso comercial que engloba g neros como o relat rio o memorando a carta comercial etc ou para o discurso midi tico que abarca g neros como a not cia a reportagem a entrevista o editorial a cr nica esportiva a charge etc Marcuschi atribui outra denomina o para as esferas de circula o chamando as de dom nios discursivos A defini o que o ling ista d ao termo a seguinte Usamos a express o dom nio discursivo para designar uma esfera ou inst ncia de produ o discursiva ou de atividade humana Esses dom nios n o s o textos nem discursos mas propiciam o surgimento de discursos bastante espec ficos Do ponto de vista dos dom nios falamos em discurso jur dico discurso jornal stico discurso religioso etc j que as ativ
72. e obst culos felicidade alheia e O estilo Anna Maria Diferentemente de Tarsila Anna manifesta um modo de ser em que o afeto marcado por uma rela o de apego mais intensa com o objeto Trata se de um ator assim aspectualizado pelo excesso Isso p de ser notado por exemplo no tom hiperb lico de constru es como morta de saudades Martins 2003 p 117 e louca de saudades Martins 2003 p 112 Esse tom tamb m est marcado nos superlativos muit ssimo em eu te amo muito muit ssimo e sentido muit ssimo a sua falta e content ssima em Fiquei content ssima com a sua carta Martins 2003 p 112 O modo de dizer recorrente assim cria um efeito sujeito o modo de ser Anna Maria 24 Considerando que o sentido nasce da rela o no confronto entre os dois the que se nota o equil brio de um e o excesso de outro 240 Esse querer intenso se manifesta em pedidos insistentes dirigidos ao outro como na passagem Eu quero tanto que voc v comigo Martins 2003 p 137 o intensificador tanto expressa o gradiente t mico do desejo como uma maneira de pressionar o outro a satisfaz lo Enquanto Tarsila silencia Anna cobra Na constru o Escreva uma carta bem longa o adv rbio bem marca novamente o tom hiperb lico do sujeito excessivo um sujeito que sempre pede que n o se cansa de solicitar e que n o se c
73. era preciso inventar tudo outra vez que o c digo n o fora seguido que as chaves e as cifras ter o de nascer de novo ser diferentes responderem a outra coisa Apenas o prazer em seu ltimo esvoa ar igual antes e depois o mundo faz se em peda os e preciso cri lo de novo dedo por dedo l bio por l bio sombra por sombra Cortazar 1982 p 380 167 Para terminar este t pico sobre a constru o semi tica do corpo do ausente que possibilita a fus o dos sujeitos apaixonados dist ncia lapidar a seguinte passagem de O jogo da amarelinha de Julio Cort zar Toco a tua boca com um dedo toco o contorno da tua boca vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha m o como se pela primeira vez a tua boca se entreabrisse e basta me fechar os olhos para desfazer tudo e recome ar Fa o nascer de cada vez a boca que desejo a boca que minha m o escolheu e te desenha no rosto uma boca eleita entre todas com soberana liberdade eleita por mim para desenh la com minha m o Ent o as minhas m os procuram afogar se nos teus cabelos acariciar lentamente a profundidade do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tiv ssemos a boca cheia de flores ou de peixes de movimentos vivos de fragr ncia obscura E se nos mordemos a dor doce e se nos afogamos num breve e terr vel absorver simult neo de f lego essa instant nea morte bela E j existe uma s saliva e um s sa
74. esse efeito passional decorre da combina o do querer ser com o saber n o poder ser mas pressupor um percurso narrativo com pelo menos duas etapas a da felicidade ou satisfa o em que o sujeito espera confiante os valores desejados quer ser e sabe poder ser e a da frustra o propriamente dita em que o sujeito continua a desejar os valores mas sabe ser imposs vel a realiza o de seus anseios Barros 1989 1990 p 64 A id ia de priva o de um desejo ou de uma necessidade como disse Barros traduzida por Barthes da seguinte maneira O discurso da Aus ncia um texto composto de dois ideogramas h os bra os erguidos do Desejo e h os bra os estendidos da Necessidade Barthes 2003 p 40 211 N o todavia pelo fato de dizer que n o tem ressentimento que ela manifesta um thos desprendido resignado equilibrado mas por mostrar isso em sua enuncia o n o h acusa es n o h xingamentos n o h palavras avaliativas disf ricas Seria incoerente por exemplo o interlocutor dizer no enunciado n o esperar nada do interlocut rio e ao mesmo tempo fazer exig ncias a ele interpelando o por meio de termos agressivos o que o enunciado diria modo do parecer seria desautorizado nesse caso pelo que a enuncia o mostraria modo do ser Nessa mesma carta de 3 de mar o de 1952 ali s a postura serena comedida marcada pelo desprendimento manifesta se nas seguintes palavras O que m
75. exemplo parecem considerar o crit rio da atividade social em que se d a comunica o verbal conforme indicam os adjetivos comercial e administrativa a carta de amor por outro lado parece contemplar o conte do tem tico veiculado expresso pela locu o adjetiva de amor a carta aberta denominada dessa maneira em raz o do destinat rio aberta ao p blico em geral a carta de presidi rio assim nomeada em fun o da identidade social do remetente a especifica o pela locu o adjetiva o evidencia e assim por diante Isso justifica a preocupa o do cap tulo 1 necess rio antes de proceder ao exame dos textos particulares esclarecer o que g nero e quais s o os crit rios para o seu reconhecimento a fim de propor uma perspectiva de tratamento das diversas formas de intera o epistolar em geral e das cartas de amor em particular A carta como forma espec fica de comunica o manifesta dada pr xis enunciativa dado ritual discursivo que a caracteriza como g nero Neste cap tulo interessa examinar as leis de funcionamento desse fazer comunicativo as caracter sticas que permitem o reconhecimento do g nero Acolhe se para tanto o conceito de endog nese de Lessing buscando regularidades recorr ncias que configuram um modo de ser gen rico a presen a ou a aus ncia de um elemento no texto determinada pelas leis da arte que se pratica Todorov 1981 p 32
76. falar propriamente em exclusividade uma vez que nesta se 106 destacam unidades sujeitos individualizadas no seio da coletividade Os filhos para os pais em geral s o representados como constitutivos de uma totalidade partitiva n o como unidades integrais Isso se expressa por exemplo em frases como todos os filhos s o fa 107 iguais para os pais os pais amam igualmente a todos os filhos Focalizando esse componente quantitativo como elemento diferencial do tipo de amor que objeto desta disserta o o tra o da exclusividade confere ao apego uma marca espec fica nessa situa o o sujeito apegado ao objeto seria um sujeito cuja totalidade integral estaria consagrada a esse objeto Greimas e Fontanille 1993 p 183 Em outros termos trata se de um sujeito exclusivo que admite portanto um nico objeto h uma rela o necess ria entre A e B e n o entre A e N o B O objeto desse apego exclusivo assim modalizado pelo dever ser em outros termos para A o objeto n o pode n o ser B o dever ser restringe o horizonte do sujeito a um nico objeto Greimas e Fontanille 1993 p 196 O objeto visto pelo sujeito assim como uma totalidade sem resto uma soma sem exce o um lugar sem nada ao lado Barthes 2003 p 275 105 No instituto da ado o por exemplo verifica se bem a n o exclusividade do sujeito e a partitividade do
77. gas r E No confronto entre as duas cenas gen ricas o seguinte cabe alho tamb m esclarecedor S Paulo 19 11 50 domingo O cron nimo domingo est exclu do das rela es comerciais uma vez que o dia dedicado ao descanso semanal da rotina de trabalho Trata se de um dia reservado vida privada s rela es pessoais esfera da intimidade a modalidade do dever que orienta o fazer do sujeito nas rela es de trabalho cede vez ent o modalidade do querer Sai de cena o sujeito obrigado entra em cena o sujeito desejante 189 Sustento ao infinito para o ausente o discurso de sua aus ncia situa o em suma inaudita o outro est ausente como referente presente como alocut rio Dessa distor o singular nasce uma esp cie de presente insustent vel fico acuado entre dois tempos o tempo de refer ncia e o tempo da alocu o voc partiu do que estou me queixando voc est aqui j que me dirijo a voc Conhe o ent o o que o presente este tempo dif cil um puro peda o de ang stia Barthes 2003 p 38 E importante deixar claro que a ancoragem espacial e a temporal s o fundamentais para a apreens o das grades culturais remetendo s condi es de produ o do enunciado n o se pode desprezar assim na an lise da constru o dos atores o lugar e o momento em que escrevem Abstrair esses dados desconsiderar a historicidade constitutiva dos
78. grandes almas difundir ao seu redor a e 241 perturba o que sentem Entretanto esconder totalmente uma paix o ou mesmo simplesmente seu excesso inconceb vel n o porque o sujeito humano seja demasiadamente fraco mas porque a paix o por ess ncia feita para ser vista preciso que o esconder seja visto saiba que eu estou escondendo alguma coisa de voc tal o paradoxo ativo que devo resolver preciso que isso seja ao mesmo tempo sabido e n o sabido que saibam que eu n o quero mostrar esta a mensagem que dirijo ao outro Cubro minha paix o com uma m scara mas com um dedo discreto R 2 242 designo essa m scara Os signos verbais ficar o encarregados de calar de mascarar de iludir jamais mencionarei verbalmente os excessos de meu sentimento Nada tendo dito das devasta es operadas por essa ang stia sempre poderei quando ela houver passado ficar trangiiilo por ningu m ter sabido de nada Poder da linguagem com minha linguagem posso fazer tudo at mesmo e sobretudo n o dizer nada Barthes 2003 p 155 O ato de rasgar as cartas que pode sugerir fora de contexto uma atitude de destempero t pica de um sujeito tomado pela paix o no caso de Tarsila indica o contr rio mais uma vez o imp rio da reta raz o se sobrep e ao desejo e as paix es impedindo 240 E as A E x Ela n o diz por exemplo volte logo n o agiiento de sa
79. j que no caso um nico ser necess rio O homem deve limitar se a reconhecer sua presen a a confrontar com esta imagem que traz consigo sem saber recoberta por um pesado v u de noite que repentinamente se rasgar gra as ao encontro A maioria dos homens no mundo presente se limita a uma triagem sum ria a partir de considera es apenas tangentes ao amor quando n o estranhas P ret 1985 p 36 Como se percebe nessa id ia do sentimento o amor exclusivo requer um nico ser em termos semi ticos o que ocorre de fato uma opera o de triagem em que os valores euf ricos s o concentrados num nico objeto excluindo se o que deve n o ser E isso que se nota no seguinte trecho de uma carta de Machado de Assis a Carolina Xavier de Novais Tu n o te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido Esp rito e a y 108 pr aji a cora o como o teu s o prendas raras alma t o boa e t o elevada sensibilidade t o melindrosa raz o t o direta n o s o bens que a natureza espalhasse s m os cheias 2 109 pelo teu sexo Tu pertences ao pequeno n mero de mulheres que sabe amar e sentir Como te n o amaria eu Orsini 1999 p 36 Recorrendo a Zilberberg est o presentes a os valores do absoluto na circunscri o de uma tica da triagem essa defini o constitui se por oposi o que define o amor 108 O bom gosto constitu do de um conjunto de pref
80. livre aliando rapidez de poucos segundos a possibilidade de transmiss o caligr fica e de desenhos Ao fax prefiro o e mail e a Internet como fonte de dados e informa o com a possibilidade do di logo em praticamente tempo real embora a Internet se abra para um falso dialogismo conduzindo a uma nova forma de isolamento e solid o autocompulsiva Por isso Internet prefiro sem sombra de d vida ir Ir Ir Ir eu pr prio deslocar me em pessoa viajar ser meu pr prio mensageiro partir em poucas horas chegar tudo numa vertigem de transfer ncia comunicativa Por isso a todos os meios de comunica o vigentes eu preferirei seguramente o teletransporte instant neo seguro sem fadiga confort vel E ao teletransporte j sei que preferirei por raz es bvias a multipresen a simult nea uma esp cie de clonagem desmaterial que permitir aos seres humanos estar em muitos lugares ao mesmo tempo representando v rias e diferentes viv ncias e no entanto podendo sempre regressar ao lugar e tempo de origem Tudo se passando portanto num mesmo omnipresente presente E M de Melo e Castro In Galv o e Gotlib 2000 p 16 Esse fragmento de uma carta ensaio do escritor Melo e Castro providencial como intr ito desta disserta o uma vez que destaca elementos que ajudam a refletir sobre as motiva es que levaram escolha do g nero epistolar que tem sua raz o de ser exatamente na disjun o pragm
81. marido etc pertence ao n vel da vida amorosa 192 enunciado precisa seu significado Isso quer dizer que a assinatura no percurso do discurso amoroso relacionada a outros elementos como o vocativo epistolar e o fecho de despedida por exemplo perde a ambigiiidade que apresenta em estado virtual tornando resol vel o sincretismo A Truly que fala a Lu s Martins assim n o a mesma que se dirige aos pais neste caso realiza se o semema marcado pelos tra os associados rela o familiar naquele o semema marcado pelos tra os caracter sticos da rela o amorosa Isso permite dizer que no modo do parecer a assinatura sugere tratar se de uma nica Truly no modo do ser contudo trata se de distintos pap is A aposi o de um adjunto adnominal indicativo de posse tornaria resol vel o sincretismo nos seguintes termos nas cartas familiares a voz que fala a da Truly dos pais ou a dos irm os ou a dos tios etc nas cartas de amor a da Truly do amado Por fim quanto tem tica como se disse as cartas desse per odo s o de manuten o do elo existencial o interlocutor escreve para remediar a falta que a dist ncia provoca preservando dist ncia o elo que une os sujeitos Trata se de uma estrat gia discursiva para neutralizar a disjun o espacial e temporal entre os atores De acordo com Barthes A aus ncia dura preciso suport la Vou portanto manipul
82. modo do equil brio h algo de singelo e tranquilo nessas cartas Orsini 1999 p 172 importante deixar claro que a no o de justa medida se constr i em cada cenografia espec fica h situa es em que o excesso visto como a medida exata sendo 118 No ltimo terceto do soneto O meu desejo Florbela Espanca escreve traduzindo a no o de andamento mais lento e longevidade Deixa me andar assim no teu caminho Por toda a vida Amor devagarinho At a morte me levar consigo Espanca 2002b p 133 No ltimo terceto do soneto Escrava registra Ah esse verso imenso de ansiedade Esse verso de amor que te fizesse Ser eterno por toda a Eternidade Espanca 2002b p 134 100 o equil brio julgado como insufici ncia o que se pode depreender das seguintes palavras de Visconde de Valmont a Madame de Tourvel em que a tranquilidade um valor disf rico indesejado Creia me senhora a fria trangiiilidade o sono da alma imagem da morte n o levam felicidade apenas as paix es podem a ela conduzir Orsini 1999 p 47 O que interessa por ora que a diferen a entre os dois tipos de amor mais uma vez de gradiente t mico como mostra Luiz Tatit Assim quando a uni o atinge o auge da velocidade dizemos que o sujeito est em xtase Com o passar do tempo se a uni o permanece certamente perder sua intensidade inicial e diremos ent o q
83. mostra o movimento de descontinuidade no relacionamento amoroso a parada na continua o da hist ria entre os amantes a disjun o entre sujeito e objeto Essa disjun o caracterizada pelo desinteresse n o pela avers o A disjun o nesse caso euf rica desejada sendo aceita pelo outro provoca al vio no sujeito al vio porque na verdade a nica solu o essa No caso do desinteresse como se conclui da carta de Pessoa o objeto pode receber outros investimentos sem nticos marcados pelo tra o t mico da euforia o amor de amante pode se converter em amor de amigo revendo se para tanto as no es de intensidade e de exclusividade e claro o valor investido no objeto J na situa o da avers o mais evidente o tra o t mico da disforia aqui o que era amor de amante pode se converter em desamor de inimigo conforme se pode notar no exame da carta de Augusto Frederico Schmidt A prop sito ao falar em inimigo n o mais o objeto que acentuado mas o sujeito Nesse quadro n o se trata mais das paix es simples resultantes da modaliza o 152 Considerando se a grada o entre as categorias e n o a simples nega o de uma por outra pode se pensar que o objeto mais disf rico do que euf rico como mostra Zilberberg no tratamento dos quantificadores plus e moins Zilberberg 2003 147 do objeto valor pelo querer ser
84. na verdade a busca da transforma o de um estado disjunto com o outro ausente para um estado conjunto com o ausente presentificado da falta plenitude o que ocorre por exemplo nas cartas de estabelecimento e de restabelecimento do elo existencial Deixando um pouco de lado a rela o entre sujeito e objeto para focalizar a manipula o que privilegia a rela o entre sujeitos uma abordagem preliminar pode ser orientada pela an lise do tema do desentendimento particularmente interessante porque poder conduzir tanto ruptura quanto ao restabelecimento do elo existencial Em se tratando de manipula o de rela o entre sujeitos o elo existencial se traduz em termos de contrato fiduci rio Como uma esp cie de posi o intermedi ria o desentendimento provocado por oscila es pat micas advindas de varia es fiduci rias parece situar o sujeito na posi o de 140 n o conjun o com o objeto isto na posi o da perda considerando que tem um valor tensivo associado descontinuidade e um valor narrativo associado no o de anti sujeito o desentendimento pode levar disjun o tematizada como ruptura Abalada a rela o de confian a fragilizadas as bases do contrato as fun es actanciais podem converter se em for as antag nicas expressas na rela o sujeito vs anti sujeito por exemplo as varia es modais epist micas como o crer n o ser conjunto em subst
85. nero escolhido Ent o que se diz que as coer es gen ricas imp em limites ao ator da enuncia o dimensionando a rela o entre os participantes da cena enunciativa No caso do estilo da cenografia o termo estilo entendido como modo recorrente de dizer como efeito de individualidade de um ator da enuncia o depreens vel de uma totalidade de discursos Nessa perspectiva que se diferenciam os atores que convocam o mesmo g nero a cenografia torna particular a realiza o da cena gen rica Em outros termos pode se dizer que numa carta de amor por exemplo todos os atores devem apresentar um estilo ntimo ou seja as marcas de intimidade exigidas pelo estilo do g nero O modo como cada ator manifesta a intimidade com o outro por m algo que decorre do estilo da cenografia h maneiras e maneiras de ser ntimo 175 Nas cartas de amor por outro lado outro quadro que se nota como se trata de um g nero menos padronizado h uma maior flexibilidade na constru o do thos isto uma maior presen a da enuncia o idioletal que revela as marcas pessoais do enunciador O estilo aqui se constr i n o somente no g nero mas na cenografia cada cenografia configura al m do thos do g nero distintas vozes diferentes corporalidades the particulares Investigando particularmente o problema do estatuto da cena gen rica constatou se que o g nero estabilizado po
86. novas tecnologias O gosto nesse caso seria na perspectiva de alguns um prazer quase arqueol gico O que faz da carta um objeto desej vel aqui exatamente o que leva os que a odeiam a conden la em nome das virtudes dos novos g neros de comunica o dist ncia a carta deixa mais evidente a disjun o pragm tica impossibilitando a partilha do tempo e do espa o entre os participantes da cena comunicativa Isso a torna interessante como forma de intera o particularmente no caso do g nero cartas de amor em que a dist ncia sentida afetivamente obrigando o enunciador a convocar recursos de ordem n o tecnol gica diferentes dos recursos tecnol gicos utilizados nos meios virtuais para construir uma cenografia que o presentifique ao outro presentificando o a si Melo e Castro diz que o amor epistolar nunca foi o seu modo de amar A carta de amor interessa exatamente como um modo de amar dist ncia fazendo ser presente o 6 e 2 ausente Esta disserta o um modo de amar as cartas de amor 5 A constru o desses objetos semi ticos atua como programa de uso cujo programa de base tem por fun o outra forma de intera o Em termos semi ticos a constru o do objeto carta nos interessa como programa de uso que dota o sujeito de compet ncia para a perf rmance realizando a conjun o dist ncia programa de base 18 0 2 Um modo de intera o dist ncia Estimo que este mal
87. o da amada provedora segundo mostra este trecho de uma carta de Jean Cocteau a Jean Marais Eu s vivo por voc Orsini 1999 p 70 Isso o mesmo em outros termos que Maiakovski diz a Lili Brik N o h vida sem voc Tudo tudo o que me dava prazer perdeu valor e agora me repugna Orsini 1999 p 232 Observa se aqui novamente que o sujeito eu se define pelo desejo de 138 conjun o com o objeto voc que por outro lado desempenha tamb m o papel actancial de destinador respons vel pelo fazer ser em que inscreve os valores felicidade prazer etc A conjun o com o objeto a via de acesso aos valores nele projetados por isso que como mostra Maiakovski a disjun o com o objeto assinala a perda dos valores e o esvaziamento do sujeito Nessa linha Alfred de Musset se dirige a Georg Sand N o posso viver sem ti tudo Orsini 1999 p 58 O sujeito voc no exerc cio da fun o de fazer ser quem permite atualizar o elo existencial entre os actantes colocando eu ent o em estado de priva o sem voc sou s desamor em conjun o com o valor felicidade Como diz Emma Goldman em carta a Ben Reitman Se tenho voc tenho o Mundo Que mais desejar Voc o meu tesouro precioso minha alegria o xtase da minha vida Vale notar que o sujeito totalmente absorvido pelo objeto todo o querer intenso e exclusiv
88. o interlocut rio voc na qualidade de sujeito de estado 201 em conjun o com os valores associados a tudo o que h de bom ou seja com os valores euf ricos respons veis pela manuten o do elo existencial entre os amantes No plano subjetal o cora o desempenha o papel de destinat rio que posto em conjun o com o valor modal querer pelo destinador eu A opera o de embreagem na qual a primeira pessoa o eu substitu da pela terceira o cora o disfar a o sincretismo que marca a auto manipula o Assim a rela o reflexiva no modo do ser manifesta se como rela o transitiva no modo do parecer Trata se de uma estrat gia discursiva que al m de fazer frente ao problema da disjun o pragm tica possibilitando a cria o do efeito de presen a tamb m procura se ajustar no o de uma dist ncia ideal do objeto aspectualizando no modo do equil brio o ator da enuncia o De acordo com Barthes essa id ia traduzida nos seguintes termos Sou apanhado num duplo discurso do qual n o posso sair Por um lado digo me e se o outro por alguma disposi o de sua pr pria estrutura precisasse de meus reclamos N o teria eu ent o uma justificativa para me abandonar express o literal ao dizer l rico de minha paix o O excesso a loucura n o seriam acaso minha verdade minha for a E se essa verdade essa for a acabassem por impressio
89. o poder a disjun o com o objeto implica a disjun o com os valores modais Sem o poder que emana do objeto fica 135 comprometido o querer projetado pelo sujeito Mais do que perder a compet ncia sua exist ncia fica afetada Ao sujeito carente resta tentar a reconcilia o ou romper o apego Mas como ensina Barthes decidindo renunciar ao estado amoroso o sujeito se v com tristeza exilado de seu Imagin rio Barthes 2003 p 185 A separa o do objeto chamada de disjun o no plano narrativo manifesta a categoria tensiva da descontinuidade produzindo efeitos pat micos relacionados falta a incompatibilidade entre o querer ser conjunto e o n o poder ser conjunto espalha na atmosfera do sujeito o perfume passional da inquietude esse querer ser conjunto impossibilitado pela dist ncia que ocorre neste trecho de uma carta de Chico M rio a N via Quero voc sinto falta de voc Orsini 1999 p 59 Ou no seguinte trecho de uma carta de Byron a Augusta Leigh Eu nunca deixei nem posso deixar de sentir por um momento que seja aquela uni o perfeita e sem limites que me ata e liga a voc Orsini 1999 p 124 Aqui como se nota o sujeito atado ligado ou seja em conjun o com o objeto voc sente se pleno num processo ilimitado de acumula o de valores cont nuos continua o da continua o num quadro de relaxamento Nos termos de Tatit trata se
90. o que ela j sabia e nunca mais tocaram no assunto Quando o pai morreu em 1981 a adolescente ent o adulta come ou a organizar o material dele como jornalista escritor e cr tico de arte Lu s Martins guardara centenas de cartas que foram doadas por ela para o Museu de Literatura da Casa de Rui Barbosa As cartas de Tarsila contudo por serem consideradas muito pessoais inclusive separadas das outras pelo pr prio pai ficaram com a fam lia arquivadas junto com a correspond ncia de parentes e outra papelada mais ntima Martins 2003 p 14 Alguns anos depois pensando em doar outros textos do pai agora ao MAM de S o Paulo Ana Luisa releu as cartas de Tarsila dando se conta de que tinha em m os um registro in dito de parte da vida e uma parte pouqu ssimo conhecida daquela que considerada hoje por muitos a maior pintora brasileira do s culo XX Martins 2003 p 15 Como se depreende dessas palavras Tarsila enquanto persona muito conhecida mas n o como pessoa o papel social da pintora foi investigado em diversas publica es mas o papel individual da mulher de conhecimento bem mais restrito Os antrop nimos mais uma vez s o reveladores a persona que assina nos quadros Tarsila do Amaral a faceta p blica da pessoa que assina nas cartas Truly esp cie de identidade secreta privada reservada para os ntimos essa Tarsila entre quatro parede
91. o sujeito se v disjunto do objeto Estou sozinho insatisfa o soma se o ressentimento estado pat mico que se verifica por exemplo na rela o agressiva manifestada por meio da escolha de palavras marcadas por uma intensidade disf rica que assinalam a raiva do interlocutor na 154 constru o da imagem do interlocut rio futilidade est pida As paix es complexas portanto definem se pela combina o compat vel em maior ou menor grau do querer ser com o saber sobre as possibilidades de ocorr ncia ou n o da conjun o desejada pelo sujeito da espera O saber poder ser sobremodaliza a espera S o os casos de tristeza 153 Sobre essa quest o vale lembrar o seguinte bastante freq ente a manifesta o espacial do aspecto sobretudo pelo tra o da profundidade al m de arraigado em amargura h profundamente em ressentimento e rancor Barros 1989 1990 p 66 154 Quanto rela o objetal o sujeito passa a ver no objeto n o mais os tra os euf ricos que o faziam desej vel mas os tra os disf ricos indesej veis que transformam o apego em desapego o desejo em avers o 148 pesar tormento tortura ang stia afli o ou de alegria felicidade contentamento Barros 1989 1990 p 64 O que se verifica nas cartas de amor em que se focaliza a cren a no outro como o caso das cartas de restabelecimento do elo existencial a instaura o do qu
92. os cabelos e logo tens a m o cheia de esperma Orsini 1999 p 77 No momento da enuncia o o narrador manifesta o estado pat mico de tristeza advindo da disjun o com o objeto figurativo em que investe o valor prazer Recorrendo como Rosa Luxemburgo a uma embreagem temporal o ator da enuncia o Paul Eluard busca saciar a falta criando o efeito de simultaneidade na atualiza o da rela o intersubjetiva entre os amantes Por meio do uso do presente o interlocutor neutraliza o futuro acelerando o andamento da espera para adiantar a conjun o o que ainda ser j parece s lo Assim a tristeza sem ti converte se em gozo contigo expressando a satisfa o da falta a vacuidade se transforma em plenitude a disjun o vira conjun o a aus ncia se transmuda em presen a o corpo distante se concretiza e chega ao alcance das m os De acordo com Landowski essa ilus o enunciativa tem raz o de ser basta lhe declinar a gama dos estados que o fazem escrever em fun o das amp modula es por que passa seu desejo de presen a do sentimento de sua solid o amp certeza de um estar com com o Ausente ou da lembran a e da nostalgia alucina o de sua presen a como corpo Landowski 2002 p 177 No trecho a seguir de uma carta de Henry Miller a Brenda Venus por exemplo o interlocutor vai exatamente da lembran a da amad
93. p 19 O vocativo epistolar cria uma representa o figurativa do objeto de posse segundo o imagin rio jur dico do direito de propriedade A presen a do tra o da posse tamb m se verifica no uso de pronomes possessivos na interpela o do outro Meu Alex Zamora 2002 p 16 O tratamento da posse na configura o do apego amoroso enfim permite pensar no in cio da conjun o entre sujeito e objeto na manuten o da conjun o na disjun o e no restabelecimento da conjun o A possess o em sentido estrito dessa forma caracter stica das cartas de manuten o do elo existencial 98 Na defini o do amor deve se considerar tamb m o gradiente t mico do apego a intensidade que marca a rela o entre sujeito e objeto as oscila es de intensidade pr prias do conte do afetivo Tatit 1998 p 35 A partir desse crit rio notam se diferentes esp cies de amor Fala se por exemplo em amor paix o para indicar a maior tonicidade do sentimento a paix o nesse substantivo composto opera como um intensificador indicando o pico do querer o que atesta um trecho da carta do Visconde de Valmont Madame de Tourvel citada h pouco na agita o de uma paix o devoradora ou na completa dissolu o de todas as faculdades de minha alma Orsini 1999 p 47 Ou um trecho da carta de Alfred de Musset a George Sand tamb m h pouco apresentada Morro de
94. paix es malevolentes querer fazer mal da crueldade da dureza da aspereza da vingan a ou da revolta devidas s perdas mencionadas de valores e de confian a Barros 1997 p 171 O exame das cartas de Tarsila no quadro de ruptura inscreve a na primeira etapa do percurso passional da amargura os enunciados constru dos manifestam um thos marcado pela tristeza pela dolorosa saudade pela frustra o diante do rompimento como mostram as escolhas lexicais A dor todavia parece n o evoluir para o ressentimento trata se mais propriamente de uma paix o simples que resulta de um arranjo modal da rela o sujeito objeto e n o de uma paix o complexa que envolve a crise de confian a Como ela mesma diz em carta de 3 de mar o de 1952 Se n o quiser escrever isso n o ser motivo para ressentimento Martins 2003 p 181 253 bastante frequente a manifesta o espacial do aspecto sobretudo pelo tra o de profundidade Resta salientar ainda que os lexemas encontrados nesse grupo de paix es s o marcadamente sensoriais e gustativos em especial A figura do gosto articula se em amargo e azedo sempre em oposi o a doce Barros 1989 1990 p 66 24 Explicar uma paix o como a frustra o que se define como estado daquele que pela aus ncia de um objeto ou por um obst culo externo ou interno privado da satisfa o de um desejo ou de uma necessidade significa n o apenas dizer que
95. para n o ser interrompida acho melhor escrever Martins 2003 p 109 A possibilidade de interrup o permite pressupor que o tema de dif cil desenvolvimento a carta assim um g nero cuja convoca o se justifica n o s pela disjun o pragm tica ou pelo desejo de evitar interrup es mas tamb m pela dificuldade de dizer certas coisas frente a frente Al m disso a escrita permite um planejamento do dito que n o ocorre na comunica o imediata o sujeito cognitivo assim pode exercer maior controle sobre o sujeito passional evitando que o interlocutor diga o que n o deveria dizer e permitindo que diga o que n o conseguiria dizer na presen a do interlocut rio A respeito disso Elias Canetti diz analisando as cartas de Kafka a Felice que o autor de O Processo habituara se liberdade outorgada correspond ncia na qual permitido exteriorizar tudo Gra as a ela relaxa pelo menos em parte a inibi o que lhe causa 251 sofrimentos no trato com outras pessoas Canetti 1988 p 35 Disso se depreende que em dados contextos mais f cil dizer as coisas na aus ncia do outro do que na sua presen a a dist ncia nesse caso desejada provocando relaxamento al vio desinibi o 249 E gt k a 3 E m SE P O seguinte trecho da carta permite afirmar que n o havia disjun o pragm tica Quando convers vamos hoje pela manh hora que voc chegou Martins 2003 p
96. partitivo e ele como exclusivo Greimas e Fontanille 1993 p 188 89 A respeito dessa id ia de que o car ter participativo do objeto um efeito que resulta do consenso dos sujeitos tendo portanto uma natureza socioletal ou seja submetendo se s determina es culturais vale lembrar que a revolu o sexual dos anos 60 do s culo XX pregando o amor livre propunha uma revis o no quadro axiol gico dos valores nessa nova episteme o sujeito marcado pela n o exclusividade e o objeto pela partitividade Isso se expressa por exemplo na mudan a dos investimentos sem nticos no objeto a fidelidade marcada pelo tra o da exclusividade cede vez ao prazer sexual que pode ser investido em qualquer objeto Tal no o trabalhada no texto a seguir Diretamente relacionada com o hedonismo verificou se a chamada revolu o sexual Agora mais patente do que nunca um esp rito de companheirismo entre jovens de ambos os sexos As rela es sexuais pr matrimoniais transformaram se em moeda corrente n o s entre os noivos mas tamb m entre aqueles que simplesmente se estimam A liberdade sexual converteu se assim na alternativa de muitos jovens perante a forma tradicional dos mais velhos Ora bem a aten o atual dada ao prazer substitui nos jovens o que nos mais velhos foi promessa de fidelidade eterna Carandell 1979 p 93 5 A rela o amorosa nesse c
97. paz a cumplicidade o prazer sexual etc A descontinuidade assim afeta o sujeito modal que pode tornar se por exemplo impotente n o poder fazer e incompetente n o saber fazer como se constatou no exame de Apelo de Dalton Trevisan Nesse exemplo de busca do restabelecimento do elo existencial conforme j foi exposto o sujeito assume a falta e busca a plenitude alcan ada pela conjun o com o objeto ausente o papel pat mico de sujeito feliz uma efloresc ncia passional do apego um efeito de sentido que resulta da satisfa o que a conjun o provoca Vale notar que a conjun o est para a felicidade para a plenitude assim como a disjun o para o desamor para a tristeza que vem para a falta o que tamb m se verifica por exemplo quando Keats escreve a Fanny Brawn para mim objeto intensamente desej vel Orsini 1999 p 104 Trata se do sujeito modal do querer ou seja do sujeito desejante modalizado pelo querer ser conjunto na configura o do apego O sujeito assim orienta se em dire o continuidade ao quadro de relaxamento marcado pela conjun o com o objeto o querer ser leva ao fazer Desloca se assim para a posi o de plenitude Cada ser humano antev a sua plena realiza o enquanto ser naquele instante supremo da imers o do sujeito no seio do objeto para a conjun o final Lopes 1989 1990 p 154 155 Em outros termos o
98. pela arte do encontro A Marcela amp Al porque amor rima com bom humor A Mar lia amp Dudu porque o amor o direito pelo avesso A Heidi amp Cleiton palavra e imagem em amorosa simbiose A Kalinka amp Iuri pelos ventos de amor que sopram do Mamangu A Ma ra e Daniel porque o amor tem ra zes profundas A D bora e Du que porque o amor outra hist ria A Daniela Wagner porque o amor muda de nome mas n o some A Marcelo Ribeiro meu psiquiatra preferido por conhecer a l ngua dos loucos das crian as e dos enamorados A Nathanael Ribeiro in memoriam por me mostrar a can o cinzenta onde o Indeciso se junta ao Preciso em profunda e secreta unidade A Renan Garcia Miranda por trazer a mem ria da Escola de Atenas A Paulo Bearzoti Filho pelo est mulo aos meus estudos ling sticos A Odilon Soares nosso Leme exemplo de que certos homens s o muito maiores do que os t tulos que envergam A Cely Arena por seus olhos de lince tiro nas lebres de vidro do invis vel A Patr cia Senne dos Santos por fazer do saber uma festa A Jos de Paula Ramos Jr gigante de olhos de Argos que sabe usar o muiraquit para ver a estrela da manh A Ernesto Binder professor coordenador e amigo exemplar por acreditar em nosso trabalho restabelecendo o ideal da meritocracia A C ssio Chamy pela leveza ao levar a vida A C ssio Schubsky que tamb m sofre desta doen
99. permanece o que atesta a sua intensidade A carta expressa a for a desse 3 E CARR 2 Gears E querer que liga o sujeito ao objeto isto a grada o t mica do sentimento Tamb m permite evitar que o relacionamento esfrie mantendo acesa a chama da presen a do 143 escrevo uma carta de amor Abandono alegremente tarefas ins pidas escr pulos razo veis condutas reativas impostos pelo mundo em prol de uma tarefa in til oriunda de um Dever vivo o Dever amoroso Barthes 2003 p 17 132 outro a comunica o epistolar amorosa uma forma de gerenciar a rela o dist ncia Isso significa que a carta tamb m pode conferir poder aos amantes levando os a poder ver a imagem do ausente para senti lo presente falar do ausente falar com o ausente como estrat gia de presentifica o Por isso se entende que a carta busca fazer continuar o que a disjun o pragm tica descontinuou inclusive a rela o com os objetos modais Nessas cartas de manuten o da rela o amorosa verifica se o programa narrativo cuja fun o atualizar o elo existencial voc tomado como objeto com o qual o sujeito quer manter se em conjun o para preservar o valor que representa Esse valor como se depreende do exame de v rias cartas de amor muitas vezes a felicidade como se viu por exemplo na an lise do Samba em Prel dio de Vin cius de Moraes e Baden Powell Eu
100. poder ser passa a ser modalizado pelo crer n o ser e pelo saber n o poder ser O sujeito cr dulo assim transforma se em descrente frustrou se a espera Em outros termos o sujeito epist mico em seu fazer interpretativo percebe um erro de julgamento o que parecia ser de fato n o era a mentira se escondia sob as vestes da verdade Lu s n o era quem Ana pensava diante da 284 RUA 7 SEER decep o no quadro pat mico da raiva ela tenta inferioriz lo para mostrar se forte superior nor 7 28 Tais procedimentos enunciativos manifestam um thos beligerante mal humorado J que contrasta com o de Tarsila j que pretende colocar o companheiro em disjun o com a boa imagem constru da enquanto Tarsila chama Lu s de delicado tratando o sempre com ternura Anna procura rebaix lo desqualificando o como homem algu m que eu Julgava ser um Homem E curioso notar como o processo de rebaixamento se traduz no y ta 3 ds plano da express o por meio do emprego da mai scula em Homem fato que constitui um procedimento da enuncia o Isso estabelece uma rela o intertextual com a express o popular Homem com H mai sculo O homem com h min sculo a pr pria tradu o 284 O sujeito decepcionado quer ser n o cr ser e sabe poder n o ser Barros 1988 p 65 285 Na tradu o de Barthes trata se do seguinte quadro Ponho simplesmente meu pathos na mesa reservand
101. polif nico ou do novo romance g neros 12 Esses novos g neros s o investigados por diversos pesquisadores em Hipertexto e G neros Digitais Marcuschi e Xavier 2004 Pablo Neruda por exemplo resgata o g nero para tratar do processo de constru o da identidade nacional do Chile em Canto Geral Barthes analisando as obras de Phillippe Sollers expoente do nouveau roman assim se pronuncia sobre a historicidade dos g neros jogando providencial foco de luz sobre o movimento pendular entre a estabilidade e a mudan a A Hist ria volta sem d vida mas preciso repetir em espiral Esta nova Renascen a n o tem a cau o de nenhuma Natureza a Grande Enciclop dia da Mat ria verbal est lan ada sem rede De onde vem o risco Do fato de que a linguagem que precisamente sua subst ncia sua pr pria Lei toda lei se junta fatalmente na linguagem e portanto toda transgress o e toda nega o da transgress o A linguagem finalmente o nico lugar em que poss vel realizar a f rmula de Bataille defendida em Logiques levantar a proibi o sem suprimi la o que faz Sollers ele levanta a proibi o sem suprimir a linguagem A 31 novos aparecem cf o folheto publicit rio em suma os g neros est o em perp tuo movimento Bronckart 2003 p 73 Uma carta por exemplo sofre mudan as ao longo do tempo podem ser objeto de transforma o os vocativos as formas de interpelar o des
102. que voc chegou repeti num instinto maternal o que h tantos anos ouvira de um amigo como advert ncia de um perigo Deveria antes ter refletido que voc s j resolveram o caso mas juro que n o pensei nisso e n o tive absolutamente inten o de ofender voc que sempre foi t o delicado comigo nessa quest o de idade Notei que voc se ofendeu e isso me ficou doendo a manh inteira N o quero que voc conserve uma impress o m em rela o a mim Se estou tocando nesse assunto agora porque precisava dar uma explica o Portanto pe o perd o pela ofensa involunt ria Esque a tudo ou antes esque amos tudo Talvez seja melhor voc n o tocar no assunto n o acha Sua amiga verdadeira Tarsila Martins 2003 p 109 Vale observar inicialmente a mudan a de tom do interlocutor que demarca um maior distanciamento em rela o ao interlocut rio no contexto da separa o o vocativo epistolar mais frio simplesmente Lu s sem a aposi o do possessivo meu ou do adjetivo afetivo querido desaparece o fecho de despedida a vai meu cora o a mudan a da assinatura de Truly para Tarsila indica a mudan a do papel tem tico de esposa para amiga As escolhas lexicais mais uma vez s o reveladoras do thos o modo de dizer mostra um modo de presen a no mundo uma maneira de ocupar o espa o na din mica das rela es interpessoais
103. rico escreve se para desfazer o liame entre os actantes Nas cartas de estabelecimento restabelecimento e atualiza o do elo existencial valor disf rico escreve se para anular o hiato entre o amante e seu objeto de desejo Para neutralizar essa dist ncia analisaram se mais 251 detalhadamente determinados procedimentos ativados pelo interlocutor para criar o efeito de presen a do ausente como o uso da descri o para construir semioticamente o corpo pr prio e o do outro o uso da embreagem para abolir a disjun o espacial e temporal etc No cap tulo 3 uma vez definida a carta em geral e a carta de amor em particular foram examinadas as cartas de Tarsila do Amaral e de Anna Maria Martins para Lu s Martins na configura o de um tri ngulo amoroso Tarsila era quase 21 anos mais velha do que Lu s Martins que se interessaria por Anna Maria uma prima de Tarsila 17 anos mais nova do que ele no contexto da S o Paulo dos anos 50 as cartas fazem men o ao moralismo e aos preconceitos ent o reinantes Constru ram se assim em cada cenografia amorosa distintos the No caso de Tarsila verificou se um ator marcado pela sobriedade pela pondera o pela resigna o tanto quando durava o elo existencial entre ela e Lu s Martins quanto no momento da ruptura Anna Maria mais jovem e impetuosa manifestou um ethos mais exclusivista e intolerante Enquanto o ator da enuncia o Tarsila foi asp
104. rios subordinados a ela numa rela o hipot tica Isso facilita a apreens o do g nero permitindo focalizar o que interessa no n vel de an lise proposto Mas a redu o do objeto n o implica uma opera o de assepsia em nome da pureza do g nero Os g neros s o heterog neos a quest o que a heterogeneidade pode ou n o ser narrativa tinha come ado bruscamente quando eu decidi mudar de l ngua dentro da pr pria l ngua Barthes 1982 p 74 15 Vale ressaltar que as novidades tamb m se estabilizam e aquilo que n o pertencia ao sistema passa a pertencer na estabiliza o que o novo reconfigura o estatuto do g nero L tman Uspenski e Iv nov 1981 p 71 H g neros que apresentam uma tend ncia mais acentuada para a conserva o outros para a mudan a a longevidade do c digo vem determinada pela const ncia de seus elementos estruturais de fundo e pelo seu dinamismo interno pela capacidade de mudar conservando ao mesmo tempo a mem ria dos estados precedentes e portanto a autoconsci ncia da unidade L tman Uspenski e Iv nov 1981 p 43 o dinamismo das componentes semi ticas da cultura une se evidentemente ao dinamismo da vida de rela o da sociedade humana L tman Uspenski e Iv nov 1981 p 53 32 relevante conforme o n vel de an lise do objeto Aqui n o pertinente o exame da constitui o heterog nea dos g neros Se fosse essa a proposta valeria exami
105. se disse no cap tulo 1 no exame do estatuto do g nero carta a disjun o pragm tica entre os interlocutores a base comum a toda rela o epistolar Essa no o assim um fator de identidade e n o um tra o distintivo entre as cartas de amor e as cartas comerciais A import ncia que cada cena gen rica d disjun o contudo n o a mesma nas cartas de amor por exemplo a separa o entre os sujeitos produz efeitos passionais sentida como falta intersubjetiva o que n o se verifica nas cartas comerciais em que a disjun o uma mera conting ncia que justifica a intera o epistolar Nestas cada um dos correspondentes se limita ao exerc cio do papel funcional que lhe atribui a distribui o das posi es de emissor e de receptor marcadas no enunciado ambas as partes aceitam desde o in cio e por princ pio a n o correspond ncia que se estabelece inevitavelmente entre de um lado a imagem segundo a qual cada um representa sua pr pria identidade e a vive e por outro lado a figura esquem tica e parcial qual essa mesma identidade se reduz uma vez objetivada no papel Landowski 2002 p 168 No caso das cartas de amor a dist ncia real entre correspondentes percebida afetivamente como uma aus ncia portanto n o de estranhar que ela constitua n o raro o conte do principal das cartas trocadas E como se enunciando e tematizando essa aus ncia a escrita pudesse pree
106. se verifica bem neste trecho de uma carta de Chico M rio noiva N via Recebi voc em sua carta Orsini 1999 p 59 Paul Eluard escrevendo a Gala tamb m busca se presentificar amante Toma meu sexo em tua m o Orsini 1999 p 77 O mesmo procedimento se nota neste trecho de uma carta de Henry Miller a Brenda Venus Abra o a e beijo a em todos os lugares Orsini 1999 p 69 Neste ltimo caso interessante notar que o interlocutor elide a separa o espacial neutraliza a dist ncia entre ele e o interlocut rio criando a ilus o enunciativa de proximidade fundadora da mitologia de uma presen a ausente Na carta de Zelda a Scott Fitzgerald o enunciador reconstr i o corpo do amante criando por meio da descri o um efeito de presen a que se verifica tamb m na narrativiza o da aproxima o entre sujeito e obj eto Olho para os trilhos e vejo voc chegando emergindo da n voa amp bruma suas queridas cal as amarrotadas correm com pressa para mim Orsini 1999 p 89 Apesar da disjun o pragm tica entre sujeito e objeto o enunciador cria no modo do parecer a presentifica o do ausente remediando assim os efeitos pat micos da falta como a saudade e a ang stia Diante da falta o sujeito faz ser o ausente para em conjun o com o objeto fazer se pleno por isso reconstr i lhe o corpo adensando o semanticamente por meio da descri o de seus tra os caracter
107. seja d vida de nos amarmos a todos e obriga o de todos nos amarem a n s o amor de Cristo leva por obriga o dois amores porque nos ama com preceito de que cada um de n s ame a todos e de que todos amem a cada um de n s Vieira 2003 p 210 104 Nessa concep o o amor livre n o propriamente amor mas uma rela o de outra natureza em que apenas o prazer sexual focalizado Para P ret o amor verdadeiro resulta de investimentos distintos no objeto o prazer espiritual intelectual a afetividade e o prazer carnal isso que o poeta chama de amor sublime Apesar das diferentes representa es do amor na maior parte dos discursos amorosos a exclusividade dominante a partilha do objeto de amor assim exce o 91 O amor paternal ou maternal por exemplo pode ser devotado a v rios filhos isto o sujeito pode investir o mesmo valor em distintos objetos o mesmo sujeito assim pode relacionar se com distintos objetos Aqui n o se afirma unilateralmente pois a originalidade de um objeto de valor De modo correlato o amor ao filho pode ser caracter stico de sujeitos distintos como a m e ou o pai nessa situa o o mesmo objeto partilhado por sujeitos diferentes Nos dois casos assim nem o sujeito exclusivo nem o objeto n o partitivo ainda que esteja presente o tra o do apego na caracteriza o do universo passional do amor aqui n o se pode
108. senhora a calma da qual eu preciso e que no entanto n o penso ainda poder usufruir Com efeito a situa o na qual me encontro ao escrever lhe me faz conhecer como nunca o poder irresist vel do amor eu mal posso manter suficiente dom nio sobre mim para dar alguma ordem s minhas id ias Creia me senhora a fria trangiiilidade o sono da alma imagem da morte n o levam felicidade apenas as paix es podem a ela conduzir Orsini 1999 p 47 O fato de os termos amor e paix o serem tomados como sin nimos fica claro cotejando se as seguintes passagens agita o de uma paix o devoradora o poder irresist vel do amor grifos nossos Diferentemente de Fr mitos e arrebatamentos o cap tulo O amor tarde trata do 2 A c6 2 a amor maduro tamb m chamado de amor sereno que caracteriza um amante menos x ssa 94 intenso mais tranq ilo O amor sereno n o quer dizer cansado ou satisfeito Longas conviv ncias s vezes mudam a forma de falar da aus ncia e da saudade ao ser amado H algo de Considerando o tra o da intensidade como distintivo entre as esp cies de amor vale lembrar as seguintes palavras de Vieira Fa amos distin o de amor a amor como de raio a raio O raio do Sol derrete favos de cera o raio da nuvem n o se contenta com menos que com escalar montanhas de diamante Uma coisa o amor afetuoso e brando outra o forte e fino V
109. simulacros veiculam imagens opostas 23 IMAGEM e Tela Saudade de Almeida J nior Almeida J nior um artista revisitado p 12 24 CAP TULO 1 OS G NEROS DE DISCURSO E AS CARTAS DE AMOR 29 Uma carta de amor um papel que liga duas solid es A mulher est s Se h outra pessoa na casa ela a deixou Bem pode ser que as coisas que est o nela escritas n o sejam nenhum segredo que possam ser contadas a todos Mas para que a carta seja de amor ela tem de ser lida em solid o Como se o amante estivesse dizendo Escrevo para que voc fique sozinha este ato de leitura solit ria que estabelece a cumplicidade Pois foi da solid o que a carta nasceu A carta de amor o objeto que o amante faz para tornar suport vel seu abandono Olho para o c u Vejo a Alfa Centauro Os astr nomos me dizem que a estrela que agora vejo a estrela que foi h dois anos Pois foi este o tempo que a luz levou para chegar at os meus olhos O que eu vejo o que n o mais existe E ser in til que eu me pergunte Como ser ela agora Existir ainda Respostas a estas perguntas eu s vou conseguir daqui a dois anos quando a sua luz chegar at mim A sua luz est sempre atrasada Vejo sempre aquilo que j foi Nisto as cartas se parecem com as estrelas A carta que a mulher tem nas m os que marca seu momento de solid o pertence a um momento que n o existe mais Ela nada diz sobre o presente d
110. sujeitos o sujeito fruto de um espa o e de um tempo que lhe conferem identidade N o se pode desprezar portanto o fato de que a identidade dos sujeitos amorosos tribut ria da S o Paulo da primeira metade do s culo XX A mesma S o Paulo cosmopolita palco do modernismo de 22 em que viveu a Tarsila 09 DE j 7 PEREN l Casa artista pl stica a cidade provinciana em que Truly viveu sua hist ria de amor Como diz Ana Lu sa Martins sobre a diferen a de idade entre a pintora e o jornalista se nos dias 206 Tais considera es de Barthes remetem diretamente ao seguinte trecho de uma das ep grafes do cap tulo 1 A carta que a mulher tem nas m os que marca seu momento de solid o pertence a um momento que n o existe mais Ela nada diz sobre o presente do amado distante Da a sua dor O amante que escreve alonga seus bra os para um momento que ainda n o existe A amante que l alonga os seus bra os para um momento que 2 n o mais existe A carta de amor um abra ar o vazio Alves 1992 p 45 Adaptando certas no es exploradas por Paul Val ry a respeito da velocidade dos afetos o amante que escreve considera que j aquilo que n o ainda o amante que l avalia que ainda aquilo que n o mais Tatit 1998 p 54 Essa n o coincid ncia temporal pode ser depreendida dos seguintes trechos de uma carta de Tarsila Quando voc receber es
111. thos depende das condi es de enuncia o vinculadas a cada g nero quais s o os participantes o lugar e o momento exigido para efetu la Maingueneau 1995 p 122 Lembre se de que sendo o g nero suporte de um ato de discurso socialmente reconhecido a obra enunciada atrav s de uma institui o Maingueneau 1995 p 122 48 Sobre a import ncia do thos na rela o entre enunciador e co enunciador Ruth Amossy fornece as seguintes pistas Le poids de la parole et sa force de persuasion ne d coulent pas seulement de ce que dit l orateur ils d pendent aussi de l image qu il donne de sa personne de l impression qu il produit sur son auditoire De la rh torique aristot licienne la pragmatique contemporaine l image de soi qui se construit dans le discours est d sign e par le terme d ethos Il s agit de la representation du locuteur qui se d gage non seulement de ce qu l nonce mais aussi des modalit s de son nonciation des postures qu il adopte de son style Amossy 1999 p 217 Lembre se de que car ter e corporalidade s o insepar veis ap iam se em estere tipos valorizados ou desvalorizados na coletividade em que se produz a enuncia o Maingueneau 2000 p 60 62 Nesse trecho o interlocutor constr i o corpo ausente da pessoa amada faz ser quem est distante a fim de atualizar o elo existencial Por meio da carta que recebeu o amante conseguiu fitar os olhos de seu o
112. tomadas como equivalentes O t pico a seguir tem por finalidade estabelecer a distin o entre essas categorias 36 1 2 G nero tipos de discurso e esferas de circula o As classifica es j propostas dos g neros s o em n mero infinito mas raramente se baseiam numa id ia clara e coerente do estatuto do pr prio g nero Duas tend ncias s o particularmente fregiientes 1 confundir os g neros e os tipos ou mais exatamente descrever os g neros como se fossem tipos 2 reduzir a oposi es simples entre uma nica categoria e seu contr rio o que de fato a conjun o de v rias categorias distintas Ducrot e Todorov 1988 p 149 No senso comum ou seja na linguagem n o especializada as categorias g nero e tipos de discurso s o tratadas como sin nimas habitual por exemplo as pessoas se referirem carta como um tipo de texto da mesma forma frequente chamarem a descri o ou a narra o de g nero A id ia de equival ncia entre as denomina es se manifesta de modo mais evidente quando os dois termos est o em presen a em conceitua es como a carta um g nero ou tipo de discurso que se caracteriza Na linguagem especializada entretanto em nome do rigor terminol gico deve se proceder distin o entre os termos Os termos ao circunscreverem conte dos espec ficos contribuem para a precis o conceitual auxiliando a elidir ambigiiidades e jogos poliss mi
113. tra ado samba no estilo rude da intimidade v te encontrar gozando sa de na mais completa felicidade junto dos teus confio em Deus Em v o te procurei not cias tuas n o encontrei eu hoje sinto saudades daqueles dez mil r is que te emprestei Sem mais para acabar um grande abra o queira aceitar de algu m que est com fome atr s de algum convite pra jantar Espero que notes bem Estou agora sem um vint m Podendo manda me algum Rio 7 de setembro de 31 Responde que eu pago o selo Noel Rosa In Galv o e Gotlib 2000 p 360 Como se disse a carta constitui um tipo espec fico de intera o um processo de comunica o com suas particularidades diferente por exemplo do telegrama do telefonema do fax do e mail da conversa o face a face No telegrama a caracter stica a comunica o contida econ mica feita de poucas palavras em que n o h espa o para informa es sup rfluas trata se da comunica o do essencial que exclui o detalhe No telefonema a presen a do outro se d pela voz que produz um efeito de aproxima o A voz a presen a meton mica do outro apesar de n o ser uma intera o face a face ela aqui se d em tempo real com a presen a f sica da voz do outro o que n o ocorre na comunica o via telegrama O fax e o e mail parecem se assemelhar mais carta o fax permite a reprodu o da caligrafia o e mail parece uma cart
114. um nome pr prio sem que tal coisa constitua em si mesma a condi o sine qua non da sua exist ncia um papel tem tico qualquer o pai por exemplo muitas vezes serve de denomina o do ator a onom stica que se inscreve na sem ntica discursiva desse modo complementar actorializa o um dos procedimentos da sintaxe discursiva Greimas e Court s 1983 p 34 O ator assim o lugar em que se articulam os componentes sint xico e sem ntico Numa carta de amor por exemplo a actorializa o se d por meio de uma opera o de debreagem enunciativa da enuncia o a voz que enuncia diz eu Essa opera o de sintaxe discursiva contudo insuficiente para caracterizar com maior profundidade a voz gt 2 2 P4 C 660059 que se pronuncia eu num exerc cio tautol gico aquele que diz eu Mas recorrendo a Barthes resta a pergunta Quem seria este eu que se escreveria Barthes 2003 p 159 181 Se algu m por exemplo diz encontrei X em companhia de Y ou Hoje X n o me telefonou Barthes 2003 p 133 quem esse sujeito que diz eu quem X quem Y Em outros termos quem reconheceria a uma hist ria Barthes 2003 p 133 Uma hist ria s se particulariza distinguindo se de outras hist rias por meio de um processo de enriquecimento sem ntico que reveste concretizando os atores que a protagonizam Nessa perspectiva o
115. uma linguagem pautada pela norma culta mais cerimoniosa isenta de marcas de afetividade No caso de uma carta de amor manifesta se um estilo diverso caracterizando uma rela o mais pr xima ntima a linguagem mais informal livre n o raro carregada de tra os de emotividade O estilo varia conforme os pap is desempenhados pelos sujeitos a posi o social de cada um as respectivas idades Quanto forma composicional trata se da estrutura do texto dos elementos necess rios para organizar um determinado modo de dizer Em outros termos a categoria se refere formata o do texto maneira de organiza o de seus elementos constitutivos Uma carta por exemplo apresenta uma estrutura particular como g nero um modelo formal que a distingue de outras esp cies de intera o Como se trata de uma comunica o dist ncia o cabe alho faz se necess rio indicando o lugar e a data em que se d a enuncia o O vocativo outro requisito constr i no texto a figura do destinat rio do mesmo modo que a assinatura identifica o remetente A f rmula de cortesia ou seja O fecho de despedida dimensiona o grau de proximidade entre os interlocutores O assunto isto o tema espec fico objeto da troca comunicativa tamb m requisito da forma composicional Esses elementos fazem parte da estrutura de qualquer carta o que difere de uma esp cie de carta a outra basicamente o tipo de vocativo
116. xico s o constru dos e manifestados os valores socioletais o exame do l xico relativo ao amor dessa forma revela as representa es culturais desse sentimento Segundo Greimas e Fontanille A l ngua prop e sua pr pria conceitualiza o do universo passional cuja primeira formula o encontra se num campo lexical espec fico o da nomenclatura passional 86 A respeito disso s o providenciais as seguintes palavras do Padre Vieira no Serm o do Mandato Fa amos distin o de amor a amor como de raio a raio Vieira 2003 p 207 Queria dizer o mestre da orat ria barroca que os amores s o distintos como o s o o raio do sol e o raio da nuvem 80 que revela as grandes articula es de uma taxionomia coextensiva a uma cultura inteira Greimas e Fontanille 1993 p 83 Posto isso interessa aqui examinar como a nomenclatura portuguesa denomina e define a paix o amorosa Em termos semi ticos pode se dizer que o amor atua como uma esp cie de lexema do discurso tamb m denominado configura o discursiva que engloba v rios percursos tem ticos e figurativos Barros 1988 p 120 Aparece assim em distintos contextos adquirindo tra os de sentido particulares apesar da invari ncia de seu n cleo s mico Qual seria esse n cleo que permite entender que se trata de amor em todas as ocorr ncias Quais seriam as varia es De que esp cie de amor tratam as cartas
117. 002 p 128 interessante comparar agora esse estilo elevado como foi usado por Clarice Lispector na carta ao Presidente da Rep blica com o estilo familiar que a escritora utiliza em correspond ncia com o filho Paulo Gurgel Valente quando da viagem deste para interc mbio cultural no exterior a carta datada de 26 de janeiro de 1969 Rio de Janeiro Trata se de outra esfera de rela o outro tipo de intera o outra cena gen rica outra orienta o apreciativa outro thos O enunciador constr i nesse contexto de comunica o uma cena de afeto e preocupa o com o ente querido o thos de m e zelosa e preocupada endere ando se a um enunciat rio cujo simulacro corresponde boa imagem do filho querido que deixa saudade e inspira orgulho A carta manifesta o desejo de atualiza o desse elo existencial entre m e e filho separados pela dist ncia que provoca a aus ncia Meu adorado filho ontem quando voc embarcou custei depois a pegar no sono N o era por preocupa o mas acredite que qualquer m e digna desse nome me entender H pouco tempo Gafanhoto voc subia pelas minhas pernas para ficar no meu colo 67 com orgulho ver voc alto fisicamente feito e independente sobretudo Hoje dia seguinte de sua partida domingo ocupei me o dia todo para disfar ar a saudade Meu Gafanhoto Deus te aben oe e te proteja Aceite junto com meu beijo a minha b n o de m e
118. 003 p 151 188 T embrei me agora q Murilo Mendes n o sabe q V est na Europa ou pensa que V volta j pois manda recado dizendo Pe o dizer ao Lu s q n o li as Cantigas Martins 2003 p 92 18 I se numa carta de Tarsila o seguinte O Augusto Frederico Schmidt substituiu voc e escreve quase diariamente Martins 2003 p 76 Numa carta de Anna Maria a refer ncia mais direta No Estado de hoje al m de sua cr nica saiu um artigo seu Martins 2003 p 116 O Lu s Martins atuou em diversas publica es como no seman rio O Com cio fundado por Rubem Braga Joel Silveira e Rafael Corr a de Oliveira como se verifica neste trecho de uma carta de Anna Maria Fiquei content ssima por saber que o Rubem Braga veio convid lo para representante de O Com cio em S o Paulo 183 programas para a r dio Mayrink Veiga Escreveu em 1936 o romance Lapa e na d cada de 60 o livro de mem rias Noturno da Lapa Esses dados ajudam a conhecer melhor a persona mas n o s o suficientes para particularizar a pessoa a quem Tarsila e Anna Martins escrevem O interlocut rio a quem Tarsila se dirigia por meio do vocativo epistolar Lu s muito querido foi o ltimo companheiro da pintora sendo n o raro descrito como um rapaz bonito inteligente culto conversador que fazia sucesso entre as mulheres Martins 2003 p 25 Quando a conheceu ele tinha vinte e seis anos
119. 109 250 uma das no es essenciais da an lise conversacional uma vez que todo di logo se apresenta como uma altern ncia de tomadas de palavras dos interlocutores Entendemos por turnos da fala em ingl s turn talking o mecanismo que rege essa altern ncia e sobretudo por meton mia a contribui o de cada participante cada uma de suas tomadas de palavra Maingueneau 2000 p 148 21 A prop sito Kafka assim se justifica ao escrever uma carta a seu pai Querido Pai Voc me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de voc Como de costume n o soube responder em parte justamente por causa do medo que tenho de voc em parte porque na motiva o desse medo interv m tantos pormenores que mal poderia reuni los numa fala E se aqui tento responder por escrito Kafka 2002 p 7 209 O interlocutor assim encontrando a dist ncia ideal do objeto escreve para explicar se e tamb m para diminuir a ang stia da separa o como se depreende do seguinte trecho Notei que voc se ofendeu e isso me ficou doendo a manh inteira Martins 2003 p 109 O reconhecimento da dor nessa perspectiva um fazer cognitivo que leva o sujeito a uma manipula o reflexiva desencadeando a perf rmance da enuncia o epistolar A escrita novamente opera como uma esp cie de lenitivo permitindo uma atenua o no quadro pat mico da ang stia Retomando Canetti a convoca o do g nero epistolar perm
120. 2001 p 145 Isso ali s est de acordo com a id ia primordial de que o ser vivo uma estrutura de atra es e repuls es E o universo regido por uma metal gica das for as maneira da f sica ondulat ria por exemplo ou das posi es segundo a interpreta o corpuscular Greimas e Fontanille 1993 p 22 A Semi tica das paix es ensina que a modaliza o do estado do sujeito 4 s conceb vel passando pelo objeto que se transforma em valor se imp e ao sujeito uma situa o compar vel mas anterior ao posicionamento actancial que se trata de imaginar um sujeito protensivo indissoluvelmente ligado a uma sombra de valor perfilando se assim na tela de uma tensividade f rica Greimas e Fontanille 1993 p 25 A abordagem da tensividade f rica nessa perspectiva relevante porque ela participa ativamente do processo de constru o da significa o seja na convers o dos n veis de que resulta a modaliza o narrativa seja na convoca o enunciativa que retoma essa ondula o inst vel tensivo f rica Barros 1995 p 95 Os simulacros modais dizem respeito ao sujeito modal que produto das modaliza es adquiridas ao longo da narrativa bem como das modula es tensivo f ricas o sujeito que quer movido pela for a da atra o pelo valor da continuidade o sujeito que n o quer mais movido pela for a da repuls o pelo valor da descontinuidade Um bom exem
121. 99 p 174 Nesse quadro em que o amor ganha dimens o religiosa Jean Cocteau escreve a Jean Marais convertendo este em objeto de devo o exclusiva Ajude me a ser santo a ser digno de voc e de mim Eu s vivo por voc Orsini 1999 p 70 Visconde de Valmont fala a Madame de Tourvel em altar sagrado do amor Orsini 1999 p 48 O amor livre em contrapartida regido pela tica da mistura democr tico profano 110 Zilberberg Claude anota es da aula 4 do curso de Semi tica Tensiva ministrado na USP no segundo semestre de 2003 94 Posto isso diante do objeto exclusivo o sujeito n o tem querer a rela o necess ria caracterizada pelo dever O senso comum ali s traduz essa no o ao dizer que as pessoas n o escolhem o amor que as pessoas n o se apaixonam por quem querem isso que se nota por exemplo em lam rias como se eu pudesse escolher n o me apaixonaria por O amor marcado por esse tipo de apego denominado por Benjamin P ret de amor sublime sendo assim definido O amor sublime aparece sempre como um sentimento que satisfaz a vida total do sujeito reconhecendo no ser amado a nica fonte de felicidade O objeto de amor torna se t o essencial ao cora o quanto o ar vida f sica Enquanto todas as outras formas de amor admitem seres sucessivos inclusive o requerem o amor sublime uma vez encontrado o ob
122. A intensidade do apego sobredetermina a jun o j que o dicion rio deixa claro que um sentimento que nos une na medida em que o apego aparece como a constante subjacente a todas as conting ncias da rela o entre o sujeito e o objeto ele pode ser interpretado como uma necessidade que as varia es dessa rela o n o afetam da mesma forma que em lingii stica um pressuposto considerado necess rio na medida 88 Quando se diz fazer sentir e capturar remete se figura do agente que leva a pensar no papel de sujeito Em sentir apego ou ser capturado figura do paciente afetado no papel de objeto Isso leva a refletir sobre a indetermina o de pap is confus o entre sujeito e objeto Nesse sincretismo o sujeito afetado pelo objeto torna se objeto afetando o objeto revela se sujeito O objeto assim parte do sujeito do mesmo modo que o sujeito parte do objeto Segundo Tatit a busca do objeto realiza a procura da harmonia da uni o origin ria a nostalgia da fus o inaugural quando ambos se reuniam na categoria jectal Tatit 1998 p 37 40 Trata se das chamadas pr condi es do sentido que ser o deslindadas no t pico a seguir Segundo a Semi tica das paix es bem verdade que na dimens o pragm tica pela conquista e pela apropria o S1 submete O a seu poder e a seu querer mas na dimens o t mica do prazer possessivo S1 que est merc
123. Anna Seu eterno marido Sobre essa rela o entre intensidade e dura o lapidar o seguinte trecho de uma carta de Lytton Strachey a Dora Carrington Voc me pareceu em sua carta sugerir que meu amor diminuiu com o tempo n o verdade Acho que aumentou E verdade que a excita o dos primeiros tempos como com todo mundo diminuiu mas algo mais profundo cresceu em seu lugar Orsini 1999 p 150 O estado pat mico do sujeito como efeito de sentido da rela o de conjun o com o objeto tamb m diferente nos dois tipos de amor no amor paix o pode se dizer que o sujeito apaixonado conhece o xtase no amor maduro conhece a felicidade Tatit 1998 p 53 Parece ser isso o que Lytton quis dizer a Dora ao escrever que algo mais profundo cresceu o que diminuiu foi o xtase a surpresa a excita o dos primeiros tempos o que cresceu foi a felicidade Interessante notar que ao colocar entre par nteses o enunciado como com todo mundo o enunciador sugere uma regularidade nas rela es amorosas a transforma o do amor paix o em amor maduro sob a a o do tempo Outra distin o que se pode estabelecer entre as duas esp cies de amor que no amor paix o em geral se verifica um ator aspectualizado pelo excesso aos amantes se permite o exagero Orsini 1999 p 53 No amor maduro em contrapartida o ator se constr i normalmente no
124. Ao dizer eu amo cartas o enunciador desta introdu o pode causar constrangimento no leitor do g nero acad mico disserta o de mestrado abalando seu horizonte de espera Acredita se contudo que a introdu o permite uma cenografia marcada por uma maior densidade pat mica pela produ o de efeitos de sentido de subjetividade afirmando os valores idioletais Revelando os andaimes da constru o o pesquisador enuncia a cis o que o constitui Entre a d vida e a certeza entre o querer e o dever est dividido entre dois percursos narrativos desempenha num o papel de enunciador do discurso da pesquisa noutro o papel de enunciador do discurso da descoberta No primeiro caso o sujeito enunciador aponta os percursos de aquisi o de um saber fazer no segundo realiza a doa o do saber constru do fazer saber O discurso da pesquisa prepara a compet ncia no n vel epistemol gico o discurso da descoberta realiza a perf rmance no n vel operacional Trata se de duas etapas necess rias de um mesmo percurso l gico orientado em dire o busca cient fica da certeza narrativa que passa necessariamente pela d vida na transforma o de estado cognitivo do n o saber em saber A introdu o nessa perspectiva uma esp cie de ante sala do discurso da descoberta como espa o de transi o permite visualizar tamb m o discurso da pesquisa
125. Assim ao tratar da carta importante esclarecer como que a intera o se estabelece nesse meio isto como se organiza discursivamente essa atividade comunicativa quais s o as recorr ncias que caracterizam esse modo de dizer O cap tulo 1 portanto investigar o problema do g nero partindo da id ia de que a carta um g nero por oposi o a outros e que a carta de amor uma esp cie do g nero epistolar por oposi o a outras esp cies como o subg nero carta comercial De in cio ser o apresentados alguns percal os no caminho do pesquisador dificultando a apreens o da categoria o car ter din mico dos g neros que sofrem mudan as ao longo da hist ria 8 o Era E O confronto entre as duas esp cies de carta se explica pelo fato de que o sentido fruto da rela o Trata se portanto de duas pr xis enunciativas distintas cada configura o caracteriza uma esp cie do g nero carta com tra os distintivos 21 perdendo caracter sticas e adquirindo novos tra os o car ter heterog neo dos g neros que aparecem n o raro combinados n o em estado puro as distintas correntes te ricas que tratam do problema com diferentes propostas de aproxima o do objeto n o raro conflitantes Outra dificuldade apontada adv m da confus o muitas vezes feita entre g nero tipos de discurso e esferas de circula o ser estabelecida uma distin o entre tais categorias Para o reconheci
126. Constitui se em signo de alguma coisa para algu m em um contexto de signos e de experi ncias Note se que a defini o de g nero n o de f cil manejo Maingueneau 1997 p 34 52 Em termos greimasianos esses lugares enunciativos se revelam como pap is tem ticos e figurativos realizados pelos atores no processo de discursiviza o por meio do qual se estabelece o di logo entre os sujeitos falantes processo de comunica o em que circulam simulacros Estes por sua vez dependem dos g neros uma enuncia o marcada por tra os de intimidade inadequada em uma carta comercial ou oficial do mesmo modo uma enuncia o formal n o corresponde cena gen rica das cartas de amor De acordo com o Dicion rio de Semi tica Sendo a figurativiza o caracterizada pela especifica o e a particulariza o do discurso abstrato enquanto apreendido em suas estruturas profundas a introdu o de antrop nimos top nimos e cron nimos que correspondem respectivamente no plano da sintaxe discursiva aos tr s procedimentos da discursiviza o actorializa o espacializa o e temporaliza o que se podem inventariar como indo dos gen ricos o rei a floresta o inverno aos espec ficos nomes pr prios ind cios esp cio temporais data es etc confere ao texto segundo se sup e o grau desej vel de reprodu o do real Greimas e Court s 1983 p 187 No caso da actorial
127. Juqueri SP onde realizava oficinas de arte com os alienados revelando por exemplo o talento de Aurora Cursino dos Santos ex prostituta e esquizofr nica que se tornou pintora admirada pela cr tica especializada No Brasil os primeiros registros sobre a express o art stica dos loucos de que temos not cia s o aquelas documentadas por Os rio C sar em seu artigo A arte primitiva nos alienados 1925 cuja import ncia seria a de representar cenas que preocupam a imagina o do doente Ferraz 1998 p 52 18 A respeito disso interessante notar como Manuel Bandeira faz men o modernista como refer ncia para falar em beleza A impress o que me causou a Bahia foi t o gostosa que eu mandei logo dizer para os meus amigos do Rio e de S o Paulo a Bahia mais bonita do que Tarsila do Amaral apud Gotlib 2003 p 20 Sobre ela Menotti Del Picchia diz o seguinte Pintora Tinha eu na frente uma das criaturas mais belas harmoniosas e mais elegantes que me fora dado ver apud Gotlib 2003 p 60 19 Para Pagu mulher de acentuada participa o pol tica e jornal stica Tarsila representa o nosso primeiro caso de emancipa o mental entre as mulheres paulistas realizado com mod stia e com sorriso bom e acolhedor Para Pagu Tarsila antes de tudo uma personalidade Gotlib 2003 p 21 200 O Renato tamb m contou que Anna Maria soube por voc que eu dissera que ela era a louguinha da fa
128. Lu s ela evitando o excesso dilui se no n s Mais uma vez se verifica o thos que se manifesta pela aus ncia ela n o cobra nada n o exige que 237 D Essa omiss o configuraria em termos mais precisos um caso de zeugma 28 A Paris que oferece atra es como terceira pessoa exclu da da cena enunciativa ao mesmo tempo em que n s sugere uma totalidade que resulta da fus o do eu com o voc no o que se coaduna na perspectiva da sintaxe discursiva com o tema da fus o dos sujeitos amorosos na ptica da sem ntica discursiva Como ensina Fiorin o n s uma pessoa amplificada n o a multiplica o de objetos id nticos mas a jun o de um eu com um n o eu que pode ser tu ou n o tu Fiorin 1999a p 60 O n s que engloba eu tu chamado de n s inclusivo Fiorin 1999a p 60 o n s inclui o enunciat rio no enunciador e portanto aquele obrigado por este a assumir o texto com ele Fiorin 1999a p 96 Considerando os efeitos de sentido que o uso desse n s inclusivo provoca na intera o epistolar s o providenciais as seguintes palavras de Barros O uso do n s inclusivo produz al m dos efeitos de subjetividade e de aproxima o da enuncia o pr prios do uso da 1 pessoa o efeito de sentido de identifica o com o destinat rio de anula o da dist ncia entre o interloc
129. Lu s voc pretendia me sujeitar a essa situa o infame a mim que por voc estava disposta a tudo A me separar de meus pais a deixar meu filho ainda que temporariamente a enfrentar todos por aquilo que eu julgava ser o verdadeiro Amor por algu m que eu julgava ser um Homem Depois disso voc acha que eu ainda posso crer em alguma coisa Se a pessoa que eu adorava que contra todos e todas as evid ncias me parecia a mais ntegra a melhor de um momento para o outro desmorona ante meus olhos Tudo minha volta est vazio morto Martins 2003 p 148 149 283 Como ensina Barthes a palavra de uma subst ncia qu mica t nue que opera as mais violentas altera es provocando as oscila es pat micas percebidas no tom de voz do interlocutor Barthes 2003 p 21 230 resen a da adjetiva o carregada de tra os avaliativos disf ricos como torpe e A da adjet da de t liat disf torpe infame o tom de acusa o de cobran a como em Meses e meses de sonho esperan a e f com uma frase desfizeram se os questionamentos sob a forma de interrogativas como em Depois disso voc acha que eu ainda posso crer em algo tudo isso manifesta o car ter exaltado do ator da enuncia o que se desloca da posi o de relaxamento quando ainda havia esperan a para a de tens o no quadro da desilus o Isso quer dizer que o sujeito antes modalizado pelo crer ser e pelo saber
130. Martins Tarsila destaca a seguinte passagem Se h algum b lsamo que possa suavizar minha dor a esperan a que voc sempre alimentou de que seremos sempre amigos e que voc saber contar comigo como o amigo que sempre fui Martins 2003 p 158 Nessa carta de Tarsila datada de 25 de fevereiro de 1952 outra passagem distingue os dois tipos de amor sendo ela agora quem fala A carta que voc me escreveu poderia ter sido lida por Anna Maria pois ela estava de acordo que voc continuaria sendo sempre meu amigo amigo e amante s o coisas diferentes voc poderia visitar me diariamente jantar comigo se poss vel com a anu ncia dela conforme voc me disse muitas vezes Com a lealdade com que voc lhe falou ela sabia que voc continuaria sendo sempre meu amigo Martins 2003 p 160 Essa discuss o a prop sito parece ter animado Lu s Martins a escrever em O Estado de S Paulo no dia 20 de mar o de 1952 a cr nica intitulada Tratado sobre a Amizade O trecho a seguir mostra os tra os da benqueren a da lealdade da n o exclusividade e da duratividade na caracteriza o do amor presente na amizade conforme se verificou na abordagem de Tarsila Se perdemos o avi o a carteira ou as ilus es n o perdemos tudo Restam nos os amigos Creio que um dia ainda hei de escrever um tratado muito extenso judicioso acaciano sobre a Amizade Direi que a Amizade o mais puro dos sentimentos e que um b
131. Melhores poemas Sele o e organiza o de Fred G es e lvaro Marins S o Paulo Global editora LEMINSKI Paulo amp BONVICINO R gis 1999 Envie meu dicion rio Cartas e Alguma Cr tica S o Paulo Editora 34 LEMOS Renato 2004 Bem tra adas linhas A hist ria do Brasil em cartas pessoais Rio de Janeiro Bom Texto LOPES Edward 1989 1990 Paix es no espelho sujeito e objeto como investimentos passionais primordiais Cruzeiro semi tico Porto APS 11 12 154 160 L TMAN I ri USPENSKI Boris e IV NOV V 1981 Ensaios de Semi tica Sovi tica Lisboa Horizonte Universit rio LOZANO Jorge 2002 An lise do discurso Por uma semi tica da intera o textual S o Paulo Littera Mundi 260 MAINGUENEAU Dominique 1984 Gen ses du discours Bruxelas Pierre Mardaga Editeur 1995 O contexto da obra liter ria S o Paulo Martins Fontes 1997 Novas Tend ncias em An lise do Discurso Campinas Pontes 1999 Ethos sc nographie incorporation Ruth Amossy org In Images de soi dans le discours La construction de l thos Laussane Delachaux et Niestl p 75 100 2000 Termos chave da an lise do discurso Belo Horizonte Editora UFMG MARCUSCHI Luiz Ant nio e XAVIER Ant nio Carlos 2004 Hipertexto e g neros digitais Rio de Janeiro Editora Lucerna MEDEIROS Jo o Bosco 2002 Correspond ncia T cnicas de comunica o cri
132. O pesquisador assim movido pelo querer persegue o valor raro investido no objeto de pesquisa carta o prazer voyeur stico do amador de cartas parece achar se amea ado este amador pode ser uma esp cie em extin o juntamente com seu objeto Galv o 1998 p 160 Isso justifica o fato de n o se sentir atra do por g neros mais O g nero define um modelo de escrita para o remetente e um horizonte de espera para o destinat rio Todorov 1981 p 52 Como ensina Greimas o discurso da descoberta articula se do ponto de vista sintagm tico ao da pesquisa apesar de se oporem do ponto de vista paradigm tico In Greimas e Landowski 1986 p 66 Acolhendo a met fora espacial inspirada em Floch na an lise da Maison Braunschweig do arquiteto George Baines os espa os de transi o asseguram uma continuidade entre o espa o de partida e o de chegada a introdu o da disserta o assim um espa o de transi o entre o discurso da pesquisa esp cie de espa o privado e o discurso da descoberta esp cie de espa o p blico Pietroforte 2004 p 136 17 modernos e corriqueiros como a conversa o telef nica ou o e mail investidos do valor comum disf rico na axiologia do pesquisador mas de manifestar o gosto Horin In Fiorin e Landowski 1997 p 19 por um g nero considerado obsoleto como entidade s cio discursiva no contexto das
133. SER SABER N O PODER N O SER ESPERAN A E SEGURAN A ESPERA RELAXADA CONJUN O E RELAXAMENTO QUERER SER CRER SER SABER PODER SER SATISFA O E CONFIAN A ESPERA N O RELAXADA N O CONJUN O E CONTEN O OU INTENS O QUERER SER N O CRER SER SABER N O PODER SER INSATISFA O E DECEP O Refletindo sobre os percursos do sujeito amoroso na rela o epistolar observam se os seguintes regimes nas cartas de restabelecimento do elo existencial tenta se suprir a falta do objeto de valor desejado e resolver a crise de confian a num movimento euf rico em dire o a uma nova plenitude Nas cartas de ruptura processa se em geral a narrativa que culmina no quadro de disjun o relatando se o caminho que levou dissolu o da rela o sujeito objeto isto ao desinteresse ou avers o bem como perda da confian a entre os amantes Nas cartas de estabelecimento busca se suprir a falta do objeto desejado lembrando que aqui a disjun o n o decorre de uma conjun o anterior e construir um pacto fiduci rio entre os sujeitos Nas cartas de manuten o o objetivo gerenciar E ERS E x A i 159 dist ncia a rela o fiduci ria entre os amantes mantendo conjuntos sujeito e objeto H 159 Tanto os acordos contratos estabelecidos entre as fun es de destinador e destinat rio como as rela es de conjun o que definem os actantes sujeito e objeto n o importando se a conjun o est se
134. Segundo o dicion rio Houaiss o amor definido por exemplo como atra o afetiva ou f sica que devido a certa afinidade um ser manifesta por outro forte afei o por outra pessoa nascida de la os de consangiiinidade ou de rela es sociais atra o baseada no desejo sexual afei o baseada em admira o benevol ncia ou interesses comuns calorosa amizade for a agregadora ou protetiva que sentem os membros dos grupos familiares ou n o entre si devo o afetuosa devida a Deus por suas criaturas etc Como se percebe o lexema amor est presente em distintos contextos em diferentes percursos sem micos pode indicar carinho amizade admira o devo o religiosa etc marcando o percurso dos sujeitos nas rela es fraternais filiais conjugais religiosas etc Em cada realiza o discursiva nota se a rela o do sujeito com um objeto figurativo distinto um amigo um familiar um amante Deus Em cada defini o de amor verifica se uma escolha classem tica diferente cada qual indicando uma maior ou menor profundidade isto a percep o de um sentido mais amplo ou mais restrito assim o amor amplo geral e irrestrito a qualquer ser vivo apresenta por exemplo uma maior profundidade que o amor como desejo sexual 87 Segundo Fontanille e Zilberberg a profundidade designa a orienta o na persp
135. UNIVERSIDADE DE S O PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CI NCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LINGUISTICA PROGRAMA DE POS GRADUA O EM LINGUISTICA FRAGMENTOS EPISTOLARES DE UM DISCURSO AMOROSO l l ELEMENTOS PARA UMA AN LISE SEMI TICA DO ESTATUTO DO G NERO CARTA DE AMOR PAULO C SAR DE CARVALHO Disserta o apresentada ao Programa de P s Gradua o em Ling stica do Departamento de Ling stica da Faculdade de Filosofia Letras e Ci ncias Humanas da Universidade de S o Paulo para obten o do t tulo de Mestre em Letras Orientador Prof Jos Luiz Fiorin S O PAULO 2005 Dedicar um dos verbos que os ling istas depois de Austin chamaram performativos porque seu sentido confunde se com o pr prio ato de enunci los dedico tem apenas o sentido do gesto afetivo com que ofere o o que produzi minha obra a algu m que amo ou admiro Roland Barthes O bvio e o obtuso p 164 Para Marina onde o meu amor lagarta mari pousa onde o sentimento alado ousa deixa de ser conceito para bater no peito para ser perfeito para ser mais que um nome escrito na lousa Para meus pais que me ensinaram a ler os primeiros ais os primeiros sinais onde meu barco transp s o primeiro arco e encontrou seu primeiro cais Para Marco Ant nio de Carvalho irm o amigo c mplice que me d muito mais do que valho Para meus irm os onde o plural de cora o termina em os Para meus sobrinhos
136. UNTO INANIDADE MODAL PLENITUDE MODAL EU SUJEITO PLANO OBJETAL E DESTINAT RIO PLANO SUBJETAL VOC OBJETO PLANO OBJETAL E DESTINADOR PLANO SUBJETAL Para refinar a distin o entre as cartas de estabelecimento manuten o e restabelecimento do elo existencial pode se traduzir o querer ser conjunto em termos aspectuais Como j se disse o estabelecimento da rela o o ponto inicial do percurso do sujeito amoroso marcado pela incoatividade A manuten o aponta para o relacionamento j em curso caracterizado pela duratividade O restabelecimento por fim como novo come o apresenta tanto o tra o da incoatividade quanto o da iteratividade Por isso foram acrescentadas modalidade querer ser conjunto respectivamente as formas verbais passar a continuar a e voltar a s o tra os aspectuais que atuam como elementos diferenciais da categoria modal 144 2 5 O sujeito passional amoroso a felicidade e a infelicidade a confian a e a frustra o Como antropomorfizar sem recorrer pr via modaliza o do fazer do ator por um querer E como falar de um querer antropomorfo simulacro do querer do homem simulando ignorar sua condi o de modalidade apaixonada e apaixonante A incorpora o da dimens o passional na teoria legitima o acesso do leitor interioridade viva dos atores Enquanto o operador for concebido como um simulacro antropomorfo
137. a alucina o de sua presen a como corpo Lembro me de ter visto gravuras de Santo Ant nio no deserto enfrentando torturas do inferno por causa dos desejos e das imagens sexuais Sempre que seu vestido esvoa ava sempre que minha m o descansava junto ao delta de V nus eu sentia o calor que emanava dele sua imagem fica ainda mais excitante Voc como a Madonna do Sexo se que existe tal criatura Que idioma silencioso e apaixonado 166 partilhamos 6 E com que pano de fundo Sim todos esses lugares s o divinos por apenas breves momentos talvez aqueles em que voc me abandona O que s faz me excitar ainda mais Como eu poderia atacar a Primavera Como ousaria acariciar o delta de V nus Prefiro lamber seus p s beijar seu resplandecente traseiro Abra o a e beijo a em todos os lugares Orsini 1999 p 68 O narrador come a se identificando com a figura de Santo Ant nio no deserto sintomaticamente o ator da enuncia o amorosa constr i se como um corpo carente vitimado pela priva o pela disjun o que perturba pela falta que produz a ang stia torturante Modalizado pelo querer espera a saciedade na conjun o com o objeto ausente Ent o que precisa falar dessa aus ncia convertendo a em presen a o corpo do outro adquire densidade sem ntica concretizando se em p s traseiro etc Quanto ao esquema narrativo da escrita da fal
138. a es e repuls es Greimas e Fontanille 1993 p 22 nesse n vel que se encontra a pr hist ria do amor a que se movimentam as mol culas de sentido que compor o no n vel discursivo a subst ncia chamada amor o sujeito da paix o amorosa actorializado dotado de corpo e hist ria O ator apegado a sua amada por exemplo que no n vel narrativo pode ser um sujeito de estado em conjun o com seu objeto de desejo movido no n vel tensivo pela for a de atra o de euforia de continuidade essa for a que se manifestar na modalidade querer que dar exist ncia ao sujeito no n vel narrativo o sujeito amoroso considerando o apego que o prende ao objeto e o desejo de estar atado a ele caracteriza se sobretudo pelo querer ser 12 conjunto 9 pelo aspecto cont nuo durativo da modalidade No n vel tensivo ainda se fala em um sujeito protensivo ligado a uma sombra de valor n o propriamente em sujeito e objeto esse sujeito protensivo ainda um esbo o de sujeito isto um quase sujeito que se transformar no n vel discursivo em um ator concreto dono de um corpo de um temperamento de um tom de voz a sombra de valor o quase objeto que se tornar o objeto valor ent o concretizado na figura da pessoa amada Nesse n vel verifica se portanto que o v nculo profundo do sujeito n o com o objeto mas com o valor Tatit 1998 p 14 A t tu
139. a Na conversa mais desenvolta 28 moldamos nossa fala s formas precisas do g nero s vezes mais padronizados e estereotipados s vezes mais male veis mais pl sticos e criativos Bakhtin 2000 p 301 Lembra o autor que se n o existissem os g neros do discurso se o falante tivesse de cri los pela primeira vez no processo de intera o a comunica o verbal seria quase imposs vel uma vez que o sujeito aprende a moldar sua fala s formas do g nero Mas o que ent o o g nero Na defini o de Marcuschi os g neros s o considerados fen menos hist ricos profundamente vinculados vida cultural e social Fruto de trabalho coletivo os g neros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia S o entidades s cio discursivas e formas de a o social incontorn veis em qualquer situa o comunicativa In Bezerra Dion sio e Machado 2002 p 19 Essa defini o do g nero como entidade s cio discursiva ali s retoma a concep o bakhtiniana para Bakhtin o g nero o ponto de articula o entre uma certa atividade humana atividade social e uma dada atividade de linguagem atividade discursiva A comunica o verbal assim s poss vel pela convoca o de dado g nero de discurso Cada esfera da comunica o social faz um uso espec fico da linguagem isto utiliza formas espec ficas de comunica o verbal que se materializam em diferentes
140. a encontra se na posi o da vacuidade Manifesta se assim em todos os n veis do percurso a categoria fundamental da descontinuidade a transforma o do thos de Anna indicativo da presen a dos valores descont nuos como sugere o trecho contra voc vinha tudo o que me repugna repetir A preposi o contra traduz ling isticamente a no o de descontinuidade uma vez que sugere um obst culo na rela o amorosa Comparando novamente Anna e Tarsila se o thos desta se manifestou aspectualizado pela justa medida o daquela se revela marcado pelo excesso Como foi visto no primeiro caso o sujeito cognitivo exerceu controle sobre o sujeito passional portanto sob as r deas da raz o No segundo o sujeito passional expulsa de cena o sujeito cognitivo sob o comando da emo o No seguinte trecho da mesma carta se pode constatar novamente como a imagem que Anna constr i de si no enunciado se harmoniza com a mostrada em sua enuncia o At a v spera de nosso embarque eu estava firme cert ssima de tudo mas muito nervosa e deprimida Aquela luta entre o sentimento e a raz o que se vinha processando em mim h tantos meses chegara ao auge Na hora do almo o tive um descontrole enorme uma crise de choro cuja raz o naquele momento consegui ocultar Passei o resto do dia triste e em sil ncio noite nova crise Dessa vez minhas for as esgotadas n o consegui esconder o motivo
141. a arena t m permiss o de ir deitar se a um canto com a espada do matador entre as esp duas e morrer em paz Assim suplico te nem uma palavra N o posso viver sem ti tudo Orsini 1999 p 55 Num esbo o bastante simplificado do percurso gerativo no n vel tensivo se verifica a reten o ou seja a continua o da parada no n vel modal narrativo o estado passional do sujeito caracterizado pela insufici ncia modal no n vel discursivo a aspectualiza o do ator como sujeito exaurido a figura do abandono e o tema da morte Ali s o mesmo que se notou no trecho da carta de Musset a George Sand Morro de amor de um amor sem fim sem nome insensato desesperado perdido Orsini 1999 p 55 O todo aqui dominado pelo aspecto terminativo ou seja a terminatividade percorre todos os n veis do discurso do mesmo modo que a incoatividade dominante nas cartas de estabelecimento do elo existencial Essa conclus o a respeito da presen a dos valores tensivos nos n veis do percurso gerativo a mesma a que chega Tatit na an lise da can o Gota d gua de Chico Buarque h uma s plica para que isso aconte a Por favor n o fa a isso fa a aquilo etc mas podemos depreender sem grande esfor o que a situa o presente se ap ia em antecedentes pouco favor veis ao desenvolvimento desejado Em outras palavras se h um apelo dram tico dirigido ao destina
142. a da ades o do enunciat rio 31 A respeito das diferen as entre manipula o cognitiva e manipula o pragm tica consultar Barros 1988 p 109 48 Por meio da convoca o desse tipo o enunciador cria a impress o de que seu objetivo se resume em fazer o enunciat rio saber a opini o da voz que enuncia sobre o objeto posto em debate O fazer saber assim n o se direciona explicitamente para o fazer crer nem para o fazer fazer No que diz respeito s marcas ling sticas o tipo opinativo organiza se mais em fun o da primeira pessoa valorizando o eu aquele que fala Assim instala se predominantemente por meio da debreagem enunciativa o que provoca um efeito de sentido de maior subjetividade debreagem enunciativa n o ocorre apenas em fun o do uso de verbos e pronomes na primeira pessoa mas tamb m pelo uso de palavras avaliativas que expressam ju zos de valor do enunciador marcando a enuncia o o tipo textual predominante em g neros como o editorial de jornal a declara o de voto etc e Exposi o exposi o um segmento mais voltado para a valoriza o do discurso o enunciador cria a impress o de dar mais relevo quilo de que fala do que a si mesmo ou ao enunciat rio Verifica se nesse tipo textual a utiliza o da phr nesis um tipo portanto que tem por objetivo de modo mais evidente convencer
143. a de um sujeito raro t o incomum que dif cil de acreditar que exista como se Tarsila pensasse que Anna num primeiro momento pudesse crer ser mentira o que ouvia como se a rival n o pudesse ser de fato aquilo que parecia a repeti o indica que Tarsila queria a todo custo fazer parecer prima o que de fato cria ser ou seja uma pessoa equilibrada serena e resignada que estava de verdade abrindo m o de seu objeto de desejo Nessa perspectiva era como se negasse o papel de rival saindo ent o da cena da disputa Trata se de uma estrat gia tamb m de preserva o da auto imagem positiva Essa preocupa o em instituir o simulacro do dizer verdadeiro ali s recorrente em Tarsila que dessa maneira constr i uma auto imagem marcada pelo tra o da sinceridade Isso verifica por exemplo quando escreve Perdoe me ter expandido meus sentimentos N o sei fingir Martins 2003 p 83 Ou quando insiste na mesma linha aspectualizando o dito pela iteratividade Mais uma vez pe o que me perdoe por n o ter for as para fingir e mandar uma carta animada Martins 2003 p 132 Ou na seguinte despedida A vai meu cora o com a minha profunda e sincer ssima amizade Martins 2003 p 182 Tarsila constr i uma imagem de si dessa maneira que se incompatibiliza com os valores do fingimento da dissimula o considerados disf ricos no quadro axiol gico em que se move Retomando a no
144. a escrita m quina A diferen a b sica quanto quest o do tempo o e mail e o fax s o formas de comunica o mais pr ximas do tempo real da intera o diferentemente da carta em que h um significativo hiato entre o tempo 19 de escrita o de envio o de recebimento e o de leitura espera que provoca certos efeitos pat micos Na carta tamb m n o h a presen a f sica dos interlocutores como ocorre na conversa o face a face Por isso diz se que a intera o na escrita se d em aus ncia conjun o dist ncia na conversa o face a face em presen a Tais quest es s o importantes para avaliar a chamada situa o do discurso isto o conjunto de circunst ncias no meio das quais se d um ato de comunica o Assim h muitos fatores que importam na abordagem da intera o verbal como o espa o f sico e social em que ela ocorre a imagem que cada interlocutor tem de si e do outro os temas abordados as figuras que os recobrem o meio utilizado telefone fax carta etc Enfim em cada g nero do discurso desenham se pap is espec ficos temas e figuras determinados Em cada g nero as categorias de pessoa tempo e espa o a d ixis discursiva realizam se de distintas maneiras Interessa examinar como isso se processa na comunica o epistolar particularmente nas cartas de amor 0 3 A estrutura da disserta o Escrever cartas um pequeno of cio liter rio
145. a modernista contava com quarenta e sete Ana Luisa Martins evocando as grades culturais que determinam o modo de ser dos sujeitos lembra o seguinte Uma diferen a de idade de mais de vinte anos que se nos dias de hoje ainda capaz de chocar quando a mulher que mais velha em 1933 era considerada quase uma pervers o Martins 2003 p 19 Tal observa o interessa como se ver adiante porque aparece em certas cartas de Tarsila a Lu s pontuando a intera o entre eles na fase terminativa da rela o se a diferen a de idade n o impediu o in cio do relacionamento e sua dura o por mais de dezoito anos um fator considerado relevante pela pintora no processo de ruptura o que se depreende por exemplo deste trecho de uma carta de Tarsila Nesse tempo o C ndido fez me ver como amigo que eu estava errada dizendo O Lu s Martins muito mo o para voc Agora as coisas v o bem mas o tempo inexor vel Um dia voc se arrepender O tempo demonstrou que o C ndido tinha raz o Martins 2003 p 109 Al m da diferen a de idade o fato de os dois n o terem casado oficialmente tamb m os tornava v timas de coment rios maledicentes em raz o disso por exemplo a tradicional Ali s quando li sua cr nica a respeito desta revista tive a intui o de que voc seria um dos colaboradores Desde j pode me contar como assinante Martins 2003 p 197
146. a o tratamento do problema O m ximo que diz que o g nero uma classe de discursos reconhec vel gra as a crit rios de natureza socioletal Greimas e Court s 1983 p 202 Sobre esses crit rios entretanto a teoria n o se pronuncia O cap tulo 1 pretendeu preencher algumas dessas lacunas da teoria tratando do que ela silencia a fim de fornecer contribui es para o desenvolvimento da metodologia Para deslindar a quest o foram discutidas inicialmente as diferen as entre o g nero tipos de discurso e esferas de circula o com o objetivo de desfazer a confus o que em geral se faz entre tais no es Para tanto partiu se das id ias trabalhadas por Bakhtin para incorpor las Semi tica Com base no pensador russo entendeu se o g nero como uma esp cie relativamente est vel de enunciado portanto marcada pela estabilidade e pela mudan a A estabiliza o deve levar em conta tr s fatores b sicos identit rios o estilo a tem tica e a estrutura composicional Como entidade s cio discursiva sujeita s oscila es hist ricas 245 e s flutua es culturais os g neros s o ilimitados constituindo um espa o aberto o que significa dizer que g neros desaparecem transformam se e que novos g neros surgem Constituem exemplos de g neros o editorial a bula de rem dio a carta o an ncio publicit rio a peti o inicial a disserta o de mestrado etc Os tipos de discurs
147. a refletir sobre como s o produzidas transmitidas e interpretadas as mensagens trocadas nos diversos processos de comunica o do dia a dia Mesmo sem saber definir teoricamente os g neros recorre a eles para interagir no cotidiano o entendimento s poss vel porque os indiv duos utilizam formas de linguagem que j existem que s o partilhadas socialmente Ao dar um simples bom dia por exemplo o interlocutor est utilizando o g nero cumprimento Ao se dirigir a algu m que est distante pode valer se de g neros como o telefonema o telegrama e a carta Para pressionar determinada autoridade pode lan ar m o de um abaixo assinado Para tentar vender dado objeto pode fazer uso do g nero an ncio ou classificados Para fazer algu m rir pode contar uma piada Em uma banca de revistas a escolha de determinada publica o passa pela escolha do g nero revista de moda p ster de grupos musicais quadrinhos etc Quando assiste a programas de tev o sujeito toma contato tamb m com distintos g neros o telejornal a novela o programa de audit rio o videoclipe o desenho animado o telecurso etc O homem est cercado de g neros por todos os lados n o poss vel comunicar se sem recorrer a algum g nero de discurso Na mesma linha segue a observa o de Bakhtin possu mos um rico repert rio dos g neros do discurso orais e escritos falamos em v rios g neros sem suspeitar de sua exist nci
148. a separa o Tarsila se mant m terna equilibrada como novamente comprova o recurso embreagem ao dizer Tinha confian a em minha situa o S o coisas do destino Martins 2003 p 129 em lugar de dizer Tinha confian a em voc Voc o culpado pela separa o ela evita falar em perda de confian a e acusar Lu s A segunda pessoa assim sai de cena a confian a n o tem o outro como complemento nominal mas a pr pria Tarsila o 239 respons vel pelo desfecho n o nenhum dos interlocutores mas uma terceira pessoa fora da cena enunciativa o destino O thos de Tarsila se manifesta pela aus ncia n o h nas cartas acusa es cobran as xingamentos express es hiperb licas promessas de vingan a etc No contexto da separa o trata se de elementos que comprovam a aspectualiza o do ator pelo equil brio a serenidade do interlocutor se verifica nas duas fases do relacionamento como caracter stica dominante O thos assim marcado tamb m pelo desprendimento pela resigna o O thos sereno equilibrado terno e desprendido manifesta se benevolente mesmo no quadro da ruptura Ao desejar a Lu s que ele fosse feliz de qualquer maneira por exemplo sem expressar no enunciado nenhuma ressalva a enuncia o se manifesta pelo que silencia a aus ncia de ora es subordinadas adverbiais concessivas mostra no modo de dizer um modo de ser t pico de quem n o interp
149. ade de todo discurso uma vez que todo discurso ideol gico inscrevendo se num dado universo de valores o enunciador sempre tem inten o ao produzir o seu enunciado busca determinados objetivos pretende provocar certos efeitos Para tanto manipula em maior ou menor grau de modo mais evidente ou mais sutil seu enunciat rio argumenta o em sentido restrito um segmento voltado mais para a valoriza o do enunciat rio explora se aqui o pathos como apontou Fiorin o enunciador d mais aten o quele a quem se dirige do que a si mesmo ou ao discurso um tipo portanto que intenciona de modo mais evidente persuadir sua finalidade conquistar a ades o fiduci ria do enunciat rio 5530 A ades o fiduci ria de ordem mais emocional baseada no fazer crer fazer persuasivo Considerando se que o fazer crer como programa de uso se direciona para o fazer fazer como programa de base a argumenta o trabalha mais com a manipula o pragm tica Sobre a distin o entre persuadir e convencer consultar Barros 1988 p 105 e Fiorin 2004 p 26 30 Sobre a distin o entre ades o fiduci ria e ades o l gica consultar Barros 1988 p 58 47 Quanto s marcas ling sticas sendo o tipo argumentativo mais voltado 2 para a valoriza o do tu instala se predominanteme
150. ado quer esquecer se por um momento no seu calor meu corpo pede algumas horas de serenidade Orsini 1999 p 53 Na perspectiva adotada neste trabalho o corpo n o seria propriamente o tema trata se antes da figura que reveste os temas da aus ncia e da presen a na correspond ncia amorosa Escrevendo a Diego Rivera por exemplo Frida reclama a aus ncia do amado concretizando essa no o na figura do corpo solit rio que reclama a conjun o com o corpo do ausente Na carta de Frida o corpo adquire densidade sem ntica figurativizado como 171 portanto marcado pelo tra o da car ncia caracterizado pelo um azar o mutilado sentimento de falta No n vel discursivo o corpo figurativizado o mesmo que afetado pelos fluxos descont nuos do n vel tensivo tamb m o mesmo que padece do esvaziamento modal no n vel narrativo Essa id ia de corpo ali s como se v pode ser trabalhada desde as pr condi es do sentido a sua busca deve come ar por exig ncia metodol gica no n vel tensivo como corpo que percebe sente e introduz assim os semas proprioceptivos respons veis pelos sentimentos de atra o e repuls o Tatit 1995 p 163 Trata se de um corpo que equaciona a dicotomia entre mundo concebido como estados de coisas com seus 171 Isso remete s diversas cirurgias sofridas pela pintora em raz o de um acidente de bonde que resultou em diversas fr
151. agir cotidiano da vida dom stica 122 Segue uma possibilidade de organiza o das categorias dominantes em cada uma das quatro configura es b sicas das cartas de amor que marcam os distintos percursos do sujeito amoroso CARTAS DE ESTABELECIMENTO DO ELO EXISTENCIAL VACUIDADE FALTA PLENITUDE DISFORIA N O DISFORIA EUFORIA TENS O gt DISTENS O RELAXAMENTO PARADA PARADA DA PARADA CONTINUA O INCOATIVIDADE DISJUN O N O DISJUN O gt CONJUN O CARTAS DE MANUTEN O DO ELO EXISTENCIAL PLENITUDE EUFORIA RELAXAMENTO PARADA PARADA DA PARADA CONTINUA O DURATIVIDADE CONJUN O CARTAS DE RUPTURA DO ELO EXISTENCIAL PLENITUDE gt PERDA VACUIDADE EUFORIA gt N O EUFORIA DISFORIA RELAXAMENTO gt CONTEN O RETEN O CONTINUA O PARADA DA CONTINUA O PARADA TERMINATIVIDADE CONJUN O N O CONJUN O DISJUN O CARTAS DE RESTABELECIMENTO DO ELO EXISTENCIAL VACUIDADE gt FALTA gt PLENITUDE 123 DISFORIA N O DISFORIA EUFORIA TENS O gt DISTENS O gt RELAXAMENTO PARADA PARADA DA PARADA CONTINUA O ITERATIVIDADE DISJUN O N O DISJUN O gt CONJUN O Antes de se proceder ao detalhamento do esquema importante deixar claro o seguinte Essa op o sedutora em muitos aspectos n o no entanto compat vel com nossa descri o do n vel profundo se as formas te
152. aivosas mastigando Venha para casa Senhora por favor Trevisan 1968 p 13 O in cio do texto mostra a disjun o entre o sujeito e o objeto a Senhora est longe de casa As etapas da conjun o e da n o conjun o est o pressupostas n o se explicita o deslocamento do sujeito da posi o de plenitude para a de perda inanidade Apesar disso elas podem ser inferidas por cat lise do trecho primeiros dias para dizer a verdade n o senti falta que apresenta o sujeito na posi o da vacuidade Pode se depreender da que o sujeito se desloca na sequ ncia para a posi o de falta em que a perda passa a ser sentida a not cia de sua perda veio aos poucos Mais claramente isso vem expresso no trecho E comecei a sentir falta Quanto aos modos de exist ncia configura se ent o o sujeito da falta que parte do sujeito vazio O deslocamento marcado aspectualmente pela incoatividade comecei Trata se do in cio do sentimento que atualiza o sujeito impulsionando o para a busca da nova plenitude a volta da amada condi o para que se realize o sujeito pleno para que ele readquira sua identidade Vale notar no quadro da falta o tra o da descontinuidade presente na preposi o sem que afeta o sujeito modal tornando o impotente e ignorante sem a presen a da amada agora no papel de destinador o sujeito n o sabe e n o pode fazer n o sabe pregar bot o n o sabe conversar n o pode
153. al como o h bil pescador busca atrair peixes com sua isca e captur lo com seu envergado anzol da mesma forma o homem que prisioneiro do amor tenta atrair o objeto de sua afei o com sedu es e empenha todo o seu nimo na uni o de dois distintos cora es com indissol vel la o ou ent o se os v j reunidos envida esfor os em mant los assim para sempre Orsini 1999 p 19 Em todos os tempos o amor mesmo quando considerado sob seu aspecto mais elementar sempre foi o eixo da vida humana E continua sendo seja como fonte de exalta o e lirismo seja sublimado ao mais alto grau a ponto de perder qualquer contato direto com o homem para adquirir uma significa o c smica ou um valor m stico Ent o j se disse tudo do amor Seguramente n o Isso s seria poss vel se a humanidade n o fosse mais suscet vel de evolu o e as rela es entre os seres estivesse imobilizada para sempre D se o contr rio o homem continua a obedecer ao mesmo movimento helicoidal que ele mesmo engendrou P ret 1985 p 15 19 2 1 Os nomes do amor o apego e a exclusividade Como sabeis as rela es amorosas s o v rias e tendem a aumentar em n mero indefinido o amor do sonhador ao seu sonho atrav s do qual recebe not cias e car cias de longe apenas um exemplo Orsini 1999 p 117 Este cap tulo tem por objetivo deslindar a tem tica do g nero carta de amor Como sugere a denomina o o adju
154. aliza o do comportamento do outro No n vel discursivo tamb m deve se recorrer abordagem da constru o dos the da aspectualiza o dos atores Pelas recorr ncias de um modo de fazer ser entendem se os efeitos de individua o os fatos de estilo caracter sticos do g nero Segundo Norma Discini para a apreens o do modo de enuncia o em linhas bem gerais os seguintes elementos devem ser verificados Discini 2003b Modo de enuncia o d ixis enunciativa Cena e cronologia que o discurso constr i para si a fim de legitimar autorizar sua enuncia o Ideal de voz como vocalidade do texto escrito por meio dos enunciados constru dos o discurso desenvolve uma certa modula o isto uma voz que lhe pr pria Essa voz imposta pela sem ntica global do texto Trata se de levar em considera o a maneira como a cenografia gera sua vocalidade sua rela o inelut vel com a voz Em outros termos trata se de fato dessa representa o do enunciador que o co enunciador deve construir a partir de ndices de v rias ordens fornecidos pelo texto Essa representa o desempenha o papel de um fiador que se encarrega da responsabilidade do enunciado Essa voz fiadora da presen a de um corpo Importante considerar que o fiador possui um car ter e uma corporalidade O car ter corresponde a um feixe de tra os psicol gicos claro que s o ap
155. alquer Da mesma forma um objeto s o enquanto esteja em rela o com um sujeito enquanto visado por um sujeito a jun o que condi o necess ria tanto exist ncia dos sujeitos quanto dos objetos Greimas e Court s 1983 p 172 De acordo com a semi tica tensiva essa no o de modos de exist ncia traduzida nos seguintes termos As modula es da presen a e da aus ncia fornecem em suma a primeira modaliza o das rela es entre o sujeito e o objeto tensivos a modaliza o existencial a plenitude realizante a falta atualizante a vacuidade virtualizante e a 2 inanidade potencializante Tal sugest o sup e de fato que as modaliza es existenciais possam ser engendradas a partir das modula es da presen a aus ncia e que possamos generalizar as articula es da base perceptiva ao conjunto da modaliza o existencial no discurso Fontanille e Zilberberg 2001 p 131 Assim as categorias plenitude e falta pertencem d ixis da presen a as categorias vacuidade e inanidade d ixis da aus ncia Nessa perspectiva pode se dizer que o estado de vacuidade define a menor densidade existencial que um sujeito pode experimentar o estado de plenitude como contr rio define sua maior densidade existencial Conforme se observou nos exemplos trabalhados o corpo do proto sujeito das cartas de amor no complex
156. amente exclusivista Martins 2003 p 121 Essa auto imagem constru da compat vel com a imagem mostrada ao fazer cobran as ao rebaixar Lu s ao enunciar em tom exaltado Anna manifesta um thos t pico do sujeito que n o aceita dividir o objeto de apego intenso Esse thos exclusivista op e se portanto ao thos n o exclusivista de Tarsila o desprendimento desta n o se verifica naquela fato que tamb m ajuda a distinguir portanto os dois the 220 Trata se de uma seq ncia argumentativa Anna quer convencer Lu s a ficar com ela n o com Tarsila como atesta o desenvolvimento da hist ria amorosa 234 Esse desprendimento no quadro axiol gico em que o interlocutor opera visto como disf rico Na carta de 18 de fevereiro de 1952 Anna remete a outro destinador de valores tamb m no seguinte trecho Com os meus princ pios minha educa o eu jamais seria feliz nesse meio O uso do pronome esse sintomaticamente produz um efeito de sentido de afastamento entre o espa o em que circulam seus valores e o meio em que circulam os de Lu s e Tarsila marcando a n o identifica o entre os sujeitos Por meio desse procedimento enunciativo Anna expressa a sua indigna o como se acusasse Lu s e Tarsila de viverem num meio desprez vel sem princ pios e educa o respeit veis Mais uma vez se percebe que a imagem mostrada na enuncia o corresponde com a constru da no enunciado Anna se
157. amor Segundo o te rico deve se levar em conta a situa o de enuncia o a cenografia pressuposta e validada pela realiza o discursiva Ao mesmo tempo condi o e produto ao mesmo tempo na obra e fora dela essa cenografia constitui um articulador privilegiado da obra e do mundo Maingueneau 1995 p 121 Vale enfatizar que situa o de comunica o n o serve para destacar as circunst ncias emp ricas da produ o do enunciado mas o foco de coordenadas que serve de refer ncia diretamente ou n o enuncia o os protagonistas da intera o da linguagem enunciador e co enunciador assim como sua ancoragem espacial e temporal eu e tu aqui agora referindo se s escolhas que remetem s estrat gias de posicionamento dos interlocutores Maingueneau 1995 p 65 Vale lembrar que segundo o autor no discurso o indiv duo n o interpelado como sujeito sob a forma universal do sujeito de enuncia o mas em um certo n mero de lugares enunciativos que fazem com que uma seq ncia discursiva seja uma alocu o um serm o Maingueneau 1997 p 34 O enunciador em cada cena espec fica de enuncia o constr i um thos veicula uma imagem de si ao outro a partir de dada imagem que tem do outro Em outros termos aspectualiza se de determinada maneira avalia se como enunciador revela um modo particular de presen a no mundo da mesma forma em seu discurso aparecem marcas de 57 aspectu
158. amor de um amor sem fim sem nome insensato desesperado perdido Orsini 1999 p 55 Nessa esp cie de amor n o raro a paix o se realiza discursivamente aspectualizada 116 E tA por uma menor dura o E pela efemeridade como atestam os exemplos citados Nas palavras de Musset o amor t o intenso acelerado que conduz morte aspectualizado portanto pela terminatividade J o amor sem o gradiente da paix o em geral visto como mais ameno trangiilo como sugere a express o amor sereno em que o adjetivo sereno traduz o gradiente t mico a no o de um amor menos intenso desacelerado Esse amor 2 EIR em geral aspectualizado pela duratividade o que muitos poetas e seresteiros chamam Z de amor eterno amor maduro amor de uma vida inteira etc E isso que se verifica 115 Em Noites brancas de Dostoi vski a hist ria de amor dura duas noites conforme as palavras do narrador amada Nastenka Seja bendita minha querida por n o me ter repelido imediatamente por me ter permitido dizer hoje que pelo menos pude viver duas noites em toda a minha vida Que o c u te seja luminoso que seja claro o teu gentil sorriso e bendita sejas tu pr pria pelo minuto de felicidade e de alegria que proporcionaste a um cora o solit rio e grato Dostoi vski 1988 p 39 92 Na novela o narrador se apaixona pela personagem inicia com ela um
159. aqui de um momento atualizante do texto em que o sujeito assume a falta e calibra seu avan o em dire o plenitude A busca de conjun o inequ voca do mesmo modo que a forte tens o para a indivisibilidade Tatit 2001 p 140 Como se viu por exemplo na an lise de Oceano o sujeito apaixonado est em disjun o com o objeto de desejo o qual representa para ele a felicidade o preenchimento do vazio da falta a plenitude S em conjun o com o objeto desejado pode o sujeito da falta triste insatisfeito se transformar em sujeito pleno feliz satisfeito Os pap is de sujeito triste e sujeito feliz s o tamb m efeitos pat micos da jun o na disjun o o dra E m 14 sujeito quer ser e n o pode ser na conjun o quer ser e pode ser a 144 Segundo Greimas e Fontanille o inquieto pode ser como sujeito imerso nas modula es tensivas encarnando o prot tipo do sujeito apaixonado 1993 p 194 145 importante lembrar aqui que a conjun o com o objeto amado n o basta para tornar o sujeito euf rico evidente que o que impede o sujeito de sentir prazer com seu objeto a rivalidade ela que adquire a forma pat mica da inquietude e da sombra no contato com o apego Greimas e Fontanille 1993 p 191 136 No trecho s sei viver se for por voc percebe se o devotamento do sujeito ao objeto marcado pelo apego exclusivo e intenso modalizado pelo dever ser e pelo n o
160. ar em quatro percursos b sicos estabelecimento do elo existencial a busca da conjun o entre o sujeito e o objeto n o resulta de disjun o anterior manuten o do elo existencial existe a conjun o que se procura manter num quadro de dist ncia f sica entre os sujeitos amantes a ruptura do elo existencial a disjun o parte de uma conjun o anterior e o restabelecimento do elo existencial da disjun o busca se nova conjun o A no o de d ixis enunciativa remete mais particularmente problem tica das configura es estil sticas que constroem the espec ficos Assim proceder se primeiro ao detalhamento da categoria estilo Depois fechando este cap tulo ser apresentada a estrutura composicional do g nero na abordagem da cena gen rica carta No cap tulo 2 ser detalhada a partir do simulacro metodol gico do percurso gerativo a tem tica j na an lise das cartas de amor 1 3 1 G nero e estilo o thos do enunciador epistolar O estilo a base para a compreens o do thos do enunciador a imagem que constr i de si depende da imagem que constr i do outro no contexto espec fico de cada intera o verbal O thos se relaciona dessa forma com os simulacros que circulam na comunica o estilos mais formais por exemplo produzem efeito de sentido de distanciamento privilegiando a persona o papel p blico do enunciador em detrimento da pess
161. ar juntos por meio da ilus o enunciativa que faz ser presente o ausente Em carta datada de 29 de novembro de 1950 por exemplo endere a de S o Paulo a Paris as seguintes palavras Lu s muito querido em pensamento estou acompanhando sua viagem Ontem recebi com muita alegria sua carta di rio Martins 2003 p 62 O segundo per odo marcado por cartas de Tarsila que apontam para a ruptura da rela o com Lu s Martins mas aspirando ao restabelecimento do quadro de plenitude Nas palavras dela em carta datada de 15 de janeiro de 1952 Meu Lu s querido as saudades continuam Tenho pedido insistentemente a Deus que o inspire para que haja uma solu o como V diz justa e humana Martins 2003 p 114 Al m das cartas de Tarsila nesse per odo h tamb m cartas de Anna Maria orientadas num primeiro momento na dire o do estabelecimento do elo com o objeto de desejo Na verdade Anna enuncia nas primeiras cartas desse per odo o desejo de assumir a rela o que j existe de fato tornando p blica a situa o inscrita no modo do segredo no qual a conjun o n o parece ser mas efetivamente Assim mais do que manter o que parece ela deseja consolidar o que Em 3 de janeiro de 1952 escreve Que toda essa ang stia essa situa o falsa terminem que eu consiga fazer com que voc esque a tudo isto para que possamos enfim ser felizes Martins 2003 p 110 Mal a rela o se consolida por
162. ara adequ la ao escopo desta disserta o deve se ent o proceder sua especifica o reduzindo lhe a profundidade para que se possa assim melhor apreend la Desconsideram se para tanto as defini es mais abrangentes para focalizar especificamente o amor que cresce na dire o do amante ou seja o amor como rela o de envolvimento afetivo e sexual entre sujeitos que buscam como valores o prazer sexual a fidelidade o companheirismo etc projetados no outro como objeto figurativo do desejo O querer dessa forma adquire um nome e nomeado um estatuto 101 Tais no es semi ticas ser o sistematizadas e detalhadas no pr ximo t pico deste cap tulo 102 RAR Eles RE ip dra e A exist ncia semi tica puramente a rela o sujeito objeto que caracteriza o sujeito enquanto tal 88 O que interessa a este trabalho ent o o amor como desejo sexual e afetivo entre sujeitos amantes constru do na intera o epistolar Nessa perspectiva a no o de apego como tra o s mico comum a toda maneira de amar n o basta para proceder especializa o de sentido do termo A prop sito disso deve se focalizar o seguinte Se considerarmos agora os actantes narrativos e as jun es constataremos para come ar que a intensidade do apego traduz se pelo grau de investimento do sujeito por seu objeto Esse grau recobre de fato dois fen menos por um lado o investime
163. ara o outro o sagrado da ordem do fechamento como uma regi o protegida do mundo exterior ao territ rio do amor Assinalando nesses casos o investimento exclusivo do sujeito por seu objeto o apego pode ser reformulado como devotamento palavra que tem como correlatas a fidelidade e a lealdade Segundo o dicion rio Houaiss ela assim definida ato ou efeito de devotar se dedica o O verbo devotar significa consagrar a exist ncia um sentimento etc Isso equivale id ia de zelo como um vivo ardor em servir a uma pessoa ou a uma causa qual nos consagramos sinceramente no qual o sujeito consagrado e at sacrificado a seu objeto Greimas e Fontanille 1993 p 184 Tal id ia de devo o do sujeito pessoa amada objeto de culto especial aparece com frequ ncia nas cartas de amor como nesse trecho de uma carta de Victor Hugo a Ad le Foucher Ah deixe me cair humildemente aos seus p s voc t o generosa t o terna e t o forte Estive pensando que o limite m ximo da minha devo o s podia ser o sacrif cio da minha vida mas voc meu generoso amor estava pronta a me sacrificar o repouso da sua Voc o objeto mais digno de respeito a criatura mais respeitada por seu Victor A minha alma inteira lhe pertence Se toda a minha exist ncia n o fosse sua a harmonia do meu ser ter se ia perdido e eu teria morrido morrid
164. arrativa como um fluxo de altos e baixos uma oscila o entre cheios e vazios uma instabilidade cont nua entre tens es e relaxamentos euforias e disforias plenitude e vacuidade como se verifica por exemplo em Acontece o que era deixa de ser o querer se torna n o querer o amante busca o papel de ex amante A composi o se assemelha a uma carta de ruptura do contrato amoroso em que se interrompe o fluxo cont nuo da rela o amorosa o quadro euf rico de conjun o de relaxamento em que imperava a continua o da continua o O sujeito encontra se em estado de n o conjun o posi o cujo conte do descrito pela semi tica como inanidade modulada pela conten o isto pela parada da continua o Segundo Tatit do ponto de vista dos modos de exist ncia semi tica esse sujeito perdeu sua condi o anterior de conjun o com os valores e ainda n o abra ou qualquer novo projeto de reconquista de seus objetos N o se define mais como sujeito pleno Tatit 2001 p 197 Um bom exemplo de perda de inanidade que leva vacuidade existencial o seguinte trecho de uma carta de Alfred de Musset a George Sand TA Grifo nosso 111 Tudo isso me d vontade de chorar e j n o tenho l grimas N o sou de desistir facilmente tu o sabes lutei enquanto pude Seria muito cruel dizer a um infeliz a morrer de amor que ele n o tem raz o de morrer Os touros feridos n
165. artida na disjun o entre os actantes Os temas da uni o amorosa e da ruptura amorosa assim realizam essas no es tornando as mais concretas no n vel discursivo Em linhas gerais pode se dizer quanto aos quatro percursos tem ticos b sicos das cartas de amor que as cartas de estabelecimento de manuten o e de restabelecimento do elo existencial manifestam a no o de apego no primeiro caso o sujeito tenta entrar em conjun o com o objeto no segundo busca manter essa conjun o no terceiro pretende reat la No estabelecimento o apego aparece marcado pela exclusividade e pelo devotamento mas n o h posse Na manuten o o apego tamb m exclusivo e devotado a diferen a que aqui o sujeito tem a posse do objeto No restabelecimento a possess o atualizada pela falta do objeto que j se possuiu No caso das cartas de ruptura do elo existencial em contrapartida faz se presente a no o de desapego o sujeito quer a disjun o ou seja n o quer mais o objeto O que era atra o pois transmudou se em repuls o A exclusividade tornou se indiferen a a posse transmudou se em desprezo o querer ser conjunto virou querer n o ser conjunto Vale lembrar que as no es de apego e desapego n o se relacionam diretamente com as categorias conjun o e disjun o como pode parecer num exame mais apressado uma vez que o s
166. as dire es isto oscila entre dois percursos o percurso que vai da vacuidade plenitude e o que vai da plenitude vacuidade Para Tatit Em resumo o percurso existencial que vai da vacuidade plenitude correspondente ao aumento do coeficiente tensivo no plano do enunciador reproduz se narrativamente na passagem do estado de disjun o ao estado de conjun o tanto objetal quanto subjetal e neste ltimo caso com destaque para a reconstru o do destinador actante respons vel pelo xito geral do processo Tatit 2001 p 141 Quanto aos actantes verificou se grosso modo que nas cartas de estabelecimento manuten o e restabelecimento do elo existencial a vida do sujeito eu se desenvolve na dire o do objeto voc rela o objetal e que o sujeito eu tem sua compet ncia alimentada por voc o que os torna respectivamente destinat rio e destinador rela o subjetal Tatit completa dizendo que 142 todo esse sistema revelado por mais um actante acumulado pelo eu o destinador julgador deste lugar estrat gico que o enunciador interpreta todas as etapas de sua trajet ria narrativa e a verdade de suas atuais depend ncias actanciais Tatit 2001 p 142 No caso das cartas de ruptura constatou se basicamente que a vida do sujeito eu ptura q J n o se desenvolve mais na dire o do objeto voc rela o objetal o sujeito
167. atamente o contr rio de uma holofrase O que quero desesperadamente obter a palavra Barthes 2003 p 181 274 Para Barthes trata se de uma situa o limite em que o sujeito est suspenso numa rela o especular com o outro Barthes 2003 p 175 O eu tamb m isolado sem segii ncia contudo n o uma resposta perfeita pois o que perfeito pode ser apenas formal e a forma aqui evanescente por n o retomar literalmente a proferi o e proferi o que cabe ser literal Barthes 2003 p 177 75 Quanto ao conte do silenciado pelas retic ncias Barthes sugere que o sil ncio no caso est repleto de sentidos leio os acompanho os em toda a sua sutileza observo decifro gozo um texto que explode de legibilidade por aquilo mesmo que n o diz Limito me a ver o que est sendo dito como no cinema mudo Barthes 2003 p 84 224 Como se percebe a descri o do corpo do ator distante come a com o reconhecimento da falta as saudades levam o interlocutor a escrever para atenuar a dor da aus ncia O uso dos verbos no presente uma estrat gia discursiva que cria a impress o de presen a como se por meio das palavras Anna trouxesse Lu s ao encontro dela Por meio da escrita como se os corpos separados se fundissem novamente realizando a esperada conjun o Lu s aparece diante dela de culos existencialistas cigarro na boca agradando a encabulando
168. ativa S o Paulo Editora Atlas MENEZES Ad lia Bezerra de 2001 Figuras do feminino S o Paulo Ateli Editorial MEURER Jos Luiz MOTTA ROTH D sir e 2002 G neros textuais Bauru Edusc MIRA Y L PEZ Emilio 2001 Os quatro gigantes da alma O Medo A Ira O amor e o Dever Rio de Janeiro Jos Olympio MONTEIRO Teresa org 2002 Correspond ncias Clarice Lispector Rio de Janeiro Rocco 261 ORSINI Elisabeth org 1999 Cartas do Cora o uma antologia do amor Rio de Janeiro Rocco OV DIO 20034 Cartas de Amor S o Paulo Landy Editora _ 2003b A arte de amar S o Paulo Martin Claret P CORA Alcir 2001 A arte das cartas jesu ticas do Brasil In P cora Alcir M quina de G neros S o Paulo Edusp p 17 33 P RET Benjamin 1985 Amor sublime S o Paulo Brasiliense PESSOTTI Isa as 1999 Os nomes da loucura S o Paulo Editora 34 PIETROFORTE Antonio Vicente 2004 Semi tica visual os percursos do olhar S o Paulo Editora Contexto PLAT O 2002 Fedro S o Paulo Martin Claret QU R Henri s d Figures de V pistolaire In Qu r Henri Intermittences du sens tudes S miotiques Paris Presses Universitaires de France p 55 71 RAMOS Graciliano 1996 Cartas de amor a Helo sa S o Paulo Record SALIBA Elias Thom 2004 Instantes de um mundo n o digital Caderno 2 O Estado de S o Paulo
169. ativo epistolar e da assinatura outro elemento constitutivo da estrutura composicional da cena gen rica em quest o o fecho de despedida tamb m conhecido como f rmula de cortesia Nas cartas de amor verificam se fechos marcados por tra os passionais que indicam um grau de maior proximidade entre os interlocutores inscrevendo os sujeitos na esfera da intimidade Tais elementos importante ratificar fazem parte do estilo do g nero apesar da maior plasticidade das cartas de amor isto de sua menor padroniza o fato que possibilita diferentes modula es de voz nas diferentes cenografias a linguagem do cora o exige que o interlocutor escreva como fala Gay 1999 p 339 Tarsila termina a carta de 13 de novembro de 1950 assim Esperando novas not cias envio meu cora o cheio de saudades Martins 2003 p 60 A carta de 19 de novembro do mesmo ano tem o seguinte fecho Adeus meu querido Lu s abra os beijos e o cora o 222 A l gica do desejo p e se em marcha o querer possuir retorna A plenitude existe e n o descansarei at faz la voltar Barthes 2003 p 8 223 Como foi dito no cap tulo 1 a grandiloq ncia teatral indecorosa nessa cena gen rica o melhor estilo o que mais se adapta a mat ria tempo lugar e p blico P cora 2001 p 25 196 saudoso de Truly Martins 2003 p 61 Na carta de 4 de dezembro a des
170. aturas por todo o corpo 163 semas exteroceptivos e sujeito entendido como estados de alma marcados por semas interoceptivos O corpo nessa perspectiva uma categoria que subsume sujeito e objeto unidade na qual ambos aparecem articulados Explicando melhor no n vel tensivo fala se em uma esp cie de saudade ou de nostalgia do cont nuo da fus o do antes da cis o Barros 1995 p 95 No n vel narrativo o valor da continuidade se manifesta na busca do sujeito pelo objeto a fus o traduzida aqui como conjun o No n vel discursivo a conjun o se traduz figurativamente pelo fus o dos corpos dos amantes que recobre o tema da presen a o desejo do encontro dos corpos restabelecendo a fus o perdida Barros 1995 p 95 por exemplo que se nota na carta de Frida particularmente no trecho Meu corpo quer voc Em certos casos a actorializa o revela n o propriamente a fus o mas a absor o do sujeito pelo objeto como foi visto a intensidade do apego leva o sujeito amoroso a se confundir com seu objeto A fus o dos actantes se traduz no n vel discursivo por exemplo por meio das estrat gias de actorializa o como o emprego de antrop nimos como se observou nesta carta de Chico M rio a N via N via Nossa primeira filha vai chamar N via Eu vou chamar N via eu vou chamar voc Orsini 1999 p 59 Nas cartas
171. aulo um top nimo isto uma designa o de espa o por meio de um nome pr prio Dessa maneira faz parte da onom stica como subcomponente da figurativiza o Trata se de um elemento fundamental para indicar ao interlocut rio o local em que se encontra o interlocutor ancorando espacialmente a cena enunciativa por meio dessa estrat gia que s o esclarecidos os d iticos do enunciado Quando Tarsila diz por exemplo aqui tamb m os jornais se ocupam muito da guerra o adv rbio aqui remete a S o Paulo refer ncia espacial explicitada no cabe alho Martins 2003 p 75 Vale observar que o detalhamento temporal com a especifica o do hor rio da atividade de escrita um outro elemento da figurativiza o que concorre para a cria o do efeito de sentido de presen a Juntamente com os antrop nimos e os top nimos os cron nimos servem para estabelecer uma ancoragem hist rica com vistas a constituir o simulacro de um referente externo e a produzir o efeito de sentido realidade Greimas e Court s 1983 p 92 Esse detalhamento aparece em muitas cartas de amor como mais uma estrat gia de aproxima o entre os ausentes mas n o se verifica por exemplo nas cartas comerciais 3 em raz o das coer es desse g nero em que a rela o entre os interlocutores marcada por maior formalidade e distanciamento bem como por uma menor densidade figurativa Nos termos de Barthes 205
172. bam pois compondo uma esp cie de autobiografia fragmentada do autor sem que ele se d conta disso Lemos 2004 p 15 Sem que Tarsila e Anna Martins percebessem elas forneceram nos enunciados epistolares constru dos imagens de si e do interlocutor Depreende se das cartas assim que Lu s Martins desempenhou em sua vida profissional os pap is tem ticos de jornalista cr tico de arte e escritor Na qualidade de jornalista e cr tico escreveu por exemplo em O Estado de S Paulo firmando se como um dos maiores defensores da arte moderna praticada no Brasil Fez tamb m 187 Mande me sua impress o sobre os artistas novos da Martins 2003 p 25 Explicitando o d itico espacial trata se de Paris local em que Martins estava a trabalho L n o s colhia informa es para suas cr ticas de arte mas tamb m tentava vender o quadro Torre Eiffel que pertencia a Tarsila pintado por Robert Delaunay o quadro pertence hoje ao Art Institute de Chicago O papel de cr tico de arte explicitado nos seguintes trechos de duas cartas de Anna Maria Cuidado com o mar de Copacabana que muito forte e n o olhe muito para as mo as na praia Isto se voc quiser mesmo olhar veja apenas com olhos de cr tico de arte Martins 2003 p 117 N o justo que voc torne p blico o que se passou entre n s aproveitando se de suas vantagens como escritor de sua coluna di ria no Estado Martins 2
173. bjeto de desejo por meio da carta que escreveu tentou presentificar se a Madeleine ao dizer beijo te infinitamente como se Apollinaire se adensasse semanticamente materializando se diante do interlocut rio interessante observar no estilo ntimo dessa carta o derramamento passional o transbordamento de um enunciador que constr i o simulacro daquele que n o cabe em si que se transforma sob o efeito do perfume das paix es na constru o do simulacro do sujeito apaixonado da troca epistolar Da mesma maneira em termos correlatos verifica se a constru o do destinat rio como valor intensamente desejado ent o na posi o de objeto figurativo do querer Nota se que intensificado o desejo o objeto valor se torna obsess o como expressa o querer dizer do locutor manifestado na tematiza o e figurativiza o de seu discurso Esse thos doce contrasta com o thos da justa medida que se verifica por exemplo nas cartas comerciais nestas como efeitos de sentido na constru o do ator o tom s rio o corpo distante e o car ter neutro equilibrado sob as coer es do dever ser ganham cena as paix es da justa medida O estilo ntimo faz parte da cena gen rica denominada carta de amor Eis aqui uma cena espec fica que se configura como desdobramento do g nero epistolar O estilo P 5 A quest o da aspectualiza o do comportamento dos atores e
174. blume p 171 191 2004 G neros e tipos textuais S o Paulo c pia xerografada 257 FIORIN Jos Luiz e LANDOWSKI Eric orgs 1997 O gosto da gente o gosto das coisas S o Paulo Educ FONTANILLE Jacques 1999 S miotique et litt rature essais de m thode Paris Presses Universitaires de France FONTANILLE Jacques amp ZILBERBERG Claude 2001 Tens o e significa o S o Paulo Discurso Editorial Humanitas FOUCAULT Michael 2000 A Arqueologia do saber S o Paulo Forense Universit ria GALV O Luiz 1997 Anos 70 novos e baianos S o Paulo Editora 34 GALV O Walnice Nogueira 1998 margem da carta In Galv o Walnice Nogueira Desconversa Rio de Janeiro Editora UFRJ p 154 163 GALV O Walnice Nogueira amp GOTLIB N dia Batella org 2000 Prezado senhor Prezada senhora Estudos sobre cartas S o Paulo Companhia das Letras GAY Peter 1999 O esp rito da carta In Gay Peter A experi ncia burguesa da Rainha Vit ria a Freud o cora o desvelado S o Paulo Companhia das Letras p 338 358 GENET Jean 1983 Nossa Senhora das Flores Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira GOTLIB N dia Batella 2003 Tarsila do Amaral a modernista S o Paulo Editora Senac S o Paulo 258 GREIMAS Algirdas Julien 1973a En torno al sentido ensayos semi ticos Madrid Fragua CC 1973b Sem ntica estrutural S o Paulo
175. bor de fruta madura e eu te sinto tremular contra mim como uma lua na gua Cort zar 1982 p 28 168 IMAGEM e Auto retrato de Tarsila do Amaral Espelho de artista 169 IMAGEM e Retrato de Lu s Martins por Tarsila do Amaral A vai meu cora o p 18 170 IMAGEM e Foto de Anna Maria Martins A vai meu cora o p 200 171 CAP TULO 3 UM TRI NGULO AMOROSO A VAI MEU CORA O 172 Minha cara creio que voc nunca entendeu o amor O amor um sentimento de ess ncia tr gica cego surdo e louco O amor qualquer coisa de patol gico e desvairado Em face dele todos os outros sentimentos empalidecem e se anulam o amor passa por cima de todas as coisas cotidianas e burlescas ou sagradas e inviol veis como o grande sopro severo e melanc lico de um deus inapel vel Um homem atingido marcado pelo amor um homem sagrado pela trag dia sua vida j n o cabe no mbito humano ele escapa ao controle dos homens para se al ar ao campo dos her is e dos anjos rebelados capaz de tudo de todas as coragens de todas as grandezas de todas as mis rias todas as humilha es todas as baixezas todas as abje es e todas as ousadias A mulher que ama uma personagem de trag dia e pelo amor sacrifica todos os bens e afei es de sua vida E um homem que tem a fortuna de ser amado assim pode se sentir mais rico do que um nababo e mais orgulhoso que um conquistado
176. c S op gt S est v Ov gt S a O eu eu voc No esquema das paix es complexas eu o sujeito que cr que o sujeito voc deva fazer algo para que eu como sujeito de estado entre em conjun o com voc como objeto S1 crer S2 dever gt S1 Ov No esquema narrativo da escrita da falta verificam se tr s percursos No primeiro 66 3r o pA c6 33 Berit eu sujeito operador que quer colocar eu como sujeito de estado em conjun o com voc Dessa maneira o interlocutor constr i no modo do parecer o corpo do interlocut rio ausente 16 H manifesta es epistolares por exemplo em que o n o poder ser se combina ao crer ser trata se do sujeito iludido que n o cr nas evid ncias do fim de relacionamento e insiste na rela o 16 Isso vale para as cartas de estabelecimento manuten o e restabelecimento do elo No caso das cartas de A ruptura o sujeito operador eu coloca o sujeito de estado eu em disjun o com o objeto voc 156 S op gt S est v Ov gt SAO eu eu voc No segundo voc aparece como sujeito operador que deve realizar a perf rmance da escrita Respondendo ao outro voc coloca eu como sujeito de estado em conjun o com voc como objeto S op gt S est v Ov gt SAO voc eu voc No terceir
177. c v visitar algumas das pequenas cidades italianas Siena Assis Perugia etc antes de sua volta a Paris De qualquer maneira como voc diz que n o tem dinheiro para outra passagem eu remeteria o dinheiro necess rio ou antes compraria aqui sua passagem de volta Mas esperemos que nada disso seja necess rio e que voc aproveite bem sua viagem Martins 2003 p 75 Disso se depreende um thos n o marcado pelo ego exclusivista um thos que n o anula o outro o desejo de fus o n o aniquila o amante na unidade chamada casal permitindo lhe ser um embora seja dois assim evitando tanto o excesso quanto a insufici ncia que Tarsila se constr i nessas cartas do primeiro per odo da rela o com Lu s Martins Nessa linha emblem tica a seguinte passagem Eu j havia escrito diversas cartas que rasguei e assim muitas not cias n o foram transmitidas Martins 2003 p 75 Mais uma vez importante deixar claro o seguinte Tarsila n o manifesta um thos equilibrado porque diz ter evitado enviar cartas mais exaltadas O que dito no enunciado importante mas para apreender a auto imagem constru da pelo enunciador o thos constru do na enuncia o O que interessa aqui enfim que a auto imagem compat vel com o thos o modo de dizer sereno benevolente que de fato configura o quadro de equil brio Em outros termos o que o enunciado diz sustentado p
178. c typology of the sub genre according to four courses of the subject in love narrative letter of establishing the existential link the subject wants to establish a connection with the object letter of maintenance of the existential link the subject wants to establish a connection with the object letter of rupture of the existential link the subject wishes to be in disconnection with the object and letter of re establishment of the existential link the subject wants to recover the connection with the object 10 Finally once defined the letter in general and the love letter in particular the letters of Tarsila do Amaral and of Anna Maria Martins to Lu s Martins in the configuration of a triangle of love will be analyzed The aim is to show that distinct the are formed in each love scenery In spite of showing the same genre style by using the same form of communication the scenery style is not the same In the letters they write Tarsila and Anna Maria reveal different simulacra carrying opposite images 11 IMAGEM e Fac s mile de carta de Tarsila A vai meu cora o p 71 12 IMAGEM e Fac s mile de carta de Anna Maria A vai meu cora o p 200 13 INTRODU O O prazer voyer stico do amador de cartas parece achar se amea ado este amador pode ser uma esp cie em extin o juntamente com seu objeto Galv o 1998 p 160 O casamento das telecomu
179. cena gen rica o ator deve apresentar determinados tra os caracter sticos o que significa que a constru o do thos deve estar de acordo com a qualifica o exigida pelo g nero escolhido as coer es gen ricas imp em limites ao ator da enuncia o dimensionando a rela o entre os participantes da cena enunciativa Nos g neros mais padronizados o thos mais estereotipado as vozes que falam s o sempre muito parecidas O estilo aqui o estilo do g nero o estilo da persona n o da pessoa o estilo socioletal n o o idioletal esse estilo que caracteriza por exemplo a correspond ncia comercial sempre o mesmo corpo o mesmo tom e o mesmo car ter que se pronuncia nessa esp cie de carta A cenografia est a atrofiada o discurso constr i sempre uma mesma representa o de sua pr pria situa o de enuncia o Maingueneau 2000 p 20 177 Como se disse no cap tulo 1 o estilo enfocado neste trabalho em duas perspectivas a do estilo do g nero e a do estilo da cenografia No caso do estilo do g nero o termo estilo leva a pensar no conjunto de tra os que o ator deve apresentar para enunciar na circunscri o de dado g nero Nessa linha todos os atores que convocam o mesmo g nero precisam submeter se s mesmas exig ncias estil sticas A constru o do thos assim deve estar de acordo com a qualifica o exigida pelo g
180. cia o propostas por Maingueneau pode se dizer que a pessoa est para a cenografia assim como a persona est para a cena gen rica de um lado um thos mais forte mais espa o expressividade enuncia o individual para Bakhtin 2000 p 302 o que se verifica no estilo familiar que comporta v rios graus de familiaridade e intimidade isto v rias cenografias de outro um thos mais fraco menor espa o expressividade enuncia o individual 36 A prop sito disso vale registrar a seguinte li o de Maingueneau Quando consideramos de onde vem a palavra que posi o ocupam os participantes de uma intera o somos levados a distinguir o status social dos participantes considerados independentemente dessa intera o e o papel que eles desempenham ao falar Dependem em particular do status a idade o sexo a profiss o a situa o familiar etc Para os pap is que s o desempenhados na intera o distinguimos os pap is discursivos dos pap is institucionais que s o associados aos diversos g neros do discurso Enquanto os pap is discursivos s o ocasionais conselheiro pedinte conciliador agressor etc os pap is institucionais s o est veis pai de fam lia numa intera o pai filho m dico numa consulta vendedor numa transa o comercial etc Atrav s da intera o que se negociam e se constroem os lugares de cada um Maingueneau 2000 p 103 Uma das carac
181. ciado s o compreendidas como limites para a a o enunciativa O sujeito deve comportar se de dado modo portando o saber espec fico sobre o g nero convocado a fim de que seja interpretado adequadamente por seu interlocut rio Como diz Todorov o g nero um modelo de escrita para o enunciador e um horizonte de espera para o enunciat rio Todorov 1981 p 52 O sujeito operador assumindo no caso das cartas o papel actancial de interlocutor realiza um fazer pragm tico que a constru o do enunciado e um fazer cognitivo que levar o outro a reconhecer o g nero em quest o Como exemplo da determina o que o locutor sofre ao escolher o g nero vale lembrar o que se disse sobre a carta comercial abordada como um exemplo de enunciado mais est vel de car ter mais prescritivo Como ela mais r gida em sua configura o enunciativa o querer dizer do locutor se manifesta quase que exclusivamente na escolha do g nero o enunciador em fun o da atividade social em que se d a intera o modalizado pelo dever diferentemente do enunciador de uma carta de amor modalizado pelo querer Assim a escolha do g nero implica determinadas configura es estil sticas Isso partindo do pressuposto de que para enunciar o ator deve estar atento para o tipo de qualifica o exigida para ter a autoridade enunciativa Maingueneau 1995 p 78 Como foi dito o g nero na condi o de contrato discursivo aprese
182. cos pr prios do uso do chamado l xico geral da l ngua Krieger e Maciel 2001 p 24 O l xico especializado portanto n o aceita os processos de sinon mia e de varia o que atingem o l xico comum os termos t cnico cient ficos devem ser marcados pelos tra os de monossemia e monorreferencialidade Em outras palavras a padroniza o do uso dos termos que integram cada rea de conhecimento ou cada ponto de vista te rico uma maneira de assegurar a univocidade da intera o entre especialistas necess rio pois que cada denomina o envolva um conceito espec fico monossemia relacionado a um objeto particular monorreferencialidade a fim de que se evite que uma no o seja tomada por outra que 17 Em geral a express o tipo de texto muito usada nos livros did ticos e no nosso dia a dia equivocadamente empregada e n o designa um tipo mas sim um g nero de texto Quando algu m diz por exemplo a carta pessoal um tipo de texto informal ele n o est empregando o termo tipo de texto de maneira correta e deveria evitar essa forma de falar Uma carta pessoal que voc escreve para sua m e um g nero textual assim como um editorial hor scopo receita m dica evidente que em todos esses g neros se est realizando tipos textuais podendo ocorrer que um g nero realize dois ou mais tipos Marcuschi In Bezerra Dion sio e Machado 2002 p 25 37 um sentido seja percebido em
183. cutor 22 A linguagem uma pele fricciono minha linguagem contra o outro Como se eu tivesse palavras guisa de dedos ou dedos na ponta de minhas palavras Minha linguagem treme de desejo A como o vem de um duplo contato de um lado toda uma atividade de discurso vem real ar discretamente indiretamente um significado nico que eu te desejo e libera o alimenta o ramifica o f lo explodir a linguagem goza ao tocar a si mesma de outro lado envolvo o outro em minhas palavras acaricio o ro o o cultivo esse ro ar nada poupo para fazer durar o coment rio ao qual submeto a rela o Barthes 2003 p 99 273 Pronuncio para que voc responda e a forma escrupulosa a letra da resposta revestir um valor afetivo ao modo de uma f rmula N o pois suficiente que o outro me responda com um simples significado mesmo que positivo eu tamb m preciso que o sujeito interpelado assuma formular proferir o eu te amo que lhe estou estendendo parte da necessidade para o sujeito amoroso n o apenas de ser igualmente amado de sab lo e de ter absoluta certeza disso mas tamb m de ouvi lo dizer de uma forma t o afirmativa t o completa t o articulada quanto a sua pr pria o que quero receber de cara inteiramente literalmente sem rodeios a f rmula o arqu tipo da palavra de amor que as duas palavras se respondam em bloco coincidindo significante por significante Eu tamb m seria ex
184. da Teoria da Enuncia o ministrado no segundo semestre de 2003 na FFLCH USP DOSTOI VSKIL F 1988 Noites brancas S o Paulo Editora Am rica do Sul LDA DUBOIS Jean et alii 2001 Dicion rio de Lingii stica S o Paulo Cultrix DUCROT Oswald amp TODOROV Tzvetan 1988 Dicion rio enciclop dico das ci ncias da linguagem S o Paulo Perspectiva 256 ESPANCA Florbela 2002 Poesia de Florbela Espanca Porto Alegre L amp PM Pocket volume 2 FARACO Carlos Alberto 2003 Linguagem amp di logo as id ias ling sticas do c rculo de Bakhtin Curitiba Criar Edi es FERRAZ Maria Heloisa Corr a de Toledo 1998 Arte e loucura limites do imprevis vel S o Paulo Lemos Editorial FIORIN Jos Luiz 1992 Elementos de an lise do discurso S o Paulo Contexto 19993 As ast cias da enuncia o S o Paulo tica 1999b Sendas e veredas da Semi tica Narrativa e Discursiva DELTA S o Paulo PUCSP 15 1 177 207 org 2002 Introdu o Ling stica I Objetos te ricos S o Paulo Contexto org 20034 Introdu o Ling stica II Princ pios de an lise S o Paulo Contexto 2003b O projeto hjelmsleviano e a semi tica francesa Gal xia S o Paulo CNPq amp Educ 5 19 52 20030 Uma concep o discursiva de estilo In Cafiizal Eduardo Pe uela e Caetano Kati Eliana orgs O olhar deriva S o Paulo Anna
185. de Franz Kafka a Milena por exemplo nota se que elas evoluem do tom respeitoso dos assuntos liter rios para os tratamentos carinhosos e ntimos Kafka 2000 p 10 Nesse processo de transforma o a assinatura do interlocutor passa de F Kafka para F assumindo a forma final Teu agora perco tamb m meu nome cada vez se torna mais breve e chegou a ser somente Teu Kafka 2000 p 10 Na esp cie de vertigem actancial que caracteriza o discurso amoroso a onom stica reveladora ao VEA ado o do conceito de corpo adaptado de Merleau Ponty passou a ocupar papel de destaque na semi tica das paix es A prop sito no subt tulo da obra de Greimas e Fontanille Semi tica das paix es j se aponta para a resolu o da dicotomia entre os estados de coisas e os estados de alma Segundo Tatit tais estudos v m contribuindo para a instaura o de uma inst ncia de sintaxe profunda de onde se depreendem os valores primordiais que ap s as devidas convers es circulam pelos estratos do percurso gerativo Tatit 1995 p 162 173 O homem reconhecendo se imperfeito havia elegido dado em que todo amor jaz um apelo do sujeito ao que lhe falta o objeto suposto perfeito do qual se declarava essencialmente diverso Este vazio que o homem espera preencher persiste a tal ponto que o indiv duo permanece imperfeito e insatisfeito Para formar o andr gino pe
186. de acidentes parada da parada de percurso que venham impedir ou retardar a realiza o do sujeito Tatit 2001 p 141 Essa id ia se manifesta no seguinte trecho da carta de Victor Hugo Minha Adele nenhum obst culo poder levar me a coragem agora nem no que escrevo pois cada passo que dou para triunfar me aproxima de voc Orsini 1999 p 5 Com base no que foi dito constatam se dois sincretismos b sicos numa carta de AM Z amor voc ao mesmo tempo objeto e destinador e eu de modo complementar destinat rio sujeito do fazer e sujeito de estado No plano das rela es objetais a vida do sujeito s se desenvolve numa dire o a voc na fun o de objeto Tatit 2001 p 142 Isso ali s j observou nas palavras de Andr as Capellanus aquele que ama foi capturado na malha do desejo e aspira do mesmo modo a capturar algu m Orsini 1999 p 19 Depreende se dessas palavras que aquele que ama destinat rio modalizado pelo querer foi capturado na malha do desejo Orsini 1999 p 19 Ao mesmo tempo sujeito que quer entrar em conjun o com o objeto de desejo empenha o seu nimo na uni o de dois distintos cora es com indissol vel la o Orsini 1999 p 19 Assim no plano das rela es objetais eu sujeito no plano das rela es subjetais destinat rio A busca da uni o de dois distintos cora es
187. de ser notado tanto nas cartas de manuten o do elo existencial quanto nas de ruptura fato que atesta a continuidade de um modo de presen a no mundo a preserva o de um estilo Esse modo de ser afetuoso e doce sem ser meloso e excessivo na busca da dist ncia ideal dos afetos segundo mostra o recurso a procedimentos enunciativos como a embreagem Tarsila nos fechos de despedida envia o cora o em lugar de si mesma A substitui o da primeira pessoa pela terceira provoca efeito de sentido de distanciamento manifestando um thos equilibrado Isso tamb m ocorre na embreagem que se verifica em voc pensa em n s em lugar de dizer em mim Tarsila diz em n s A primeira pessoa do plural mais adequada para a busca de uma dist ncia ideal do que a primeira do singular o eu se dilui no n s evitando sufocar o outro com a presen a exclusiva na cena enunciativa O eu assim n o o centro das aten es do outro o eu s existe ent o na entidade denominada casal subsumida pelo pronome n s O thos se mostra novamente aspectualizado pela justa medida Esse mesmo thos se manifesta no recurso a outro procedimento enunciativo como a elipse do complemento nominal em Voc pensa em n s e tem saudades para n o dizer voc tem saudades de mim o apagamento sugere que voc tem saudades de n s Martins 2003 p 66 Na fase d
188. de ser eclipsado mergulhado na sombra por algu m Greimas e Fontanille 2003 p 177 22 A rivalidade seria segundo o dicion rio Petit Robert a situa o de duas ou mais pessoas que disputam por alguma coisa A concorr ncia rivalidade entre v rias pessoas ou v rias for as que perseguem um mesmo fim especifica a rivalidade atribuindo aos antagonistas uma mesma mira de objeto e programas narrativos paralelos Martins 2003 p 174 23 Como se disse Tarsila abdicando de Lu s abandona o papel potencial de rival No simulacro que Anna constr i contudo a pintora ocupa esse lugar 235 cartas presen a recorrente o ci me da rival A mesma imagem marcada pela inquietude assim continua a se pronunciar como se pode perceber no tom de desconfian a dos seguintes trechos da carta de 12 de abril de 1952 Seus encontros di rios com Tarsila pren ncio da volta definitiva que aos poucos se vai processando Lu s por mais que eu queira me convencer do contr rio sinto que voc est preso Tarsila N o s o apenas la os de amizade qualquer coisa mais profunda vinda de longe concretizada pelos anos Voc queria me convencer e convencer a si pr prio de que isto n o verdade Analise suas atitudes Procure bem e veja se ela apenas a amiga que sempre dominou a sua vida pela beleza pela cultura intelig ncia E que o tempo pudesse t la feito perder na parte f sica aume
189. de tudo Tatit 2001 p 141 como se verifica bem na seguinte passagem da can o De tudo que h na terra N o h nada em lugar nenhum Que v crescer sem voc chegar Voc como se percebe o centro de que irradia compet ncia para a realiza o das performances s a presen a do ausente voc chegar que permite que as coisas cres am movimento em dire o plenitude Essa configura o actancial em que o eu se dirige ao voc respons vel pelo crescimento e movimento de tudo nos parece caracter stica das cartas de amor como podemos verificar neste trecho de uma carta de Victor Hugo a Ad le Foucher 137 Considere a minha situa o aflitiva a minha solid o Voc foi privilegiada ao receber todos os dons da natureza Oh Adele n o confunda estas palavras com cego entusiasmo entusiasmo por voc eu sempre tive e crescer a cada dia A minha alma inteira lhe pertence Se toda a minha exist ncia n o fosse sua a harmonia do meu ser ter se ia perdido e eu teria morrido morrido inevitavelmente Era nisso que pensava Ad le quando me chegou a carta que devia trazer a esperan a ou o desespero Se me ama sabe qual foi a minha alegria Minha Adele por que n o h outra palavra para isso a n o ser alegria Ser por n o haver for a na linguagem humana para exprimir tamanha felicidade O repentino salto da melancolia para a infinita felicidade
190. dela Tamb m tenho pensado constantemente em voc e sentido muit ssimo a sua falta Martins 2003 p 112 Nas cartas de manuten o do elo existencial como diversos exemplos analisados neste trabalho mostraram comum a cria o do efeito de sentido de presen a de posse do objeto do desejo escrever nessa perspectiva como ter o outro ao alcance dos olhos e das 271 3 5 o o diet rodo i E m os como acarici lo dist ncia Um dos procedimentos a que o interlocutor 270 f ens A preocupa o em veicular uma imagem de si mesma marcada pela dignidade pode ser percebida por exemplo na carta de 19 de fevereiro de 1952 Voc deve saber q eu tenho bastante dignidade para n o solicitar a sua piedade coisa humilhante p mim Martins 2003 p 154 71 Sobre a cria o do efeito de sentido de ter ao alcance das m os o que est distante delas a seguinte passagem exemplar seu olhar avan a e o avan o como se sabe a forma figurativa do desejo at aflorar a pele estendida prolongando assim a isotopia da visualidade pela tatilidade Pois o tato algo a mais do que a est tica cl ssica disp e se a nele reconhecer sua capacidade para explorar o espa o e levar em conta os volumes o tato se situa entre as ordens sensoriais mais profundas ele exprime proxemicamente a intimidade optimal e manifesta sobre o plano cognitivo a vontade de conjun o total
191. despedida tamb m reveladora A vai meu 256 pr pria Anna Maria em carta de 18 de fevereiro de 1952 fala a Lu s Martins dessa atitude de Tarsila Procurei Tarsila disse lhe que havia prometido a meus pais renunciar a tudo Ela me abra ou tamb m muito emocionada e me falou no seu sofrimento todo proveniente da resolu o em abandon la Era ela a confidente em quem abra ado voc chorava contando tudo que se passava comigo Em todo caso eu ficasse certa a atitude dela continuaria a ser de ren ncia Martins 2003 p 147 257 Em carta datada de 4 de mar o de 1952 o thos benevolente e desprendido de Tarsila novamente assim se manifesta Voc sabe todo o bem que lhe desejo sem nada pedir Martins 2003 p 185 Novamente o thos n o se decorre do fato de ela dizer que n o pede nada mas no fato de n o pedir nada Como se disse trata se de um thos que se institui pela aus ncia isto pelo que n o diz 258 Conforme a abordagem desenvolvida aqui a piedade n o est no que dito mas no que silenciado piedoso no caso quem cala o que pode provocar dor 215 cora o repleto de piedade ternura e tamb m saudades muito serenas Martins 2003 p 145 O que Tarsila diz portanto mais uma vez compat vel como o que mostra a auto imagem que constr i se harmoniza com o thos que manifesta A insist ncia na afirma o a necessidade de repeti la prima sugere que se trat
192. destinat rio espera da san o positiva sob a forma de reconhecimento e de recompensa como se o interlocutor culpasse o destino contra quem n o cabe repara o N o h pois contra quem se ressentir n o h nada a fazer sen o resignar se isso que se depreende da primeira carta da separa o ao empregar a forma verbal conforta e a ora o tudo ir se acalmando o interlocutor aponta para um percurso de diminui o da tens o ap s o impacto da ruptura amorosa Esse percurso mostra que n o h espa o para o ressentimento Ali s como mais um exemplo do thos sereno delicado equilibrado nem Lu s nem Anna aparecem no papel de anti sujeito Tarsila atribui a disjun o ao tempo diferen a de idade que ent o cumpre o papel de algoz impedindo a frui o dos valores desejados N o haveria assim a quem reclamar nem contra quem se revoltar ou se vingar 213 5 e da A dor da falta assim resolvida na paix o relaxada da resigna o conforma o O thos resignado revela o sujeito que aceita o n o poder ser ele n o cr ser e aceita tal estado Aceitando o como se abandonasse o papel de sujeito desejante passando ao menos no modo do parecer a sujeito modalizado pelo n o querer ser Na perspectiva da a o o thos resignado manifesta o sujeito que pode n o fazer ou seja que pode deixar de realizar a perf rmance n o interessa mais disputar o objeto com outro sujeit
193. diz menos compreensiva do que Tarsila e se mostra assim Se Tarsila orientando sua rela o com o objeto pela n o exclusividade n o se mostrava ciumenta a auto imagem de Anna se delineia na configura o do ci me esse simulacro que ela comunica ao se negar a repartir Lu s com outras Martins 2003 p 149 Mesmo brincando manifesta se ciumenta N o olhe muito para as mo as na praia Isto se voc quiser mesmo olhar veja apenas com olhos de cr tico de arte Martins 2003 p 117 Como t pico do quadro pat mico do ci me o sujeito marcado pela inquietude o apego intenso ao objeto no contexto da possess o exclusiva torna o sujeito incapaz de gozar serenamente o objeto entravado em seus combates com o rival o ciumento agita se em lugar de agir e desconfia em vez de confiar Greimas e Fontanille 1993 p 192 Nos enunciados que constr i assim o interlocutor deixa entrever sua preocupa o com a p21 sombra do riva quando se refere genericamente s mo as na praia ou s outras que podem amea ar a exclusividade da posse do objeto desejado e com o rival propriamente dito no caso de Tarsila Por fim o terceiro per odo da comunica o epistolar como se disse comporta apenas cartas de Anna Maria ap s a ruptura os sujeitos amorosos buscam a reconcilia o Nessas 21 A sombra sentimento de desconfian a temor
194. do como sinto que tudo acabou sinto que a rela o terminou No senso comum fala se em colocar um ponto final na rela o Sem o objeto o sujeito conhece o vazio deixa de ser perde sua identidade como mostra Barthes Crise violenta no curso da qual o sujeito experimentando a situa o amorosa como um impasse definitivo uma armadilha da qual n o poder jamais sair se v fadado a 127 uma destrui o total de si mesmo projetei me no outro com tal for a que quando este me falta n o posso me reencontrar me recuperar estou perdido para sempre Barthes 2003 p 49 50 Nas cartas de manuten o a disjun o em geral expressa a separa o f sica entre os amantes que se correspondem para preservar a rela o dist ncia A perf rmance de constru o do enunciado carta assim como programa de uso n o tem como programa de base portanto iniciar ou reiniciar a rela o a finalidade preservar a uni o A rela o dessa forma aspectualizada pela duratividade Considerando que o afastamento do objeto provoca efeitos pat micos no sujeito como ang stia temor ci me etc a escrita opera de certa forma como um estabilizador emocional o sujeito constr i semioticamente a presen a do ausente tentando remediar assim o sentimento de falta Vale lembrar que a falta e a plenitude se situam na d ixis da presen a o que se constatou por exemplo na an lise da carta de Z
195. do efeito de sentido de intimidade indicativo do grau de intimidade entre os correspondentes Um fato contudo curioso o apelido sendo familiar n o discretiza a rela o amorosa entre Tarsila e Lu s parecendo antes sincretizar a rela o familiar e a amorosa A assinatura nessa perspectiva configura um caso de polissememia esta todavia s existe em estado virtual uma vez que a manifesta o do lexema contextualizado no um sujeito que deseja ou n o teme um valor proibido pela sociedade Essa busca do sujeito por estar em conjun o com um valor da d ixis da natureza social estrutura na perspectiva narrativa a transgress o Calbucci 2003 p 20 214 importante registrar que algu m somente se sente exposto se considerar seu espectador leg timo O sentimento de exposi o portanto pressup e por parte do sujeito o reconhecimento da inst ncia que o olha e o julga como leg tima Essa inst ncia somente ter legitimidade se no simulacro interno do sujeito estiver em sincretismo com o destinador julgador respons vel pela san o negativa de sua imagem projetada Harkot de La Taille 1999 p 31 215 Nas cartas de amor constatam se dois n veis narrativos um o da escrita outro o da vida amorosa Os pap is tem ticos de remetente interlocutor e destinat rio interlocut rio se delineiam no esquema narrativo da constru o do enunciado carta O papel de amante namorado
196. do elo existencial No caso da ruptura o sujeito modalizado pelo n o querer ser e pelo querer n o ser na primeira situa o fala se no quadro pat mico do desinteresse ou no da avers o na segunda no do desprendimento Para que haja desprendimento necess rio que tenha ocorrido antes desinteresse ou avers o A diferen a entre as lexicaliza es quanto ao gradiente t mico a avers o mais intensa do que o desinteresse Neste parece ser mais poss vel que se impe a o deslocamento do sujeito rumo ao desprendimento naquela a trajet ria parece inexor vel esta situa o que se constata no seguinte trecho de uma carta de Augusto Frederico Schmidt a Y dda Schimidt No fundo de mim h uma grande reserva a teu respeito Procedeste com uma futilidade que eu nunca perdoarei N o posso esquecer que preferiste a mim essa vida est pida de praia de banho O meu amor n o devia ser teu Tu o desconheces 149 Muitas vezes no portugu s as oposi es encontradas entre as paix es anulam se e certos termos empregam se indiferentemente em uma ou outra situa o passional Barros 1989 1990 p 62 conforme j se acentuou no t pico 2 1 150 Levando em conta que o apego o pressuposto fundador do universo constitu do pelo macrossimulacro passional aquele que implica e cont m ao mesmo tempo todos os outros Greimas e Fontanille 1993 p
197. dos que n o s o suscet veis de permitir cenografias variadas Diante dos g neros padronizados das formas est veis do g nero Bakhtin ensina que o querer dizer do locutor se realiza sobretudo na escolha do g nero Nesses casos permitem se quando muito apenas ligeiros matizes na entona o expressiva pode se adotar um tom mais deferente mais frio ou ent o mais caloroso introduzir uma entona o prazerosa etc Bakhtin 2000 p 303 Nos g neros mais padronizados h um espa o menor reservado enuncia o individual Ent o o thos do enunciador individual em se tratando de discursos cuja cena de enuncia o se reduz cena gen rica sofre uma esp cie de atrofia da mesma forma que joga um papel menor no discurso da bula de rem dio do que na propaganda de medicamento considerando a cena gen rica da mesma forma que joga um papel menor no discurso filos fico do que no pol tico considerando a cena englobante desempenha um papel menor nas correspond ncias comerciais do que nas cartas de amor A prop sito como ensina Bakhtin x 23 Depois disso o intuito discursivo do locutor sem que este renuncie sua individualidade e sua subjetividade adapta se e ajusta se ao g nero escolhido comp e se e desenvolve se na forma do g nero determinado H toda uma gama dos g neros mais difundidos na vida cotidiana que apresenta formas t o padronizadas que o querer di
198. dos que s o elaborados em cada esfera da atividade social como entidades marcadas pela estabilidade organizando e orientando o fazer dos sujeitos em cada esfera gerando expectativas sobre suas a es e pela mudan a o g nero renasce e se renova em cada etapa hist rica Entre a estabilidade e a mudan a em cuja rela o se constitui a identidade o estudo do g nero mostra que ainda que haja recorr ncias de um modo de dizer espec fico de dada esfera de atividade por meio das similaridades que se definem os tipos relativamente est veis de enunciados as classes de textos isso n o impede a ocorr ncia de tra os novos ou seja que um g nero j estabelecido adquira novas caracter sticas Para compreend las fundamental estabelecer cont nuas inter rela es entre o que recorrente e a singularidade entre o dado e o novo entre o arquivo e o acontecimento entre a mem ria e o momento Faraco 2003 p 114 Essa relativa estabilidade isto o car ter din mico dos g neros um dos fatores que tornam problem tica sua apreens o Na mesma linha se pronuncia Bronckart Essa dificuldade de classifica o tamb m decorre do car ter fundamentalmente hist rico e adaptativo das produ es textuais alguns g neros tendem a desaparecer a narra o pica mas podem s vezes reaparecer sob formas parcialmente diferentes alguns g neros 5514 modificam se cf a emerg ncia do romance
199. e a mais verdadeira das mensagens a de meu corpo n o a de minha l ngua Palavras que s o palavras Uma l grima dir bem mais Barthes 2003 p 62 228 de o interlocutor se dizer assim mas por n o conseguir n o se dizer assim Enquanto o corpo de Anna chora o de Tarsila acolhe l grimas a figura das l grimas em uma express o da fragilidade emocional em outra tematiza a for a Em outros termos Anna derrama l grimas nos ombros de Lu s este derrama l grimas nos ombros de Tarsila Nessa quadrilha s Tarsila n o derrama l grimas em ningu m O segredo por fim foi revelado pela pr pria Anna diretamente a Tarsila como se viu na an lise da carta de Tarsila de 15 de fevereiro de 1952 Ao despedir me disse q mantinha minha afirma o e que por mim ela n o desistisse da felicidade dela Martins 2003 p 140 A rela o entre Anna e Lu s ent o passa do modo do segredo ao da verdade O que n o parecia mas era passou a parecer o que era os dois enfim assumem a hist ria de amor Mal a rela o se consolida por m Anna Maria diante da inseguran a que a figura da rival provoca prop e a ruptura Em carta de 18 de fevereiro de 1952 assim se despede Seja feliz se voc ainda o puder o que lhe desejo de todo o cora o e em nome de tudo que voc foi para mim at h alguns momentos Martins 2003 p 149 Esse desfecho a prop sito retoma o in cio da carta
200. e a quem cabe realizar um PN para liquid la escrever a carta fazendo ser o ausente A carta nessa perspectiva uma estrat gia de liquida o dessa falta considerando que o sentimento de falta e o desejo de uma nova plenitude que d lugar a um programa de liquida o A liquida o produz novos efeitos passionais na rela o entre o modal e o narrativo o sujeito antes aflito diante da necessidade n o saciada sai de um quadro de tens o continua o da parada para um quadro de distens o parada da parada lexicalizado como al vio em dire o ao relaxamento em que o sujeito passional passa a se sentir novamente pleno Milton Dacosta parece exemplificar do ponto de vista da rela o entre sujeito de estado e objeto o sujeito frustrado tomando o lexema frustra o como estado daquele que pela aus ncia de um objeto ou por um obst culo externo ou interno privado da satisfa o de um desejo ou necessidade o que se depreende do trecho da carta em que figuram os lexemas necessidade falta quero etc O desejo de estar perto n o podendo faz lo produz como efeito pat mico a frustra o ou a afli o a carta parece surgir no pico de tens o provocando distens o aproximando se guardadas as devidas propor es de um quadro de reequil brio pat mico Isso significa que a dist ncia sentida como falta cuja consci ncia direciona o movime
201. e a semi tica chama de estado de espera fiduci ria S1 eu cr que S2 voc deve fazer algo para que o sujeito da espera entre enfim em conjun o com o valor equacionando a falta O objeto de valor aquilo que o sujeito mais deseja englobando sincreticamente como j se disse o pr prio S2 preciso esclarecer antes de qualquer coisa que h dois tipos de espera gt a que envolve valores e a que se reporta ao contrato fiduci rio simulado No primeiro caso verifica se uma varia o passional que revela ao sujeito a verdade ou a falsidade de sua rela o com o objeto Barros 1989 1990 p 63 Ent o que se fala por exemplo em felicidade infelicidade afli o e al vio O sentimento de felicidade decorre do fato de o sujeito saber poss vel a conjun o desejada a infelicidade em contrapartida do reconhecimento de sua impossibilidade Na afli o nota se uma incerteza do sujeito quanto conjun o sendo a rela o marcada portanto pela inseguran a No al vio por outro lado o sujeito manifesta um saber seguro sobre a conjun o com o objeto Observam se a portanto percursos de varia o de tensividade respons veis pelo estatuto passional do sujeito amoroso Na orienta o do quadro de tens o para o de relaxamento o sujeito se desloca da afli o para o al vio e deste para a felicidade No caminho do re
202. e as folhas devagar com jeito Como se fossem p talas de flor Livro de mais ningu m S meu S teu Num sorriso tu dizes e digo eu Versos s nossos mas que lindo sois Espanca 2002b p 18 Interessante notar que o pronome n s engloba apenas o eu e o tu excluindo as demais pessoas A sintaxe discursiva assim reveladora da no o de exclusividade Al m disso traduz tamb m a no o de fus o dos sujeitos apaixonados num s corpo como ser detalhado no t pico 2 6 95 sujeito e um objeto marcados o que faz presente como invariante a no o de exclusividade a natureza do objeto amado de repente reconhecida pelo sujeito numa resposta direta a um desejo que s esperava a apari o de seu objeto para se tornar imperioso Stendhal frisa A alma fez se um modelo ideal sem perceber Um dia ela encontra algu m que se assemelha a tal modelo a cristaliza o reconhece seu objeto pela perturba o que ele lhe inspira e consagra para sempre ao senhor do seu destino tudo aquilo que sonhava h tanto tempo P ret 1985 p 20 Recorrendo Semi tica das paix es pode se dizer o seguinte a respeito do componente quantitativo convocado para a discretiza o dos tipos de amor A circula o dos bens repousa sobre a no o de parte e corresponde ao partitivo definido da gram tica a participa o suporia em compensa o uma indiferencia o das partes
203. e conforta saber que o tempo o grande rem dio Tudo ir se acalmando e mais tarde ficaremos admirados por termos sofrido Martins 2003 p 181 Mesmo no calor da hora em que poderia falar mais alto o sujeito passional o sujeito cognitivo mant m firme as r deas do carro da paix o como revela o olhar prospectivo do interlocutor que consegue antever a calmaria ainda na atmosfera turbulenta da separa o Novamente n o ao dizer que tudo est se acalmando que o thos manifesta serenidade ao n o usar por exemplo palavras que criam a atmosfera pesada da dor a enuncia o confirma pela aus ncia o que est em presen a no enunciado Explicando melhor enquanto o enunciado remete explicitamente id ia de calma a enuncia o silencia poss veis conte dos relacionados inquietude do sujeito O sujeito assim n o apenas diz que est se acalmando mas mostra isso no modo de dizer Dando segii ncia an lise importante destacar que apesar de no modo do parecer Tarsila se apresentar como sujeito afetado por uma paix o simples no modo do ser afetada por uma paix o complexa a amargura manifesta tanto a insatisfa o resultante da separa o do objeto quanto a decep o que adv m da perda de confian a no sujeito De certa forma como se novamente estivesse presente o procedimento da embreagem a que recorre novamente o thos cuidadoso do interlocutor evitando o mal estar do confronto o tom b
204. e corresponde aos indefinidos gramaticais e a todo momento os objetos ficam livres de acesso para todos os sujeitos a exclusividade determina uma unidade singular retirada da participa o que corresponderia ao definido singular da gram tica Os sujeitos exclusivos interrompem ou questionam o processo de constitui o do actante coletivo Podem se supor logo de in cio indiv duos tratados como unidades integrais no sentido de que enquanto unidades eles comportam tra os de individua o A exclusividade diz respeito a unidades sujeito que se individualizam em detrimento da coletividade e que afirmam contra os tra os comuns constitutivos dessa totalidade tra os diferenciadores Greimas e Fontanille 1993 p 187 Isso mostra a especialidade do objeto como unidade singular sempre o nico nunca um qualquer Ao sujeito n o interessam outros objetos ao objeto fica vedado o acesso de outros sujeitos A pessoa amada uma unidade singular retirada da participa o Resistir a mil tenta es para se abandonar apenas a uma negligenciar as fra es para visar o n mero inteiro que aquelas n o podem atingir P ret 1985 p 95 Como escreve Rosa Luxemburgo a Leo Jogiches juntos e em harmonia o mundo exterior nos indiferente Orsini 1985 p 81 O mundo exterior indefinido n o marcado como se 96 s existissem os amantes vivendo exclusivamente um p
205. e de distanciamento de concentra o e de difus o de nitidez e de opacidade etc Para apresentar as caracter sticas de um objeto a descri o recorre dominantemente a adjetivos mais objetivos ou mais avaliativos e verbos de estado ser estar descri o um tipo de texto constru do dominantemente com palavras ou express es concretas tamb m chamadas de figuras Trata se portanto de um texto figurativo A descri o marcada pela id ia de simultaneidade n o h no o de progress o temporal entre os elementos descritivos tudo se situa num instante que 26 As defini es de cada uma dessas segii ncias baseiam se em Bronckart 2003 Barros 1988 Savioli e Fiorin 1996 e em Fiorin 2004 42 parece congelado no tempo o que provoca um certo efeito de estaticidade trata se de um texto que n o relata transforma es de estado Em se tratando da simultaneidade os tempos verbais b sicos que se compatibilizam com essa id ia s o o presente e o pret rito imperfeito do modo indicativo o primeiro porque trabalha a simultaneidade em rela o ao momento da enuncia o o segundo porque expressa a simultaneidade em rela o a um marco temporal instalado no enunciado um tipo textual muito utilizado em diversos g neros aparece por exemplo na caracteriza o de personagens e espa os em romances contos novelas poemas can es r
206. e na inst ncia do eu dificilmente o seu teor ser honrado pelo segundo sujeito que nem sequer tem conhecimento do compromisso Entretanto o sujeito passional pauta se por esse simulacro de relacionamento intersubjetivo que ele mesmo criou Tatit 2001 p 111 A contrapartida de ambas as esperas assim a satisfa o e a confian a ou a desconfian a e a decep o que resultam da conjun o ou da disjun o do sujeito com o objeto de valor desejado bem como da manuten o ou da perda da confian a no contrato Explicando melhor as denomina es satisfa o e insatisfa o s o utilizadas no plano objetal referindo se aos efeitos de sentido de bem estar ou de mal estar que adv m da rela o com o objeto de valor como se viu no caso da felicidade da infelicidade da afli o e do al vio No caso de confian a e decep o essas lexicaliza es s o empregadas no plano subjetal para tratar da manuten o ou da ruptura das rela es fiduci rias Conforme a explica o de Diana L P de Barros A espera um estado tenso disf rico de disjun o a satisfa o e a confian a estados relaxados e euf ricos de conjun o a insatisfa o e a decep o estados intensos e n o euf ricos de n o conjun o A esperan a um dos efeitos de sentido da espera relaxada a inseguran a que gera a afli o decorre da espera tensa Barros 1988 p 64 157
207. ecer a quest o do estatuto do relacionamento de Anna e Lu s fica evidente no seguinte trecho de uma carta de 3 de janeiro de 1952 Lu s muito querido H dias venho esperando carta sua Finalmente hoje chegou Fiquei satisfeita o que ali s nem podia deixar de ser mas confesso sinceramente que contava com uma carta bem longa carinhosa para fazer diminuir as saudades e com not cias positivas quanto s decis es a tomar Que toda essa ang stia essa situa o falsa terminem para que n s possamos enfim ser felizes Escreva me logo e n o esque a de dizer se n o houve nenhuma atrapalha o com esta carta Meu querido um beijo carinhoso da sua Anna Maria P S Rasgue logo a carta Martins 2003 p 111 A satisfa o que a carta recebida provoca em Anna Maria indica que o elo existe de fato sendo reconstru do semioticamente agora pelo outro na altern ncia de pap is da comunica o epistolar O desejo que Anna manifesta por uma carta de maior extens o sugere a vontade de estar mais um pouco companhia do ausente que se fez presente como se o t rmino da leitura da carta quebrasse a m gica enunciativa da presentifica o Por isso que diz que contava com uma carta bem longa para fazer diminuir as saudades Vale notar que a presen a do intensificador bem se ajusta ao thos excessivo de Anna o uso do adv rbio marca enunciativamente o tom hiperb lico do interloc
208. ectiva de um observador O lexema c o por exemplo pode ser definido como mam fero ou quadr pede no primeiro caso a defini o provoca um efeito de distanciamento uma vez que o homem e a baleia s o tamb m mam feros no segundo um efeito de aproxima o pois o classema leva em conta a apar ncia vis vel do c o Assim de acordo com a profundidade classem tica o quadr pede teria portanto pouca profundidade e o mam fero uma profundidade maior 2001 p 18 81 Cada objeto assim recebe o investimento de um valor particular A conjun o do sujeito com o objeto figurativo amigo por exemplo pode marcar a aquisi o do valor amizade do mesmo modo que a conjun o com o objeto figurativo namorada pode colocar o sujeito em rela o com o valor prazer sexual por exemplo Dessa maneira como o sujeito definido pela rela o com o objeto em cada contexto se manifesta um ser distinto que assume distintos pap is tem ticos o sujeito amigo o sujeito filho o sujeito marido o sujeito religioso e assim por diante Na configura o discursiva do amor pois verificam se varia es tem tico narrativas Apesar das distintas situa es discursivas em que se manifesta o lexema amor verificam se invari ncias Em todos os contextos constata se a atra o do sujeito por dado objeto de amor que a pr condi o para a busca na
209. ectivamente o pronome indefinido qualquer e o adv rbio sempre n o h nada capaz de interromper o fluxo cont nuo desse sentir Em todas as situa es de amor analisadas amor maduro amor paix o amor de m e etc parece haver sempre de in cio uma atra o que se converte em euforia Essa euforia por sua vez se traduz no desejo de conjun o entre sujeito e objeto Em outros termos a foria entendida como for a que leva adiante vai direcionar o sujeito para a busca de dado objeto conferindo lhe exist ncia semi tica Em qualquer dire o pois o sujeito se movimenta na configura o do apego quer para capturar quer para ser capturado na malha do desejo Modalizado primeiramente pelo querer o sujeito adquire exist ncia modal Ao investir um valor sem ntico nesse objeto o sujeito adquire exist ncia sem ntica Assim cada uma de todas as maneiras de amar trata de uma exist ncia sem ntica particular que envolver pap is tem ticos e figurativos distintos Isso traduz em termos semi ticos a id ia de que o amor cresce em v rias dire es concretizando se na rela o com o irm o o amigo a m e ou a amante Sob uma base comum de invari ncias assim verificam se as flutua es as distintas realiza es discursivas que caracterizam cada manifesta o particular do sentimento Como se demonstrou a palavra amor de fato poliss mica p
210. ectualizado pelo equil brio o de Anna o foi pelo excesso Trata se de duas mulheres que veiculam distintos simulacros tendo em comum al m da fam lia o mesmo objeto de desejo apesar de ambas se submeterem s coer es do g nero respeitando as regras de forma o das cartas de amor cada qual criou uma cena de enuncia o particular Isso quer dizer que apesar de se constatar nos dois casos o mesmo estilo do g nero em cada uma se percebeu um estilo da cenografia Em s ntese este trabalho mostrou que o g nero uma entidade s cio discursiva isto um lugar de encontro entre a atividade verbal e a atividade social O g nero epistolar no universo dos g neros de escrita um ponto de intersec o entre a atividade de comunica o dist ncia e diversas atividades sociais e individuais como as rela es comerciais administrativas familiares etc O subg nero cartas de amor integra o g nero em raz o de apresentar o tra o de sentido caracter stico dessa forma de intera o uma comunica o motivada pela disjun o pragm tica entre os interlocutores Como subg nero apresenta particularidades respons veis pelo estilo do g nero ou seja pelo modo de ser como entidade s cio discursiva Relacionando se atividade de comunica o amorosa na esfera das rela es individuais marcadas pela intimidade abre espa o constru o de cenografias diversas em que ganham ce
211. efini o de g nero verificam se ecos do pensamento bakhtiniano para quem a categoria se define como uma forma relativamente est vel de enunciado sujeita aos movimentos hist ricos e presente em todas as esferas das atividades humanas cujo estatuto depende de uma tem tica de um estilo e de dada estrutura composicional S o exatamente esses tr s elementos ali s os respons veis pela estabiliza o do g nero no delicado equil brio entre a estabilidade e a mudan a necess rio assim tamb m defini los Tomando como exemplo o g nero bula de rem dio apesar de haver diferen as entre as bulas de distintos medicamentos todas elas devem ter propriedades comuns que as identificam como uma esp cie de texto que integra um mesmo g nero uma mesma classe de textos Para ser uma bula por exemplo a tem tica do texto deve ser marcada por informa es sobre o medicamento em quest o O estilo deve criar efeito de sentido de objetividade de distanciamento caracterizado pela linguagem t cnica por um l xico composto por termos cient ficos A forma composicional do texto apresenta uma estrutura t pica formas farmac uticas e apresenta es em frasco comprimido ou em pomada por exemplo composi es aspectos qu micos do produto informa o ao paciente a o esperada prazo de validade rea es adversas contra indica es e precau es etc Sem essas caracter
212. eito c tico torna se cr dulo Quanto s lexicaliza es a esperan a por exemplo uma paix o que resulta da confian a o ressentimento por outro lado adv m do quadro de inseguran a Associando as reflex es tensivas com as modal narrativas e as passionais organizam se os seguintes quadros de espera ESPERA TENSA DISJUN O E TENS O QUERER SER CRER N O SER SABER PODER N O SER AFLI O E INSEGURAN A 158 a maior parte dos voc bulos define se pela nega o do crer ser ou da esperan a ora mostrando o car ter ilus rio enganoso do contrato ora ressaltando o rompimento desse compromisso M goa e ressentimento explicitam a dura o do efeito passional e atribuem a paix o n o s ao n o fazer do sujeito como tamb m a seu fazer contr rio ofensa No l xico portugu s encontram se com muita fregii ncia paix es que englobam os efeitos da insatisfa o priva o do objeto e da decep o crise de confian a como amargura azedume acrim nia desagrado amargor e desprazer N o se descobriram no portugu s paix es decorrentes simultaneamente da satisfa o e da confian a Trata se de problema de lexicaliza o pois do ponto de vista da estrutura das paix es nada impede o surgimento de paix es em que se combinem a confian a e a satisfa o Barros 1989 1990 p 65 151 ESPERA PACIENTE N O DISJUN O E DISTENS O QUERER SER N O CRER N O
213. eja o que for voc est quase alcan ando O teu bra o est t o estendido que essa parte que junta com o corpo parece que vai rasgar E as pontas dos dedos podem sentir assim quase como um formigamento A vibra o dessa coisa que est l por enquanto ainda longe deles prestes a ser tocada No segundo seguinte voc ia toc la voc ia t la Era t o T o imediata T o agora T o j E n o era Meu Deus n o era Foi voc que errou Foi voc que n o soube fazer o movimento correto O movimento perfeito tinha que ser o movimento perfeito Talvez tenha demonstrado ansiedade E a coisa se assustou ent o Como se fosse uma fruta madura espera de ser colhida Depois quando ela foge penso que n o que n o era uma fruta Que era um bicho um bichinho desses ariscos preciso cuidado com o arisco sen o ele foge preciso aprender a se movimentar dentro do sil ncio e do tempo Cada movimento em dire o a ele t o absolutamente lento que o tempo fica meio abolido N o h tempo Um bicho arisco vive dentro de uma esp cie de eternidade Duma ilus o de eternidade Onde ele pode ficar parado para sempre mastigando o eterno Para n o assust lo para t lo dentro dos seus dedos quando eles finalmente se fecharem voc tamb m precisa estar dentro dessa ilus o do eterno Abreu 1991 p 117 O trabalho de an lise como se depreende do texto motivado pela cren a na possibilidade da estabili
214. ela enuncia o Nesse 239 Ro E R pis Aplicam se ao ator da enuncia o assim guardadas as devidas propor es as seguintes id ias O desejo paix o excessiva o que desvia a tend ncia natural O apetite arte inata deve ser acrescentado de uma arte refletida a vontade que exclui o desejo pois este heter nomo faz do agente paciente que tem fora de si a causa de sua a o O desejo cupiditas prosseguem os est icos perda do poder de si e sobre si perda da faculdade de julgar ou melhor doen a do ju zo O desejo por ser cis o e perturba o da alma desmedido e aquilo que excessivo n o pode ser natural pois a natureza sempre s bia medida e propor o conc rdia consigo mesma A virtude imp rio da reta raz o sobre o desejo e as paix es vontade do viver bem O desejo v cio combate entre a reta raz o e a fantasia Chau 2002 p 36 204 sentido Tarsila cont m as saudades silenciando as no enunciado para expressar explicitamente a torcida para que o amado aproveite bem a viagem Novamente o thos se manifesta pela aus ncia o equil brio n o reside no que o enunciado afirma mas no que a enuncia o cala Tal postura do ator da enuncia o evoca a seguinte reflex o de Barthes Impor minha paix o a m scara da discri o da impassibilidade esse um valor propriamente her ico E indigno das
215. elda a Scott Fitzgerald Orsini 1999 p 89 Quanto ao estatuto da falta ele tamb m diferente nos casos analisados se nas cartas de estabelecimento o sujeito sente falta do objeto que nunca teve e se nas cartas de restabelecimento sente falta do que j teve nas de manuten o sente falta do que tem A priva o aqui pontual isto tem dura o marcada nas cartas de estabelecimento pode n o ser pontual o que significa dizer que o sujeito talvez n o adquira ou readquira o objeto que deseja No caso da manuten o o sujeito j conquistou o objeto buscando manter se atado a ele a cria o do efeito de presen a uma estrat gia da enuncia o para fazer durar o elo A disjun o nesse caso se d mais propriamente no modo do parecer no modo do ser os actantes continuam em conjun o Essa id ia pode ser assim traduzida os amantes est o separados fisicamente mas continuam juntos Nos outros casos a disjun o se verifica no modo do ser e no modo do parecer sujeito e objeto est o de fato apartados 128 2 4 O sujeito modal amoroso o desejo e a avers o O querer essa vontade e essa emo o que d partida ao movimento narrativo Assim o ato de ser de cada ator narrativo dado o seu car ter antropomorfo identifica se com o ato de querer se se retira o querer de um ator humano ele perde a sua caracter stica humana e se transforma numa coisa s as coisas n o t m quere
216. elevado estritamente oficial deferente como h o estilo familiar que comporta v rios graus de familiaridade e de intimidade distinguindo se esta da tj Do estilo familiar diferencia ent o o estilo ntimo nos estilos ntimos familiaridade notamos como que um esfor o que tende fus o plena entre o locutor e o destinat rio 2000 p 323 portanto marcado por um grau de proximidade maior entre os sujeitos falantes O estilo adotado revela assim o thos do enunciador no jogo de imagens trocadas na comunica o Considera se aqui a partir de Maingueneau que a no o de ethos est longe de ser estabilizada no vocabul rio cr tico Preferimos designar assim a dimens o da cenografia em que a voz do enunciador se associa a uma certa determina o do corpo 1995 p 138 Como cenografia por ora entenda se a maneira pela qual o discurso constr i uma representa o de sua pr pria situa o de enuncia o Maingueneau 2000 p 20 Pensando num n vel mais abrangente da enuncia o isto no n vel do g nero acreditamos que cada g nero mobiliza uma cena espec fica o que implica dizer que o thos avaliado na dimens o do g nero Como o thos se constitui de uma vocalidade o tom de voz que atesta o que dito de uma corporalidade o corpo do enunciador insepar vel de sua maneira de se vestir e de habitar o espa o social e de um car ter complexo de tra os psicol
217. em mais espa o para se posicionar individualmente respeitando o que deve dizer o enunciador mais livre para dizer o que quer Como se disse as duas no es de estilo apesar de diferentes complementam se ao escolher o g nero o enunciador deve se submeter a regras que valem para qualquer um que o convocar para a comunica o Isso n o significa que todos os que falam por meio de um mesmo g nero se comportam exatamente da mesma maneira cada enunciador ao convocar a mesma cena gen rica pode conferir a ela contornos particulares Isso significa que se todos os que se pronunciam por meio de um mesmo g nero devem apresentar tra os comuns podem apresentar tamb m tra os particulares a semelhan a entre os enunciadores marcada pelo estilo do g nero a diferen a entre eles pelo estilo da cenografia Depois de examinado o g nero carta como hiper nimo e os subg neros carta de amor e carta comercial como hip nimos no cap tulo 1 o cap tulo 2 realizou uma abordagem hipon mica analisando especificamente a epistolografia amorosa Foram investigadas diversas cartas de amor representativas dos mais distintos espa os e tempos o corpus heterog neo serviu de base para mostrar as regularidades no discurso amoroso as recorr ncias que fazem uma carta de amor ser uma carta de amor independentemente das diferen as quanto aos interlocutores aos lugares e s pocas importante regist
218. enas estere tipos espec ficos de uma poca de um lugar que a literatura contribui para validar e nos quais se ap ia Quanto corporalidade associada a uma complei o do corpo do fiador insepar vel de uma maneira de se vestir e se movimentar no espa o social O thos implica portanto um policiamento t cito do 37 ef Maingueneau 1999 p 78 38 cf Maingueneau 1984 p 81 39 of Maingueneau 1995 p 139 0 of Maingueneau 1995 p 139 Aef Maingueneau 1999 p 79 58 corpo uma maneira de habitar o espa o social Longe de surgir todo armado do imagin rio pessoal de um autor constitui se atrav s de um conjunto de representa es sociais do corpo ativo em m ltiplos dom nios Por isso que acreditamos que a enuncia o da obra confere uma corporalidade ao fiador ou seja d lhe corpo Se fato que a enuncia o confere uma corporalidade ao fiador e se n o se questiona que o co enunciador incorpora essa enuncia o conferindo lhe corpo deve se levar em conta que este ent o assimila um conjunto de esquemas que correspondem a uma maneira espec fica de se relacionar com o mundo habitando seu pr prio corpo Depreende se dessas considera es assim que essas duas incorpora es viabilizam a consubstancia o de uma corporalidade a da comunidade imagin ria dos que 44 comungam no amor de uma mesma obra Essa id ia de modo de enuncia o faz lembrar que para Bakhtin
219. englobando outra conceitua o Distingue se dos tipos de discurso A quest o como se deve proceder a distin o entre essas categorias isto como cada denomina o deve ser conceituada Fiorin responde da seguinte maneira Os g neros s o organiza es relativamente est veis caracterizadas por uma tem tica uma forma composicional e um estilo Os g neros s o in meros pois eles dizem respeito esfera das atividades cotidianas rela es de amizade conv vio familiar etc bem como esfera das atividades institucionalizadas pr tica religiosa atividades escolares rela es jur dicas Em cada uma dessas esferas de atividade h 1 8 Segundo o Dicion rio Houaiss conceito geral que engloba todas as propriedades comuns que caracterizam um dado grupo ou classe de seres ou de objetos 38 in meros g neros textuais H no entanto uma categoria mais geral de textos que poderia ser denominada tipo textual Os tipos s o constru es textuais que apresentam determinadas caracter sticas ling sticas S o bem poucos os tipos textuais Quando dizemos que o tipo textual uma categoria mais geral do que o g nero o que queremos dizer que os g neros fazem uso dos tipos na sua composi o Assim um mesmo tipo utilizado por diferentes g neros Por outro lado preciso dizer ainda que o mesmo g nero se vale de mais de um tipo textual Fiorin 2004 p 2 5 Na d
220. enitude e a vacuidade 2 4 O sujeito modal amoroso o desejo e a avers o 2 5 O sujeito passional amoroso a felicidade e a confian a a infelicidade e a frustra o 2 6 Temas e figuras do amor o corpo presente e o corpo ausente Cap tulo 3 Um tri ngulo amoroso a vai meu cora o 3 1 A constru o do thos e as cenografias amorosas 3 2 O corpus de an lise o dif cil acesso ao cora o dos amantes 3 3 Tarsila do Amaral Lu s Martins e Anna Maria Martins os v rtices do tri ngulo 3 4 Dois lados do tri ngulo duas mulheres dois cora es dois the Conclus o Bibliografia 10 14 16 19 20 25 28 37 52 60 71 78 80 105 114 129 142 158 172 174 177 181 188 243 254 SUM RIO DE FIGURAS 1 P 12 Reprodu o de carta de Tarsila do Amaral In Martins 2003 p 71 2 P 13 Reprodu o de carta de Ana Maria Martins In Martins 2003 p 200 3 P 24 Saudade Almeida J nior In Ara jo 2000 p 12 4 P 77 Namorados Milton Dacosta In Menezes 2001 p 105 5 P 169 Auto retrato Tarsila do Amaral In Canton 2004 p 27 6 P 170 Retrato de Lu s Martins Tarsila do Amaral In Martins 2003 p 18 7 P 171 Foto de Anna Maria Martins In Martins 2003 p 103 AGRADECIMENTOS A Caterina Koltai porque preciso ouvir a for a do desejo porque a exist ncia precede a ess ncia porque sou o que fa o do que fizeram de mim A tia Andr ia que me en
221. er ncias tornado marcador de distin o s o predile es que deixam de ser meramente distintivas e passam a ser para um determinado grupo social distintas no sentido de not veis ilustres eminentes O gosto um sistema de classifica o aplicado aos objetos que define os sujeitos que entram em conjun o com eles Dado que o gosto um sistema distintivo incide sobre o que raro nico o prazer da diferen a Fiorin In Fiorin e Landowski 1997 p 28 10 Esse trecho exemplifica bem a id ia de Barthes de que num universo de milhares de corpos o sujeito pode desejar uma centena mas amar a um s na carta de Machado o interlocutor diz que h um pequeno n mero de mulheres que sabem amar e sentir portanto que poderiam atra lo Nesse universo j delimitado pela triagem o interlocut rio o escolhido tornando se uma totalidade sem resto Barthes 2003 p 11 93 pelos valores do universo nos dom nios de uma tica da mistura cf Tatit 2004 p 91 Fontanille e Zilberberg 2001 p 15 37 Segundo o semioticista a rela o ou ou marca o universo dos valores aristocr ticos a rela o exclusiva na qual o sujeito enunciador orienta seu fazer pela extra o isto pela elimina o de valores axiologizados como indesej veis modalizados pelo n o querer ser querer n o ser A rela o e e por outro lado caracteriza o universo d
222. erv m e impede o sujeito passional de dizer quanto o desdobramento da cena em dire o conjun o carnal poss vel assim pensar que o interlocutor recorre a tal procedimento por pudor mas tamb m l cito pensar que o conte do interrompido se refere ao inomin vel como o define Barthes quanto mais experimento a especialidade de meu desejo menos posso nome la precis o do alvo corresponde um tremor do nome o pr prio do desejo s pode produzir um impr prio do enunciado Barthes 2003 p 12 Impotente para se enunciar para ser enunciado o amor quer entretanto se gritar Barthes 2003 p 107 71 Segundo Leibniz o quadro pat mico denominado de gaudium o prazer que a alma sente quando considera a posse de um bem presente como garantida e estamos de posse de tal bem quando este estiver de tal modo em nosso poder que dele possamos gozar quando quisermos Barthes 2003 p 63 218 Ali s na carta de 5 de janeiro vista h pouco o mesmo se nota no trecho louca de saudades o tom hiperb lico tamb m est marcado nos superlativos muit ssimo em eu te amo muito muit ssimo e sentido muit ssimo a sua falta e content ssima em Fiquei content ssima com a sua carta O modo de dizer recorrente assim cria um efeito sujeito o modo de ser Anna Maria 225 Retomando a id ia de manuten o do elo no modo do ser e de estabelecimento no modo do par
223. es a Elza por exemplo Quanto s ancoragens temporais h cartas do s culo XVII Mariana Alcoforado ao conde Noel de Chamilly do s culo XVIII Napole o a Josefina do s culo XIX Alfred de Musset a George Sand do s culo XX Milton Dacosta a Maria Leontina Quanto actorializa o os atores que representam o papel de remetentes e destinat rios representam tamb m na narrativa social os mais diversos pap is est o presentes imperadores Napole o dramaturgos Nelson Rodrigues poetas Byron pintores Milton Dacosta religiosos Mariana Alcoforado etc 22 No cap tulo 3 uma vez definida a carta em geral e a carta de amor em particular ser o examinadas as cartas de Tarsila do Amaral e de Anna Maria Martins para Lu s Martins na configura o de um tri ngulo amoroso Tarsila era quase 21 anos mais velha do que Lu s Martins que se interessaria por Anna Maria uma prima de Tarsila 17 anos mais nova do que ele no contexto da S o Paulo dos anos 50 as cartas revelam o moralismo e os preconceitos ent o reinantes Se nos outros cap tulos o corpus bem amplo aqui bem restrito n o interessam mais apenas as caracter sticas gerais do discurso amoroso mas maneiras particulares de manifesta o do sujeito amoroso O objetivo deste cap tulo mostrar que se constroem distintos the em cada cenografia amorosa nas cartas que escrevem Tarsila e Anna Maria assim revelam diferentes
224. escrever logo para n o se esquecer de dizer se a carta n o provocou problemas e por fim para ele rasgar a carta Quanto cobran a para ele escrever logo ela n o aparece apenas sob a forma direta do imperativo Ao dizer H dias venho esperando carta sua Finalmente hoje chegou o emprego do adv rbio finalmente uma marca de enuncia o que sugere uma ansiedade no quadro de espera a inquietude de Anna assim contrasta com a serenidade de Tarsila Sobre o sujeito que se constr i no contexto da rela o mantida no modo do segredo tamb m ilustrativa a seguinte passagem de uma carta de 8 de fevereiro de 1952 Meu querido Lu s Depois de ter falado com voc fui pagar nossas passagens e procurei me informar se havia ainda lugar no navio Disseram me que h bastante de modo que voc podia voltar Companhia e insistir mais na passagem Eu quero tanto que voc v comigo meu bem H quanto tempo v nhamos contando com essa viagem juntos Estou ansiosa para encontrar com voc tenho passado noites p ssimas e ando desesperada por tudo a enorme pena de magoar Tarsila de faz la sofrer tanto a tristeza de mam e e papai t o inocentes t o margem do que est acontecendo a sua afli o tudo me deixa amargurada Vivo t o descontrolada que n o consigo conter as l grimas Na rua num nibus quando percebo j estou com os olhos cheios de 279 Dale nad fee TEA Trata se de uma segu ncia i
225. espectivamente nas lexias amor de pai e amor a Deus No Grego Antigo essa aposi o desnecess ria uma vez que n o ocorre sincretismo A palavra ag pe por exemplo indicava originariamente segundo o Houaiss festa dos primitivos crist os que consistia de uma refei o comum com a qual era celebrado o rito z eucar stico N o toa seu sentido hoje qualquer refei o entre amigos Sendo um amor associado ao valor espiritualidade define se pelo tra o da religiosidade distinguindo se j na denomina o de outras formas de amor fato que constitui obst culo ambigiiidade A palavra storgue a denomina o de outro tipo de amor na perspectiva dos gregos antigos trata se de um amor que se desenvolve no contexto familiar que tem por sujeitos pais e filhos irm os e primos tios e av s um sentimento marcado mais pela doa o do que pela troca Por isso a palavra tamb m servia para designar o amor de um animal pelo dono Em termos semi ticos esse amor realiza se por meio de um programa de base que tem por fim o exerc cio do pr prio amor como se o amor fosse um valor em si mesmo No senso comum o que se chama de amor incondicional trata se do amor no sentido da ternura O lexema fil a por sua vez demarca o territ rio do amor entre amigos que se traduz como amizade Trata se do querer bem quele que n o necessariamente da l Pode se
226. etratos falados na apresenta o de objetos em textos publicit rios em pe as jur dicas na constru o dos atores nas cartas etc Nas cartas de amor por exemplo o tipo descritivo utilizado para fazer ser o ausente ajudando a construir seu corpo os tra os selecionados materializam o ausente produzindo um efeito de presen a e Narra o Narrar contar uma hist ria relatar transforma es de estado entre uma situa o inicial e uma final envolvendo personagens num dado tempo e espa o Como trata de personagens concretizados semanticamente que atuam num tempo e espa o espec ficos a narra o tamb m um texto figurativo a descri o ajuda a construir os personagens os espa os a cena narrativa Como um texto que relata transforma es de estado marcado pela no o de progress o temporal diferentemente da descri o a narra o apresenta um car ter din mico isto os fatos est o dispostos numa sequ ncia numa rela o de anterioridade e posterioridade antes e depois A passagem do tempo pode ser observada por exemplo por meio de organizadores temporais como os adjuntos adverbiais ontem agora amanh naquele dia depois disso 7 Conforme a metodologia da semi tica francesa a separa o dos discursos em argumentativos e narrativos n o pode mais ser efetuada a partir do crit rio de exist ncia ou n o de narratividade subjacente e
227. eu n o J J J tem sua compet ncia alimentada por voc rela o subjetal id ia traduzida por inanidade modal que se refere ao esvaziamento modal do sujeito Segue um quadro que resume as quest es gerais que trabalhamos at aqui no n vel modal narrativo N VEL MODAL NARRATIVO CARTAS DE ESTABELECIMENTO DO ELO EXISTENCIAL DISJUN O N O DISJUN O CONJUN O QUERER SER CONJUNTO QUERER PASSAR A SER CONJUNTO INANIDADE MODAL PLENITUDE MODAL EU SUJEITO PLANO OBJETAL E DESTINAT RIO PLANO SUBJETAL VOC OBJETO PLANO OBJETAL E DESTINADOR PLANO SUBJETAL CARTAS DE MANUTEN O DO ELO EXISTENCIAL DISJUN O N O DISJUN O CONJUN O QUERER SER CONJUNTO QUERER CONTINUAR A SER CONJUNTO INANIDADE MODAL gt PLENITUDE MODAL EU SUJEITO PLANO OBJETAL E DESTINAT RIO PLANO SUBJETAL VOC OBJETO PLANO OBJETAL E DESTINADOR PLANO SUBJETAL 143 CARTAS DE RUPTURA CONJUN O N O CONJUN O DISJUN O QUERER N O SER CONJUNTO QUERER DEIXAR DE SER CONJUNTO PLENITUDE MODAL INANIDADE MODAL EU SUJEITO PLANO OBJETAL E DESTINADOR DESTINAT RIO PLANO SUBJETAL VOC ANTI OBJETO PLANO OBJETAL E ANTI DESTINADOR ANTI DESTINAT RIO PLANO SUBJETAL CARTAS DE RESTABELECIMENTO DO ELO EXISTENCIAL DISJUN O sN O DISJUN O CONJUN O QUERER SER CONJUNTO QUERER VOLTAR A SER CONJ
228. existencial que re ne destinador e destinat rio Landowski 2002 p 176 A concep o da carta de amor como uma escrita da falta dessa forma leva a pensar que o percurso tem tico da aus ncia sentida afetivamente um tra o recorrente nas cartas de amor de estabelecimento restabelecimento e de manuten o do elo existencial como foi poss vel perceber em outros n veis de an lise no n vel discursivo a falta provocada pela disjun o entre os sujeitos enunciada e tematizada como aus ncia Nas cartas de estabelecimento e nas de restabelecimento trata se de uma falta cuja plenitude se d no modo do ser nas de manuten o de uma falta cuja plenitude se d no modo do parecer No caso das cartas de ruptura por outro lado a vacuidade desejada Na escrita da falta o querer intenso que marca a rela o entre o sujeito e o objeto se manifesta tamb m sob a forma da saudade efeito pat mico da aus ncia o lexema 22169 saudade subsume a no o de aus ncia sentida afetivamente A carta nessa prolongando assim a isotopia da visualidade pela tatilidade Pois o tato algo mais do que a est tica cl ssica disp e se a nele reconhecer sua capacidade para explorar o espa o e levar em conta os volumes o tato se situa entre as ordens sensoriais mais profundas ele exprime proxemicamente a intimidade optimal e manifesta sobre o plano cognitivo a vontade de conjun o total G
229. fecho das cartas de Tarsila recorrente no discurso amoroso a imagem mitol gica de Cupido flechando o rg o do amor se repete em diferentes tempos e espa os como atestam os cora es desenhados no papel ou riscados em rvores N o raro se nota o nome dos amantes coordenados aditivamente pelo conectivo e indiciando a conjun o que subsume a id ia de fus o dos sujeitos apaixonados 198 2228 aos p s colocando o cora o como sede das atividades afetivas que a subsume como um todo Mas n o no enunciado que o thos se revela Por isso antes de prosseguir necess rio precisar algumas no es em nome da propriedade no emprego das categorias e dos conceitos o que o enunciador diz de si n o o dado a que se recorre para a apreens o do thos uma vez que este n o est no dito mas no dizer N o por dizer que amorosa que revela um thos amoroso O relevante n o o que est no enunciado mas o que reside na enuncia o Em outros termos no dito est a imagem que o enunciador constr i de si mas no modo de dizer que se manifesta o thos Isso significa que o modo de ser apreendido no modo de dizer No caso da palavra cora o presente no enunciado constru do o que interessa como elemento que remete enuncia o a escolha lexical realizada pelo enunciador palavras mais delicadas s o reveladoras de um modo de ser mais terno do mesmo modo que palav
230. gos do subjuntivo e do imperativo A escolha lexical tamb m sintom tica uma vez que reveladora desse quadro de desequil brio pat mico como atestam as palavras ansiosa p ssima desesperada pena magoar sofrer tristeza afli o amargurada medo etc Se Tarsila manifesta um thos marcado pela for a ao n o dizer a sua dor Anna apresenta um thos caracterizado pelo tra o da fraqueza ao n o calar a sua ang stia A for a aqui n o reside em poder dizer mas em poder silenciar Nessa perspectiva que a escolha lexical permite a apreens o do modo de ser do ator da enuncia o na sem ntica global do texto O thos dessa maneira n o se manifesta sofrido descontrolado pelo fato 280 Por meio da escrita o interlocutor constr i uma imagem de si marcada pelo descontrole passional desejando que essa imagem seja incorporada pelo interlocut rio Trata se de um efeito de sentido criado discursivamente n o podendo mostrar se chorando ao outro tenta traduzir lhe em palavras o corpo lacrimoso A respeito disso lapidar a seguinte reflex o de Barthes Obrigo me a chorar para provar a mim mesmo que minha dor n o uma ilus o as l grimas s o signos n o express es Por minhas l grimas conto uma hist ria produzo um mito da dor e assim posso acomodar me a ela posso conviver com ela porque chorando dou me um interlocutor enf tico que recolh
231. icos que orientam o fazer taxion mico a id ia de norma e a id ia de n mero Como diz Todorov os g neros s o classes de textos pode se sempre encontrar uma propriedade comum entre dois textos e reuni los numa classe Todorov 1981 p 50 O conceito de classe abriga tamb m no es normativas e num ricas considerando que para integrar uma classe constitu da de mais de um elemento n mero preciso respeitar as coer es a estabelecidas norma A id ia de norma e a de n mero parecem constantes na defini o da categoria conforme foi poss vel verificar nas propostas em geral com que tomamos contato Isso est presente j na pr pria defini o do termo Etimologicamente a palavra g nero vem da base indo europ ia gen cujo significado gerar No latim daria o substantivo genus generis significando linhagem estirpe e o verbo gigno genui genitum gignere com a acep o de gerar criar Tal entendimento endossado por Faraco nos seguintes termos Como se v esse segmento vocabular se desenvolve a partir da sem ntica do processo de gerar procriar e dos produtos da gera o procria o A utiliza o do termo g nero para designar tipos de texto uma extens o da no o de estirpe linhagem para o mundo dos objetos liter rios e ret ricos Assim como as pessoas podem ser reunidas em linhagens por consangiiinidade o mesmo se pode fazer com os textos que t m certas caracter s
232. ida indicaria o rein cio da rela o marcado incoativamente pela forma verbal v crescer s a sua presen a seria capaz de restabelecer a continuidade a atmosfera em que as coisas voltam a crescer O sujeito em conjun o com o objeto seria nesse caso deslocado para a posi o da plenitude Para Tatit a composi o do artista alagoano farta em figuras discursivas oscila entre a forte imagem que lhe d t tulo e o sentido oposto contido na express o deserto A primeira reconstr i a plenitude t pica dos encontros mais desejados vale lembrar como ensina Fiorin que o falante vale se dos atos de fala indiretos para n o constranger o interlocutor com um pedido direto do tipo volte para mim Fiorin 2002 p 174 Recuperando as no es trabalhadas nas an lises tipol gicas do cap tulo 1 no modo do parecer manifesta se a segii ncia expositiva em que o enunciador simula demonstrar a verdade dos fatos mas no modo do ser verifica se a segii ncia argumentativa por meio da qual o enunciador intenciona o convencimento do outro 115 enquanto a segunda retrata a vacuidade que resulta das perdas inestim veis O enunciador se instaura como um sujeito que rejeita a desola o a que est submetido e projeta uma realiza o de uma exist ncia plena a partir da realiza o de um grande encontro Tatit 2001 p 138 Aqui como se disse a prop sito de Keats o movimento em dire
233. idades jur dica jornal stica ou religiosa n o abrangem um g nero particular mas d o origem a v rios deles Constituem pr ticas discursivas dentro das quais podemos identificar um conjunto de g neros textuais que s vezes lhe s o pr prios em certos casos exclusivos como pr ticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas In Bezerra Dion sio e Machado 2002 p 23 4 Em termos bakhtinianos partindo do pressuposto do relacionamento entre a comunica o verbal e a comunica o social isto da articula o entre a atividade discursiva e a atividade social o g nero a atividade discursiva que se d numa determinada esfera de circula o sendo esta o espa o dentro do qual circulam certos g neros Melhor seria falar em discurso midi tico para se referir esfera de circula o uma vez que o jornal um g nero apresentando tem tica estrutura composicional e estilo 51 1 3 O g nero carta na perspectiva da semi tica francesa Para problematizar o estatuto do g nero carta e de seus subg neros dos regimes epistolares na perspectiva da semi tica francesa necess rio analisar sobretudo os elementos constitutivos do chamado n vel discursivo O n vel do discurso na teoria semi tica a ltima etapa de organiza o do plano do conte do a mais complexa e concreta e portanto a mais pr xima da manifesta o e a que mais tra os revela da inst ncia da enuncia o
234. ieira 2003 p 207 86 singelo e trangiiilo nessas cartas Vladimir a Vera Nabokov N o tenho mais i g7 4 palavras para lhe dizer o quanto a amo S o rela es j duradouras que se querem sem fim Seu eterno marido como assina Dostoievsky ao escrever para Anna Orsini 1999 p 172 Como se nota na apresenta o desses dois tipos de amor a aposi o de qualificativos faz pressupor o car ter plural do sentimento amor assim funciona como hiper nimo amor paix o e amor maduro como hip nimos J o cap tulo Todas as maneiras de amar abarca o amor em sentido mais amplo sem o tra o da exclusividade a come ar pela escolha do pronome indefinido todas que produz efeito de englobamento de totaliza o o amor da m e ao filho o amor do filho 96 97 98 99 o amor do pai ao filho o amor entre amigos o amor entre irm os o amor do m e neto ao av etc Nesse cap tulo o lexema se manifesta como hiper nimo o amor lato sensu Nas palavras de Elisabeth Orsini O amor cresce em v rias dire es e se volta para o irm o o amigo a m e e o filho Orsini 1999 p 119 Ali s serve de bom exemplo uma carta que a pr pria Orsini escreve a seu filho O que eu quero dizer para voc meu filho que eu n o vou mudar Que eu n o quero mudar Essa a m e que voc tem Essa a m e que vai te amar sempre do fundo do
235. ik Orsini 1999 p 233 76 Carta de Mozart a Constanze Orsini 1999 p 191 Carta de Fyodor Dostoievsky a Anna Dostoievskaya Orsini 1999 p 176 18 Carta de Henry Miller a Brenda V nus Orsini 1999 p 69 14 Presen a de fechos de cortesia com tra os passionais como Respeitosamente Ja 79 Ee des 8 vos envio uns 90 beijos enormes Adeus a minha paix o cresce a todo o instante 5581 gt 82 283 Te amo muito Um beijo Sobretudo n o me engane mais Teu para sempre Dois beijos intermin veis do meu amor imortal etc A tematiza o e a figurativiza o revelam a cena amorosa entre os interlocutores instalados no enunciado Figurativiza o dominante com alto grau de iconiza o alta densidade sem ntica na constru o actorial Essa no o pode ser constatada j na abordagem dos vocativos fechos de cortesia e assinaturas Como estrat gia para persuadir o interlocut rio abre se ao interlocutor a possibilidade de constru o de certo hermetismo figurativo a partir da instala o no enunciado de figuras que reproduzem o contexto de intimidade partilhado apenas entre os participantes do jogo amoroso epistolar ep tetos que tornam um exclusivo ao outro designa es vocativas e recorrentes do interlocut rio por meio de figuras com tra os de afetividade descri es de espa os remiss o a cenas alus o a fatos mantidos sem explicita
236. imentos que o sujeito pode utilizar como Barthes disse para obter a circunscri o dos prazeres n o toa o Visconde diz que nunca teve tanto prazer em escrever sua interlocutora Dessa maneira o sujeito antes esvaziado modalmente diante da priva o do objeto que para ele tamb m objeto modal recobra as modalidades que lhe conferem exist ncia e compet ncia O efeito de presen a fazendo pairar o objeto sobre o sujeito faz pairar sobre este o espectro das modalidades Escrever nessa perspectiva faz recobrar as for as A id ia do efeito de presen a como uma esp cie de operador do reequil brio pat mico tamb m se constata neste trecho de uma carta de Rui Barbosa para sua noiva Maria Augusta em que a carta n o substitui a amada mas serve de consola o para o sujeito da falta permitindo lhe um certo controle das modalidades que lhe asseguram exist ncia e compet ncia Passou a primeira noite desta amarga aus ncia e o primeiro pensamento meu ao amanhecer n o pode ser outro sen o buscar conversando contigo daqui uma consola o a t o dolorosas saudades H pouco tempo perdi a terra de vista mas minha alma n o perdeu a vista de ti Tua imagem tua alma est o em mim como na presen a Orsini 1999 p 112 O sujeito modal como se percebe sofre um certo esvaziamento Perde por exemplo a modalidade do poder n o pode ver a terra n o pode ver a amada Apesar da disjun o o apego
237. ir s bito um dia Inadvertida para os demais Mas agora n o sinto sua falta Por isso n o sinto agora a sua falta Bandeira 1986 p 142 Na carta de Frida tamb m se constata como nos exemplos de Keats e Djavan que a consci ncia da falta direciona o desejo a uma nova plenitude Procuro um ponto de contato a sua pele Onde voc est Onde voc est Viro me para todos os lados o travesseiro mido meu rosto se gruda nele meus cabelos molhados contra as minhas t mporas N o poss vel que voc n o esteja aqui Minha cabe a vaga errante meus pensamentos v o v m e se esfacelam meu corpo n o pode compreender Meu corpo quer voc Meu corpo esse azar o mutilado Orsini 1999 p 64 Vale notar a semelhan a com Oceano Djavan diz Cad voc que solid o Frida pergunta Onde voc est Nessa perspectiva vale para a carta de Frida a seguinte observa o de Tatit sobre a can o 119 Embora prevale a esse sentido pr prio do estado passional ou seja o estado passivo do ser que sofre n o dif cil depreendermos alguns rudimentos de procura que poderiam configurar uma certa virtualidade modal uma esp cie de sombra de desejo respons vel j nesse est gio por um m nimo de direcionalidade Tatit 2001 p 139 O sujeito que sente falta um sujeito apegado ao objeto modalizado no n vel narrativo por um querer aspectualizado como intenso como j se disse o suje
238. is existe um outro problema o acesso a elas no mercado editorial suposta a exist ncia de um acervo de cartas t o volumoso quanto rico em arquivos pessoais que est o sob a guarda de particulares ou de institui es p blicas preciso considerar que as editoras s o apenas a ponta final do circuito de acesso a cartas pessoais Na base est o procedimento de preserva o do material por remetentes destinat rios ou terceiros limitando a preserva o da correspond ncia antes mesmo que o colecionador possa intervir Lemos 2004 p 9 10 182 Para come ar levei meses para convencer minha m e a concordar com este meu projeto Naturalmente t mida discret ssima avessa a badala es sua primeira rea o foi rejeitar veementemente a id ia Foram semanas para conseguir que pelo menos lesse as cartas de Tarsila apesar de decorridos mais de cinq enta anos e de Tarsila estar morta havia quase trinta anos aquilo lhe parecia um ato imperdo vel de invas o E quando por acaso encontrei as cartas que ela pr pria minha m e escrevera na poca camufladas em meio a outros pap is as coisas s pioraram Martins 2003 p 16 177 183 deles para deleite do olhar voyeur stico do analista N o h contudo cartas de Lu s Martins As cartas que ele escreveu para minha m e em 1952 ela rasgou imediatamente ap s a leitura pois temia deixar evid ncias da liga o dos dois E as que ele escreve
239. ite ao interlocutor exteriorizar o que precisa e ent o relaxar Em carta datada de 21 de janeiro de 1952 Tarsila corrobora tal id ia Eu tamb m tenho momentos de desespero e quero tamb m desabafar para sentir me mais aliviada Perdoe me se estou sentindo necessidade premente de expans o Sinto me um pouco mais calma Lu s querido agora que j disse quase tudo que tinha a dizer para me desabafar estou me sentindo mais resignada Martins 2003 p 130 132 Apesar da dor Tarsila coerentemente com o thos comedido que sempre transmitiu ao outro na comunica o dos simulacros n o fala explicitamente em amargura O thos equilibrado mais uma vez manifesta se pela aus ncia isso que se nota tamb m no fato de citar sem contestar a men o de Lu s amargura que ela sentia ao n o refutar a refer ncia aos seus sentimentos faz pressupor que era o que de fato ela sentia quando da separa o O modo de dizer novamente mostra o comedimento do ator da enuncia o no enunciado ela n o afirma que Lu s tem raz o mas tamb m n o o nega n o negando no enunciado ela afirma de modo sutil sua dor na enuncia o Tal procedimento revelador de um thos equilibrado coerente com a auto imagem do enunciador Escrevendo a ele a pintora se refere ao seguinte trecho de uma carta deste Tarsila eu compreendo bem e sinto imensamente a sua amargura Martins 2003 p 159 A figura do espinh
240. ito se aparta do objeto mas o elo de atratividade permanece ap s a cis o Em Frida assim poss vel falar em um proto corpo uma sombra de corpo procura uma sombra de desejo de um ponto de contato no complexo de atra es e repuls es o mesmo ali s constatou se em Vin cius e Lupic nio Trata se de uma virtualidade de querer de um metaquerer como prop e a Semi tica das paix es A protensividade do sujeito um tanto quanto apressadamente identificada intencionalidade que ent o interpretada ora como metaquerer ora como metassaber Greimas e Fontanille 1993 p 26 Com base no que foi exposto para tratar das cartas de amor partindo do n vel tensivo acolhe se a sugest o de adotar o quadrado que articula os modos de exist ncia proposto em Semi tica das paix es e reproposto com reformula es em Tens o e significa o como ponto de partida para a descri o dos conte dos a ordenados Fontanille e Zilberberg 2001 p 134 PLENITUDE REALIZANTE VACUIDADE VIRTUALIZANTE pad FALTA ATUALIZANTE PERDA POTENCIALIZANTE Segundo o Dicion rio de Semi tica uma defini o existencial dos sujeitos e dos objetos presentes no discurso absolutamente necess ria 120 Dir se que um sujeito semi tico n o existe enquanto sujeito sen o na medida em que se lhe pode reconhecer pelo menos uma determina o ou seja que ele est com um objeto valor qu
241. itui o ao crer ser conjunto atuam como ponte de transfer ncia dos valores tensivos descont nuos para as fun es actanciais No caso espec fico da narrativa de Torre de Babel de Lupic nio Rodrigues que se assemelha a uma carta de restabelecimento do elo existencial a an lise de Tatit mostra que g o desentendimento o actante que pode promover a parada Este desentendimento Quer parar o nosso amor Ent o na perspectiva da manipula o o enunciador encarna a fun o de destinador persuasivo ou manipulador o principal actante respons vel pela continuidade narrativa Se pr prio do anti sujeito interpor obst culos e produzir a parada cabe ao destinador remover toda sorte de empecilhos e restaurar a continuidade pelo processo conhecido como parada da parada O n cleo da fun o do destinador persuasivo situa se na passagem E hei de arranjar Um meio de lhe convencer Tatit 2001 p 155 Na conclus o de sua an lise o semioticista lembra que tudo o que se produz no plano subjetal repercute no plano objetal Assim O esfor o do destinador eu em convencer o destinat rio voc a n o desistir dos prop sitos narrativos qual seja vencer as for as antagonistas da parada figurativizadas como desentendimento ou capricho visa a refor ar o v nculo sujeito objeto O quadro mais natural seria o que considera voc como destinat rio sujeito e eu
242. ivo f rica da descontinuidade se manifesta no n vel narrativo na transforma o do estado conjuntivo em disjuntivo No plano modal o sujeito se revela esvaziado destitu do de compet ncia vai destruir me aniquila o de todos 155 os pensamentos sentimentos e esperan as A varia o dos modos de exist ncia entre a plenitude e a vacuidade se verifica no n vel discursivo no percurso tem tico da presen a aus ncia A carta assim n o apenas um meio de comunica o mas de tradu o da falta intersubjetiva Quanto ao contrato fiduci rio o sujeito parece caminhar da incerteza n o crer ser para a descren a crer n o ser do poss vel poder ser para o imposs vel n o poder ser A perda da esperan a apesar da manuten o do querer ser resulta da combina o do crer n o ser com o n o poder ser que produz como efeito de sentido o sujeito insatisfeito e descrente Neste t pico da disserta o tratou se da rela o entre sujeito e objeto e das paix es simples que suscita da rela o entre sujeitos e das paix es complexas decorrentes e da escrita epistolar como narrativa da falta de objeto ou intersubjetiva importante deixar claro portanto que foram trabalhados tr s esquemas narrativos distintos No esquema das paix es simples tem se eu como sujeito operador que quer dad ER 29 162 colocar ou manter eu como sujeito de estado em conjun o com o objeto vo
243. iza o poss vel pensar os pap is tem ticos como os gen ricos e os figurativos como os espec ficos Na carta os pap is gen ricos do sujeito epistolar s o representados pelo remetente e pelo destinat rio No regime enunciativo do subg nero correspond ncia oficial por exemplo o destinat rio interpelado por seu papel tem tico presidente governador juiz etc sendo secund rio o investimento sem ntico que constr i o papel figurativo Na correspond ncia comercial o papel tem tico tem mais import ncia do que o figurativo o interlocutor pode ser um representante comercial que tem por interlocut rio um cliente um diretor social que faz solicita es a um empres rio etc Nas cartas de amor o papel figurativo assume um papel central Nelas h ainda que considerar al m do sujeito epistolar e seu programa pragm tico o sujeito passional e seu programa passional Partindo do pressuposto de que o discurso escolhe o g nero para a legitima o de sua pr pria cena enunciativa pode se dizer que os g neros definem os lugares enunciativos dando assim exist ncia semi tica aos actantes Os g neros determinam os valores em 53 circula o nos limites de sua circunscri o o que deve ser dito quem deve dizer e para quem Os g neros instituem os pap is tem ticos e figurativos em cada esfera espec fica do fazer comunicativo interessa a este trabalho particularmente estudar essas configura e
244. iza o objeto pelo n o poder ser o sujeito pretende por meio da carta criar um efeito de sentido de conjun o com o objeto a transforma o do estado de disjun o em conjun o atualiza o elo existencial tornando presente o ausente Isso produz o efeito de sentido pat mico da sensa o de satisfa o o efeito de presen a criado alivia a falta na busca do reequil brio do quadro emocional nesse contexto por exemplo que se desenvolvem as cartas de manuten o do elo existencial Nos termos de Landowski o efeito de presen a que nos restituir o sentimento de seu estar diante de n s a pr pria defini o da presen a capaz de ressuscitar o fantasma figurativo do outro preenchendo o vazio da falta efeito de plenitude Landowski 2002 p 169 160 E 2 pd De pa Essa no o ser retomada no t pico 2 6 no qual se verificar a presen a e a aus ncia como tematiza es respectivamente da conjun o e da disjun o resultantes por sua vez da convers o das categorias plenitude e vacuidade Tamb m se analisar a figurativiza o como um procedimento a servi o da produ o do efeito de presen a 153 Pode se pensar que a carta realiza um programa de liquida o da falta da os efeitos pat micos que suscita como satisfa o alegria O sujeito operador remetente est em sincretismo com o sujeito que sofre a falta
245. jeto de sua busca fixa se a para sempre ilustrando assim os conceitos chineses do yin e do yang que inoperantes um sem o outro se atraem e se completam P ret 1985 p 17 18 Trata se de um sujeito amoroso portanto que se define pela rela o de apego exclusivo e intenso com seu objeto que n o pode ser outro isso que se depreende das seguintes passagens de uma carta de John Keats a Fanny Brawne s para mim um objeto intensamente desej vel N o posso viver sem voc Orsini 1999 p 104 Tal entendimento corroborado tamb m por algumas das defini es de amor aferidas no Houaiss atra o afetiva ou f sica que devido a certa afinidade um ser manifesta por outro forte afei o por outra pessoa O C digo do Amor do s culo XII em seu artigo 30 afirma Uma pessoa que ama est ocupada assiduamente e sem interrup o pela imagem do que ela ama apud P ret 1985 p 56 Como se percebe nessas discursiviza es do amor a rela o aqui entre dois termos espec ficos ou seja entre um HI A intensidade do apego traduz se pelo grau de investimento do sujeito por seu objeto O investimento do sujeito mais ou menos forte conforme possa ele acolher ou n o outros objetos Greimas e Fontanille 1993 p 183 112 Os versos a seguir de Florbela Espanca traduzem bem essa id ia Livro do meu amor do teu amor Livro do nosso amor do nosso peito Abre lh
246. l m do mais assume toda sua significa o quando relacionado aos outros g neros dos quais ele se distingue Stalloni 2003 p 14 Quanto a esse aspecto relacional a prop sito segundo Greimas na esteira de Saussure e Hjelmslev gra as compreens o das diferen as que o mundo toma forma diante do sujeito uma vez que a percep o das diferen as equivale apreens o de no m nimo dois termos objetos como presentes ao mesmo tempo Perceber diferen as assim significa captar a rela o entre os termos lig los de um ou de outro modo Disso decorre que a significa o pressup e a exist ncia da rela o o aparecimento da rela o entre os termos que condi o necess ria da significa o Greimas 1973b p 28 A rela o por sua vez pode ser concebida como uma atividade cognitiva que estabelece de maneira concomitante tanto a identidade quanto a alteridade de duas ou v rias grandezas entendidas como objetos de saber Greimas e Court s 1983 p 380 Nessa perspectiva a estrutura elementar do g nero epistolar adv m da rela o entre seus subg neros entendidos como articula es do eixo sem ntico carta A carta de amor dessa forma n o pode ser entendida em si mesma j que os termos objeto vistos isoladamente n o traduzem significa o Seguindo a li o da semi tica francesa cuja metodologia orienta este trabalho no dom nio das estruturas que preciso identificar as
247. la o tensivo f rica retira do sujeito no mbito de sua compet ncia no n vel narrativo pois qualquer predisposi o para a a o n o quero n o devo n o sei n o posso Na carta de Keats parece que o vazio leva falta e ao desejo de plenitude o sujeito n o competente para viver sem a amada n o posso viver sem voc deseja intensamente viver com ela A presen a da modalidade virtual do querer aspectualizado como durativo assim abre a possibilidade de um PN de reatualiza o do elo existencial o movimento em dire o a uma nova plenitude tem in cio pela manifesta o da consci ncia da falta Para o sujeito apegado a rela o n o pode n o ser o objeto necess rio a continuidade imperativa Neste t pico novos elementos s o introduzidos na an lise A partir das no es de apego e desapego trabalhadas na perspectiva tensiva nas pr condi es em que o sentido se orienta num complexo de atra es e repuls es passa se a considerar o seguinte As varia es afetivas s o de fato tribut rias dos valores juntivos Nossos desejos s o mobilizados por um sentimento de falta a disjun o na mesma propor o em que nossas tens es emotivas s o atenuadas pelo sentimento de plenitude a conjun o 114 Entre esses estados que n o passam de refer ncia metodol gica para a reflex o transcorrem as infinitas modula es de nossa vida passional Tatit 1998 p 52
248. la constr i de si mesma coerentemente como j se disse com o thos benevolente que manifesta por meio das estrat gias enunciativas realizadas Na carta de 3 de mar o de 1952 Tarsila mais uma vez assim se pronuncia Voc bem pode imaginar que de todo o cora o estarei mandando bons pensamentos para voc Se a sua preocupa o neste momento ver me feliz como v diz na ltima carta a minha id ntica sua invertendo se os pap is Eu seria feliz sabendo que voc o era Isso me bastaria para encher a vida Que voc fosse feliz de qualquer maneira Martins 2003 p 182 A preocupa o que Tarsila diz ter com Lu s Martins tal que em carta de 21 de janeiro de 1952 escreve N o quero que voc torne a falar em morrer Essa id ia me intoler vel Antes venha a morte para mim O que seria uma solu o menos m Martins 2003 p 129 Pouco depois em 29 de fevereiro de 1952 registra Quanto a mim sinto que estou resistindo aos sofrimentos e sinceramente preferiria que os sofrimentos reca ssem unicamente em mim Martins 2003 p 169 O desprendimento que quer demonstrar tal que chegou a desejar a Lu s que ele fosse feliz de qualquer maneira Martins 2003 p 182 o grifo assinala que a paix o da benqueren a mais forte do que a dor que sentia Em outros termos como se Tarsila dissesse indiretamente que a felicidade do outro deveria imperar ainda que custa de s
249. laxamento para a tens o em contrapartida o sujeito parte da felicidade vai para a infelicidade e chega enfim afli o Essas oscila es emocionais permitem 155 4 Zot pts e A espera um elemento caracter stico do discurso amoroso constitutiva da pr pria identidade do sujeito que ama como mostra Barthes Estarei enamorado Claro que sim j que espero O outro este nunca espera s vezes quero bancar aquele que n o espera tento me ocupar com outra coisa chegar atrasado mas nesse jogo sempre perco A identidade fatal do amante nada mais que sou aquele que espera Barthes 2003 p 166 16 82 como sujeito de fazer det m o poder de colocar S1 em conjun o com o objeto em toda parte onde h espera h transfer ncia dependo de uma presen a que se divide e que demora a se dar como se se tratasse de arrefecer meu desejo de alquebrar minha necessidade Fazer esperar prerrogativa constante de todo poder passatempo milenar da humanidade Barthes 2003 p 167 149 entender o sujeito passional amoroso como um sujeito inquieto ou seja imerso nas modula es tensivas 7 No caso da espera fiduci ria que envolve o crer ser tem se o seguinte S1 crer S2 dever gt S1 Ov Na explica o de Tatit como se trata de um contrato imagin rio envolvendo as posi es actanciais eu e tu mas concebido exclusivament
250. le tem de enfrentar Greimas e Court s 1983 p 447 203 Preparando se na condi o de vi va para se casar com Lu s Martins Anna Maria escreve a ele o seguinte Recebi hoje carta de Antonieta Ela j falou com o Odorico que foi amabil ssimo e se prontificou a tudo mas precisa de todos os pap is para tomar as provid ncias Seria portanto bom que voc assim os recebesse do L C enviasse os para l para Antonieta ou Odorico Mando lhe minha certid o de casamento para que voc a junte aos outros pap is Martins 2003 p 121 Um dos pap is a que Anna se refere a certid o de bito do primeiro marido Alberto Freitas 187 muito menos estimular essa tend ncia do seu esp rito e da sua sensibilidade Martins 2003 p 103 Trata se de duas mulheres muito diferentes cada qual marcada por tra os particulares de temperamento por um modo espec fico de ser por uma forma de presen a no mundo Apesar de ambas terem sido bem nascidas e bem criadas Tarsila e Anna Maria se mostram a Lu s Martins como sujeitos marcados por distintos valores uma mais serena a outra mais exaltada uma resignada a outra inconformada uma menos exclusivista a outra mais Cada voz que se dirige ao amante portanto constr i um thos Como sugere a figura do tri ngulo s o como v rtices que partem de lados contr rios para convergir num ponto comum o v rtice que opera como p lo de atra o Esse o objeto de inves
251. lico da acusa o ao interlocut rio o outro aparece no enunciado como objeto n o como sujeito Dessa forma a decep o esconde se sob a apar ncia de mera insatisfa o Em outros termos como se Tarsila dissesse eu fiquei privada de voc e n o voc privou a mim de voc ou Anna Maria privou a mim de voc 212 A respeito disso para n o falar em perda de confian a em Lu s em decep o que poderia levar a um programa de repara o da falta diz na carta de 21 de janeiro de 1952 Tinha confian a na minha situa o S o coisas do destino Martins 2003 p 129 O complemento nominal de confian a sintom tico n o Lu s quem colocado na posi o de alvo mas a pr pria Tarsila O interlocutor evita assim o tom de acusa o ao interlocut rio que estaria expl cito se a constru o fosse tinha confian a em voc Trata se de uma maneira de isentar o outro novamente de responsabilidades fato que marca a delicadeza que sempre pontuou a rela o entre ambos sincretizando os pap is do sujeito que cr e do sujeito em que cr a crise de confian a uma crise do sujeito fiduci rio em rela o a si mesmo Para n o se sobrecarregar contudo suportando nos ombros todo o peso da situa o atribui ao destino o papel de anti destinador Dessa maneira n o mais Lu s aquele que n o cumpriu sua parte no contrato contra quem se endere aria a revolta do
252. lo de exemplifica o no caso de uma ruptura amorosa o corpo do amante que n o mais deseja a amada concretizado no n vel discursivo como se fosse no n vel tensivo constitu do de c lulas da descontinuidade Esse o valor primordial que constr i o tecido da terminatividade do corpo que diz adeus Essa imagem de pensamento concretiza a id ia de n veis de sentido no processo de gera o sob o corpo concreto adensado semanticamente enxerga se sua constitui o mais elementar isto o corpo ainda como um conjunto de c lulas uma massa indiferenciada que come a a tomar forma No n vel tensivo como se o sujeito fosse mergulhado numa camada mais profunda do percurso gerativo como se a subida para o valor do valor a partir do objeto de valor 126 No caso particular do apego homologa se ao querer ser conjunto um dever n o ser disjunto Greimas e Fontanile 1993 p 129 109 propriamente dito se acompanhasse de intimidade mais estreita com a zona energ tica onde nasceria a paix o Greimas e Fontanille 1993 p 24 No in cio de toda hist ria assim tudo se resume de fato a for as de atra o e de repuls o a oscila es tensivas como se disse a atra o que caracterizar por exemplo o sujeito desejante e o objeto desejado a repuls o que tornar o objeto repugnante Mira y L pez fala inclusive em magna for a de rec proca atra o Mira y L pez
253. lo tra o aspectual da terminatividade que traduz a categoria tensivo f rica da parada da continua o A carta de manuten o do elo por fim dominada pelos valores da continuidade os sujeitos envidam esfor os para preservar a continua o da continua o marcando a rela o pela duratividade 113 2 3 Os modos de exist ncia do sujeito amoroso a plenitude e a vacuidade Despeje a sua preciosa ess ncia da vida dentro da minha e deixe me esquecer que n o tenho lar nem pa s Se tenho voc tenho o Mundo Que mais desejar Emma Goldman a Ben Reitman In Orsini 1999 p 61 Agora me sinto completamente arrasado sinto que nada mais haver nunca N o h vida sem voc Tudo tudo o que me dava prazer perdeu valor e me repugna Maiakovski a Lili Brik In Orsini 1999 p 232 Consoante foi exposto no t pico anterior a abordagem da tensividade f rica mostra que ela de fato est presente em todos os n veis de sentido do discurso apresentando um teor aspectual que confere maior possibilidade de explora o do conceito de foria No providencial entendimento de Tatit como se o plano modal mais abstrato que o actancial considerando se o desdobramento do n vel narrativo nesses dois planos operasse como ponte para a transfer ncia dos valores tensivos ao universo das opera es actanciais Tatit 2001 p 21 at chegar ao n vel discursivo Vale lembrar que em Acontece a ondu
254. lta o sentimento de falta e paix es como a ansiedade o ci me e a saudade que caracterizam o sujeito amoroso como um sujeito inquieto a carta opera de certo modo como um estabilizador pat mico o efeito de presen a atua como uma esp cie de lenitivo podendo fazer o sujeito se deslocar para a posi o de plenitude no p ndulo do amor Em outros termos a san o cognitiva de uma falta desencadeia uma manipula o reflexiva que leva o sujeito eu a querer escrever a partida do voc desencadeia na esfera do sujeito priva es que lhe consomem a resist ncia e o levam a querer realizar uma a o reparadora Tatit 2001 p 174 Dessa forma o sujeito que quer ser mas n o pode ser em raz o da dist ncia busca pela escrita fazer ser a rela o apesar da disjun o pragm tica numa esp cie de trapa a discursiva no modo do parecer o sujeito se coloca diante do ausente colocando o ausente diante de si o que resulta num efeito de conjun o que produz um al vio na dor da falta restabelecendo de carta maneira o cont nuo anterior parada De acordo com Barthes Bem posso imaginar procedimentos para obter a circunscri o de meus prazeres converter a raridade dos encontros maneira epicurista ou ainda considerar o 139 Quando se fala aqui em fazer ser trata se n o da segi ncia narrativa do amor mas da segii ncia narrativa da enuncia o do sujeito amoroso que reconstr i
255. lugar de outro que ru dos prejudiquem a comunica o entre os especialistas O termo g nero por exemplo no l xico comum poliss mico podendo fazer refer ncia a distintos objetos abarcando diferentes sentidos pode significar o todo que engloba a parte esp cie pode referir se ao eixo sem ntico da sexualidade articulando os termos masculino e feminino pode indicar produto mercadoria etc No l xico especializado dos estudos ling sticos todavia o termo passa por um processo de restri o sem ntica para especializar se como termo particular de uma rea de conhecimento deve perder tra os de sentido do l xico comum adquirindo outros tra os na configura o te rica em que se inscreve No campo dos estudos de morfossintaxe a saber quando se diz que o substantivo uma classe gramatical que apresenta flex o de g nero o termo indica uma categoria gramatical que repousa sobre a reparti o dos nomes em classes nominais em fun o de um certo n mero de propriedades formais que se manifestam pela refer ncia pronominal pela concord ncia do adjetivo ou do verbo e por afixos nominais prefixos sufixos ou desin ncias casuais Assim conforme esses tr s crit rios definem se em portugu s duas classes os masculinos e os femininos Dubois et alii 2001 p 302 No territ rio dos estudos discursivos e textuais em contrapartida o termo g nero definido de modo diverso
256. m Anna Maria diante da inseguran a que a figura da rival provoca prop e a ruptura Em carta de 18 de fevereiro de 1952 assim se despede Seja feliz se voc ainda o puder o que lhe desejo de todo o cora o e em nome de tudo que voc foi para mim at h alguns momentos Martins 2003 p 149 180 O terceiro per odo por fim integrado apenas por cartas de Anna Maria Trata se de cartas de restabelecimento do elo existencial no quadro de ruptura os amantes tentam uma reconcilia o uma vez que apesar dos contratempos enfrentados respons veis pela disjun o o apego subsiste a ela O t pico a seguir contextualiza em termos sum rios esse tri ngulo amoroso dando not cia dos atores que o protagonizaram 3 3 Tarsila do Amaral Lu s Martins e Anna Maria Martins os v rtices do tri ngulo amoroso A dificuldade amorosa consiste nisto Mostrem me a quem desejar mas depois caiam fora in meros epis dios em que me apaixono por quem amado pelo meu melhor amigo todo rival foi inicialmente mestre guia exibidor mediador Barthes 2003 p 222 Considerando que a preocupa o aqui deslindar a constru o dos atores da epistolografia amorosa na perspectiva da concretiza o de sentido que lhes assegura identidade particularizando os n o demais lembrar como ensina o Dicion rio de Semi tica que a individua o de um ator marca se fregiientemente pela atribui o de
257. m contrato espec fico pelo ritual que define nos termos de Bakhtin como foi visto h tantos g neros quanto rituais sociais isto esferas da atividade humana cenas espec ficas de enuncia o Ali s a cena da enuncia o integra tr s tipos de cena a cena englobante a cena gen rica e a cenografia A defini o de cada categoria a seguinte Cena Englobante est ligada id ia de esferas de circula o conceito como foi dito no item 1 3 mais abrangente do que g nero uma vez que distintos g neros podem integrar a mesma cena englobante A carta por exemplo pode circular em esferas 54 diferentes como a esfera do discurso amoroso a esfera do discurso comercial a esfera do discurso oficial etc Cena Gen rica associa se id ia de contrato de institui o discursiva portanto aqui se fala em regras de forma o em leis de funcionamento mais espec ficas as da cena englobante seriam as leis mais gerais de funcionamento discursivo Ex editorial serm o carta de amor carta comercial Cenografia n o imposta pelo g nero mas se constitui pelas rela es estabelecidas no pr prio texto Ex um serm o pode ser enunciado atrav s de uma cenografia professoral prof tica etc No caso das cartas comerciais por exemplo nota se que elas se conformam a uma rotina de uma cena gen rica fixa Trata se dos g neros fortemente estabilizados padroniza
258. m lia Foi pena voc contar isso a ela motivo para mais intrigas Martins 2003 p 184 21 Anna Maria ent o passa a assinar Martins O sobrenome comum outra forma de traduzir antroponimicamente a no o de fus o dos sujeitos apaixonados os dois atores est o sincretizados no mesmo nome que passa a ser a identidade do casal O primeiro nome assim que torna resol vel o sincretismo restituindo a identidade de cada uma das partes Recorrendo no o de totalidade e parte o sobrenome remete ao totus o primeiro nome ao unus O totus sup e o mais de um mas considerado do ponto de vista da semelhan a que implica um efeito de unidade unus Discini 2003a p 34 O unus a grandeza discreta distinta de tudo aquilo que ela n o Discini 2003a p 34 186 A fam lia op s se tenaz e intransigentemente ao nosso casamento N o sei quais as raz es dessa obstinada oposi o pois nunca foram reveladas Algumas entretanto posso adivinhar em primeiro lugar a minha duradoura e p blica liga o com Tarsila parenta pr xima de Anna Maria em segundo a fama de bo mio que eu tinha justificada diga se a verdade em terceiro a diferen a de idades Anna Maria 18 anos mais mo a do que eu Martins 2003 p 103 Antes Anna Maria ainda assinava Coelho de Freitas Coelho herdara do pai Freitas era o nome do primeiro marido falecido em 194428 Anna Maria descrita
259. m p nis se em um caso o sujeito amoroso valoriza mais o sentimento mostrando se como rom ntico delicado sutil noutro valoriza mais o sexo manifestando se como libidinoso grosseiro direto O modo de dizer ent o est diretamente relacionado com o modo de ser Se Tarsila retratada metonimicamente pelo cora o Mignon retratado metonimicamente pelo contorno do seu pau trata se portanto de dois modos de presen a no mundo 200 Trata se na verdade de um artif cio discursivo de uma ilus o enunciativa denunciada por um procedimento da sintaxe discursiva sendo imposs vel elidir de fato a dist ncia espacial que separa os amantes ou seja sendo imposs vel que o interlocutor se envie efetivamente ao interlocut rio a primeira pessoa sintomaticamente substitu da pela terceira enviando se ele o cora o em lugar do eu de quem o rg o parte integrante Isso fica claro particularmente neste trecho Esperando novas not cias envio meu cora o cheio de saudades Martins 2003 p 60 Uma poss vel par frase seria a seguinte Como n o posso estar a envio meu cora o como se assim enviasse a mim mesma e ent o pud ssemos ficar novamente juntos Mas isso na verdade apenas um lenitivo uma vez que continuo aqui espera de not cias logo sem voc importante ressaltar ent o que o thos se manifesta nesse caso n o s na escolha lexical mas tamb m no uso
260. m se o mesmo car ter o mesmo tom de voz o mesmo corpo O thos n o exclusivista n o possessivo compreensivo de Tarsila no quadro de manuten o do elo por exemplo se homologa com o thos resignado que renuncia ao objeto de desejo na atmosfera da ruptura O thos equilibrado marcado pela justa medida na vig ncia da rela o compatibiliza se com o thos sereno que modula o tom de voz dela no momento da separa o O thos benevolente tamb m o mesmo nos dois momentos a rela o entre Tarsila e Lu s nunca deixou de ser orientada pelo querer fazer bem Posto isso verificam se nos dois momentos recorr ncias que constroem um mesmo modo de ser const ncias que caracterizam um mesmo modo de presen a no mundo Elas levam depreens o do thos do ator da enuncia o marcado por um tom de voz baixo por um car ter equilibrado e benevolente e por um corpo ereto altivo forte que jamais se curvou diante dos contratempos da hist ria amorosa Ali s esse simulacro corporal de altivez essa postura corporal t pica do sujeito que tem a dignidade como valor euf rico que se nota n o s na maneira de Tarsila se construir verbalmente mas tamb m no modo de se enunciar visualmente Seu auto retrato que abre este cap tulo a pr pria imagem da 20 Tarsila alude explicitamente a essa for a na seguinte passagem da carta de 3 de mar o de 1952 Escreva me Lu s pode queixar se e abrir seu cora o como v
261. mente pela retrospec o um fazer cognitivo que pode levar o sujeito a uma manipula o reflexiva tentando assim reparar a situa o sancionada negativamente o sujeito n o queria n o ter feito sentindo se culpado e desejando ent o fazer o que n o fez Como diz a cr nica Fim de romance a que Anna Martins sintomaticamente se refere o amor passa por cima de todas as coisas quotidianas e burlescas ou sagradas e inviol veis Martins 2003 p 221 O desfecho dessa hist ria de amor assim traduzido por Lu s Martins Em mar o voltei a S o Paulo Separado de Tarsila aluguei um pequeno apartamento de sala quarto banheiro e cozinha na rua Vitorino Carmilo na Barra Funda N o 237 tinha elevador garagem nem quarto de empregada Nele morava quando me casei com Anna Maria no dia 8 de setembro de 1952 Martins 2003 p 223 Com base nesse trecho a ltima carta de Anna que no modo do parecer cria a impress o de reafirmar o quadro de ruptura no modo do ser aponta para o desejo de restabelecimento do elo A respeito disso sintom tico o fecho de despedida Todo o carinho e o amor da sua Anna Maria Martins 2003 p 219 Apesar de essa ltima carta de Anna datada de 31 de maio de 1952 n o apresentar explicitamente o desejo de reatar o la o a despedida marcada pelo tom afetuoso permite entrever o que de fato se deu como explicitou a carta de Lu s Martins datada de 8 de setembr
262. mento do g nero por fim ser o deslindadas tr s categorias a estrutura composicional a tem tica e o estilo Examinar se o mais de perto as categorias estrutura composicional e estilo das cartas em geral e das cartas de amor em particular Considerando a carta como hiper nimo e a carta de amor como hip nimo no cap tulo 2 pretende se proceder a uma abordagem hipon mica contemplando todos os n veis do percurso gerativo de sentido das cartas de amor desde o n vel tensivo at o discursivo segundo o modelo desenvolvido por Greimas Entende se como sugere a lexia carta de amor que dois n veis narrativos se sobrep em na caracteriza o desse modo de ser gen rico como carta realiza se no n vel narrativo da escrita como de amor no n vel narrativo da vida Este cap tulo investigar quatro movimentos b sicos da narrativa epistolar amorosa o estabelecimento a manuten o a ruptura e o restabelecimento do elo existencial entre os sujeitos amorosos Dessa forma visa ele a explicar a tem tica da carta de amor O corpus de an lise dos cap tulos 1 e 2 formado de modo bastante heterog neo com exemplares representativos de distintos lugares e momentos hist ricos Quanto s ancoragens espaciais h correspondentes no M xico cartas de Frida Kahlo a Diego Rivera na Fran a cartas de Napole o a Josefina na Inglaterra cartas de John Keats a Fanny Brawne e no Brasil cartas de Nelson Rodrigu
263. mizade como se depreende das palavras da pr pria Tarsila de natureza distinta da do amor presente na vida do casal Comentando uma conversa entre duas pessoas da fam lia diz em carta de 29 de fevereiro de 1952 Mostrei antes do telefonema a Liloca a c pia da carta que lhe mandei e ela disse Acho que essa carta t o carinhosa s vem provar os bons sentimentos do Lu s pois ele seria at desumano se n o conservasse por voc uma amizade profunda depois de tantos anos de conviv ncia Ouvi o que ela disse a Marieta afirmando que ela Liloca nunca pensou que voc iria ser meu amante coisa que Tarsila n o aceitaria e que viria a depor contra a dignidade dela E insistiu em dizer que sua carta era de profunda amizade e sofrimento pela separa o e comentou que amizade n o era amor Martins 2003 p 169 Tarsila citando a cunhada Liloca concorda com ela a respeito da id ia de que amizade n o amor ou melhor dizendo que amizade outro tipo de amor O amor entre 2 268 as amigos por exemplo desinteressado O carinho entre amigos n o opera como programa de uso tendo por programa de base o prazer sexual por exemplo o carinho um fim em si mesmo e n o um meio para atingir algo Outro tra o que distinguiria o amor entre amantes do amor entre amigos de ordem aspectual a amizade marcada pela duratividade o amor pontual Isso permite inferir que na rela o entre Tarsila e Lu s
264. mo a grandiloqii ncia teatral indecorosa na carta familiar Este ali s prossegue P cora seguindo a Quintiliano prop e que o melhor estilo sempre o que mais se adapta 5l Vale dizer que isso depende da cenografia constru da da rela o do sujeito com a situa o de ruptura pode se por exemplo construir uma cenografia em se desenhe um sujeito inconformado e exaltado com a separa o um sujeito col rico que deseja vingan a etc 5 Importante deixar claro que o estilo fundamental para a caracteriza o do g nero na concep o de estilo do g nero em que se focaliza a cena gen rica n o a cenografia 64 mat ria tempo lugar e p blico P cora 2001 p 23 25 Um thos formal s rio sisudo grandilogiiente incompat vel com as determina es do g nero carta de amor estilo repelido pelas coer es de g nero aqui se percebem um pouco melhor as rela es entre thos e g nero Retomando a rela o amorosa entre Apollinaire e Madeleine quando o objeto de desejo do poeta deixa de ser euf rico conjun o com o objeto valor passando a n o euf rico n o conjun o para terminar disf rico disjun o na ruptura com Madeleine percebe se a transforma o de um estado inicial de relaxamento de crer ser para o estado de tens o do crer n o ser para ele desaparece o querer ser para ela n
265. mpre no sentido sagrado um programa que deve ser cumprido 2003 p 134 Sendo uma hist ria o amor se desenvolve se transforma cada momento da narrativa amorosa uma parte dessa hist ria O fato de os sujeitos se conhecerem e de se estabelecer entre eles um elo n o garantia de sua manuten o o la o que se quer indissol vel pode romper se Isso significa que do mesmo modo que o amor pode durar a vida toda pode tamb m terminar A for a de atra o pode assim mudar de natureza transmudando se em repuls o o que era desejo ent o pode transformar se em avers o O sujeito antes movido pelo querer ser passa a ser movido pelo querer n o ser colocando em xeque seu papel de amante O tema da dissolu o amorosa da ruptura do elo tratado por Orsini no cap tulo sintomaticamente intitulado O dif cil adeus Conforme o dicion rio Houaiss a palavra adeus significa express o empregada como sinal de despedida geralmente quando se espera separa o longa ou definitiva indicando separa o f sica Em termos semi ticos 122 Essa id ia trabalhada por Marilena Chau nos seguintes termos Se como amor o desejo se al a plenitude como desejo o amor cada vez mais sospirar lamento nsia nostalgia e vem depositar nessa palavra que apenas a l ngua portuguesa teve o engenho e a arte de inventar saudade Chau 2002 p 23 103 trata se da disjun
266. mulacro que Anna constr i de Tarsila compat vel com a imagem que a pintora constr i de si mesma Tarsila compreensiva Por oposi o Anna revela um car ter n o marcado por esse tra o de sentido Na verdade no enunciado est dito que uma mais compreensiva que a outra portanto n o se trataria da presen a ou da aus ncia do tra o de sentido mas apenas de um problema de intensidade do valor Considerando que uma constru o ir nica contudo como se na enuncia o Anna dissesse o seguinte Se ser compreensiva concordar em repartir voc com outras ent o eu n o sou compreensiva Isso fica evidente quando escreve Eu jamais poderia mostrando se esvaziada do poder necess rio para o fazer interpretativo positivo que se traduz como o ato de compreender a situa o de n o exclusividade Essa situa o ali s traz outro elemento importante para a an lise da imagem que Anna veicula de si mesma Ao dizer Tenho do Amor e da Dignidade no es bem diferentes o interlocutor revela outro quadro axiol gico em que a categoria amor por exemplo marcada por outros tra os de sentido como o da exclusividade Para Anna assim a rela o de possess o do objeto de desejo marcada pela n o partitividade deste o apego intenso e exclusivo Isso tamb m fica evidente na carta de 16 de fevereiro de 1952 ainda no quadro de manuten o do elo existencial meu amor absolut
267. na os estilos individuais dos atores da enuncia o 252 Essas s o as contribui es centrais que a presente disserta o oferece ao desenvolvimento da teoria semi tica considerando sobretudo a necessidade de estabelecer em termos mais precisos as rela es entre g nero e estilo Al m disso o trabalho aponta possibilidades para o tratamento da paix o amorosa atuando tamb m como uma esp cie de ensaio semi tico sobre o amor Como palavras finais fica o desejo manifesto de que estas conclus es orientadas pelas no es de abertura dial gica e inacabamento de princ pio possam servir de apoio para outras reflex es como t mido elo na cadeia da pesquisa acad mica Seria mais apropriado assim retomar como fecho a curiosa express o latina inscrita no final das obras inacabadas Reliqua desiderantur 253 BIBLIOGRAFIA AGOSTINHO Santo 1948 Confiss es Porto Lello Livro XI ALVES Rubem 1992 O Retorno e Terno Campinas Papirus Editora AMOSSY Ruth org 1999 Images de soi dans le discours la construction de V thos Laussane Delachaux et Niestl ARA JO Emanuel 2000 Cat logo da exposi o Almeida J nior um artista revisitado S o Paulo Pinacoteca AUTHIER REVUZ Jacqueline 1982 H t rog n it montr e et h t rog n it constitutive elements pour un appoche de l autre dans le discours Drlav 26 Paris Centre de Recherche de l Universit de Paris
268. nada Muito me fazes sofrer Amo te muito Espero que ainda venhas a gostar de mim um pouco Ramos 1996 p 33 34 Assim a incoatividade apresenta uma natureza distinta em cada configura o nas cartas de estabelecimento marca o in cio do processo nas cartas de restabelecimento o rein cio da rela o Trata se neste caso de uma incoatividade marcada pela iteratividade z como sugere o prefixo re em outros termos o objetivo come ar de novo refazendo o elo repetindo a conjun o Um bom exemplo de carta de restabelecimento o texto Apelo de Dalton Trevisan Apesar de essas configura es tamb m serem semelhantes das cartas de manuten o do elo aqui a disjun o apresenta particularidades diferente por exemplo da disjun o que se verifica nas cartas de estabelecimento uma vez que nestas n o havia conjun o anterior a hist ria amorosa pois deve come ar diferente da que se observa nas cartas de restabelecimento porque nestas a rela o entre sujeito e objeto aspectualizada pela incoatividade com marca de iteratividade a hist ria de amor ent o deve recome ar como a an lise de Apelo exemplificou diferente tamb m da que ocorre nas cartas de ruptura em que a disjun o o ponto terminal da rela o a hist ria deve acabar Na carta de Maiakovski a Lili Brik por exemplo o trecho sinto que nada mais haver nunca Orsini 1999 p 232 pode ser parafrasea
269. nar Mas por outro lado digo me os sinais dessa paix o podem sufocar o outro N o seria necess rio ent o precisamente porque o amo esconder lhe o quanto o amo Vejo o outro com um olhar duplo ora o vejo como objeto ora como sujeito hesito entre a tirania e a obla o Barthes 2003 p 152 O ator da enuncia o Tarsila nessa linha recorre encena o linguageira para evitar a cria o de um efeito de presen a que possa ser incorporado pelo interlocut rio como excessivo O thos se manifesta assim como parcimonioso buscando a justa medida do afeto a dist ncia ideal do amado doce sem ser meloso carinhoso sem ser sufocante atencioso sem ser inquisidor Trata se de um thos ent o que se caracteriza 235 a procura de uma dura o satisfat ria ou de uma dist ncia ideal do objeto constitui no nosso entender a pedra de toque da configura o do ser passional ou seja do ser completo que se sente mobilizado emocionalmente diante dos objetos de desejo Tatit 1998 p 55 236 No abismo actancial numa perspectiva o sujeito submete a si o objeto noutra submetido a ele como j se disse aquele que ama foi capturado na malha do desejo ou aspira a capturar algu m Orsini 1999 p 19 202 pelo tra o da aus ncia n o h no enunciado por exemplo as marcas de enuncia o t picas do sujeito caracterizado pelo excesso como adjetivos acentuadame
270. nar por exemplo n o s a presen a de outros g neros na constitui o da carta mas tamb m a presen a desta na constitui o de outros g neros Sobre isso interessante a seguinte reflex o de Bazerman que ressalta tamb m o car ter din mico das entidades s cio discursivas Ao longo dos anos v rias vezes durante minhas pesquisas notei que as cartas desempenharam um papel no surgimento de g neros distintos o primeiro artigo cient fico emergindo da correspond ncia de Henry Oldenburg o primeiro editor das Philosofic transactions of the Royal Society a patente originalmente conhecida como carta de patente o relat rio dos acionistas evoluindo das cartas aos acionistas e os relat rios internos das empresas e as formas de registros regularizando correspond ncias internas das empresas medida que continuei a pensar na id ia de cartas tendo um papel especial na forma o de g neros muitos outros exemplos de g neros com liga es fortes com a correspond ncia me chamaram a aten o incluindo jornais e outros peri dicos instrumentos financeiros tais como letras de c mbio e cartas de cr dito livros do Novo testamento enc clicas papais e romances A carta com sua comunica o direta entre dois indiv duos dentro de uma rela o espec fica em circunst ncias espec ficas parece ser um meio flex vel no qual muitas das fun es rela es e pr ticas institucionais podem se desenvolver torna
271. ncher esse vazio que a motiva construindo o corpo ausente Landowski 2002 p 168 158 Do ponto de vista da tematiza o conforme se apontou no cap tulo 1 a carta comercial opera com temas ligados s rela es intersubjetivas estabelecidas no dom nio do com rcio os interlocutores trocam informa es sobre produtos sobre transa es financeiras enfim sobre a rotina de trabalho na esfera de circula o das rela es comerciais Seguindo Landowski esse g nero de correspond ncia enquanto discurso debreado limita se a relacionar as figuras actoriais do expedidor e do receptor objetivando na perspectiva de um fazer puramente enuncivo e de car ter informativo a dist ncia que para comunicar os leva ou at os obriga a se escrever transitivamente um ao outro Landowski 2002 p 174 Segundo foi poss vel constatar sobretudo no exame das cartas de manuten o do elo amoroso o interlocutor cria por meio da escrita epistolar o efeito de presen a com o objetivo de atenuar a falta provocada pela disjun o pragm tica num movimento de aproxima o do ausente A tematiza o da aus ncia sentida afetivamente um dos fatores que op em no n vel discursivo a carta de amor comercial exemplificada neste trecho de uma carta de Kafka a Milena Mando te a carta como se assim pudesse conseguir que estejas especialmente pr xima de mim Kafka 2000 p 65 O interlocutor dessa forma em s
272. nd 2003 p 364 aquele realiza a assun o do discurso que se estabelece na plenitude do julgamento Bertrand 2003 p 365 Nessa perspectiva o sujeito cognitivo rasgava o que o sujeito passional escrevia o que era afirmado no calor da emo o era negado na plenitude do julgamento Se no primeiro per odo o thos do ator da enuncia o Tarsila se manifesta discreto equilibrado no quadro de manuten o do elo existencial resta examinar como se revela no segundo per odo no quadro da ruptura potencial O que interessa considerando os distintos contextos em que se desenvolvem os contornos passionais verificar se ocorre ou n o uma transmuta o desse thos ou seja se a mesma ou outra voz que fala A primeira carta do segundo per odo da rela o ancorada em 8 de dezembro de 1951 diz o seguinte Lu s estou com um espinho no cora o Preciso dar a voc uma explica o e para n o ser interrompida acho melhor escrever Passei um ano ou pouco menos no mesmo estado de esp rito em que hoje voc se acha uma ang stia que eu sei como d i Nesse tempo o C ndido fez me ver como amigo que eu estava errada dizendo O Lu s Martins muito mo o para voc Agora as coisas v o bem mas o tempo 23 Aqui mais uma vez importante notar que ao dar a conhecer a Lu s que rasgou as cartas Tarsila constr i uma imagem de si marcada pelo comedimento essa imagem que ela deseja que seja incorp
273. ndo apresentada por um estado conjun o de fato ou por uma busca conjun o dist ncia s o manifesta es da incid ncia de uma continuidade frequentemente associada a valores euf ricos selecionada em n vel profundo sobre as intera es subjetais entre destinador e destinat rio e objetais entre sujeito e objeto Tatit 2001 p 24 152 Ali s como exemplo de carta de manuten o vale examinar um trecho de uma carta do pintor Milton Dacosta sua esposa a pintora Maria Leontina Essa necessidade de conversar com voc Nunca pensei ou por outra n o calculava apesar de intang vel que iria sentir falta de minha Maria N o quero escrever mais cartas quero ir para junto de Maria Orsini 1999 p 187 A rela o entre o sujeito de estado e o objeto modalizada pelo dever ser no o explicitada pelo emprego do lexema necessidade que inclusive a denomina o semi tica da categoria modal Esse apego intenso do sujeito com o objeto explicitado no seguinte trecho de uma carta de Machado de Assis a Carolina Xavier de Novais Diz a Sta l que os amores mais fortes s o os que nascem simplesmente da necessidade de amar Orsini 1999 p 36 A carta de manuten o assim apresenta se como uma escrita da falta 1 Em outros termos o sujeito quer a conjun o de fato com o objeto aspira sua presen a real mas como ela imposs vel uma vez que a dist ncia modal
274. ndo e sentir amos um espinho no cora o Martins 2003 p 144 Nota se na escolha das palavras a constru o da cenografia da dor espinho no cora o enterram feridas sofrendo etc Trata se dessa forma de uma imagem recorrente que sugere um movimento de descontinuidade de parada de interrup o da continuidade da rela o o espinho traduz a no o aspectual de pontualidade recobrindo o tema do estado terminal da rela o A figura do espinho revela nesse contexto a oscila o pat mica da satisfa o para a insatisfa o do relaxamento da presen a para a tens o da falta o interlocutor tenta fazer o interlocut rio visualizar a profundidade da dor causada pela ruptura N o toa Tarsila diz Passei um ano ou pouco menos no mesmo estado de esp rito em que hoje voc se acha uma ang stia que eu sei como doi Martins 2003 p 109 Quanto escolha do g nero como forma de intera o entre os sujeitos nota se uma diferen a entre esta carta e as de manuten o do elo se antes a carta era uma forma de manter mesmo dist ncia o elo entre os amantes uma vez que a separa o f sica os impedia de estar frente a frente no quadro de ruptura os dois podiam conversar face a face 7 Sobre a tentativa de traduzir ao outro a dor sentida Barthes lembra o seguinte O que bloqueia a escrita amorosa a ilus o de expressividade escritor ou considerando me tal continuo a me e
275. ndo novos usos socialmente intelig veis enquanto permite que a forma de comunica o caminhe em novas dire es Bazerman 2005 p 83 Outro elemento que dificulta o reconhecimento do g nero isto a defini o de seu estatuto a pluralidade de correntes te ricas com distintas propostas de aproxima o do objeto A respeito disso providencial lembrar Bronckart Os g neros de textos continuam sendo entidades profundamente vagas as m ltiplas classifica es existentes s o divergentes e parciais e nenhuma delas pode ser considerada como um modelo de refer ncia estabilizado e coerente Essa diversidade de classifica o deve se primeiramente diversidade de crit rios que podem ser legitimamente utilizados para definir um g nero crit rios referentes ao tipo de 33 atividade humana implicada g nero liter rio cient fico jornal stico etc crit rios centrados no efeito comunicativo visado g nero pico po tico l rico mim tico etc crit rios referentes ao conte do tem tico abordado fic o cient fica romance policial receita de cozinha etc Al m disso muitos outros crit rios s o ainda poss veis Bronckart 2003 p 73 Apesar do car ter din mico da heterogeneidade dos g neros da diversidade de crit rios de classifica o fatores que dificultam o trabalho do analista na maioria das defini es do estatuto do g nero verificam se presentes dois pressupostos b s
276. nganar sobre os efeitos da linguagem ignoro que a palavra sofrimento n o exprime nenhum sofrimento Barthes 2003 p 159 248 De acordo com Barthes o interlocutor aqui parece se enganar ignorando que jamais poderia ter acesso dor do interlocut rio n o podendo tamb m de modo correlato traduzir lhe a dor sentida Essa no o bem ilustrada na seguinte passagem da can o De mais ningu m de Arnaldo Antunes e Marisa Monte Se ela me deixou a dor minha s n o de mais ningu m Aos outros eu devolvo a d eu tenho a minha dor Se ela preferiu ficar sozinha ou j tem um outro bem Se ela me deixou a dor minha a dor de quem tem gravada no disco Cor de rosa e carv o de Marisa Monte 1994 isso que se percebe tamb m nas seguintes palavras de Lu s Martins Receio bem que voc nunca venha a imaginar o que na realidade sofri E o que estou sofrendo Martins 2003 p 159 208 considerando que n o havia disjun o espacial Esse dado tornaria em tese desnecess ria a intera o epistolar Na conversa o face a face contudo a intera o marcada por interrup es por 20 a carta se justifica assim n o pela dist ncia pragm tica constantes mudan as de turno mas pelo desejo de dizer tudo num s f lego Como diz explicitamente Tarsila justificando a escolha do g nero para estabelecer a comunica o com Lu s Preciso dar a voc uma explica o e
277. ngueneau de que o peso do thos varia em fun o dos g neros de discurso il est clair que le discours philosophique accorde a priori un role moindre I thos que les discours literaire politique ou publicitaire Maingueneau 1999 p 82 Da mesma forma o thos tem um peso diferente na carta de amor e na carta comercial hipertrofiado na primeira atrofiado na segunda em cada qual circulam distintos simulacros Isso n o significa que n o haja um thos no g nero e um thos na epistolografia de um autor mas quer dizer que nos g neros mais estereotipados o nico thos que importa o do g nero enquanto nos g neros mais flex veis ganham relevo tanto o thos do g nero quanto o da cenografia 5 Como alerta Norma Discini H muito o que ser feito para que se estenda o papel dos g neros na constru o do estilo Discini 2003a p 113 56 Na exemplar an lise dos heter nimos de Fernando Pessoa Discini ensina o percurso de constru o do thos j desde a timia fundamental 2003a p 76 para atingir a aspectualiza o discursiva e o modo de ser dos actantes mostrando assim de que maneira para a constru o dos estilos variados Pessoa projeta diferentes sujeitos cada qual com um sistema de atra es e repuls es que euforizando ou disforizando o mundo percept vel demonstra um modo de se inscrever nesse mundo e de faz lo significar 2003a p 81 a partir desses pressupostos que a aut
278. ngustiado quer o voc real A carta constr i assim o corpo de papel que serve de lenitivo consolo para a falta do corpo de carne a imagem do outro a figura que concretiza o tema da presen a Tua imagem tua alma est o em mim como na presen a No entendimento de Denis Bertrand como se o sujeito passional amoroso se esfor asse por saturar todos os lugares explorar todos os percursos e para eliminar os vazios que mostram as faltas exaurir as figuras emocionais no momento em que elas surgissem no seu discurso Bertand 2003 p 388 170 O sujeito do julgamento no caso controla o sujeito passional Bertrand 2003 p 384 162 Em certos casos nesse esfor o por saturar todos os lugares chega inclusive a ocorrer uma esp cie de sincretismo entre esses dois corpos constituindo a carta e o amante uma s entidade conforme se v nesta outra carta de Machado de Assis a Carolina Xavier de Novais Eu te apare o em tudo e em toda parte ent o certo que ocupo o teu pensamento e a tua vida Faltam quatro dias daqui a quatro dias ter s a melhor carta que eu te poderia mandar que minha pessoa Orsini 1999 p 38 Nas palavras de Elizabeth Orsini se uma carta pressup e alguma dist ncia f sica natural que o corpo seja o tema A preferido dos amantes afastados Meu corpo quer voc escrevia Frida Kahlo a Diego Rivera meu corpo esse azar o mutil
279. nica es com a inform tica parece estar tornando a carta escrita m o uma forma de comunica o inadequada s necessidades impostas pelos novos tempos Para os interessados em cartas pessoais existe um outro problema o acesso a elas no mercado editorial suposta a exist ncia de um acervo de cartas t o volumoso quanto rico em arquivos pessoais que est o sob a guarda de particulares ou de institui es p blicas preciso considerar que as editoras s o apenas a ponta final do circuito de acesso a cartas pessoais Na base est o procedimento de preserva o do material por remetentes destinat rios ou terceiros limitando a preserva o da correspond ncia antes mesmo que o colecionador possa intervir Lemos 2004 p 9 10 15 0 1 Por que estudar cartas Odeio cartas Mas n o s por isso Odeio escrever cartas Mas n o s por isso Odeio receber cartas Mas n o s por isso s cartas come o por preferir o tel grafo Mais r pido mais conciso permitindo at criar novos c digos de escrita primeiro o Morse e depois uma estrutura sint tica provocada pela necessidade econ mica de poupar palavras Nos telegramas pouco h de ficcional mas sim h muito da fun o po tica na conten o vocabular na forte substantiva o Ao tel grafo e ao telex prefiro o telefone Ao telefone prefiro o fax que embora recupere um pouco da escritura tradicional das cartas o faz de um modo muito mais
280. nifesta no seguinte trecho de uma carta de Visconde de Valmont para Madame de Tourvel assim que eu quero me vingar do ex lio ao qual me condena Nunca tive tanto prazer em escrever lhe Nunca senti nesta ocupa o uma emo o t o doce e no entanto t o viva Tudo parece aumentar meu enlevo o ar que respiro pleno de vol pia a pr pria mesa sobre a qual eu lhe escrevo consagrada pela primeira vez a este uso torna se para mim o altar sagrado do amor Orsini 1999 p 48 140 ESCREVER Engodos debates e impasses provocados pelo desejo de exprimir o sentimento amoroso numa cria o particularmente de escrita Barthes 2003 p 157 41 preciso levar a s rio as met foras da l ngua cotidiana e tomar os sentidos figurados como os mais significativos Greimas e Fontanille 1993 p 186 142 O amor adquire um estatuto no discurso este trabalho n o procura a ontologia do amor 131 A atividade da escrita epistolar aqui um tema em que se manifesta o valor da 43 2 E 2 parada da parada por meio da perf rmance enunciativa o sujeito tenta remediar a aus ncia criando no modo do parecer a presen a que o coloca novamente no cont nuo da rela o amorosa A estaticidade ent o converte se em dinamicidade a falta se converte em 14 Doup 1 e o ar que respiro plenitude como sugerem respectivamente as passagens t o viva pleno A escrita um dos proced
281. njuntiva que transmite ao outro um saber fazer isto um procedimento de como agir para evitar que outros saibam sobre a rela o mantida no modo do segredo Se o outro contudo tivesse feito o que a injun o lhe imp s isso teria impedido o acesso do pesquisador ao cora o dos amantes de acordo com o que foi dito no t pico 3 2 227 gua Imagino o que voc tem passado meu querido e por isso n o vejo a hora de estar perto de voc s vezes tenho vontade de contar tudo a papai mas ao mesmo tempo tenho muito medo Acho mesmo que seria loucura faz lo porque no p em que est o as coisas qualquer complica o transtornaria tudo Tenho medo tamb m de que descubram qualquer coisa Tenha calma coragem se Deus quiser tudo acabar bem Um beijo e todo o amor da sua Anna Maria Martins 2003 p 137 A rela o mantida em segredo evidente quando Anna fala na preocupa o em magoar Tarsila em manter os pais margem da hist ria o interlocutor revela um quadro de oscila o pat mica no p ndulo do amor proibido em que alterna da posi o de desejo de contar a verdade e o medo de revel la Ao dizer se desesperada por tudo descontrolada constr i uma imagem de si bem diversa da constru da por Tarsila sobre si mesma cria um simulacro de instabilidade de inseguran a de fragilidade O que diz no enunciado nessa linha mostra na enuncia o como comprovaram as an lises dos empre
282. no enunciado o corpo do ausente reconstruindo se tamb m para ele Como sugere a carta de Rui Barbosa Tua imagem tua alma est o em mim como na presen a Orsini 1999 p 112 130 outro como perdido e consegiientemente experimentar a cada vez que ele retorna o al vio de uma ressurrei o trabalho perdido a mis ria do amor indissol vel Barthes p 64 Escrever segundo o texto provoca prazer produz al vio Mas n o se pode esquecer de que tudo n o passa de uma ilus o de uma trapa a discursiva a mis ria do amor indissol vel De toda forma recorrendo a uma express o corrente no senso comum o efeito de presen a criado no discurso como uma tentativa de matar as saudades 7 142 5 A sendo isso o que interessa o espectro do objeto parece ent o se concretizar diante do sujeito Recorrendo novamente a Barthes Essa empresa deve reconhecer os lugares os subconjuntos do conjunto adverso quer dizer detalhar a imagem do outro em pontos variados nos quais a carta tentar tocar trata se pois sem d vida de uma correspond ncia no sentido quase matem tico do termo Mas a carta para o amante n o tem valor t tico puramente expressiva o que estabele o com o outro uma rela o n o uma correspond ncia a rela o vincula duas imagens Voc est em toda parte sua imagem total Barthes 2003 p 47 isso que se ma
283. nsivas s o categoriz veis porque s o estabilizadas e consegiientemente j n o s o mais tensivas Greimas e Fontanille 1993 p 41 Essa concep o est de acordo com a id ia de que o sujeito inquieto pode passar pelo prot tipo do sujeito amoroso trata se de um sujeito imerso nas modula es tensivas Num quadro de oscila es logo dif cil fixar o sujeito em um ponto o enquadramento aponta para a estaticidade tra o incompat vel com a id ia de tensividade de foria Vale lembrar que a foria a for a que leva adiante conceito em que se faz notar pois o tra o da dinamicidade Na carta de Zelda a Scott Fitzgerald essa instabilidade fica clara na seguinte passagem Voc tem de tentar sentir o quanto fico inanimada quando voc se vai Orsini 1999 p 89 A ora o subordinada adverbial temporal quando voc se vai indica uma parada da continua o da rela o sujeito objeto o sujeito sem o objeto aspectualizado pela insufici ncia esvaziando se modalmente A categoria da descontinuidade se faz presente assim no plano modal narrativo considerando que o sistema modal se escora na massa t mica O adjetivo inanimada mostra que a dimens o passional constru da sobre a foria sendo os efeitos de sentido passionais produtos do 138 Com efeito se se procura identificar seu dispositivo modal espec fico e at seu percurso existencial n o se consegue o querer o saber o
284. nta coer es impondo limites ao ator da enuncia o 69 Retomando o liame entre g nero e estilo segundo Discini ao falar de constru es discursivas opera se com convoca es enunciativas os estere tipos do estilo ent o se ap iam num estoque de figuras e temas enunciados e na maneira recorrente de us los 2003 p 58 Na defini o do estilo elemento integrante do g nero cabe ao analista apreender tal conjunto caracter stico de esquemas que firmam cada intera o verbal espec fica as escolhas enunciativas apontam lugares para ficar no mundo formas de intera o entre os sujeitos Como ensina Bakhtin o estilo est indissoluvelmente ligado ao enunciado isto aos g neros do discurso Bakhtin 2000 p 283 a estrutura da sociedade em classes introduz nos g neros do discurso e nos estilos uma extraordin ria diferencia o que se opera de acordo com o t tulo a posi o a categoria a import ncia conferida pela fortuna privada ou pela notoriedade p blica pela idade do destinat rio e de modo correlato de acordo com a situa o do pr prio locutor Bakhtin 2000 p 322 Em cada lugar social de enuncia o assim instituem se diferentes modos de dizer distintos modos de ser os modos de presen a no mundo estilos se manifestam em determinadas configura es gen ricas Para amarrar a rela o entre thos e g nero vale retomar a id ia de Mai
285. ntar uma tipologia b sica do subg nero de acordo com quatro percursos do sujeito na narrativa amorosa carta de estabelecimento do elo existencial o sujeito deseja estabelecer a conjun o com o objeto carta de manuten o do elo existencial o sujeito quer manter a conjun o com o objeto carta de ruptura do elo existencial o sujeito deseja estar em disjun o com o objeto e carta de restabelecimento do elo existencial o sujeito quer retomar a conjun o com o objeto Por fim uma vez definida a carta em geral e a carta de amor em particular ser o analisadas as cartas de Tarsila do Amaral e de Anna Maria Martins para Lu s Martins na configura o de um tri ngulo amoroso O objetivo mostrar que se constroem distintos the em cada cenografia amorosa Apesar de utilizando a mesma forma de comunica o apresentarem o mesmo estilo do g nero o estilo da cenografia n o o mesmo nas cartas que escrevem Tarsila e Anna Maria revelam diferentes simulacros veiculam imagens opostas ABSTRACT This dissertation aims at analyzing the process of constructing the meaning in love letters taking as reference mainly the models suggested by the French semiotics in order to understand what makes a love letter be a love letter independently of date place and signature Under the variety of the event sphere matter above all the achronic coercions of structure In this analytical course it
286. nte a ucarados express es hiperb licas interpela es exigentes cobran as etc Isso que leva a falar num sujeito que n o meloso n o sufocante e n o inquisidor Na carta de 4 de dezembro de 1950 h outra marca de enuncia o que permite a apreens o desse thos marcado pelo equil brio pela busca da dist ncia ideal Ao dizer apesar das atra es parisienses voc pensa em n s e tem saudades nota se a estrat gia da substitui o do eu pelo n s a embreagem marca a sutileza do interlocutor que revela um ator da enuncia o cuidadoso comedido carinhoso sem ser sufocante Assim A99 em lugar de dizer que voc pensa em mim o interlocutor diz que voc pensa em cc n s ao inv s da assimetria dos sujeitos do ponto de vista pat mico o que faria pressupor nd gr cad dio EN dj a submiss o de um ao imp rio do outro o uso do n s estabelece uma rela o sim trica entre eles Nesse sentido emblem tica tamb m a omiss o do complemento nominal de saudades para n o dizer que voc tem saudades de mim a elipse acaba sugerindo que voc tem saudades de n s 27 Isso indica de certo modo que a identidade do voc depende do eu na constru o da entidade denominada casal Tarsila por meio desse artif cio enunciativo n o se coloca como p lo exclusivo para 2238 o qual converge o desejo de
287. nte por meio da debreagem enunciativa raz o pela qual provoca um maior efeito de proximidade entre os interlocutores debreagem enunciativa n o se d somente pela refer ncia expl cita a um eu e um tu mas tamb m por meio da presen a de palavras de teor mais avaliativo respons veis tamb m pela cria o do efeito de sentido de subjetividade Os verbos podem se manifestar no modo imperativo como na segii ncia injuntiva a diferen a que na argumenta o n o se transmite um saber fazer caracter stica da injun o Trata se do tipo que predomina em g neros como o debate televisivo a propaganda pol tica o an ncio publicit rio a argii o no j ri etc Nas cartas de amor esse tipo predominante argumenta se para pedir que o outro escreva para solicitar que o outro volte para despertar no outro desejo etc e Opini o O tipo opinativo um segmento mais voltado para a valoriza o do enunciador focaliza se aqui a aret o enunciador constr i se como algu m interessado em expressar as suas opini es pessoais manifestar as suas idiossincrasias sem dar mostras de se preocupar com o fazer interpretativo do enunciat rio com as impress es que possa provocar naquele a quem o discurso se dirige um tipo portanto que n o parece intencionar pelo menos explicitamente convencer ou persuadir sua finalidade n o parece ser a conquist
288. nto adnominal de amor caracteriza a cena gen rica apontando para a tem tica caracter stica dessa esp cie de correspond ncia N o demais lembrar que a tem tica um dos elementos estabilizadores do g nero n o subsume um tema espec fico mas as grades amplas os campos de sentido em que dados valores circulam No caso da carta de amor abarca os movimentos passionais da vida ntima os momentos de um relacionamento afetivo e sexual a hist ria de um casal A palavra amor todavia poliss mica em situa es concretas de uso isto colocada em discurso realiza sentidos diversos Como mostra o texto em ep grafe as rela es amorosas s o v rias manifestando se em n mero indefinido Fala se por exemplo em amor plat nico amor entre amigos amor entre pais e filhos amor entre marido e mulher amor entre pessoas do mesmo sexo amor a Deus amor aos animais amor s plantas amor vida amor ao perigo amor aos dentes amor verdade etc Antes de qualquer coisa assim deve se proceder defini o do lexema amor tendo sempre em mente que as denomina es e as defini es sofrem a influ ncia das grades culturais a cultura se manifesta no modo de nomear e representar o mundo natural no modo de reconhecer e explicar os sentimentos na maneira de constituir o universo passional Em outros termos no l
289. nto do sujeito para a sua liquida o e retorno plenitude A mesma atmosfera passional se desenrola nesta carta de Pl nio o Jovem sua amada Calp rnia incr vel como desejo com impaci ncia seu regresso tanta a ternura de minha afei o e t o desacostumado estou de uma separa o Fico deitado e acordo a maior parte da noite pensando em voc O nico descanso que minha ansiedade conhece quando estou ocupado no tribunal e nas causas de meus amigos Avalie como deve ser miser vel a vida de quem n o encontra consolo sen o em multid o Orsini 1999 p 111 Os lexemas impaci ncia e ansiedade integram a afli o que atua como uma esp cie de arqui lexema ocupando no quadrado tensivo a posi o da tens o o sujeito da 154 paix o amorosa um sujeito inquieto ansioso aflito com a falta do objeto de desejo A san o cognitiva da falta que se manifesta sob a forma de sentimento de falta desencadeia uma manipula o reflexiva que leva o sujeito a querer escrever para preencher o vazio provocado pela aus ncia do objeto A respeito disso segue uma interessante reflex o de Landowski Como se enunciando a e tematizando a a escrita pudesse preencher esse vazio que a motiva Mas para que a separa o de fato base comum de toda rela o epistolar possa assim ser transformada em rela o significante apreendida e expressa no modo passional como falta intersubje
290. nto do sujeito pelo objeto mais ou menos forte conforme possa ele acolher ou n o outros objetos da mesma forma que h objetos exclusivos ou participativos que podem entrar em jun o seja com um nico sujeito seja com v rios sujeitos ao mesmo tempo haveria sujeitos exclusivos ou n o exclusivos que poderiam admitir quer um nico objeto quer v rios Greimas e Fontanille 1993 p 183 A partir dessa id ia verifica se presente na configura o do apego uma outra no o que a da exclusividade O apego assim pode ser caracterizado ou n o pelo adjetivo exclusivo Considerando que o sujeito se define em rela o ao objeto ser exclusivo recusar partilhar recusar toda participa o de modo que a exclus o pode concernir distribui o dos objetos de valor em dada sociedade Greimas e Fontanille 1993 p 187 Assim se o sujeito pode acolher mais de um objeto a rela o de apego marcada pela n o exclusividade caso contr rio caracterizada pela exclusividade Quanto ao status do objeto ele pode ser partitivo ou n o partitivo Acerca disso deve se ponderar o seguinte O car ter participativo nada mais do que o efeito de sentido do consenso dos sujeitos em vista da constitui o da totalidade partitiva basta que apenas um dos sujeitos n o d seu consentimento recuse a partilha para que seu objeto seja considerado como n o
291. ntou lhe na intelectual no prest gio na consagra o E isto tamb m al m da longa conviv ncia que prende voc Lu s Martins 2003 p 203 As interpela es a Lu s sob a forma imperativa como em Analise suas atitudes e Procure bem e veja marcam enunciativamente a atmosfera de desconfian a t pica de um thos inquieto Mesmo enfrentando diversos contratempos que resultaram na separa o do casal o apego subsiste disjun o isso o que se pode depreender do seguinte trecho da mesma carta Quando me perguntam sobre nosso casamento por que n o se realizou etc limito me a responder Meu amor por Lu s continua o mesmo tenho enorme admira o por ele mas houve uma s rie de contratempos que tornou nosso casamento imposs vel Martins 2003 p 203 Como se percebe Anna Maria estruturou sua argumenta o utilizando uma ora o coordenada sind tica adversativa o amor esquerda da conjun o aparece como argumento mais fraco sendo o argumento mais forte os contratempos vividos pelo casal Em termos semi ticos os contratempos assumem tanto o papel actancial de anti sujeito impedindo a conjun o entre sujeito e objeto quanto o papel de anti destinador modalizando o sujeito pelo n o poder fazer O sujeito impotente se inscreve dessa 236 maneira numa rela o modalizada pelo n o poder ser isto marcada pela impossibilidade Assim o am
292. nvolvidos na intera o mais complexa segundo as leis de funcionamento do g nero h um padr o de comportamento institu do socialmente diferente para cada g nero em cada esfera da atividade social estabelece se a adequa o de cada atividade verbal Segundo Irand Antunes a escolha do enunciador irremediavelmente carregada de historicidade impregnada de vis es de mundo pois est inserida numa determinada pr tica discursiva a qual por sua vez parte de um momento cultural A l ngua n o existe fora dos grupos sociais despregada das situa es de intera o Assim o ato de linguagem representa mais do que a escolha da forma sint tica de enunciar de dizer Representa sim um lugar de onde se fala In Meurer e Motta Roth 2002 p 217 Nesses termos verifica se o assujeitamento do ator da enuncia o cena gen rica convocada Todavia como vimos h cen rios mais estereotipados ou mais pl sticos isto os rituais discursivos impostos por este ou por aquele g nero s o mais ou s o menos flex veis s escolhas individuais Em outros termos a cenografia pode basear se num cen rio de enuncia o j validado instalado no universo de saber e de valores do interlocut rio refor ando a situa o de enuncia o hist rica real ou noutro extremo subvert la desqualific la N o necess rio que a situa o de enuncia o mostrada pela obra esteja em conformidade
293. o inevitavelmente Orsini 1999 p 84 No trecho se toda a minha exist ncia n o fosse sua est pressuposto que a exist ncia de um pertence ao outro Isso p e em cena um outro tra o de sentido no apego amoroso a no o de posse Conforme o dicion rio Houaiss trata se do estado de quem possui uma coisa de quem a det m como sua ou tem o gozo dela Refinando ainda mais a an lise do lexema amor assim verifica se na configura o do apego al m da BNo n vel discursivo a categoria exclusividade se manifestar muitas vezes na no o de individualidade Ademais cada um possuindo uma individualidade nitidamente acentuada pode ent o pensar no ser que lhe falta para que a harmonia reine em cada um ou melhor para conhecer a felicidade P ret 1985 p 34 4 Essa id ia de fechamento do casal no espa o exclusivo da rela o assim traduzida por Florbela Espanca Sem saber se no mundo h paz ou guerra Sem ver nascer sem ver morrer o dia Espanca 2002b p 135 97 devo o e da exclusividade mais esse tra o de sentido Antes de examin lo importante deixar claro que pode haver apego sem devo o e sem exclusividade Do mesmo modo a no o de posse pode ou n o se realizar no discurso amoroso marcando a rela o entre sujeito e objeto De acordo com a Semi tica das paix es a possess o remete a dete
294. o como atesta uma passagem de uma carta em que o poeta responde a Madeleine a acusa o de n o ter enviado beijos na despedida de uma carta anterior Interessante observar ent o que a carta reveladora da necessidade dever ser do estilo ntimo do thos doce carinhoso atencioso para o reconhecimento da configura o da carta de amor Enganas te querida Se n o te beijei no fim da carta querida isso veio apenas de uma coloca o errada dum esquecimento que n o poderia ocorrer na realidade Mas numa carta nossos beijos est o em cada palavra se n o expressamente por ser certo que se subentende Hecker Filho 1984 p 166 Ainda que tente justificar como esquecimento a aus ncia do tom mais ntimo o fato que segundo outras correspond ncias percebe se mais distante o corpo do outro aspectualizado pela insufici ncia esse thos que se manifesta na carta de Apollinaire e incorporado por Madeleine como se pode inferir da pr pria carta do poeta Segundo Maingueneau Para o co enunciador o ethos permite que a obra tome corpo Falaremos de incorpora o para designar esse fen meno 1995 p 140 a corporalidade possibilita aos sujeitos a incorpora o de esquemas que definem uma maneira espec fica de habitar o mundo a sociedade 1997 p 48 A constru o de simulacros din mica como din mica a intera o dos sujeitos falantes Lembre se de que en
295. o incompleto quisesse se misturar ao outro imagem do beijo na medida em que este funde as duas imagens numa s na aus ncia amorosa sou tristemente uma imagem descolada que seca amarelece encarquilha se Barthes 2003 p 38 224 2 O adjetivo imensas revelador do gradiente t mico do apego marcado pela intensidade o sujeito amoroso n o raro se manifesta hiperbolicamente 225 Sobre isso a seguinte passagem lapidar O gosto se aplica com efeito ao conjunto do leque de relacionamentos com o mundo Isso seria devido parece ao fato de que a conjun o gustativa est r situada no pr prio interior do corpo e que o sujeito em sua rela o com o objeto neste caso o ator predominante tamb m ao fato de que apesar das apar ncias o contato saboroso sempre ef mero Somente quando repousa sobre a tatilidade a que est unido na suc o no beijo que o gosto reencontra sua plenitude Greimas 2002 p 71 226 Essa no o retoma exemplarmente o seguinte trecho citado no cap tulo 2 Este vazio que o homem espera preencher persiste a tal ponto que o indiv duo permanece imperfeito e insatisfeito Para formar o andr gino perfeito gerador simb lico da felicidade o homem que a divindade deixou insatisfeito deve primeiro voltar seus olhos do c u para a terra e a buscar o ser que lhe permite sua reconstitui o a constitui o de um ser du
296. o dados extra ling sticos que s podem ser inferidos pelos participantes da cena enunciativa Considerando se as modalidades veridict rias no modo do parecer constr i um pronunciamento sobre uma rela o amorosa no modo do ser um pronunciamento sobre uma poca sobre ideais temores e valores em circula o em determinado grupo social presen a das chamadas grades culturais que assujeitam os interlocutores historicizando ideologizando seus posicionamentos Depreende se disso a simula o de di logo ntimo com restri o do espa o discursivo aos participantes da cena amorosa Dialogismo constitutivo do sujeito enunciador o que ele diz atravessado por outras vozes no macro di logo amoroso Deve se ressaltar que o dialogismo 7 Carta de Torquato Neto a Ana Duarte Orsini 1999 p 46 80 Carta de Mariana Alcoforado ao Conde Noel de Chamilly Orsini 1999 p 74 81 Carta de Ernest Hemingway a Mary Welsh Orsini 1999 p 97 82 Carta de Camille Claudel a Rodin Orsini 1999 p 96 83 Carta de John Keats a Fanny Brawne Orsini 1999 p 105 84 Carta de Nelson Rodrigues a Elza Orsini 1999 p 107 35 cf Barros 1988 p 117 75 propriedade constitutiva de todo e qualquer discurso O que interessa aqui particularmente s o as vozes que circulam na esfera de circula o do discurso amoroso Di logo expl cito pela convoca o da presen a do interlocut rio G nero mai
297. o em contrapartida s o entidades definidas por suas propriedades ling sticas intr nsecas isto pela natureza ling stica de sua composi o Trata se de uma categoria muito mais est vel que o g nero pertencendo mais ordem da estrutura do que do acontecimento mais ao sistema do que ao processo Por essa raz o os tipos integram um conjunto fechado manifestando se em n mero limitado Assim se praticamente imposs vel listar todos os g neros existentes o mesmo n o se d com os tipos que podem ser classificados basicamente em descri o narra o injun o opini o exposi o e argumenta o Em s ntese chegou se a algumas no es centrais na rela o entre g neros e tipos um mesmo tipo pode aparecer em diferentes g neros um mesmo g nero pode ser constitu do por diferentes tipos Confrontados g neros e tipos definiu se por fim o que s o esferas de circula o Em termos sum rios tal categoria diz respeito aos dom nios discursivos ou seja s inst ncias de atividades pessoais ou institucionalizadas em que os g neros circulam O discurso midi tico por exemplo n o um g nero mas um dom nio de atividade social em que circulam dadas atividades verbais certos g neros particulares como o editorial a not cia a reportagem a entrevista etc Posto isso chegou se a uma defini o da categoria na perspectiva da semi tica francesa A classifica o dos g neros nessa linha
298. o falar revela um car ter um ethos que a mais importante das provas Ele no entanto n o se constr i naquilo que o orador diz de si mesmo mas na maneira de dizer Em termos atuais dir amos que ele n o se constr i no dito mas no dizer n o se erige no enunciado mas na enuncia o Arist teles aponta a exist ncia de tr s ethe principais a phr nesis a aret e a e noia O primeiro racional o segundo sincero o terceiro benevolente Por isso o orador que se utiliza da phr nesis se apresenta como sensato ponderado e constr i suas provas muito mais com os recursos do logos o que se vale da aret se apresenta como 46 desbocado franco temer rio e constr i suas provas muito mais com os recursos do ethos o que usa a e noia apresenta se como algu m solid rio com seu enunciat rio com um igual cheio de benevol ncia e de bengueren a e erige suas provas muito mais com base no pathos Fiorin 2003c p 190 1 Apresentadas as caracter sticas gerais do texto dissertativo apontadas tamb m como propriedades b sicas dos segmentos argumentativo opinativo e expositivo necess rio investigar ent o em que medida os tr s tipos se diferenciam e Argumenta o Deve se deixar claro j de in cio que a argumentatividade n o uma caracter stica exclusiva do tipo argumentativo ela uma propried
299. o morto O sujeito se descreve assim esvaziado modalmente privado sobretudo do poder Minhas for as esgotadas O fim das acusa es sugere no plano da enuncia o o que o enunciado registra O sujeito assim n o s fala no esgotamento das suas for as mas tamb m mostra isso ao interromper a enuncia o como se a pr pria enuncia o em seu movimento terminativo se dirigisse ao despenhadeiro Quanto ao gradiente t mico pois o 287 O trecho a seguir de uma carta de 12 de fevereiro de 1952 uma variante dessa caracteriza o disf rica do outro pelo tra o da pequenez da imaturidade Pelo que me contam seus coment rios com amigos n o teriam sido de colegial despeitado Martins 2003 p 203 288 A respeito da figura do abismo sin nimo de despenhadeiro presente em muitos percursos de ruptura na indica o do ponto terminativo Barthes diz o seguinte Quando assim acontece de abismar me porque j n o h lugar para mim em parte alguma A imagem do outro qual eu me colava da qual vivia j n o existe Barthes 2003 p 5 Est presente portanto a a no o de separa o dos corpos dos amantes no contexto da disjun o O sujeito perde o objeto perde a confian a perde sua pr pria identidade na disjun o com aquilo que o definia enquanto sujeito amoroso 232 thos de Anna marcado pela fraqueza Quanto aos modos de exist nci
300. o nem se vingar do destinador A aceita o do quadro disjuntivo impede um poss vel desenvolvimento pat mico na orienta o da malqueren a a resigna o incompat vel com o ressentimento O trecho a seguir de uma carta de 15 de fevereiro de 1952 manifesta exemplarmente o thos resignado marcado pela serenidade e pelo desprendimento Disse a Anna Maria que por mim n o queria o sacrif cio dela Falei sobre a rea o q tive nestes ltimos dias de completa resigna o e serenidade Mostrei a ela o telegrama q passei ontem a voc e frisei na express o perfeita resigna o Ao despedir me com l grimas e abra os disse q mantinha minha afirma o e que por mim ela n o desistisse da felicidade dela Ah Meu querido Lu s Queria estar neste momento junto de voc p q suas l grimas ca ssem nos meus ombros como voc j fez outras vezes A vai m cora o c o maior carinho Sou sua grande e incondicional amiga Nada pe o para mim Truly Martins 2003 p 140 Ao dizer que n o queria o sacrif cio de Anna Maria Tarsila mostra que n o a via como anti sujeito nem pretendia fazer tal papel na rela o entre a prima e Lu s Martins O 255 x A Ao tratar da resigna o Barthes diz Dois regimes de desespero o desespero suave a resigna o ativa Amo voc como se deve amar no desespero e o desespero violento um dia em conseq ncia de n o sei
301. o se encerra em voc Diante da possess o do objeto n o h mais o que desejar Trata se de um bom exemplo tamb m para confirmar o quadro de instabilidade actancial nos percursos do sujeito amoroso voc o destinador que transfere ao destinat rio eu o valor modal querer voc o objeto com que o sujeito do fazer eu estabelece a conjun o voc o 46 Greimas e Fontanille explicitam o objeto em que projetado o valor alegria sincretismo tratando o termo por objeto sujeito 1993 p 204 Conforme ensina Tatit voc at ent o tomado como objeto adquire como s i acontecer em situa es de plenitude tra os ativos que o impelem em dire o a eu que por sua vez recebe passivamente como se fora objeto portanto a a o do primeiro Tatit 2001 p 141 No plano das rela es subjetais prossegue o semioticista acerca de Oceano o elemento voc continua cumprindo o seu papel de destinador que alimenta des gua a compet ncia do sujeito destinat rio eu s o destinador responde 146 Como se percebe bem aqui o querer do possuidor o converte em objeto t mico Greimas e Fontanille 1993 p 204 47 Para traduzir a pregn ncia da fun o de sujeito na esfera do objeto Zilberberg prop e a formula o sujeito sub objeto Tatit 1998 p 18 139 pela continuidade do processo e pela supera o
302. o a pensar em ressentimento quadro pat mico incompat vel com as no es de desprendimento e benqueren a A auto imagem desejada no dito ent o seria diversa da imagem transmitida no dizer o conte do afirmado no enunciado seria desmentido pelo conte do silenciado na enuncia o A id ia de benevol ncia de zelo de cuidado com o outro compatibiliza se com a imagem maternal que Tarsila manifesta em diversas cartas Na primeira carta da fase da separa o por exemplo reportando se diferen a de idade entre ela e Lu s refere se explicitamente a seu instinto maternal Ali s a partir da poss vel entrever o simulacro da m e zelosa acolhendo o filho em seus bra os na carta de 15 de fevereiro de 1952 Queria estar neste momento junto de voc p q suas l grimas ca ssem nos meus ombros como voc j fez outras vezes Martins 2003 p 140 Mesmo ferida pela separa o com um espinho no cora o constr i a imagem de um sujeito cuja preocupa o com o outro fala mais alto isso se coaduna com a no o de amor incondicional caracter stica do amor de m e de acordo com os conceitos explorados no cap tulo 2 O amor de Tarsila inicialmente amor de esposa parece transformar se em amor 264 de m e e em algumas cartas em amor de amiga o primeiro amor na denomina o dos gregos antigos chamado de ros o segundo de storgue o terceiro de filia
303. o amante distante Da a sua dor O amante que escreve alonga os seus bra os para um momento que ainda n o existe A amante que l alonga os seus bra os para um momento que n o mais existe A carta de amor um abra ar o vazio Alves 1992 p 44 45 26 uma carta uma brasa atrav s por dentro do texto nuvem cheia da minha chuva cruza o deserto por mim a montanha caminha o mar entre os dois uma s laba um solu o um sim um n o um ai sinais dizendo n s quando n o estamos mais Leminski 1996 p 35 27 1 1 Dificuldades de defini o da categoria g nero O problema dos g neros um dos mais antigos da po tica e desde a Antigiiidade at os dias de hoje a defini o dos g neros seu n mero e suas rela es m tuas nunca deixaram de provocar discuss es Ducrot e Todorov 1988 p 147 Santo Agostinho refletindo sobre o tempo dizia O que por conseguinte o tempo Se ningu m me perguntar eu o sei se eu quiser explic lo a quem me fizer essa pergunta j n o saberei diz lo Agostinho 1948 p 346 Diversos te ricos da linguagem refletindo sobre o g nero encontram tamb m dificuldades para conceituar seu objeto Parafraseando o Santo Doutor como se dissessem O que por conseguinte o g nero Se ningu m me perguntar eu o sei se eu quiser explic lo Do mesmo modo que o ser humano em geral vive o tempo sem pensar em sua exist ncia utiliza os g neros sem parar par
304. o caso o sujeito eu escrevendo presentifica se ao outro Dessa forma eu o sujeito operador que coloca voc como sujeito de estado em conjun o com 4n 163 eu como objeto S op gt S est v Ov gt S a O eu voc eu 163 Esse entendimento traduzido da seguinte maneira por Marilena Chau Seja como desejo de reconhecimento seja como desejo de plenitude e repouso o desejo institui o campo das rela es intersubjetivas os la os de amor e dio e s se efetua pela media o de uma outra subjetividade Forma de nossa rela o origin ria com o outro o desejo rela o peculiar porque afinal n o desejamos propriamente o outro mas desejamos ser para ele objeto de desejo Desejamos ser desejados donde a c lebre defini o do desejo o desejo o desejo do desejo do outro Chau 2002 p 25 157 2 6 Temas e figuras do amor o corpo presente e O corpo ausente No n vel narrativo temos esquemas abstratos a sem ntica discursiva que reveste e por isso concretiza as mudan as de estado do n vel narrativo Podem se revestir os esquemas narrativos abstratos com temas e produzir um discurso n o figurativo ou podem se depois de recobrir os elementos narrativos com temas concretiz los ainda mais revestindo os com figuras Assim tematiza o e figurativiza o s o dois n veis de concretiza o do sentido Fiorin 1992 p 63 64 Como
305. o da tensividade f rica no desenvolvimento da teoria semi tica atestou que ela participa ativamente do processo de constru o da significa o por exemplo na convers o dos n veis de que adv m a modaliza o narrativa o plano modal mais abstrato que o actancial funciona como ponte para a transfer ncia dos valores tensivos ao universo das opera es actanciais Tatit 2001 p 21 Isso interessa particularmente tamb m a esse 129 t pico como se disse o sistema modal ampara se na massa t mica produzindo efeitos de sentido passionais O discurso da carta de amor um terreno de observa o exemplar para refletir sobre a problem tica da modaliza o em geral e da modaliza o do ser em particular Mais especificamente interessa por ora um tipo de carta n o a que faz saber alguma coisa a algu m mas a que faz ser isto faz com que um sujeito ausente se torne presente ao outro Esse fazer ser a atualiza o do elo existencial entre os sujeitos distantes a carta viabilizando a conjun o dist ncia com o outro ausente a carta encarna o ausente pode suprir a falta no movimento em dire o plenitude Assim antes de discutir propriamente a quest o do sujeito modal amoroso interessante refletir um pouco sobre a convoca o do g nero que foi objeto do cap tulo 1 Nota se que diante da descontinuidade provocada pela aus ncia do objeto de desejo de que resu
306. o de discurso tipo textual e esferas de circula o Para a apreens o do g nero ser o consideradas as categorias estrutura composicional tem tica e estilo Esses elementos ser o convocados para trabalhar a id ia de que a carta um g nero por oposi o a outros e que a carta de amor uma esp cie do g nero epistolar por oposi o a outras esp cies como o subg nero carta comercial No confronto dos subg neros ser o destacadas as marcas de semelhan a que os colocam na mesma classe de textos e as marcas de diferen a que lhes conferem particularidade Para tanto falar se no conjunto de qualifica es exigidas ao enunciador na esfera de cada g nero essas coer es ser o denominadas de estilo do g nero por oposi o ao estilo da cenografia em que o thos constru do na cena de enuncia o particular A respeito disso o trabalho mostrar que o maior grau de padroniza o de um g nero implica menor espa o reservado ao estilo da cenografia Nos g neros menos estereotipados em contrapartida o thos da cenografia se hipertrofia Ap s a abordagem do estatuto do g nero e da an lise dos subg neros carta comercial e carta de amor ser proposto um modelo de abordagem do sujeito amoroso a partir do exame de cartas de amor de diferentes autores pocas e lugares contemplando se todos os n veis do percurso gerativo de sentido Esse modelo apo
307. o de 1952 A prop sito em carta dele endere ada ao Sr Renato Coelho pai de Anna datada de 27 de julho do mesmo ano o amor que une os sujeitos aparece marcado no enunciado indicando o fim da hist ria at que a morte os separe Amo Anna Maria e pelo menos esse sentimento profundo e inabal vel n o haver ningu m que da o possa arrancar do cora o lev lo ei para o t mulo comigo Desfiz minha vida deixei o lugar em que residia tudo transformei de minha exist ncia por amor Martins 2003 p 225 Depois do restabelecimento do elo os sujeitos s foram de fato separados pela morte de Lu s O apego intenso de Anna contudo permaneceu atando a a seu objeto de desejo como se a dizer que o amor verdadeiro supera at o mais terr vel dos anti sujeitos a morte Para finalizar este cap tulo apresenta se a seguir um elenco sistem tico de recorr ncias que caracterizam dois the distintos dois estilos dois modos de dizer e de ser dando corpo voz e car ter aos atores Tarsila do Amaral e Anna Maria Martins e O estilo Tarsila A escolha lexical como convoca o do enunciador revela a sem ntica global do texto o universo tem tico e figurativo em que se movimenta Palavras como cora o e querido por exemplo inscrevem Tarsila na sem ntica da do ura da delicadeza O 238 modo de dizer terno revela um modo de ser afetuoso Isso p
308. o de for as de atra o e repuls o oscila entre a vacuidade e a plenitude As oscila es afetivas est o intimamente relacionadas aos valores juntivos os desejos s o catalisados por um sentimento de falta num quadro de disjun o do mesmo modo que as tens es da falta s o aliviadas pelo sentimento de plenitude num quadro de conjun o O texto a seguir ilustra bem essa quest o 121 Amanh faz um m s que a Senhora est longe de casa Primeiros dias para dizer a verdade n o senti falta bom chegar tarde esquecido na conversa de esquina N o foi aus ncia por uma semana o batom ainda no len o o prato na mesa por engano a imagem de relance no espelho Com os dias Senhora o leite primeira vez coalhou A not cia de sua perda veio aos poucos a pilha de jornais ali no ch o ningu m os guardou debaixo da escada Toda a casa era um corredor deserto e at o can rio ficou mudo Para n o dar parte de fraco ah Senhora fui beber com os amigos Uma hora da noite eles se iam e eu ficava s sem o perd o de sua presen a a todas as afli es do dia como a ltima luz na varanda E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero na salada o meu jeito de querer bem Acaso saudade Senhora s suas violetas na janela n o lhes poupei gua e elas murcham N o tenho bot o na camisa cal o a meia furada Que fim levou o saca rolhas Nenhum de n s sabe sem a Senhora conversar com os outros bocas r
309. o entre sujeito e objeto Esse momento da narrativa amorosa aspectualizado assim pela terminatividade Nas palavras da autora Na maior parte das vezes o amor morre primeiro para um dos amantes E para aquele que n o se conforma com isso por sentir arder ainda a chama do amor n o h sa da sen o implor lo de volta A quem j n o ama no entanto resta a desagrad vel tarefa de comunic lo ao ex amado Orsini 1999 p 201 Depreendem se de suas palavras por m outro movimento poss vel numa hist ria de amor a volta o restabelecimento da rela o quando os amantes fazem as pazes e reatam o la o que os unia Depois do adeus portanto pode se dizer ol iniciando se a busca de uma nova conjun o entre sujeito e objeto o sujeito tenta novamente ocupar seu papel de amante O tema da reconcilia o assim caracteriza uma outra esp cie de carta de amor Tentando entender os caminhos desse sentimento na intera o epistolar ent o verificam se quatro percursos tem ticos b sicos o de estabelecimento do elo existencial marcado por Fr mitos e arrebatamentos o de manuten o do elo existencial caracterizado pelos Suspiros d alma o de ruptura do elo existencial e o de restabelecimento do elo existencial na atmosfera do dif cil adeus A classifica o segue uma orienta o aspectual que demarca as tem ticas o estabelecimento do elo marcado pela incoatividade a manuten o
310. o estilo permite identificar inclusive o autor de uma carta an nima Em outros termos ainda que Tarsila n o assinasse suas cartas a Lu s Martins o estilo de sua despedida permitiria ao interlocut rio identific la como interlocutor sua marca registrada finalizar a correspond ncia com o amado dizendo a vai meu cora o Ali s esse fecho t o caracter stico dela que n o toa foi escolhido por Ana Luisa Martins como t tulo do livro que re ne parte da epistolografia amorosa da pintora A figura do cora o assim reveladora do thos de Tarsila permitindo inferir da uma corporalidade um car ter e um tom de voz A corporalidade associada a uma complei o do corpo do fiador apresentada metonimicamente na cena amorosa constru da o interlocutor reduz seu corpo ao cora o como se nada mais houvesse ou interessasse al m disso Nesse sentido como se Tarsila dissesse eu sou amor da cabe a 167 Pego teus seios doces querida e tuas ancas maravilhosas Te adoro e repito isso infinitamente boca a boca l ngua a l ngua num n o acabar nunca Hecker Filho 1984 p 172 Amor te adoro e beijo os l bios profundamente Hecker Filho 1984 p 173 Beijo tua boca meu amor Hecker Filho 1984 p 174 Te beijo em cheio querida minha rosa Hecker Filho 1984 p 188 221 Apesar de a figura do cora o aparecer de modo particular no
311. o formas comunicativas os g neros s o mais inst veis ao longo da hist ria g neros desaparecem g neros se transformam novos g neros surgem Em fun o de sua conex o com as atividades humanas pessoais ou institucionalizadas os g neros s o m ltiplos manifestam se em n mero ilimitado Os tipos s o mais est veis pertencem ordem do sistema da estrutura e n o inst ncia do processo do acontecimento como os g neros Como ensina Todorov os tipos s o elementos ling sticos que n o podem ser fixados num s momento de tempo s o sempre poss veis s o constru dos necessariamente em qualquer produ o verbal Todorov 1981 p 16 53 Como segmentos que s o convocados na estrutura o do g nero os tipos s o recursos que constituem um estoque finito Esse estoque contudo permite infinitas combina es os tipos s o atualizados na composi o do g nero s o colocados em forma discursiva E esse tamb m o entendimento de Marcuschi que assim se pronuncia sobre o tema 2 Carta de Paul Eluard a Gala Orsini 1999 p 77 8 2 Carta de Paul Eluard a Gala Orsini 1999 p 77 8 Carta de Henry Miller a Brenda Venus Orsini 1999 p 69 A Exemplos extra dos de cartas comerciais Medeiros 2002 p 39 40 25 A defini o ainda preliminar uma vez que os conceitos n o s o tratados numa perspectiva propriamente semi tica apesar de Greimas j ter figurado em alguns momentos
312. o me o direito de explicitar meus sentimentos mais tarde segundo as circunst ncias O humor um curto circuito entre o estado e o signo Assim o mau humor um signo grosseiro uma chantagem vergonhosa Existem entretanto nuvens mais sutis todas as sombras t nues de causa r pida incerta que passam sobre a rela o mudam a luz o relevo subitamente outra paisagem uma ligeira embriaguez negra Barthes 2003 p 262 Se na enuncia o de Anna se nota o signo grosseiro na de Tarsila n o se percebe sequer a embriaguez negra 286 Rebaixamento diminui o ou perda de valor pre o altura Aur lio Caracteriza um tipo de inferioridade provocada necessariamente provocada por um sujeito do fazer Em primeiro plano coloca se a rela o pol mica S1 O S2 em que S1 se transforma em um objeto do fazer de S2 e com isso perde a boa imagem que possu a S2 faz com que S1 surja como n o conjunto com seu Ov boa imagem N o se trata diretamente da disputa por um Ov mas de uma compara o de compet ncias modais com um duplo objetivo de um lado o objetivo imediato a inferioriza o de S1 atrav s da aniquila o de sua boa imagem de outro como decorr ncia o prov vel estabelecimento da superioridade de S2 Harkot de La Taille 1999 p 33 4 231 do indiv duo rebaixado desvalorizado a este que Anna se refere em mais este trecho chamando o de
313. o no cora o dessa forma permite falar em amargura A prop sito h uma 252 Considerando que o g nero epistolar foi escolhido para manter a dist ncia ideal entre os interlocutores evitando poss veis destemperos de uma conversa em presen a a escolha do g nero tamb m manifesta o thos marcado pela busca do equil brio Vale ressaltar que o thos n o est no que a carta diz mas nesse caso na escolha da carta como modo de dizer modo por exemplo n o marcado por interrup es por altern ncia de tomadas de palavras como se disse 210 plo NE e E i 2 identifica o entre o tra o t til da perfura o e o sentimento de amargura como ensina Diana L P de Barros Amargo relaciona se ainda ou principalmente com os estados de alma com as paix es amargura amargurado amargurar amargar etc Na defini o de dicion rio aparecem tr s etapas do percurso passional nos sabores amargos 1 a da tristeza dor pena do sujeito por n o ver realizadas suas expectativas de obter os valores desejados frustra o essa etapa est relacionada com os tra os de adstring ncia e penetra o e n o caracteriza portanto os sujeitos cidos ou azedos 2 a do ressentimento da m goa da descren a em rela o ao anti sujeito ou ao destinador que n o permitiu que o sujeito alcan asse a realiza o desejada tamb m n o se aplica aos sujeitos cidos ou azedos 3 o das
314. o serm o religioso o relat rio t cnico o texto did tico o texto de divulga o cient fica a disserta o de mestrado etc importante deixar claro antes de qualquer coisa duas quest es um mesmo tipo pode ser convocado na estrutura o de diferentes g neros da mesma maneira um mesmo g nero pode ser composto de tipos diversos Em outros termos sendo a pureza tipol gica rara o que se constata na pr tica a enorme heterogeneidade dos tipos os textos em geral apresentam v rios tipos de naturezas distintas que se combinam na estrutura o dos g neros Estes nessa perspectiva resultam dominantemente da articula o de diferentes segmentos Assim apesar de se discutir nesta disserta o tamb m a quest o dos tipos textuais na composi o do g nero acredita se que a aplica o desse crit rio defronta se com uma dificuldade consider vel na medida em que um texto pertencente a um mesmo g nero pode ser composto por v rios segmentos distintos Bronckart 2003 p 74 Al m disso sendo as combina es dos tipos de discurso e das formas de planifica o praticamente ilimitadas mesmo no interior de um mesmo g nero conclui se disso que os g neros n o podem ser diretamente definidos e classificados em raz o de suas caracter sticas tipol gicas Bronckart 2003 p 256 As categorias g nero e tipos de discurso foram confrontadas e diferenciadas Resta investigar como prop
315. o termo 193 Espero que o muito trabalho que me sobrecarrega fa a passar o tempo depressa Vou mandar esta carta daqui a alguns dias e fico espera de not cias suas Martins 2003 p 59 Pouco depois em 18 de novembro diz Voc deve ter recebido meu telegrama Depois que passei o telegrama dois dias depois de sua partida fiquei melhor da ang stia que estava sentindo com sua aus ncia Martins 2003 p 59 No dia seguinte registra as oscila es pat micas t picas do conte do afetivo amoroso no quadro de disjun o entre o sujeito que ama e o objeto amado Estava triste esta manh pensando em voc quando recebi sua carta da Ba a Fiquei contente com as suas muitas muitas saudades Vou sair para levar esta ao correio Martins 2003 p 61 Nessa mesma linha em carta de 4 de dezembro l se o seguinte Continuo esta carta espera de carta sua Agora meio dia recebi sua carta de Paris Podes avaliar com que emo o a abri Fiquei t o contente com as not cias e o A 4 218 vendo que apesar das aira es parisienses voc pensa em n s e tem saudades Martins 2003 p 66 218 Vale lembrar como ensina Landowski que a carta sendo por defini o uma comunica o diferida suscita paix es aspectuais como espera impaci ncia surpresa etc Se ao escrever o interlocutor constr i a imagem do interlocut rio o mesmo acontece do lado do destinat rio uma
316. oa o papel privado estilos mais informais em contrapartida produzem efeito de sentido de aproxima o valorizando a pessoa em detrimento da persona Bakhtin 2002 p 302 por exemplo define quatro estilos estilo elevado estilo familiar estilo ntimo e estilo objetivo neutro Come a distinguindo os dois primeiros 45 importante registrar que classifica es aprior sticas n o podem ser consideradas estilo na concep o discursiva Quando Bakhtin define tais estilos refere se especificamente ao que neste trabalho ser denominado de estilo do g nero entendido como o conjunto de atributos que o ator deve ter conforme o g nero convocado para a intera o Sob essa perspectiva todas as vozes que se pronunciam em um mesmo g nero devem apresentar esses mesmos tra os caracter sticos Em outros termos entende se que em cada cena gen rica o ator deve apresentar determinados tra os caracter sticos o que significa que a constru o do thos deve estar de acordo com a qualifica o exigida pelo g nero escolhido nesse sentido que as coer es gen ricas imp em limites ao ator da enuncia o dimensionando a rela o entre os participantes da cena enunciativa Nos g neros mais padronizados o thos mais estereotipado as vozes que falam s o sempre muito parecidas O estilo aqui o estilo do g nero o estilo da persona n o da pessoa o 60 h o estilo
317. oc para a rbita de seus valores manipulando voc pela tenta o ou seja ofertando a ele objetos desej veis numa c6 rela o de concorr ncia com o destinador eu Noutra perspectiva todavia eu como objeto atrai mais o sujeito voc do que Paris capaz de atrair Dando seqii ncia abordagem das cartas de manuten o do elo no que diz respeito ao andamento do tempo no quadro da espera relaxada est impl cita a id ia de que a disjun o tem prazo de validade isto tem uma dura o conhecida o amado ficar ausente por X dias Nas palavras da pr pria Tarsila Estou contando os dias para sua volta 219 As paix es aparecem no discurso como portadoras de efeitos de sentido muito particulares ele exala como que um cheiro confuso dif cil de determinar A interpreta o que a semi tica reteve que esse perfume espec fico emana da organiza o discursiva das estruturas modais Greimas e Fontanille 1993 p 21 220 Ainda que no contexto Paris n o chegue propriamente a configurar o anti destinador fato que n o destinador melhor seria assim falar em n o destinador 21 Se Paris n o chega a constituir um anti objeto parece ser diante do objeto eu um n o objeto Na verdade recorrendo no o de gradiente t mico Paris um objeto menos desej vel desprezado diante do objeto mais de
318. oc fazia Tenho for as para ouvir tudo Martins 2003 p 182 222 serenidade da eleg ncia da dignidade Em outros termos como se a figura de Tarsila concretizasse esses temas Nesse segundo per odo da narrativa amorosa al m das cartas de Tarsila h tamb m cartas de Anna Maria Considerando agora a rela o entre esta e Lu s Martins as primeiras cartas t m por fun o o estabelecimento do elo existencial Esse estabelecimento contudo n o exatamente o que foi estudado at ent o trata se de um estabelecimento no modo do parecer uma vez que os dois j estavam juntos de fato No modo do ser as cartas se assemelham mais s de manuten o do elo Anna n o escrevia para iniciar uma rela o mas para assumi la Vale lembrar como se disse no cap tulo 2 que no estabelecimento n o h a posse do objeto diferentemente do que se d no quadro de manuten o no primeiro caso o sujeito quer possuir o objeto de desejo no segundo o sujeito quer reter o que j possui neste quadro que Anna se inscreve O seguinte trecho da carta dela a Lu s datada de 5 de janeiro de 1952 atesta que ambos j estavam juntos de fato Meu querido Lu s Come o respondendo quela pergunta que entre n s dois j considero privil gio meu e voc me faz no fim da sua carta Sim eu te amo muito muit ssimo eu te adoro meu bem Estou louca de saudades suas Fiquei content ssima com a sua carta eu estava precisando
319. ocesso apresentado como n o acabado A recorr ncia do afastamento coloca o sujeito de estado num quadro de instabilidade de oscila es constantes como um p ndulo oscila entre a plenitude e vacuidade Ainda que se possa pensar em uma continuidade de fundo uma vez que se mant m os pap is de marido e mulher h uma descontinuidade de superf cie que se manifesta nas disjun es pontuais respons veis pelo quadro de instabilidade emocional Se fosse suficiente a manuten o dos pap is tem ticos nessa continuidade de fundo para a estabiliza o pat mica do sujeito o conflito s se manifestaria na ruptura em que se verificaria a descontinuidade de fundo Como j se disse as oscila es s o pr prias do conte do afetivo o que dificulta sua fixa o Em todo caso a esquematiza o das quatro configura es b sicas das cartas de amor uma tentativa de estabiliza o do que por natureza inst vel a finalidade desse procedimento assim tentar fixar um pouco o objeto de an lise para melhor deslind lo Trata se portanto de uma estrat gia de aproxima o o objeto enquadrado para que n o escape do observador A prop sito h uma passagem da novela de amor Pela noite de Caio Fernando Abreu que traduz em termos figurativos esse quadro de instabilidade e inquieta o 125 Por alguns momentos apenas alguns momentos como se houvesse assim uma esp cie de esperan a de possibilidade de esperan a S
320. om amigo vale mais do que a j ia mais cara Direi isto de um jeito solene e sisudo como se estivesse descobrindo verdades insuspeitas e precisasse ensin las aos homens N o far mal nenhum que riam de mim N o ser um livro para cr ticos nem para o p blico em geral mas apenas para os meus amigos Ser mais particularmente ainda para uns tr s ou quatro indiv duos de ambos os sexos que nos momentos das minhas ang stias tenho certeza que mais pr ximos de mim h o de estar A essas pessoas que me querem bem hei de ensinar por exemplo que a Amizade mais duradoura que o Amor Martins 2003 p 190 221 Ap s a primeira carta da fase da separa o Tarsila ent o se denominando explicitamente de amiga volta a interpelar Lu s Martins associando ao nome dele o adjetivo afetivo querido Volta tamb m a se despedir com a sua marca caracter stica a vai meu cora o retomando a assinatura Truly Essa transforma o coerente com a id ia advogada por ela mesma de que o tempo o grande rem dio de que tudo ir se acalmando Martins 2003 p 181 Apesar das varia es notadas nesse percurso do sujeito amoroso observa se uma const ncia de valores centrais que permitem dizer que o mesmo thos se manteve em todo o processo apenas no modo do parecer na primeira carta da fase da separa o datada de 8 de dezembro de 1951 outro thos que se pronuncia no modo do ser mant
321. ombros como voc j fez tantas vezes Martins 2003 p 140 229 comportamento de Lu s feita de modo impl cito como se dissesse que depois de tudo o que ele fez dif cil conseguir ser feliz Mais uma vez se manifesta assim o thos exaltado de Anna em contraposi o serenidade mostrada por Tarsila ainda quando n o diz explicitamente faz cr ticas mesmo quando cala fala Na carta do dia seguinte refere se mais uma vez perda de confian a no companheiro mencionando a carta anterior Agora voc j deve ter recebido a carta na qual eu lhe contava o motivo da minha perda de confian a e tudo que senti ao saber as bases e condi es em que voc pretendia firmar nosso casamento Martins 2003 p 151 Ao falar em decep o e desilus o Anna se comporta diferentemente de Tarsila A pintora evitou atacar Lu s preferindo falar em insatisfa o a empregar a palavra decep o a insatisfa o em rela o priva o do objeto a decep o uma crise de confian a no sujeito Como se viu uma estrat gia compat vel com o thos sereno equilibrado que fala baixo Anna em contrapartida acusa diretamente o companheiro que n o mais merecedor de sua confian a Em tom de voz alto r spido t pico de um corpo de dedo em riste em posi o de acusa o diz Meses e meses de sonho de esperan a e f com uma frase desfizeram se na mais torpe das mentiras Ent o
322. ontenta com pouco Em seu modo de dizer tudo ssimo tanto bem manifesta se dessa maneira um modo de presen a no mundo que em nada se assemelha justa medida de Tarsila Se o thos de Tarsila se manifesta pela aus ncia silenciando pedidos e cobran as o de Anna se mostra pela reitera o da presen a desses atos de linguagem Nesse sentido sintom tico o uso dos verbos no imperativo como em escreva n o se esque a rasgue a carta etc Martins 2003 p 111 Se o thos de Tarsila se preserva mesmo no quadro de ruptura o de Anna se transforma na atmosfera da separa o Um tra o contudo se mant m o do excesso Anna mostra se descontrolada por exemplo por meio da escolha lexical palavras como ansiosa desesperada p ssima pena magoar sofrer tristeza afli o medo etc fazem o sujeito se movimentar numa esp cie de sem ntica global da inquietude Como se disse se Tarsila mostra um thos marcado pela for a ao n o dizer a sua dor Anna manifesta um thos caracterizado pelo tra o da fraqueza ao n o calar a sua ang stia O thos assim n o se manifesta descontrolado porque Anna se diz assim mas por n o conseguir n o se dizer assim A adjetiva o carregada de tra os de sentido disf ricos tamb m reveladora do thos mais emocional marcado pelo desequil brio pat mico como se nota nos termo
323. ontexto cultural n o marcada pelo apego exclusivo uma vez que n o se submete mais ao dever ser a rela o n o se d s entre os noivos A liberdade se traduz pela modalidade do poder o sujeito passou a poder fazer ser como quiser antes a rela o n o podia n o ser da maneira rigidamente convencionada isto devia ocorrer de acordo com a forma tradicional dos mais velhos Se antes era investido no objeto o valor fidelidade passa a ser investido o valor prazer Al m de um ser marcado pelo tra o necess rio da exclusividade e outro n o nota se tamb m uma distin o aspectual a fidelidade eterna marcada pela duratividade o prazer sexual pontual Ent o considerando que o apego comum a todo amor mas n o a exclusividade da rela o que depende do tipo de liga o entre sujeito e objeto isto do grau de investimento do primeiro pelo segundo aponta se uma possibilidade de discretiza o entre os v rios tipos de amor no caso do amor a Deus por exemplo o mesmo objeto partilhado 90 entre sujeitos distintos Aqui n o se afirma portanto a singularidade do sujeito a rela o n o exclusiva A respeito disso esclarecedora a seguinte reflex o de Benjamin P ret que procura diferenciar recorrendo a no es quantitativas o amor a Deus do amor devotado a uma mulher divindade ilus ria e nica v lida para a coletividade inteira passa a corres
324. or n o parece ser suficiente para impedir a disjun o ou para restabelecer a conjun o Enquanto h apego contudo est dada a possibilidade da reconcilia o o amor uma esp cie de objeto m gico de adjuvante do sujeito que pode conferir lhe for as para resistir s adversidades e restabelecer o elo Nessa dire o muda o peso dos argumentos houve contratempos mas o amor maior fato que pode levar ao restabelecimento da conjun o No trecho Magoada triste cada vez mais afastada de voc eu o amo muito Martins 2003 p 205 feita a ressalva da m goa restasse o amor como o argumento mais forte Esse tamb m o teor da ltima carta de Anna a Lu s antes de reatarem definitivamente P S Sobre sua cr nica Fim de romance exatamente isto que venho sentindo O tempo passando e deixando o remorso do que podia ter acontecido e n o houve a tristeza pela falta de uma exist ncia que eu queria ter vivido e n o pude Martins 2003 p 219 Vale notar nesse trecho a incompatibilidade entre as modalidades fato que impede a perf rmance o sujeito quis mas n o p de entrar em conjun o com o objeto o que desautoriza a m xima popular de que querer poder Trata se portanto de um sujeito desejante e impotente quanto maior o desejo e a impot ncia maior a tristeza como efeito pat mico provocado pelo quadro de disjun o de falta O remorso como sentimento marcado temporal
325. ora apresenta por exemplo o modo de ser Ricardo Reis depreendido de seu modo de dizer do qual desponta o thos como efeito de individua o 2003a p 87 Assim depreende se um thos um corpo um estilo 70 Por isso que naqueles s tem sentido falar de um estilo numa perspectiva socioletal enquanto nestes preciso levar em conta o estilo tanto de um ponto de vista socioletal quanto idioletal O thos n o s um meio de persuas o mas parte integrante da cena da enuncia o assim conforme a esfera de circula o conforme o g nero ou seja de acordo com a tem tica a estrutura composicional e o estilo verificam se modos de presen a espec ficos no mundo 1 3 2 A carta cena gen rica e estrutura composicional A preocupa o central deste trabalho a defini o da cena gen rica cartas de amor isto do modo de fazer ser t pico deste regime enunciativo o modo de enuncia o rastreado por Discini ainda em termos bem gerais servir de base configura o da cena gen rica Isso permite operar tamb m com a id ia de natureza socioletal de g nero segundo define Greimas hom loga no o de g nero como entidade s cio discursiva H dois problemas a resolver a defini o do g nero carta em geral e das cartas de amor em particular Parte se aqui da proposta de Norma Discini sobre o modo de enuncia o da carta Discini 2003b Depois de proceder e
326. orada semi tica enquanto categoria sem ntica profunda Ela nomeia a rela o primitiva que todo ser vivo mant m com seu ambiente a maneira como ele se sente em seu meio entre atra o e repuls o Bertrand 2003 p 368 230 A meton mia no modo do parecer remete ao todo no modo do ser por uma l gica singular o sujeito amoroso percebe o outro como um Todo todo o outro que produz nele uma vis o est tica louva o por ser perfeito vangloria se por t lo escolhido perfeito imagina que o outro quer ser amado como ele pr prio gostaria de ser n o por tal ou tal de suas qualidades mas pelo todo e esse todo concede o a ele sob a forma de uma palavra vazia pois Todo n o poderia inventariar se sem se diminuir Barthes 2003 p 11 21 preciso esclarecer que a palavra cora o se associa a outras na sem ntica global do texto na cenografia do apego est presente tamb m por exemplo o vocativo epistolar Querido Lu s Martins 2003 p 61 no qual o termo qualificante querido marca uma rela o de apego entre os interlocutores manifestando o thos amoroso Ainda quanto escolha lexical o uso de palavras como saudades e carinho por exemplo tamb m justificam a cena de enuncia o carinhosa bem como a assinatura Truly 199 Em termos semi ticos a figura do cora o remete no n vel das pr condi es no o de atratividade no n vel das est
327. orada pelo interlocut rio O interessante que ela mostra ser o que diz ser o que o enunciado afirma a enuncia o sustenta como alguns exemplos j mostraram Seria incoerente por exemplo ela dizer de um modo exaltado que rasgou as cartas excessivas ela estaria afirmando no enunciado ser equilibrada mas estaria mostrando na enuncia o exatamente uma postura desequilibrada 24 Nas palavras de Barthes a distin o entre o sujeito cognitivo e o passional se opera nos seguintes termos Meu corpo uma crian a teimosa minha linguagem um adulto perfeitamente civilizado Barthes 2003 p 155 245 As duas abordagens semi ticas da paix o s o desse modo muito distintas Elas nos parecem na verdade mais complementares do que antag nicas apoiando se ambas em dois grandes topoi cl ssicos a o paix o raz o paix o Bertrand 2003 p 365 Barthes no trecho nada tendo dito das devasta es operadas por essa ang stia sempre poderei quando ela houver passado ficar tranquilo por ningu m ter sabido de nada 2003 p 155 ilustra exemplarmente a seguinte no o semi tica o ato de julgamento isto de dom nio pela inst ncia sujeito s interv m em uma seqgii ncia posterior ao momento da experi ncia passional Bertrand 20083 p 363 206 inexor vel Um dia voc se arrepender O tempo demonstrou que o C ndido tinha raz o Quando convers vamos hoje pela manh hora
328. ores a estil stica discursiva prop e uma an lise que concebe o estilo como simulacro de um sujeito O enunciador assim tratado como o fiador de uma enuncia o entendido como o thos que toma corpo que se desenha na constru o do enunciado O enunciat rio como vimos tem sua g nese na incorpora o desse corpo dessa imagem constru da Em providencial formula o a autora diz que o enunciador leva o enunciat rio a querer dever entrar em conjun o com o valor do valor de uma totalidade Discini 2003a p 61 com uma imagem fim 68 Considerando essa id ia sobre estilo reunimos elementos para pensar tamb m na problem tica do estatuto do g nero Nos termos de Geraldo Tadeu Souza A partir da intera o org nica entre o g nero do discurso e o estilo e do grau de proximidade entre o destinat rio e o locutor podemos compreender a tipologia dos estilos ntimo familiar objetivo definida na esfera da vida cotidiana ou da vida oficial Souza 2002 p 127 Os g neros delimitam a esfera de atividade dos sujeitos regulando em linhas gerais as possibilidades do dizer os primeiros contornos de um modo de ser efeito de individua o Para enunciar com este ou aquele estilo preciso estar circunscrito numa dada esfera de circula o num dado dom nio de g nero As coer es de g nero assim na medida em que definem o que pode e o que deve ser dito na circunscri o do enun
329. orial que se materializa na forma de vocativo e de assinatura O vocativo epistolar constr i no texto a figura do interlocut rio no papel tem tico de destinat rio do mesmo modo que a assinatura identifica o interlocutor no papel tem tico de remetente Os antrop nimos assim na qualidade de denomina es de atores por meio de nomes pr prios cognomes apelidos tamb m fazem parte da onom stica como subcomponente da figurativiza o Nas cartas de amor como se viu verifica se um alto grau de iconiza o na constru o actorial Barros 1988 p 117 Na primeira carta Tarsila trata o interlocut rio por Lu s querido Nas outras cartas que escreve a ele o vocativo epistolar quando n o se mant m sofre pequenas altera es como na carta de 19 de novembro de 1950 Lu s muito querido e na carta de 20 de dezembro do mesmo ano Querido Lu s Martins 2003 p 61 O termo qualificante querido marca uma rela o de apego entre os interlocutores como revela o lexema a rela o entre sujeito e objeto modalizada pelo querer em certos casos explicitamente intensificado pelo adv rbio muito Quanto assinatura o interlocutor manifesta a assun o enunciativa por meio do apelido familiar Truly Trata se como comum nas cartas de amor isto como faz parte do estilo do g nero de uma assinatura marcada pela informalidade respons vel pela cria o
330. os tra os da intensidade e da brevidade um querer intenso e ef mero E o que expressam tamb m os conhecidos versos do Soneto da Fidelidade de Vin cius de Moraes 119 Os pap is pat micos aparecem como efloresc ncias passionais do apego Greimas e Fontanille 1983 p 184 101 Que n o seja imortal posto que chama Mas que seja infinito enquanto dure A figura da chama concretiza no discurso amoroso o tema da brevidade e intensidade do amor paix o Diante desse quadro a quest o agora apresentar uma proposta de apreens o da tem tica do amor definindo os hip nimos caracter sticos de cada esp cie de intera o epistolar amorosa Recorrendo novamente ao livro Cartas do Cora o nota se um caminho apontado por Elizabeth Orsini na organiza o dos cap tulos as cartas s o dispostas em classes de textos cuja denomina o aponta para cenas gen ricas particulares caracterizadas por dada tem tica O cap tulo intitulado Fazendo a corte por exemplo trata do tema do despertar do desejo da expectativa do primeiro encontro do devir do sujeito amante o sujeito movido pelo desejo de aquisi o do objeto Trata se do momento nas palavras de Orsini em que o homem que prisioneiro do amor tenta atrair o objeto de sua afei o com sedu es e empenha todo o seu nimo na uni o de dois distintos cora es com indissol vel la o 1999 p 19 Uma vez con
331. os valores democr ticos no qual o enunciador orienta seu fazer pela adi o isto pela coordena o de valores diferentes axiologizados como desej veis modalizados pelo querer ser No primeiro caso dominante a for a da repuls o no segundo a da atra o Em outros termos verifica se de um lado a estrat gia discursiva da exclus o de outro a da assimila o Em outros termos a triagem persegue a pureza a mistura a miscigena o a l gica da triagem converte os valores em objeto de rever ncia religiosa na dimens o do sagrado considerado valor puro a l gica da mistura opera na dimens o do profano valor impuro Valendo se de Cassirer Zilberberg diz que o sagrado da ordem do fechamento como uma regi o cercada protegida do mundo exterior considerando que na estrutura m tica cada espa o recebe um acento especial que opera como tra o distintivo em rela o ao discurso que pertence a outro espa o O profano assim da ordem da abertura refrat rio exclusividade localidade na dire o da ubigiiidade O amor exclusivo regido pela tica da triagem aristocr tico sagrado N o toa Ernest Hemingway escreve a Mary Welsh para mim voc ocupa o lugar da religi o Orsini 1999 p 98 Dostoievsky por exemplo tratava Anna Dostoivskaya por meu anjo Orsini 19
332. parecia perturbar me Orsini 1999 p 85 A id ia do voc como fonte de valores modais tamb m bem exemplificada no seguinte trecho de uma carta de Helo sa a Abelardo S tu tens o poder de me entristecer de me fazer feliz ou trazer consolo s o nico senhor do meu corpo e minha vontade Orsini 1999 p 223 Assim tamb m Dreyfus se reporta a sua esposa Lucy Estou impaciente por receber uma carta sua Voc minha esperan a voc meu consolo Sem voc eu n o poderia enfrentar a vida Orsini 1999 p 217 O actante voc como destinador quem confere ao actante eu o poder fazer Voc portanto a fonte da modalidade poder isto o actante que atualiza o sujeito eu para que este se realize primeiro preciso poder enfrentar a vida para ent o enfrent la uma vez que a compet ncia precede a perf rmance ou seja o poder fazer precede o fazer Retomando o exemplo de Victor Hugo voc o destinador o p lo provedor marcado pela abund ncia pela totalidade pela plenitude o actante que tem todos os dons da natureza como canta Djavan em perfeita correspond ncia com Victor Hugo N o h nada em lugar nenhum Que v crescer sem voc chegar capazes de dotar de compet ncia o actante eu de preench lo de tra os de vitalidade Voc respons vel pela exist ncia modal de eu que apenas quer sabe e pode viver em fun
333. pedida esta A vai meu cora o com muitas saudades desejando para voc tudo que h de bom Martins 2003 p 67 Na carta de 28 de dezembro l se isto Termino com os votos que fa o de cora o pela sua felicidade A vai meu cora o com imensas saudades Martins 2003 p 78 Em 31 de dezembro Tarsila assim se despede Bem termino enviando para V o meu cora o cheio de saudades Martins 2003 p 82 ae a225 3 A gt A despedida com abra os e beijos recorrente no estilo do g nero tamb m concorrendo para a cria o do efeito de presen a que viabiliza a ilus o enunciativa de fus o dos corpos separados pela dist ncia Tal procedimento permite vislumbrar o casal como uma esp cie de dois em um como bem exemplifica Barthes nos trechos a seguir O gesto do abra o amoroso parece realizar por um instante para o sujeito o sonho da uni o total com o ser amado Momento da afirma o durante um certo tempo na verdade acabado perturbado alguma coisa deu certo fiquei saciado todos os meus desejos abolidos pela plenitude de sua satisfa o a plenitude existe e n o descansarei at faz la voltar atrav s de todos os meandros da hist ria amorosa obstinar me ei a querer reencontrar renovar a contradi o a contra o dos dois abra os Barthes 2003 p 7 8 As duas metades do andr gino suspiram uma pela outra como se cada sopr
334. pela filha como naturalmente t mida discret ssima e avessa a badala es era quase dezoito anos mais jovem do que Lu s Martins portanto quase trinta e oito anos mais nova do que a prima rival que n o era t mida n o era discreta e adorava badala es Na descri o de Lu s Martins em seu livro de mem rias Anna figurativizada da seguinte maneira Anna Maria faz parte dos que n o t m mais terra A vida d voltas N o obstante uma leg tima paulista de quatrocentos anos Pelo lado materno descende de Br s Cubas o fundador de Santos pelo paterno filha de Renato de Andrade Coelho neto de Jos Bonif cio o Mo o sua linha geneal gica estende se pelo ramo leg timo ao Patriarca da Independ ncia hoje uma escritora conhecida autora de livros de contos dos quais o primeiro obteve dois pr mios o Jabuti e o Afonso Arinos Quando a conheci era apenas uma mo a de boa fam lia bonita inteligente e prendada S depois de casado vim a saber que ela fazia versos que n o mostrava a ningu m Gostava de arte e de literatura modernas mas a fam lia muito conservadora a esse respeito n o podia entender e 202 A TR E E o A A fam lia atuou em termos semi ticos como o anti sujeito disputando com o sujeito o objeto O esquema narrativo definido no caso como uma estrutura pol mica implica o surgimento ao lado ou melhor em face do sujeito de um anti sujeito a que e
335. perfeita com os cen rios validados que ela reivindica em seu texto A obra s vezes legitima sua cenografia evocando cenas que lhe servem de contraste o que chamamos de antiespelhos Maingueneau 1995 p 127 Segundo Najara Pinheiro as conven es gen ricas s o significados que os indiv duos utilizam e recriam para ler o texto a partir de pap is pr determinados historicamente As regras se repetem e se reproduzem ultrapassando limites de espa o e tempo e medida que recorrem sinalizam a exist ncia de contratos de acordos t citos perpetuados ou recriados entre produtores e receptores envolvidos em pr ticas sociais comuns a determinados grupos In Meurer e Motta Roth 2002 p 260 63 determinado pelo valor hier rquico do interlocutor e pelo grau de proximidade que existe entre o autor do enunciado e esse interlocutor no que se refere a um tema determinado rela o entre o estilo e a tem tica Pode se manifestar de v rias maneiras distintas conforme as configura es discursivas as cenas em que toma corpo o thos do enunciador Numa carta de ruptura amorosa por exemplo a imagem fim do enunciador muitas vezes a de um sujeito esvaziado das modalidades que afirmam o querer e o poder na ruptura o sujeito n o pode querer a conjun o amorosa n o quer poder manter essa conjun o j que o rompimento transforma a conjun o amorosa em disjun o O sujeito dessa forma figurativizado como
336. perfeito feito a coisa fosse o projeto e tudo j nascesse satisfeito Quem dera eu visse o outro lado o lado de l lado meu onde o tri ngulo quadrado e o torto parece direito Quem dera um ngulo reto J come o a ficar cheio de n o saber quando eu falto de ser mim indireto sujeito Leminski 1996 p 127 244 O presente trabalho estruturado em tr s cap tulos discutiu tr s quest es b sicas no cap tulo 1 a problem tica do estatuto do g nero de discurso no cap tulo 2 a tipologia das cartas de amor no capitulo 3 a constru o do thos na cenografia amorosa das cartas de Tarsila do Amaral e de Anna Maria Martins para Lu s Martins Nesta conclus o cabe ao pesquisador proceder recolha das principais no es apresentadas ao longo do estudo No capitulo 1 o g nero foi tratado luz da metodologia proposta pela Semi tica de linha francesa O que motivou inicialmente essa reflex o foi o fato de que as an lises semi ticas investigam objetos pertencentes aos mais variados g neros de discurso sem discutir especificamente o estatuto deles Tal constata o todavia n o autoriza a dizer que a teoria escolhida desconhece o problema o Dicion rio de Semi tica por exemplo apresenta uma defini o de g nero no verbete correspondente O que ocorre que a categoria tratada em termos sum rios e insuficientes para que seja precisado seu estatuto a Semi tica n o faz uma proposta sistem tica par
337. pessoas Martins 2003 p 15 Vencida a vacila o residual de resguardo a resist ncia em dar a p blico notas t o ntimas a fam lia diante da import ncia do material achou por bem abrir m o gt 2 gt 180 Namoradas que guardavam blocos de papel na mesma gaveta das guas de col nia para que as cartas levassem tamb m um pouco de sua fragr ncia pessoal transformaram se em meras personagens de romance Acabou se definitivamente o tempo no qual as cartas chegavam trazendo not cias de parentes e amigos distantes fato que at as estat sticas confirmam hoje as cartas pessoais se reduzem a menos de 3 de todo o volume de correspond ncia O avan o das telecomunica es primeiro com o telefone e seus derivados e depois com o e mail ou correio eletr nico artefatos bem mais adaptados nossa voca o para o ef mero v m produzindo uma nova gera o totalmente imersa na era digital a qual surpreendentemente jamais fez uso do correio tradicional O desaparecimento da carta este f rtil testemunho escrito produzido na fronteira entre a mem ria privada e a mem ria social ser um problema para os historiadores do futuro como recuperar e preservar arquivos de correspond ncia privada no fr gil universo virtual dos computadores Saliba 2004 p D4 181 Sobre isso vale relembrar o seguinte trecho de uma das ep grafes da introdu o desta disserta o Para os interessados em cartas pessoa
338. plo perfeito singular formando uma unidade de felicidade humana P ret 1985 p 66 Nos beijos e nos abra os figurativiza se o tema da fus o dos amantes como bem atestam os seguintes trechos de cartas de Apollinaire a Madeleine Retomo teus l bios apaixonadamente Hecker Filho 1984 p 197 Como se disse a presen a dos fechos de cortesia com tra os de afetividade faz parte do estilo do g nero portanto n o elemento suficiente para discretizar os atores em cada cenografia amorosa uma vez que constitutivo de toda carta de amor como elemento identit rio dessa cena gen rica O que singulariza os atores a maneira particular com que concretizam esses tra os de afetividade em cada cenografia constru da Deve se considerar aqui assim a no o de d ixis enunciativa ou seja a cena que o discurso constr i para si para legitimar sua enuncia o por meio dos enunciados estruturados o discurso desenvolve uma certa modula o uma voz que lhe caracter stica Nesse caso n o se trata mais do estilo do g nero mas do estilo da cenografia se naquele os atores amorosos se igualam neste eles se diferenciam se naquele o thos se atrofia neste ele se dilata Posto isso as despedidas nas cartas de Tarsila integram um conjunto de esquemas que correspondem a uma maneira espec fica de se relacionar com o mundo habitando seu pr prio corpo Maingueneau 1995 p 141 Nessa linha
339. plo disso o sujeito modal de Acontece de Cartola a composi o lembra uma carta na medida em que h uma rela o de intera o entre um eu e um tu q q caracterizado pelo n o dever n o querer n o saber e n o poder E acontece que j n o sei mais amar se eu ainda pudesse fingir que te amo mas n o quero n o 110 devo faz lo Na leitura de Tatit a insufici ncia modal do sujeito vai sendo aos poucos definida primeiramente com a aus ncia das modalidades atuais que por si s n o lhe permitiria completar as narrativas e depois com a supress o tamb m das modalidades virtuais o que acaba por extinguir a pr pria possibilidade de implanta o de um PN Tatit 2001 p 196 Verifica se a a interven o dos valores tensivos da descontinuidade a parada interrompe o cont nuo do amor o modo de ser e de fazer do sujeito No n vel discursivo a descontinuidade que se faz presente na transforma o do papel tem tico de amante em ex amante As no es de parada e de descontinuidade ali s s o tra os de sentido que caracterizam o lexema ruptura marcado aspectualmente pela terminatividade na constitui o da tem tica dessa esp cie de carta de amor trata se de interromper o andamento da hist ria demarcando o instante terminativo A varia o tensivo f rica assim se sobrep e modaliza o narrativa organizando a n
340. poder e o dever podem igualmente fundar a inquietude os sujeitos realizados virtualizados atualizados e potencializados s o todos suscet veis por raz es diferentes de ser inquietos Greimas e Fontanille 1983 p 194 124 dispositivo modal Isso quer dizer que a descontinuidade a base em que se ap ia o esvaziamento modal do sujeito e que o papel pat mico de sujeito inanimado resultado da perda das modalidades que comprometem a exist ncia e a compet ncia do actante Para pensar a instabilidade a partir da preciso notar que a ora o adverbial incide sobre a ora o principal fico inanimada o sujeito se encontra nesse estado no momento em que se realiza o fato enunciado pela subordinada Lembrando que a no o de tensividade f rica apresenta um teor tempo aspectual a descontinuidade marcada providencialmente por uma ora o temporal Sem a ocorr ncia do fato expresso por esta impera a continuidade inferindo se desse quadro um sujeito relaxado em conjun o com o objeto o sujeito retorna assim posi o de plenitude readquirindo as modalidades perdidas Como se percebe basta o afastamento do objeto para o sujeito deslocar se para a d ixis da aus ncia Por fim a forma verbal vai indica um presente fregiientativo equivalendo a sempre que voc parte nos momentos em que voc se distancia as idas do amado s o marcadas aspectualmente pela iteratividade o pr
341. poder n o ser privado do objeto necess rio o sujeito n o sabe n o pode viver n o havendo outro objeto que possa suprir a falta A inquieta o afetiva do sujeito amoroso adv m do fato de ele querer e n o poder como se percebe tamb m neste trecho de uma carta de Violeta Trefusis a Vita Sackville West em que a dist ncia um obst culo conjun o provocando oscila es pat micas Quero voc a cada segundo a cada hora do dia Algumas vezes sou invadida pela agonia de sua falta f sica um desejo ardente de sua presen a e de seu toque Outras vezes sinto que ficaria satisfeita se pudesse ao menos ouvir o som de sua voz Mal consigo imaginar seus l bios nos meus Orsini 1999 p 87 Como se nota o sujeito se define pelo apego intenso ao objeto aspirando ao restabelecimento do quadro de possess o o desejo ardente de sua presen a de seu toque A separa o f sica todavia impede a conjun o o contato dos corpos assim n o pode ser Em Oceano no trecho Vem me fazer feliz porque te amo o sujeito eu tamb m se define pelo desejo de conjun o com o objeto voc em que inscreve o valor felicidade O interessante que esse objeto por outro lado desempenha tamb m o papel actancial de destinador como tamb m na carta de Violeta Trefusis De acordo com Tatit o ator voc vem sendo definido como destinador transcendente respons vel pelo crescimento e movimento
342. pois sem namoro segundo os costumes conservadores da poca casa se no dia 18 de janeiro de 1906 em S o Paulo com um primo da sua m e Andr Teixeira Pinto Gotlib 2003 p 35 194A anula o foi conseguida com o aux lio de Jos Estanislau do Amaral pai de Tarsila que foi em seu tempo o maior latifundi rio de S o Paulo seus dom nios estendiam se de Indaiatuba e Jundia a Capivari S o Pedro e Piracicaba O casamento com Oswald teve como padrinhos Ol via Guedes Penteado e Washington Lu s ent o Presidente da Rep blica fato que atesta a influ ncia do casal no cen rio nacional da poca Segundo N dia Battella Gotlib o processo de anula o s ser iniciado em abril de 1925 portanto quase vinte anos mais tarde justamente quando Tarsila j mulher de seus 38 anos preparava se para o casamento com Oswald de Andrade 2003 p 35 195 Os Amarais em geral mesmo os mais pr ximos de Tarsila e que lhe perdoavam a ousadia desse segundo matrim nio n o gostavam nem um pouco de Oswald de Andrade sentimento que persiste at hoje na fam lia descrevendo o entre outras coisas como um grande esbanjador do dinheiro do pai e do dinheiro do pai alheio Martins 2003 p 21 1 Mais do que uma mera curiosidade onom stica constata se novamente a relev ncia da antropon mia a no o de fus o dos sujeitos apaixonados ou seja da uni o dos corpos dos amantes que resulta da convers o da
343. ponder desde sua desapari o uma divindade n o apenas real e individual mas igualmente nica Tendo desviado seus olhares de um c u ilus rio esses poetas foram assim conduzidos a procurar em sua vida mortal uma divindade na dimens o humana sobre a qual podiam transportar suas for as afetivas P ret 1985 p 79 Como se depreendem das palavras do poeta no amor a Deus o objeto nico mas n o os sujeitos No caso do amor a uma mulher sujeito e objeto s o nicos o sujeito exclusivo e seu objeto n o partitivo Aqui a divindade n o pode ser partilhada pela coletividade inteira nisso que se funda a especialidade desta rela o em contrapartida quela se o amor tivesse por express o equivalente amar qualquer pessoa a primeira que se encontra mas a f rmula muito diferente amar uma s pessoa uma nica pessoa Kierkegaard 1997 p 69 Na defini o do amor como for a agregadora ou protetiva que sentem os membros dos grupos familiares ou n o entre si tamb m n o se verifica necessariamente o tra o da exclusividade desse semema infere se que o sujeito pode investir o amor em distintos objetos o mesmo objeto pode ser alvo do amor de distintos sujeitos 103 3 Er S a Sobre isso Vieira diz o seguinte Os homens quando menos querem que o seu amor seja d vida de os amarem a eles e obriga o de n o amarem a outrem E Cristo quer que o seu amor
344. que incidente tranco me em meu quarto e rebento em solu os sou arrastado por uma onda poderosa asfixiado de dor todo meu corpo se retesa e se convulsiona vejo num rel mpago cortante e frio a destrui o qual estou condenado Nenhuma rela o com a depress o insidiosa e acima de tudo civilizada dos amores dif ceis nenhuma rela o com o transir do sujeito abandonado n o me abato mesmo duro Barthes 2003 p 49 Sobre Tarsila parece mais apropriado falar em desespero suave em resigna o ativa como a rela o civilizada dos amores dif ceis em que o sujeito n o se abate o thos veiculador de um corpo ereto duro que n o se curva diante das intemp ries da vida amorosa Barthes lembra um poema popular que acompanha certas bonecas japonesas e que vem bem a calhar aqui Telle est la vie Tomber sept fois Et se relever huit Barthes 2003 p 231 214 interlocutor se constr i como um ator marcado em suas pr prias palavras pela completa resigna o e serenidade despedindo se de Anna afirmando que ela n o desistisse da felicidade dela Tarsila abre m o do objeto num programa de ren ncia Coerente com a atitude de desprendimento Nada pe o para mim deixa claro que n o era movida pelo querer fazer mal a nenhum dos dois N o porque ela diz que n o quer mal a nenhum dos dois e que nada pede para si mesma entretanto que o thos se manifesta benevolente
345. quistado o objeto o sujeito amante antes virtual torna se realizado Nesse novo instante da narrativa do amor o sujeito procura manter sua rela o com o objeto a uni o de dois distintos cora es com indissol vel la o Em outros termos uma vez estabelecido o elo o sujeito se empenha parar mant lo indissol vel isto para que n o se desfa a a conjun o o tema da manuten o da uni o figurativizado no trecho pelos cora es atados por um la o indissol vel isso que se verifica no cap tulo Suspiros d alma 120 224 Pee E wai PE Po Em Semi tica das paix es Greimas e Fontanille ensinam que as defini es das paix es no dicion rio comportam uma s rie de denomina es taxin micas que constituem como que grandes classes da vida afetiva Por exemplo os lexemas sentimento e emo o discretizados por tra os aspectuais particulares esta definida como rea o afetiva em geral intensa e de car ter moment neo aquele como estado afetivo complexo est vel e dur vel 1993 p 84 Nessa perspectiva o amor maduro se coaduna com a no o de sentimento o amor paix o com a id ia de emo o A respeito disso Barthes faz a seguinte pergunta Por que durar seria melhor do que queimar Barthes 2003 p 16 121 Trata se de uma figura recorrente nos discursos amorosos apresentando algumas pequenas varia
346. r servir se de ter prazer de Greimas e Fontanille 1993 p 185 O sujeito da possess o logo aquele que tem consigo o objeto e n o um sujeito de fazer que busca a conjun o trata se de um sujeito j conjunto que visa ao prazer de seu objeto Greimas e Fontanille 1993 p 185 defini o que se coaduna com a do Houaiss O fato de o sujeito ter apego ao objeto portanto n o significa que tem a sua posse do mesmo modo que a posse n o garante o apego Nas cartas de estabelecimento do elo existencial entre os amantes ou de restabelecimento por exemplo nota se um apego sem posse Nas cartas de ruptura do elo a posse marcada pelo desapego e o objeto abandonado Nas cartas de manuten o em contrapartida verifica se o termo complexo o apego com posse a posse com apego Trata se de uma no o que pode assim ser pensada numa perspectiva aspectual Conforme aparece na esfera dos discursos jur dicos a posse marcada pela incoatividade pela duratividade pela terminatividade e pela iteratividade Isso se constata respectivamente nas seguintes express es que remetem tamb m espacializa o entrar na posse permanecer na posse deixar a posse reintegrar na posse Essa esp cie de juridismo das rela es afetivas se manifesta por exemplo no seguinte trecho de uma carta de Frida Kahlo para um namorado Alex minha propriedade garantida Zamora 2002
347. r Dessa forma o ser humano um ator cujo ser j em si mesmo para diz lo com a express o de Santo Tom s de Aquino um ato de tender para esse est tendere Cada ser humano antev a sua plena realiza o enquanto ser naquele instante supremo da imers o do sujeito no seio do objeto para a conjun o final Lopes 1989 1990 p 156 157 Para melhor compreender a progress o dos estudos semi ticos entendendo o espa o que a modaliza o ocupa no desenvolvimento das pesquisas dois textos s o particularmente providenciais Sendas e Veredas da Semi tica Narrativa e Discursiva de Jos Luiz Fiorin Fiorin 1999b e Sintaxe Narrativa de Diana Luz Pessoa de Barros Barros 1995 Nesses trabalhos caminha se da fun o proppiana ao enunciado narrativo da perf rmance do sujeito sua compet ncia modal da a o manipula o da modaliza o do fazer modaliza o do ser da modaliza o do ser s paix es das paix es estesia possibilitando se uma vis o panor mica dos n veis que comp em o percurso gerativo de sentido Os ensaios mostram que depois do estudo do sujeito de fazer por meio da modaliza o do fazer a semi tica passa a se preocupar com a abordagem do sujeito de estado por meio da modaliza o do ser Esta por sua vez ser a base para a an lise dos percursos pat micos j que os efeitos passionais resultam dos arranjos de modalidades do ser O tratament
348. r tico em que o objeto exerce sobre o sujeito uma atra o libidinal o sujeito movido por um intenso querer estar em conjun o carnal com o objeto de desejo Nesse amor n o raro se verifica o tema da fus o dos sujeitos apaixonados tema recoberto por exemplo pela figura dos corpos fundidos entrela ados Como exemplifica o das diversas manifesta es desse sentimento vale lembrar o nono cap tulo da primeira parte da obra rom ntica O Guarani que providencialmente tem por t tulo Amor Alencar 2001 p 51 Nesse cap tulo aparecem tr s sujeitos de estado que se relacionam de modo diferente com o mesmo objeto figurativo Cec lia investindo nela distintos valores Os sujeitos nos pap is figurativos de Loredano lvaro e Peri disputam o mesmo objeto Cec lia que figurativiza para cada um deles uma dada manifesta o do sentimento amor Loredano modalizado pelo querer ser ambiciona Cec lia como objeto de desejo er tico lvaro investe no objeto o amor delicado e cort s de imposs vel consecu o Peri investe em Cec lia valores pr prios da devo o religiosa adorando a como a uma deusa No livro Cartas do Cora o uma antologia do amor Orsini 1999 a titula o dos cap tulos bastante emblem tica sintomaticamente apontando para algumas das distintas formas que o amor assume numa perspectiva taxion mica socioletal O cap tulo denominado como
349. r de imp rios Martins 2008 p 220 Chegamos a este paradoxo o pr prio ser amado que na rela o trial est quase demais O que pode ser lido em certos apuros Quando o pr prio objeto amado se queixa de meu rival deprecia o n o sei como replicar a essa queixa por um lado nobre n o aproveitar de uma confid ncia que me beneficia que parece refor ar o meu lugar e por outro sou prudente sei que ocupo o mesmo ponto que meu concorrente e que consequentemente toda psicologia todo valor abolidos nada pode impedir que tamb m eu seja um dia por meu lado objeto de deprecia o Por vezes ainda sou eu mesmo que fa o ao outro um certo elogio do rival para ser liberal contra o que o outro estranhamente para me lisonjear protesta Barthes 2008 p 80 173 3 1 A constru o do thos e as cenografias amorosas A atopia do amor a peculiaridade que o faz escapar a todas as disserta es seria que em ltima inst ncia s se pode falar dele segundo uma estrita determina o alocut ria seja ele filos fico gn mico l rico ou romanesco sempre h no discurso sobre o amor uma pessoa a quem nos dirigimos mesmo que essa pessoa houver passado ao estado de fantasma ou de criatura a vir Ningu m tem vontade de falar de amor se n o for para algu m Barthes 2003 p 100 Ap s a discuss o do cap tulo anterior sobre a tem tica do g nero carta
350. r meio de uma estrutura composicional de uma tem tica e de um estilo No cap tulo 1 as tr s no es foram apresentadas em termos mais gerais destacando se a an lise da estrutura composicional por meio da ancoragem actorial temporal e espacial o cabe alho o vocativo o fecho de despedida e a assinatura s o elementos caracter sticos da intera o epistolar No cap tulo 2 privilegiou se a tem tica Neste cap tulo 3 contempla se sobretudo a problem tica do estilo da cenografia Isso significa que ganham cena aqui sujeitos enriquecidos semanticamente convertidos em atores situados num espa o e tempo precisos com uma hist ria que os torna quem s o Nessa perspectiva Tarsila do Amaral Lu s Martins e Anna Maria Martins mostram na correspond ncia que trocaram uma hist ria particular de amor no universo da 178 S Quem escreve escreve a algu m sujeito e objeto dessa maneira hist ria geral do amor n o s o pronomes indefinidos os nomes pr prios concretizam os atores destacando os da massa amorfa das indefini es Os sujeitos constroem assim cenas de enuncia o particulares O t pico a seguir trata da constitui o do corpus de an lise via de acesso do pesquisador hist ria desse tri ngulo amoroso 178 E ea De acordo com Ana Lu sa Martins trata se de uma hist ria que longe de denegrir quem quer que fosse s engrandecia a mem ria do
351. ra basicamente oral operaram com um n mero limitado de g neros Depois do advento da escrita ampliou se o repert rio de g neros nascendo aqueles t picos da linguagem escrita a escrita no papiro n o faz parte de uma cultura essencialmente oral por exemplo Multiplicaram se ainda mais os g neros com o surgimento da imprensa antes do florescimento da cultura impressa n o h que se falar por exemplo nos g neros Nos termos de Bakhtin Os enunciados e o tipo a que pertencem ou seja os g neros do discurso s o as correias de transmiss o que levam da hist ria da sociedade hist ria da l ngua Nenhum fen meno novo fon tico lexical gramatical pode entrar no sistema da l ngua sem ter sido longamente testado e ter passado pelo acabamento do estilo g nero Bakhtin 2000 p 285 Nessa linha examine se por exemplo o fen meno novo do blog esp cie de di rio eletr nico e seu funcionamento discursivo particular 30 do discurso jornal stico No quadro atual diante da incrementa o tecnol gica que faz vicejar a chamada cultura eletr nica verifica se a explos o de novos g neros como o e mail as telemensagens os bate papos virtuais as aulas chats e as videoconfer ncias por exemplo Pensando no car ter din mico dos g neros sens veis s flutua es hist ricas e s varia es culturais Bakhtin caracteriza os como os tipos relativamente est veis de enuncia
352. rar que este cap tulo n o pretendeu fornecer apenas elementos para uma reflex o sobre o estatuto do g nero cartas de amor em particular mas tamb m subs dios para uma abordagem do discurso amoroso em geral Procedeu se ent o s an lises a partir do simulacro metodol gico do percurso gerativo de sentido as cartas de amor foram dissecadas desde o n vel tensivo at o discursivo Incorporaram se ao modelo desenvolvido por Greimas diversas contribui es para o desenvolvimento da teoria Assim no n vel das estruturas s mio narrativas o trabalho operou com conceitos da Semi tica das Paix es e da Semi tica Tensiva no n vel discursivo com a abordagem da sintaxe discursiva proposta por Jos Luiz Fiorin 295 A liberdade do enunciador maior nos g neros menos estereotipados quanto maior a rigidez do g nero menor o espa o reservado enuncia o idioletal 249 Fiorin 1999a e com as no es de estilo na constru o do thos do ator da enuncia o propostas por Norma Discini Discini 2003a Para tratar das cartas de amor fornecendo tamb m elementos para uma an lise mais ampla do discurso amoroso definiu se inicialmente o que significa amor com a preocupa o de reduzir a polissemia do termo na perspectiva da monossemia e da monorreferencialidade exigidas no discurso cient fico Focalizou se ent o especificamente o amor como rela o de envolvimento afetivo e sexual entre s
353. ras grosseiras assinalam um modo de presen a no mundo pautado pela indelicadeza Nesse sentido que se chega enuncia o a partir das pistas disseminadas no o gal enunciado 228 4 a E Esse um trecho da can o D um role dos Novos Baianos Conforme seu compositor Galv o quando a can o foi apresentada a Jo o Gilberto ele disse gostar mas que era muita responsabilidade afirmar ser amor da cabe a aos p s Galv o 1997 p 86 Nas cartas de Tarsila a Lu s Martins nota se a assun o enunciativa dessa responsabilidade 229 Segundo Plat o no Timeu o homem entendido como possuidor de tr s almas ou uma alma com tr s partes uma dedicada s fun es racionais ao logos chamada logistikon e sediada no enc falo outra chamada thumoeides com sede no cora o destina se s atividades afetivas e espirituais n o racionais ou mais precisamente n o l gicas uma terceira situa se nas v sceras abaixo do diafragma chama se epithumetikon e responde pelas fun es apetitivas Pessotti 1999 p 22 Essa formula o de Plat o pode ser homologada Semi tica como mostra Denis Bertrand No n vel das estruturas profundas formulamos a hip tese da massa t mica Essa no o tomada de empr stimo psicologia do grego thumos cora o afetividade Humor disposi o afetiva de base Petit Robert cf o derivado corrente ciclotimia incorp
354. reimas 2002 p 35 6 19 Quanto tematiza o ensina a semi tica que os valores disseminam se sob a forma de temas em percursos tem ticos e recebem investimento figurativo no n vel discursivo Barros 1988 p 115 Cabe figurativiza o a concretiza o de sentido considerando que as estruturas discursivas s o ao mesmo tempo mais complexas e enriquecidas que as estruturas narrativas e fundamentais Barros 1988 p 115 168 As categorias presen a e aus ncia s o tematiza es de conjun o e disjun o que por sua vez resultam da convers o de plenitude e vacuidade Como providencialmente lembra Landowski presen a e aus ncia s podem ser concebidos como remetendo aos modos de exist ncia semi tica suscet veis de afetar seja o estatuto dos pr prios sujeitos seja o das rela es que eles mant m Landowski 2002 p 175 163 Segundo Espinosa aquele que se recorda de uma coisa com que se deleitou deseja possu la nas mesmas circunst ncias em que na primeira vez com ela se deleitou se aquele que ama descobrir que alguma dessas circunst ncias falta ficar triste pois imagina algo que exclui a exist ncia da coisa amada Ora como deseja por amor essa coisa ou essa circunst ncia imagin la faltando entristece Essa tristeza enquanto referida aus ncia do que amamos chama se desiderium apud Chau 2002 p 23 Em nota a essa palavra Ma
355. relacionamento e se resigna com o t rmino da rela o em 48 horas a hist ria amorosa marcada pela brevidade 116 Sobre a perda de intensidade do amor na dire o da terminatividade Leminski diz O amor esse sufoco agora h pouco era muito agora apenas um sopro Leminski 1996 p 119 Sobre a efemeridade do instante de paix o Florbela Espanca escreve Ah fixar o ef mero Esse instante Em que o teu beijo s frego de amante Queima o meu corpo fr gil de mbar loiro Espanca 2002b p 135 Sobre a instabilidade da paix o feminina Florbela diz Acreditar em mulheres coisa que ningu m faz Tudo quanto amor constr i A inconst ncia desfaz Hoje amam amanh esquecem Ora dores ora alegrias E o seu eternamente Dura sempre uns oito dias Espanca 2002a p 43 117 Em termos tensivos verifica se uma menor intensidade e uma maior extensidade como mostra Zilberberg 1984a uma maior acelera o e rapidez no eixo da intensidade andamento conduz a uma menor longevidade no eixo da extensidade temporalidade em contrapartida o andamento mais lento leva maior longevidade 99 nas palavras de Orsini s o rela es j duradouras que se querem sem fim O adjetivo duradouras e a locu o sem fim traduzem a no o de duratividade de continuidade A RE ada EE o ai F ininterrupta A mesma id ia se verifica no adjetivo eterno presente na assinatura de Dostoievski a
356. retudo Maria Ilda Wagner M rio Higa An bal Maur cio Paulo Martins Paganin Paulinho Paulo Luciano Priscila Marc lio Dan Ax Augusto Moraes Cardy Carrilho lvaro Caldini Mark Matias Robby Renato Rosso Al Ronaldinho lvaro C sar Play K tia Giovani Harley Celsinho Gustavo Ponce Jucenir Jonas Arruda St vale Nicolau Alberto e Pel por nossa mem ria compartilhada Aos meus amigos do Anglo de S o Jos dos Campos principalmente Elzira Ana Maria Fidefico Saulo Oscar e Spani Aos meus amigos do CPC sobretudo Maria C lia Macuco Ant nio Carlos Marcato e Marcos Pagan que acolheram com ternura o retorno do filho pr digo fam lia do Direito Aos meus professores de Franc s Gabriela e Lu s Ant nio que me auxiliaram a superar as barreiras da l ngua na leitura da teoria semi tica RESUMO Esta pesquisa tem por objetivo central analisar o processo de constru o do sentido nas cartas de amor tomando como refer ncia principalmente os modelos propostos pela Semi tica de linha francesa a fim de compreender o que faz uma carta de amor ser uma carta de amor independentemente da data do local e da assinatura sob a variedade do dom nio do acontecimento interessam sobretudo as coer es acr nicas da estrutura Nesse percurso anal tico ser discutido primeiramente o problema da defini o do estatuto do g nero estabelecendo se uma distin o entre as categorias g ner
357. rfeito gerador simb lico da felicidade o homem que a divindade deixou insatisfeito deve primeiro voltar seus olhos do c u para a terra e a buscar o ser que lhe permite sua reconstitui o a constitui o de um ser duplo perfeito singular formando uma unidade de felicidade humana P ret 1985 p 66 164 denominar se como Teu o sujeito parece transmudar se em objeto da posse do outro e o objeto assim adquire o estatuto de sujeito Al m da figurativiza o que um procedimento da sem ntica discursiva o interlocutor recorre tamb m a estrat gias da sintaxe discursiva para criar o efeito de presen a que faz ser o ausente Toma se como exemplo o seguinte trecho de uma carta de Rosa Luxemburgo para Leo Jogiches Oh Dyodyo Dyodo Apresse se venha at aqui n s nos esconderemos do mundo n s dois em dois quartinhos trabalharemos s s cozinharemos e a vida ser t o boa t o boa Dyodyo querido Ponho os bra os ao redor de seu pesco o beijo o mil vezes Abra o o beijo o na boca e no nariz e estou absolutamente decidida a que me carregue em seus bra os Orsini 1999 p 82 H de in cio como se nota uma oposi o espacial entre o aqui e o a Essa oposi o contudo que marca a dist ncia entre os interlocutores parece neutralizada pela embreagem temporal o presente usado em lugar do futuro converte a absenteiza o em presentifica o
358. rgumento de consenso etc Podem ser apresentados tamb m contra argumentos A conclus o o desdobramento l gico da progress o argumentativa apresentando em geral uma resposta s ntese ao problema levantado pela tese Diferentemente da narra o a disserta o apresenta progress o l gica n o cronol gica Neste texto n o se relatam transforma es acontecimentos marcados pela anterioridade e posterioridade as partes do texto se articulam por meio de rela es de causalidade implica o conformidade adversidade ou seja por meio de rela es l gicas Quanto ao uso dos tempos verbais o tempo predominante na disserta o o presente atemporal podem se eventualmente usar outros tempos principalmente os outros dois tempos do sistema do presente o pret rito perfeito e o futuro do presente Fiorin 2004 Quanto aos tipos subsumidos pelo macro tipo dissertativo Fiorin recorrendo ret rica cl ssica fornece providenciais elementos como ponto de partida para que seja estabelecida a distin o entre os tr s segmentos textuais Arist teles na Ret rica trata de tr s grandes quest es o logos o pathos e o ethos A primeira concerne argumenta o a segunda ao audit rio e a terceira ao orador Dir amos hoje que a primeira diz respeito ao discurso a segunda ao enunciat rio e a terceira ao enunciador Ao explicar o ethos diz que o orador a
359. rilena Chau diz aqui rigorosamente saudade Chau 2002 p 24 161 perspectiva ajuda a matar as saudades aliviando a afli o da falta como se percebe nestas palavras de Machado de Assis a Carolina Xavier de Novais Saudades da minha C tive as como podes imaginar e ainda mais estive aflito como contei por n o ter tido cartas tuas durante dois dias Afirmo te que foi um dos mais tristes que tenho passado Orsini 1999 p 37 Isso pode ser bem observado tamb m no seguinte trecho da j citada carta de Rui Barbosa a Maria Augusta Passou a primeira noite desta amarga aus ncia e o primeiro pensamento meu ao amanhecer n o pode ser outro sen o buscar conversando contigo daqui uma consola o a t o dolorosas saudades Tua imagem tua alma est o em mim como na presen a Orsini 1999 p 112 A escrita aqui parece de fato pretender preencher o vazio que a motiva atenuando o quadro pat mico da car ncia provocada pela aus ncia do objeto de desejo Interessante notar que o narrador que sincretiza os pap is de sujeito da enuncia o debreagem enunciativa da enuncia o e do enunciado debreagem enunciativa do enunciado manifesta como sujeito do julgamento a consci ncia das ilus es enunciativas N o se trata de presen a real mas de efeito de sentido de presen a que serve de consolo para a ang stia da falta a carta traz o voc de papel o amante a
360. rrativa dos respectivos valores investidos Em todos os casos o sujeito manifesta uma rela o euf rica com o objeto trata se de um sujeito modalizado pelo querer Em todas as situa es constata se que a afetividade investida no objeto forte t nica em todas as defini es a rela o entre sujeito e objeto intensa ainda que varie o gradiente dessa intensidade como se percebe pela presen a dos lexemas forte for a indicando a tonicidade da conjun o Nessa abordagem dos nomes do amor inspirada pela sem ntica lexical o exame das defini es do dicion rio em busca de correlatos leva palavra apego definida pelo Houaiss como liga o afetuosa afei o estima dedica o constante e excessiva a algo O verbo apegar traduzido como fazer sentir ou sentir apego afei oar se O sujeito apegado assim definido como aquele que se apegou a Como se pode notar as palavras liga o e dedica o bem como a preposi o a indiciam a rela o entre sujeito e objeto A palavra excessiva por sua vez aspectualiza essa rela o apontando para seu gradiente da intensidade Como diz providencialmente Andr as Capellanus em sua De arte honeste amandi o amor rouba seu nome da palavra gancho amus que significa capturar ou ser capturado pois aquele que ama foi capturado na malha do desejo e aspira do mesmo modo a capturar algu
361. ruturas s mio narrativas marca a exist ncia modal do sujeito pelo querer que caracteriza o sujeito como desejante e o objeto como desej vel ao dizer a vai meu cora o manifesta se no n vel discursivo o querer ser conjunto que caracteriza o apego intenso da rela o amorosa N o no dito que se encontra o sujeito amoroso apegado mas no modo de dizer o thos manifesta se nesse caso na escolha lexical Isso significa que o enunciador tamb m se revela por meio das figuras convocadas os lexemas utilizados permitem no construir uma determinada representa o da realidade fabricando o mundo que habita Nesse sentido que a sele o lexical ajuda a manifestar um modo de presen a no mundo Narrativizando o fecho de despedida caracter stico de Tarsila verifica se que o interlocutor no papel actancial de sujeito de fazer coloca o interlocut rio no papel de sujeito de estado em conjun o com o objeto figurativo cora o no qual se investem os valores associados ao amor como prazer felicidade etc Cria se assim um efeito de presen a fundamental para a manuten o do elo existencial Apesar de conjuntos no modo do ser sujeito e objeto est o disjuntos no modo do parecer dada a dist ncia espacial entre eles o envio do cora o assim cria a impress o de compatibilidade entre as modalidades veridict rias fazendo parecer o que de fato 232 e 3 A figura do cora
362. s e n o a dos quadros nas paredes com o perd o do trocadilho que dada a conhecer pela publica o de suas notas amorosas As cartas que constituem o corpus de an lise deste cap tulo foram agrupadas em tr s per odos acolhendo se a organiza o de Ana Luisa Martins o primeiro composto apenas por cartas de Tarsila escritas entre o fim de 1950 e o in cio de 1951 o segundo cont m 186 Truly pronuncia se Trulf era um antigo apelido de Tarsila no qual Oswald de Andrade muito provavelmente se inspirara anos antes para criar o acaipirado babytalk Trolyr com o qual a designava Martins 2003 p 60 179 cartas dela e de Anna Martins circunscritas aos primeiros meses de 1952 o terceiro apenas cartas de Anna Martins ancoradas temporalmente de mar o a maio de 1952 Retomando a classifica o dos percursos tem ticos do sujeito amoroso na intera o epistolar o primeiro per odo abarca cartas de manuten o do elo existencial Tarsila gerencia dist ncia a conjun o com o amado Os sujeitos est o disjuntos espacialmente em raz o de viagens do cr tico Tarsila escreve assim para manter a conjun o de fato apesar da disjun o aparente por meio da cria o do efeito de presen a Tarsila faz parecer o que em verdade elidindo os efeitos disf ricos provocados pela dist ncia Isso quer dizer que apesar de separados em raz o da dist ncia espacial os sujeitos parecem est
363. s torpe e infame bem como 241 nos xingamentos interesseiro e mau car ter Martins 2003 p 148 149 Tal modo de dizer t pico de um modo de ser de quem n o consegue se conter diferentemente do que se d com o sujeito equilibrado Por meio das acusa es e dos xingamentos nota se um corpo de dedo em riste um tom de voz gritado e um car ter tenso t picos de um thos beligerante que contrasta com o thos sereno e benevolente de Tarsila Isso se manifesta tamb m por meio do uso de frases interrogativas como Depois disso voc acha que posso crer em algo Martins 2003 p 148 149 Anna dirige uma s rie de questionamentos a Lu s tentando desqualific lo por meio das perguntas Dessa maneira afirma de modo indireto que ele n o digno de confian a As acusa es aparecem tamb m de modo direto como em Minha vida com voc seria o despenhadeiro Martins 2003 p 148 O tom b lico expresso por meio das acusa es e xingamentos com a finalidade de rebaixar o outro aparece tamb m em Algu m que eu Julgava ser um Homem o uso do h mai sculo no plano da express o um procedimento da enuncia o que remete intertextualmente express o popular Homem com H mai sculo O homem com h min sculo nessa linha a pr pria tradu o do indiv duo rebaixado desvalorizado 242 CONCLUS O 243 Quem dera eu achasse um jeito de fazer tudo
364. s ocorreria realmente a partir dos anos 60 Martins 2003 p 20 190 de hoje ainda capaz de chocar quando a mulher que mais velha em 1933 era considerada quase uma pervers o Martins 2003 p 19 Em outro trecho revelador das rela es entre as categorias de pessoa tempo e espa o ou seja entre Tarsila a primeira metade do s culo XX e S o Paulo Ana registra que lidas em ordem cronol gica as cartas de Tarsila contavam uma espantosa hist ria de moralismo e preconceito ocorrida h meros cingiienta anos que mais parecia um romance de amor ou uma novela de poca repleta de paix o trai o sofrimento e generosidade Martins 2003 p 15 Isso se deve ao fato de que a abund ncia de relacionamentos as separa es a pris o tudo isso aliado total e desafiadora falta de convencionalismo de Tarsila eram um esc ndalo para a poca e principalmente para a moral provinciana da fam lia Martins 2003 p 22 Em termos semi ticos pode se entender que a sociedade de ent o no papel actancial de destinador manipulador disseminava r gidos valores com os quais os sujeitos deveriam estar em conjun o A mesma sociedade assumindo tamb m o papel de destinador julgador sancionava a perf rmance desses sujeitos em fun o do quadro axiol gico estabelecido Assim aqueles que se comportavam de acordo com as prescri es e interdi es definidas nesse quadro eram premiada
365. s no fazer comunicativo da carta Recorrendo novamente ao Dicion rio de Semi tica O g nero designa uma classe de discurso reconhec vel gra as a crit rios de natureza socioletal Estes podem provir quer de uma classifica o impl cita que repousa nas sociedades de tradi o oral sobre a categoriza o particular do mundo quer de uma teoria dos g neros que para muitas sociedades se apresenta sob a forma de uma taxionomia expl cita de car ter n o cient fico O estudo da teoria dos g neros caracter stico de uma cultura ou de uma rea cultural dada n o tem interesse sen o na medida em que pode evidenciar a axiologia subjacente classifica o ele pode ser comparado descri o de outras etno ou sociotaxionomias Greimas e Court s 1983 p 202 e 438 A classifica o dos g neros assim um fazer taxion mico socialmente orientado S revela interesse ao pesquisador na medida em que revela a axiologia o quadro de valores subjacente taxionomia Essa defini o compat vel com as id ias de Bakhtin sobre os g neros como formas est veis sobre as formas t picas de estrutura o do g nero e o reconhecimento social de cada estrutura composicional estilo e tem tica Trata se ent o nas duas defini es que em certa medida se pretende homologar de formas de categoriza es particulares do mundo Reencontra se aqui a no o de contrato uma vez que cada g nero presume u
366. s que o transformam em objeto de desinteresse ou de avers o Para Tarsila de fato a import ncia que Lu s assume tal que ele segue desempenhando o papel de espectador legitimado pelo sujeito na posi o de destinador Julgador ela elege o olhar do outro como leg timo para julgar a imagem de si que consegue projetar Harkot de La Taille 1999 p 25 N o por outra raz o que escreve na primeira carta da fase da separa o N o quero que voc conserve uma impress o m em rela o a mim Martins 2003 p 109 como se dissesse em termos semi ticos que desejava seguir em conjun o com a boa imagem constru da na narrativa da vida amorosa O importante verificar que o que dito no enunciado sustentado pela enuncia o ao n o ofender o outro ao n o amea lo ao n o se exaltar ao n o se indignar n o h nenhuma marca que aponte para a perda da boa imagem Delineia se ent o o thos anti beligerante que marca o ator da enuncia o como uma esp cie de caracter stica at vica constitutiva de seu modo de ser a delicadeza que reputa ao outro uma manifesta o da pr pria delicadeza de Tarsila indicando assim um modo de presen a no mundo A manuten o da paix o de benqueren a se manifesta de modo inequ voco nas seguintes palavras da carta de 21 de janeiro de 1952 Sinto alguma consola o em fazer alguma coisa para voc N o tenha receio de se encontrar comigo q
367. s atores das cenografias amorosas em quest o especificando os at alcan ar o grau desej vel de reprodu o do real importante explicitar certos dados a respeito dos protagonistas do tri ngulo amoroso Antes de qualquer coisa todavia preciso deixar claro que a semi tica n o se ocupa do extralingu stico mas com a realidade fabricada discursivamente fatos aned ticos e 182 notas biogr ficas que n o podem ser inferidos dos textos examinados n o s o considerados pertinentes uma vez que n o se postula aqui a determina o externa do discurso Nessa perspectiva um texto significa independentemente de se conhecer o autor concreto e sua hist ria Sobre isso a seguinte passagem esclarecedora A verdadeira obra de arte n o tem autor ignora se tudo da vida de Homero exatamente porque os poemas nos interessam sobremaneira N o o indiv duo que escreve mas um esp rito impessoal Assim se rejeita depois do fator realista o da psicologia individual n o nem o referente nem o autor que fazem da obra aquilo que ela Todorov 1081 p 31 Uma carta de amor n o uma obra de arte Apesar disso tais considera es s o v lidas para ela como para qualquer texto ainda que n o se conhecesse nada sobre a vida de seus interlocutores ela continuaria produzindo sentido Ali s n o demais dizer que s interessa a vida que o texto permite reconstituir As cartas examinadas aca
368. s com o reconhecimento da boa imagem Os comportamentos considerados transgressivos em contrapartida eram g p g p sancionados negativamente levando perda da boa imagem social 210 A nica refer ncia expl cita a essa quest o da diferen a de idade que permite pensar num quadro cultural de preconceito e moralismo na S o Paulo da poca aparece numa carta de Tarsila a Lu s Martins datada de 8 de dezembro de 1951 em que a pintora menciona a seguinte fala de um amigo em conversa com ela O Lu s Martins muito mo o para voc Martins 2003 p 109 211 Grifo nosso 212 Em alguns casos espec ficos pode tratar se de uma imagem est tica como a do bom escoteiro mas o que parece ser mais comum um processo din mico de reformula o de imagens desej veis a partir da intera o do sujeito com seu universo socioletal Ao resultado desse processo damos o nome de boa imagem Harkot de La Taille 1999 p 28 23 La conjunci n de la cultura individual y da naturaleza social define el espacio o dominio de la transgresi n Greimas 1973a p 173 No espa o da transgress o h sempre o desejo individual ou pelo menos o n o temor de entrar em conjun o com um valor interdito ou n o prescrito socialmente Portanto poss vel imaginar que sempre h 191 Al m da ancoragem espacial e temporal faz parte da estrutura composicional da carta a ancoragem act
369. s flex vel menos padronizado sendo mais inst vel possibilita a incorpora o de diferentes normas ling sticas de distintos estilos individuais maior explora o das variantes ling sticas maior abertura a registros diversos Esse dado decorrente da cena enunciativa que constr i o simulacro da conversa o ntima leva incorpora o prevista da oralidade a carta de amor como linguagem do cora o c pia da alma imp e ao interlocutor que escreva como fala uma vez que o bom estilo pode ser a nega o da intimidade aut ntica Gay 1999 p 339 Lembre se que como ensina Quintiliano o melhor estilo o que mais se adapta a mat ria tempo lugar e p blico o que se coaduna com a advert ncia de Erasmo Libellus de conscribendis epistolis 1501 1502 de que a grandiloq ncia teatral indecorosa na carta familiar P cora 2001 p 25 Possibilidade de diferentes modula es de voz de acordo com as modaliza es que constroem o sujeito em cada cenografia diferentemente do que ocorre na correspond ncia comercial g nero mais padronizado 76 IMAGEM e Tela Namorados de Milton Dacosta Figuras do Feminino p 105 T1 CAP TULO 2 OS PERCURSOS DO AMOR 78 O amor rouba seu nome da palavra gancho amus que significa capturar ou ser capturado pois aquele que ama foi capturado na malha do desejo e aspira do mesmo modo a capturar algu m T
370. s seus personagens Martins 2003 p 15 19 Anna Maria Martins assim se refere ao tri ngulo amoroso Esse trist ssimo m nage trois do qual inocentemente eu faria parte Martins 2003 p 151 176 3 2 O corpus de an lise o dif cil acesso ao cora o dos amantes O cora o do amador de cartas se confrange ante a impossibilidade de reparar o irremedi vel imperativo parar para pensar como passo necess rio para entender aceitar jamais uma tal cat strofe Cogita se no gesto admir vel dos familiares ao curvar se ante a import ncia dos documentos e abrir m o deles por mais ntimos e nesse caso dolorosos que fossem Torna se compreens vel ent o uma vacila o residual de resguardo Galv o 1998 p 157 158 muito complicado o acesso do pesquisador epistolografia amorosa por se tratar de material ntimo extremamente pessoal as cartas de amor quando n o s o queimadas ou rasgadas s o guardadas a sete chaves por quem as recebeu ou por seus familiares As cartas de Tarsila do Amaral e de Anna Maria Martins para Lu s Martins que servem de base para este cap tulo foram organizadas por Ana Luisa Martins no volume A vai meu cora o publicado pela Editora Planeta do Brasil Como ela mesma diz isso se deu passado o espanto pelo fato de meu pai n o as ter rasgado Martins 2003 p 16 2 ent o comecei a achar que queria e devia compartilh la com outras
371. s veridict rias no modo do parecer constr i um pronunciamento sobre uma dada rela o comercial imediata no modo do ser um pronunciamento sobre uma poca sobre ideais temores e valores em circula o em determinado grupo social presen a das chamadas grades culturais que assujeitam os interlocutores historicizando ideologizando seus posicionamentos Dialogismo constitutivo do sujeito enunciador o que ele diz atravessado por outras vozes no macro di logo do discurso comercial Apesar de o dialogismo constitutivo pertencer natureza de qualquer texto a particularidade est nas vozes que circulam em dada esfera de atividade no caso a comercial Di logo expl cito isto simula o do di logo imediato pela convoca o da presen a do interlocut rio ainda que sempre se fale para algu m qualquer que seja o g nero o tu voc aqui explicitamente instalado As formas de tratamento e os vocativos epistolares empregados nos textos examinados marcam uma rela o de distanciamento e formalidade entre os interlocutores Senhores Sr Paulo V Sas etc O mesmo vale para os fechos de cortesia atenciosamente a forma de maior incid ncia revelando o interesse na manuten o da intera o preservando o contrato fiduci rio entre as partes envolvidas nas transa es Ap s o fecho o interlocutor remetente assina colocando embaixo seu papel social
372. scolha de uma fam lia de textos e subsegiiente recherche d un ensemble de traits communs entre eles Fontanille 1999 p 162 a autora define alguns tra os recorrentes que definem as respectivas cenas de enuncia o que se realizam vale ratificar em dada estrutura composicional Sua an lise serve de base que proposta a seguir A cena gen rica carta Os d iticos enunciativos de espa o e tempo s o marcados explicitamente no enunciado A ancoragem espacial e a temporal ocorre por meio do cabe alho elemento que faz parte da estrutura composicional da carta A ancoragem actorial se d por meio do ce bs a 29 hi e As c6 2 vocativo epistolar que instala a figura do interlocut rio e da assinatura que marca o papel do interlocutor vocativo e assinatura tamb m fazem parte da estrutura 71 composicional do g nero Verifica se assim a enuncia o enunciada com interlocutores instaurados no enunciado por meio de debreagem enunciativa de segundo grau Exacerbamento da figura do garant ou fiador discursivo por meio da assinatura expl cita A assinatura na medida em que revela a assun o enunciativa inscreve o sujeito num universo de id ias anseios temores enfim valores em circula o em dado tempo e grupo social O fecho de cortesia outro elemento constitutivo da estrutura composicional delimitando o grau de proximidade entre os in
373. scrita atua de certa maneira como um elemento de reequil brio do quadro pat mico como se escrevendo ao ausente o interlocutor se sentisse menos s ou acompanhado da miragem do outro De modo correlato o mesmo se d quando o interlocut rio responde nesse caso voc como sujeito operador coloca eu como sujeito de estado em conjun o com voc no papel de objeto O outro assim corresponde s expectativas do eu o que configura um quadro de espera relaxada de satisfa o e confian a respons vel pela sensa o de relaxamento de plenitude como mostra o trecho fiquei t o contente com as not cias O verbo ficar um desencadeador de pressuposi o que p e em cena a id ia n o explicitada de transforma o de estado o sujeito caminha da insatisfa o da falta do objeto no modo do ser para a satisfa o de sua presen a no modo do parecer O contentamento um perfume passional que exala a sensa o de bem estar provocada pela impress o de conjun o com o objeto de desejo que faz poder ser o querer do sujeito da escrita da seja interlocutor ou interlocut rio por meio da atividade enunciativa o querer poder interessante observar que o termo concessivo apesar das atra es parisienses corrobora esse quadro na estrutura pol mica Paris se manifesta de certo modo como anti destinador que procura atrair o actante v
374. sej vel eu Em outros termos se voc fosse colocado diante de uma escolha entre os dois recusaria Paris para ficar com o objeto eu 195 V tem s 12 dias de Paris Martins 2003 p 89 Meu Lu s querido talvez seja esta a ltima carta que te escrevo porque daqui a 9 dias estar s a bordo Martins 2003 p 91 Nesse sentido que se disse que a disjun o no modo do parecer n o corresponde disjun o no modo do ser os amantes est o de fato juntos a separa o espacial e temporal pontual moment nea O ato de escrever assim ajuda a passar o tempo enganando a solid o fazendo parecer o que de fato trata se portanto de uma falta cuja plenitude se d no modo do parecer ou seja que criada por meio de uma encena o linguageira importante lembrar aqui a seguinte reflex o de Barthes na qual se verifica que a san o cognitiva da falta desencadeia uma manipula o reflexiva levando o sujeito a querer escrever para reparar os efeitos disf ricos provocados pela aus ncia do objeto desejado O ser que estou esperando n o real Tal o seio da m e para o beb eu o crio e recrio sem cessar a partir da minha capacidade de amar a partir da necessidade que tenho dele o outro vem para o lugar em que o estou esperando para o lugar em que j o criei E se ele n o vem eu o alucino a espera um del rio Barthes 2003 p 166 Al m do cabe alho do voc
375. sem for as cabisbaixo curvado um thos triste no quadro de uma cena intimista pesarosa que convoca os valores mais profundos da falta tensa num exerc cio enunciativo egol gico numa carta de reconcilia o por outro lado revela se a imagem fim de um enunciador confiante otimista de corpo ereto forte um thos que firme na busca potencializa a conjun o com o objeto perdido a nova plenitude num quadro de cena ntima que realiza euforicamente a enuncia o intersubjetiva O estilo portanto fundamental para a caracteriza o do g nero por meio dele constr i se o thos do enunciador do g nero base em que se firma a rela o com o enunciat rio A aus ncia da marca estil stica esperada compromete por exemplo o dizer verdadeiro podendo levar o destinat rio a crer em seu fazer interpretativo que aquilo que n o parece de fato n o a carta de amor ent o soa como falsidade Como lembra providencialmente Alcir P cora Dem trio em De elocutione aproxima o g nero carta ao do di logo devendo ser breve mas deixando entrever o car ter um dos elementos constitutivos do thos daquele que a escreve novamente a quest o das coer es de g nero que assujeitam o enunciador Na epistolografia renascentista lembra o ensa sta que Coluccio revela seu humanismo na habilidade ret rica na flexibilidade de adapta o situa o dram tica de cada carta Para Eras
376. sem voc Sou s desamor Na carta de Rui Barbosa o sujeito em conjun o com o objeto figurativo Maria Augusta se relaciona com os valores alegria cumplicidade etc que perde no quadro de priva o do objeto Hoje quando a tarde vier no meio da infinita melancolia do oceano n o terei mais a alegria inexprim vel daquelas horas horas de confid ncias e expans es m tuas Orsini 1999 p 113 Apesar disso n o demais lembrar que o sujeito pode investir os mais diversos valores no objeto Olhando mais de perto constata se que o objeto amado n o apenas considerado aqui como objeto particular investido dos valores sem nticos de uma axiologia Ele apresentado tamb m como potencialidade de objeto na qual podem se investir todos os tipos de conte do Greimas e Fontanille 1993 p 207 tamb m a perda do objeto levando perda do valor felicidade e ao sentimento de falta o que se observa no seguinte trecho de uma carta do Visconde de Valmont Madame de Tourvel 133 Retorno senhora sempre com o mesmo entusiasmo No entanto o sentimento de felicidade fugiu para longe de mim ele deu lugar ao das cru is priva es Orsini 1999 p 47 Na aus ncia do objeto do querer verifica se uma parada no cont nuo da felicidade como efeito pat mico da descontinuidade nos programas de priva o o sujeito sofre disjunto do objeto perde os valores projetados no objeto como a
377. sempenham pap is profissionais no contexto de dada atividade social o diretor de uma empresa o vendedor o cliente etc No segundo que desempenham pap is pessoais no contexto de uma atividade ntima o marido a esposa o amante etc Integrou se assim a sintaxe discursiva sem ntica discursiva Em cada regime assim manifestou se uma imagem de enunciador Quem fala Quem no conjunto de todos os indiv duos falantes tem a autoridade de exercer esta esp cie de linguagem A fala m dica n o pode vir de qualquer um seu valor sua efic cia seus pr prios poderes terap uticos e de forma geral sua exist ncia como fala m dica n o s o dissoci veis do personagem estatutariamente definido que tem o direito de articul la Foucault 2000 p 57 A partir da imagem do enunciador constru da discursivamente assim focalizou se o problema do estilo A categoria foi trabalhada em duas perspectivas distintas mas complementares o estilo do g nero e o estilo da cenografia Recorreu se para tanto a no es exploradas por Maingueneau em que se reencontrou a id ia de contrato uma vez que cada g nero presume um contrato espec fico pelo ritual que define Operou se ent o com o conceito de cena da enuncia o que integra tr s tipos de cena a cena englobante a cena gen rica e a cenografia Articulando esses conceitos de Maingueneau com as reflex es de Bakhtin as categorias foram assim definidas
378. sinou a juntar as letras A M O e R para escrever pela primeira vez a palavra amor A tia Selma que me despertou o interesse pelo estudo da Gram tica A tia Maria In s Medeiros Mussi que me p s o giz na m o e me ensinou a escrever na lousa a palavra professor A Francisco Plat o Savioli pelas inestim veis contribui es para a renova o do ensino da L ngua Portuguesa A Jos Arbex Jr Dem trio Magnolli Ivan Teixeira Julinho Diniz e sobretudo Eduardo Valadares que me estimularam a transpor os p rticos da Academia A Eduardo Calbucci que ajudou a iluminar com o brilho de sua arg cia os pontos sem luz no percurso de nossos estudos A Luciana Migliaccio Oriana Fulanetti Mariana Trotta Mariana Barros Camila Eduardo Lopes Renato Gomes Odair Moreira da Silva Alvaro Careta Artur Vasconcelos Ara jo Francisco Mer on e Wallace pela interlocu o semi tica A Wilson Liberato pela prosa gostosa pelo apoio pelo abstract A Mitiko Makoto dona L cia e seu J lio porque Deus est nas miudezas A Bebel Jord o pintura que fugiu da tela por n o aceitar os limites da moldura A Clenir Bellezi porque vai haver um dia em que tudo seja poesia A Lu amp Wella um casal uma can o de amor A Luc lia amp Kika uma parceria uma poesia de amor A Thyene amp Paul o porque o amor colorido A Aninha amp Marc o pela eterna busca do andr gino perfeito A Taninha amp Dudu
379. smite ao enunciat rio um saber os conhecimentos necess rios para que seja poss vel a realiza o de dada tarefa Em outros termos transmite um saber fazer um texto marcado pela sequ ncia injuntiva representa um conjunto de informa es e instru es organizadas as quais lhe permitir o executar o mais diretamente poss vel as a es orientadas Sua marca ling stica caracter stica o imperativo que indica de forma direta uma ordem ou pedido para que o interlocutor fa a algo as instru es em geral s o transmitidas nesse modo verbal 28 Para maiores informa es consultar o texto No comando a segii ncia injuntiva de Adriana L T da Rosa In Beserra e Dion sio 2003 p 12 53 44 o tipo textual predominante em g neros como a receita culin ria o manual de instru es o r tulo de alimento a bula de rem dio o c digo de tr nsito etc Nas cartas de amor o tipo injuntivo manifesta se quando o interlocutor transmite ao interlocut rio um modo de proceder Numa carta de ruptura por exemplo a injun o pode se realizar por meio de uma constru o como a seguinte Primeiro vamos nos separar fisicamente por isso voc deve sair de casa depois vamos discutir a divis o dos bens para isso chamaremos um advogado melhor n o nos falarmos at que a situa o esfrie para tomarmos as decis es mais sensatas devemos estar mais serenos Nesse exemplo nota se a programa
380. ssa fase de investiga o justifica es complementares Greimas e Fontanille 1983 p 26 106 primeiro atratividade do segundo constituindo ponto de partida para pensar as articula es realizadas em outros n veis pelas opera es de parada e retomada da continuidade Tatit 1995 p 164 Articulam se no n vel tensivo ent o as categorias 2 que expressam os movimentos de aspectuais descontinuidade e continuidade parada e continua o de um lado reten o ou disforia de outro distens o ou euforia Trata se de um patamar mais abstrato da organiza o do sentido desenvolvido por Claude Zilberberg em que as chamadas varia es tensivas s o vistas como valores primordiais convocados pelo sujeito da enuncia o servindo de base para o estabelecimento das categorias modais actanciais e figurativas Em vez de operar com os termos asser o nega o indicativos da inspira o l gica de Greimas Zilberberg adota as no es de parada e parada da parada cujo teor temporal confere maior rendimento descri o da foria Zilberberg compreende que o sentido f rico s se estabelece a partir da interven o r tmica do sujeito que rejeitando um tempo fora de controle um fluxo intermin vel e imprevis vel prop e por meio da enuncia o uma redistribui o das descontinuidades e continuidades em forma de paradas e paradas das paradas Ta
381. sticos N o se trata mais do proto corpo das pr condi es nem dos actantes do n vel narrativo trata se de um ator concretizado inclusive vestido com cal as amarrotadas O ator marcado por tra os sens veis ou seja apreendido sensorialmente por meio da vis o e do tato o percurso da vis o ao tato indica OPET a na E pa e 166 a trajet ria da n o disjun o para a conjun o na aproxima o entre sujeito e objeto A 165 Para Tatit trata se mais precisamente de uni o n o de aproxima o A uni o e a ruptura s o formas r pidas instant neas que definem respectivamente apego e desapego A aproxima o e o distanciamento s o formas lentas gradativas que concorrem mesma defini o Tatit 1998 p 53 166 Ainda sobre essa dimens o sensorial uma hierarquia de sensa es admitida Palomar n o p ra a seu olhar avan a e o avan o como se sabe a forma figurativa do desejo at aflorar a pele escondida 160 figurativiza o nesse caso um procedimento semi tico que torna o ausente palp vel concretizando logo o tema da presen a Nos termos de Landowski a carta em si mesma n o evidentemente quase nada ou pelo menos ela apenas uma coisa mas uma coisa cuja presen a a nica real tem o poder de atualizar a rela o com o valor propriamente dito que a se investe figurativamente ou seja de atualizar o elo
382. sua finalidade conquistar a ades o l gica do enunciat rio A ades o l gica de ordem mais racional baseada dominantemente no fazer saber fazer cognitivo O fazer saber o programa de uso no fazer persuasivo do enunciador o reconhecimento do dito como verdadeiro no fazer interpretativo do enunciat rio o que o enunciador busca como programa de base a exposi o assim trabalha mais com a manipula o cognitiva Sobre a distin o entre ades o fiduci ria e ades o l gica consultar Barros 1988 p 58 33 A respeito das diferen as entre manipula o cognitiva e manipula o pragm tica consultar Barros 1988 p 109 49 Na an lise das marcas ling sticas sendo o tipo expositivo mais voltado para a valoriza o do ele a n o pessoa de que se fala nota se que instalado predominantemente por meio da debreagem enunciva motivo pelo qual provoca um maior efeito de distanciamento entre os interlocutores debreagem enunciva n o se verifica apenas pelo apagamento do eu e do tu marcas da enuncia o mas tamb m por meio da presen a de palavras de teor menos avaliativo respons veis tamb m pela cria o do efeito de sentido de objetividade escondendo a presen a do enunciador o tipo textual predominante em g neros como a exposi o filos fica o laudo pericial
383. supremo da imers o do sujeito no seio do objeto Lopes 1989 1990 p 156 7 se nota neste trecho de uma carta de Emma Goldman a Ben Reitman Despeje a sua preciosa ess ncia da vida dentro da minha Orsini 1999 p 61 Isso leva a retomar a id ia de possess o na configura o do apego reveladora da instabilidade dos pap is actanciais no quadro das oscila es afetivas A possess o permite captar em seu in cio um processo que encontramos com fregii ncia o da transforma o do objeto em sujeito Com efeito se na a o de extrair de uma coisa todas as satisfa es que ela capaz de proporcionar o objeto ainda considerado como objeto modal aqui um poder fazer o gozo resultaria de algum modo de certa adequa o entre o querer projetado pelo sujeito e o poder que parece emanar do objeto a coisa possu da capaz suscet vel de dar satisfa es Greimas e Fontanille 1993 p 186 Considerando ent o que o sujeito projeta modaliza es sobre o objeto de valor que suscitam um sujeito competente sem o objeto o sujeito esvazia se modalmente isso que se observou em alguns exemplos como o seguinte trecho da mesma carta de Keats n o quero viver N o posso viver sem voc Orsini 1999 p 104 Privado do objeto convertido em objeto modal pelo querer do possuidor o sujeito perde as modalidades virtualizantes e atualizantes isto basicamente o querer e
384. t rio visando improv vel integra o verifica se que h tamb m uma hist ria de rupturas contratuais amea ando a uma nova tentativa O drama vivido est no fato de que os valores descont nuos que conduzem disjun o entre os actantes tomam conta da cena e n o d o espa o continuidade t pica da integra o E sob o efeito da descontinuidade a rela o destinador destinat rio tende a transformar se em rela o sujeito anti sujeito Nessa tend ncia justamente concentra se toda a tens o do texto Tatit 2001 p 110 112 Outra configura o se manifestaria se ao inv s de uma carta de ruptura o objeto investigado fosse uma carta de tentativa de reconcilia o de restabelecimento do elo existencial Em uma carta de John Keats para Fanny Brawne por exemplo l se n o quero viver N o posso viver sem voc Orsini 1999 p 104 Constata se aqui tamb m a insufici ncia modal do sujeito que se d primeiramente com a aus ncia da modalidade atual e depois com a supress o tamb m da modalidade virtual Trata se de um sujeito que tamb m perdeu seu estado de conjun o com os valores Entretanto diferentemente do que se processa em Acontece o sujeito parte da posi o de disjun o e n o de n o conjun o de vacuidade e n o de inanidade Trata se de refazer e n o de desfazer o elo existencial nesse percurso o sujeito apaixonado privado do objeto mas
385. ta o interlocutor constr i no modo do parecer o corpo do interlocut rio ausente Como foi visto no percurso cuja fun o atualizar o elo existencial eu sujeito operador que quer colocar eu como sujeito de estado em conjun o com voc S op gt S est v Ov 5 SAO eu eu voc Assim o interlocutor faz ser o interlocut rio criando por meio dessa ilus o enunciativa a impress o do estar com ou seja o efeito conjuntivo que supre sua car ncia A escrita nessa perspectiva neutraliza a disjun o pragm tica conferindo ao interlocutor um poder fazer abra ar e beijar a amada em todos os lugares 176 Sobre essa id ia de que a l ngua do amor marcada pela exclusividade sendo partilhada apenas pelos dois amantes vale lembrar a seguinte passagem de O jogo da amarelinha de Julio Cortazar em que o protagonista Hor cio Oliveira dorme com outra mulher mas pensando na sua Maga Habituado sem sab lo aos ritmos da Maga de repente um novo mar uma agita o diferente arrancava o aos automatismos confrontava o parecia denunciar obscuramente a sua solid o Cada momento de seu corpo frente a um desencontro com o outro ter de estender se um pouco mais ou baixar a cabe a para encontrar a boca que antes estava ali t o perto acariciar umas ancas mais estreitas procurar uma r plica e n o encontr la insistir distra do at dar se conta de que
386. ta espero que esteja num estado de esp rito mais otimista Como que voc pode se aborrecer em Paris Com certeza esta carta encontrar V feliz e alegre Estou sentindo uma grande ternura por voc Martins 2003 p 82 207 Como ensina Fiorin tratando da mitologia crist que marca o in cio da cultura A queda marca a entrada do homem na Hist ria ou seja no tempo e no espa o n o m ticos em que o ser humano sofrer a condi o humana A Hist ria est ent o marcada pela temporalidade pela espacialidade e pela actorialidade Fiorin 1999a p 12 208 A Tarsila pintora por exemplo n o pode ser compreendida deixando se de lado o fato de ser filha de um bar o do caf o qual disponibilizou recursos para a forma o da artista com ela gastou grande parte de sua fortuna mandando a estudar nos melhores col gios da Europa financiando seus ateli s em Paris suas viagens sem e mais tarde com Oswald de Andrade e seus vestidos criados por Poiret Martins 2003 p 23 O sujeito assim n o aprior stico a Tarsila chique aristocr tica que impressionava pela intelig ncia cultura e vivacidade fruto desse meio Martins 2003 p 20 20 Sobre isso Ana Lu sa lembra que em 1933 quando iniciou o relacionamento com meu pai Tarsila j era uma artista de renome mas estava longe do reconhecimento que teria mais tarde o qual segundo sua bi grafa Aracy Amaral
387. te aspectualizada por uma menor dura o pela efemeridade no segundo o amor marcado pela duratividade O apego e o desapego enfim foram trabalhados como no es que manifestam os valores juntivos em nossa cultura Tatit 1998 p 52 No n vel mais abstrato de 26 O estudo As ast cias da enuncia o Fiorin 1999a forneceu elementos fundamentais para pensar as estrat gias de discursiviza o respons veis pela produ o de efeitos de sentido de objetividade e de subjetividade de proximidade e de distanciamento de presentifica o e de absenteiza o 297 O estudo O estilo nos textos Discini 20034 apontou o est mulo inicial para esta disserta o de mestrado focalizar o problema do g nero ao dizer que o g nero constitui se em instrumento para a constru o do estilo Discini 2003a p 53 mas ainda h muito a ser feito nas aproxima es entre estilo e g nero Discini 20034 p 113 250 sentido viu se que essas rela es s o orientadas respectivamente pelas for as de atra o e de repuls o No n vel narrativo o apego se traduz na conjun o entre sujeito e objeto o desapego em contrapartida na disjun o entre os actantes No n vel discursivo essas rela es s o convertidas nos temas da presen a e da aus ncia figurativizados por sua vez como corpos unidos e corpos separados O cap tulo 2 prop s ent o quatro movimentos b sicos da narrati
388. tendemos o simulacro como constru o modelar do sentido que requer um referente n o aprior stico constituindo se no discurso como ilus o referencial O importante na an lise do estilo como ensina Norma que se proceda 65 apreens o dos procedimentos pelos quais a ilus o referencial de um mundo reorganizado por um eu constru da numa totalidade de discursos Discini 2003a p 72 O simulacro assim n o interessa apenas na organiza o do mundo natural pelo sujeito que percebe mas tamb m como imagem constru da e trocada entre enunciador e enunciat rio no processo de manipula o intersubjetiva que fundamenta a comunica o Discini 2003a p 73 Nas correspond ncias de Clarice Lispector h exemplos interessantes de utiliza o dos estilos elevado e familiar respectivamente prova de que o locutor deve escolher como j mostravam os antigos ret ricos o estilo conforme o tipo de intera o respeitando a adequa o ao g nero escolhido e a representa o que faz de seu destinat rio Como ensina Bakhtin sob uma maior ou menor influ ncia do destinat rio e de sua presumida rea o resposta que o locutor seleciona todos os recursos ling sticos de que necessita 2002 p 326 Numa carta oficial datada de 3 de junho de 1942 endere ada ao ent o presidente Get lio Vargas e que tem por tema o pedido de naturaliza o da escritora verifica se a constru o de um
389. ter sticas do regime discursivo das cartas comerciais o fortalecimento dos pap is institucionais pois a cena de enuncia o mais est vel estereotipada Nas cartas de amor em contrapartida h uma assun o mais forte dos pap is discursivos 56 para Bakhtin o que ocorre no estilo elevado t pico de g neros muito est veis e muito prescritivos Em s ntese como se Maingueneau apresentasse o g nero em sentido amplo e em sentido restrito estipulando as regras gerais e particulares do dizer segundo as formas de intera o espec ficas em que est o envolvidos os sujeitos da comunica o verbal A cenografia est mais ligada focaliza o da situa o da comunica o em si isto rela o pragm tica entre destinador e destinat rio audit rio constituindo se atrav s do pr prio texto Grosso modo seria poss vel pens la como pertencendo mais ordem do acontecimento enquanto a cena gen rica pertenceria mais ordem da estrutura em outros termos trata se respectivamente de sistema e processo retomando a oposi o de Saussure entre langue e parole segundo Lozano 2002 p 25 Ressalte se que compete leitura anal tica o recorte para a depreens o da cenografia no n vel de totalidade gen rica escolhido a grande totalidade corresponderia ao g nero epistolar a totalidade mais espec fica cena gen rica das cartas de
390. terlocutores tratamento com maior ou menor formalidade produzindo efeito de sentido de maior ou menor intimidade de objetividade ou de subjetividade O g nero assim apresenta seus elementos constitutivos na seguinte dimens o sintagm tica cabe alho vocativo epistolar assunto fecho de cortesia e assinatura Organiza o temporal com fun o predominante do sistema enunciativo Em rela o ao marco referencial presente desdobram se concomit ncia presente anterioridade pret rito perfeito 1 e posterioridade futuro do presente Organiza o espacial predominantemente em fun o do sistema e o 60 enunciativo A cena gen rica carta comercial A tematiza o e a figurativiza o revelam a tem tica comercial as rela es firmadas no mundo da ind stria e do com rcio com o objetivo de iniciar manter ou encerrar transa es Como g nero mais padronizado h uma fixidez maior dos pap is diretor social representante comercial cliente etc Assim como estrat gia para persuadir o interlocut rio o interlocutor reconstr i o universo figurativo relativo atividade em cf Fiorin 1999a p 65 69 58 cf Maingueneau 1999 p 79 2 cf Fiorin 1999a p 152 cf Fiorin 1999a p 265 12 quest o a partir da instala o no enunciado de figuras que reproduzem o contexto de trabalho partilhado entre os participantes do jogo comercial Considerando se as modalidade
391. ticas ou propriedades comuns A no o de g nero serve portanto como uma unidade de classifica o reunir entes diferentes com base em tra os comuns Faraco 2003 p 108 6 A utiliza o desse crit rio isoladamente mostra uma confus o entre esfera de circula o e g nero no t pico a seguir ser feita a distin o entre essas categorias 34 Na id ia de norma verificamos a no o de coer es de g nero de leis de funcionamento uma vez que a id ia de norma leva a repartir os objetos no interior de categorias determinadas remediando a desordem de uma produ o apresentada a granel essa organiza o funciona como uma esp cie de ordem a seguir no sentido de que a categoria gen rica predetermina o conte do das produ es que se enquadram na ordem estabelecida Ela se apresenta de fato como uma divis o r gida regulamentada por regras imperativas Stalloni 2003 p 13 Na id ia de n mero o g nero aparece como uma figura de pluralidade trazendo tona a no o de regularidade de recorr ncia Para que haja g nero preciso que haja reuni o fundamentada sobre crit rios de semelhan a de elementos individuais tomados em n mero indefinido mas de import ncia bastante significativa pela justaposi o de diversas obras teatrais produzidas conforme uma mesma est tica que se poder estabelecer a categoria da com dia O g nero a
392. tiga o do t pico a seguir 3 4 Dois lados do tri ngulo duas mulheres dois cora es dois the A paci ncia amorosa tem pois como ponto de partida sua pr pria denega o n o procede nem de uma espera nem de um dom nio nem de um ardil nem de uma coragem uma desventura que n o se desgasta na propor o de seu agravamento uma s rie de recorr ncias a repeti o c mica do gesto pelo qual notifico que decidi corajosamente p r fim repeti o a paci ncia de uma impaci ncia Sentimento razo vel tudo se ajeita mas nada dura Sentimento amoroso nada se ajeita e contudo dura Barthes 2003 p 229 204 Essa id ia ecoa guardadas as devidas propor es na cr nica Cora o desgovernado de Lu s Martins publicada em O Estado de S Paulo 22 3 1952 Ah O cora o O cora o um maluco um carro sem freios um animal desembestado que vai dando por paus e por pedras subindo morros e descendo v rzeas sem olhar o caminho metendo se em atoleiros tremendos dando com a cabe a nas paredes fazendo mis rias N o bom deixar se a gente governar pelo cora o Ainda quis convencer a senhora de que talvez quem sabe desde que o c rebro n o funciona mesmo n o seria que ela podia dar um jeitinho de arranjar um outro rg o qualquer para me guiar na vida N o fazia quest o podia ser o f gado podiam ser os pulm es o est mago as pernas qualquer coisa ser
393. tinat rio os fechos de cortesia as maneiras de despedida a tem tica etc Apesar das mudan as preservam se determinadas caracter sticas que fazem uma carta ser uma carta em qualquer momento hist rico e independentemente das grades culturais em que essa forma de intera o verbal se realize Cabe ent o ao analista estabelecer as conex es entre o que recorrente e o que singular na defini o do g nero focalizado Em termos hjelmslevianos trata se da verifica o de que um sistema subjaz ao processo e de que uma const ncia subentende as flutua es Fiorin 2003 p 23 S Al m do car ter din mico o car ter heterog neo dos g neros outro fator de que decorre a dificuldade na apreens o do objeto a tarefa ingl ria de se proceder ao recorte de tipos bem demarcados estabelecendo uma taxionomia r gida baseada em crit rios formais puramente sincr nicos a extrema heterogeneidade dos g neros do discurso e a conseq ente dificuldade em determinar o car ter gen rico de um enunciado n o devem ser minimizadas Faraco 2003 p 114 Uma carta por exemplo pode abrigar g neros distintos contendo um fragmento de romance um trecho de poema uma letra de can o um verbete de dicion rio uma foto uma piada um prov rbio um desenho etc Diante do problema da heterogeneidade deve se pensar na hierarquia dos g neros a carta no caso o g nero dominante principal os demais g neros s o subsidi
394. tistas Martins 2003 p 69 Preciso agora passar no Museu para ultimar o arranjo do cat logo O Lourival disse que minha exposi o precisa durar um m s sem contar os feriados Martins 2003 p 67 Se voc se lembrar pe o trazer me uns 2 ou 3 conforme o pre o tubos grandes de Violet de cobalt clair de Lefranc a leo Estou continuando a pintar e no meio do ano farei outra exposi o com as telas que n o couberam no Museu al m de outras novas Martins 2003 p 77 O Bardi convidou me para escrever sobre minha carreira art stica Convidou Oswald para fazer um estudo e uma apresenta o Martins 2003 p 78 Soube pelo Jorge de Lima que minha exposi o ser feita no Rio no Minist rio da Educa o Martins 2003 p 91 O Murilo escreveu me para dizer que quer comprar um trabalho meu Estou com sorte n o acha O Fl vio de Carvalho q s h 3 dias foi ver a exposi o achou o meu quadro grande Fazenda de 1950 muito bom Fiquei contente c a opini o dele Martins 2003 p 93 telefonei a Etelvina a respeito dos quadros que faltam e que figuraram na minha retrospectiva Ela me disse que todos os quadros premiados na Bienal foram ao Rio para o Museu de Arte Moderna que vai ser inaugurado agora Martins 2003 p 120 193 A mo a segue o modelo de filha de fam lia rica da aristocracia rural regida pelo sistema patriarcal tamb m quando volta da Europa e tr s meses de
395. tit 1998 p 15 A t tulo de exemplifica o um amor que dura a vida inteira tem como seu valor mais fundamental abstrato a continuidade num quadro de relaxamento esse o ponto de partida que permite refletir entre outras coisas sobre a conjun o entre o sujeito e o objeto no n vel narrativo sobre o querer dos sujeitos aspectualizado pela dura o que se traduz no n vel discursivo por meio da rela o duradoura entre amantes concretos A refer ncia figura da alian a de casamento por exemplo recorrente em muitos discursos amorosos traduz visualmente os valores tensivos cont nuos express o do elo existencial que se quer para sempre ou at que a morte os separe na tematiza o da uni o conjugal 124 A aspectualidade parece aqui como que situada ao mesmo tempo acima e aqu m do valor propriamente dito uma esp cie de valor do valor e nesse sentido poderia ser chamada val ncia na acep o qu mica do termo como que designando o n mero de mol culas associadas na composi o de um corpo Observou se por outro lado que a aspectualiza o constitui no discurso uma dimens o hierarquicamente superior temporaliza o mas tamb m espacializa o e at actorializa o o amor em Eluard captado no eixo temporal as p lpebras ao despertar situam se espacialmente a vida humana captada como crescimento
396. tiva preciso pressupor uma rela o logicamente anterior de jun o entre os sujeitos comunicantes rela o original que fundamenta a intui o de uma co presen a virtual de um ao outro seja qual for a import ncia quantitativa da dist ncia espa o temporal que conjuntamente os mant m ligados Landowski 2002 p 168 No caso das cartas de ruptura do elo existencial um trecho de uma carta de Byron a Augusta Leigh particularmente esclarecedor Tr s anos de aus ncia Mas eu nunca deixei de sentir por um momento que seja aquela uni o perfeita e sem limites que me ata e liga a voc de cortar o cora o pensar na nossa longa separa o e estou certo ser sofrimento mais do que suficiente para todos os nossos pecados Dante mais humano no seu Inferno pois coloca seus desafortunados amantes juntos um do outro e ainda que sofram pelo menos est o juntos Voc se lembra da nossa separa o N o tenho nenhuma raz o para m goa mas penso que n o estamos juntos Dizem que a aus ncia destr i as paix es t bias e reafirma as fortes Fortaleceu se mas vai destruir me n o falo de destrui o f sica pois suportei e posso suportar mais mas da aniquila o de todos os pensamentos sentimentos e esperan as Orsini 1999 p 124 No trecho Voc se lembra de nossa separa o por exemplo percebe se a parada da continua o a categoria tens
397. to na ordem espacial de um lado e parada da parada express o sint xica da continuidade ou abertura de outro Essa descontinuidade 12 Vale lembrar que o v nculo profundo do sujeito n o com o objeto mas com o valor Tatit 1998 p 14 130 Trata se de exemplo de enuncia o passional amorosa a que tamb m se recorre porque se aproxima das cartas de amor o que tamb m justifica a escolha de Acontece Considera se na exemplifica o portanto apenas a rela o de comunica o da tem tica amorosa entre um eu e m tu desconsiderando se neste n vel de an lise as diferen as entre os g neros 116 selecionada em n vel tensivo pode vir a ser matriz tanto de demarca es aspectuais discursivas pontos finais e iniciais de um processo por exemplo como de disjun es narrativas entre sujeito e objeto Tatit 2001 p 22 Assim em termos aspectuais se na carta de ruptura do elo existencial o sujeito parece atra do para a rbita dos valores terminativos numa carta de estabelecimento ou de restabelecimento do elo encaminha se para o p lo dos valores incoativos Em termos espaciais a carta de ruptura marcada pelo fechamento a de tentativa de reconcilia o pela abertura nesta procura se abrir o espa o que se fechou reatualizar naquela tenta se fechar o espa o que se abriu desatualizar Os valores do fechamento e da terminatividade colocam o sujeito na posi
398. u pai e Tarsila n o posso ter a menor certeza como bvio de que teriam gostado de ver sua intimidade assim devassada uma d vida que me assaltou v rias vezes antes durante e depois de terminado o trabalho Imposs vel saber o que teriam achado disso tudo A n o ser talvez e esta foi a conclus o mais reconfortante a que cheguei por suas obras e pelas recorda es que temos deles pelo que sabemos de suas personalidades opini es e de seus valores morais e tamb m pelo que eles nos deixaram por escrito guardado em envelopes bem organizados e protegidos das tra as numa gaveta a ser aberta um dia por seus sobreviventes Martins 2003 p 17 184 A qui o voyeur da epistolografia se descobre esquiz ide com sentimentos divididos De um lado sente se grato come ando por admirar a perseveran a de descortino hist rico de todos aqueles que cuidaram desses peda os de papel preservando os s para ele De outro insinua se uma puls o de ataque a qualquer obst culo que se contraponha a esse af de juntar retalhos Galv o 1998 p 157 185 I iloca era o apelido da cunhada de Tarsila casada com seu irm o Milton Amaral 178 Depois de respirar aliviada sabendo que n o era filha de Tarsila Ana Luisa pensou coisas estranhas haviam acontecido entre meu pai minha m e e aquela tia distante Martins 2003 p 13 Passados alguns anos o pai chamou a menina j adolescente para uma conversa na qual revelou
399. u para 185 Tarsila foram queimadas mais tarde por Liloca a pedido expresso da destinat ria Martins 2003 p 26 Quanto ao interesse da organizadora pela correspond ncia conta ela que por volta de seus sete anos logo ap s aprender a ler interessou se por uma das gavetas da escrivaninha do pai em que encontrou um retrato grande em preto e branco mostrando o rosto de uma mulher bonita de chap u preto Na dedicat ria a um primo da garota estava escrito Com um beijo da sua tia Tarsila Martins 2003 p 11 Isso agu ou a curiosidade de Ana Luisa Quem era a tal da tia Tarsila Martins 2003 p 11 Revirando a gaveta a menina encontrou cartas amareladas que a levaram seguinte descoberta antes de se casar com minha m e meu pai tinha tido outra mulher Martins 2003 p 11 Percebendo que sua fantasia tinha fundamento come ou a prestar mais aten o a esse nome fregientemente citado pelos pais entre sussurros e frases entrecortadas Certo dia ent o questionou a m e sobre quem era a figura enigm tica de quem tanto falavam ouvindo apenas que era uma prima de sua av Martins 2003 p 12 A curiosidade s aumentava se o pai n o falava com ningu m da fam lia de Anna Maria por que iria se dar ao trabalho de visitar uma prima da vov Martins 2003 p 12 183 Isso posto e com a consci ncia aplacada no que diz respeito a minha m e devo dizer que quanto a me
400. ua perf rmance enunciativa deve ser competente para fazer se presente amada 164 presentificando a para ele num movimento correlato O corpo do ausente assim estando mais pr ximo ou distante reveste figurativamente o tema da presen a aus ncia Na formula o de Henri Qu r la singularit de la lettre son idiosyncrasie obstin e et r currente tient aussi plus profond ment ce qu elle conjugue en une sorte d utopie la parole vive et le fig de l crit hors situation et comme mort en attente de r nonciation Ainsi s expliquerait 164A transforma o do estado de disjun o em conjun o atualiza o elo existencial tornando presente o ausente supondo se que aquele que escreve seja impelido a isso apenas por seu desejo de uma co presen a ao outro e que n o haja por conseguinte nada de t o essencial nada de mais urgente a dizer a seu correspondente que o pr prio fato de que ele se dirige aqui agora a ele ser lhe preciso ent o para chegar a dizer isso mesmo ao ausente e portanto para poder escrever construir ele mesmo a presen a do outro torn lo presente a si mesmo por um ato que s pode depender de sua compet ncia semi tica Landowski 2002 p 174 159 la fascination exerc e par cette mitoyennet d une pr sence absence Qu r s d p 57 A id ia da carta recriando semioticamente a figura do corpo do ausente na concretiza o do tema da presen a
401. ua pr pria infelicidade 263 A no o de sacrif cio da pr pria vida em nome do outro como prova de amor permite pensar a rela o entre o amor e o discurso crist o o que est de acordo com a forma o religiosa de Tarsila Entrando pois na nossa quest o qual fineza de Cristo a maior das maiores Seja a primeira opini o de Santo Agostinho que a maior fineza do amor de Cristo para com os homens foi o morrer por eles Viera 2003 p 191 Mais adiante o mestre da orat ria barroca faz a seguinte pergunta ret rica E haver homem Crist o que neste passo deixe de amar qualquer outro homem por mais que lho desmere a Vieira 2003 p 212 No caso de Tarsila ainda que Lu s a tivesse feito sofrer n o sendo merecedor de seu amor ela continuava dando a vida por ele numa esp cie de exerc cio desse amor crist o de que trata Vieira 218 O que importa de novo n o o que diz no enunciado mas o que mostra na enuncia o n o h em sua fala por exemplo marcas de ressalva A aus ncia de poss veis ressalvas e restri es justifica pois o de qualquer maneira explicitado no enunciado Se Tarsila dissesse que desejava a felicidade do outro apesar do que ele a fez sofrer o pressuposto desencadeado pelo uso da estrutura concessiva deixaria impl cito que ela deveria desejar lhe mal Esse impl cito ou seja esse modo de dizer indiretamente seria incoerente com o conte do expresso no enunciado levand
402. uando eu chegar ao Rio Isso me far um grande bem e s com essa id ia sinto que estou mais trangiiila Voc sabe que eu o quero muito muito e n o posso ser indiferente ao que se passa e me martirizo pensando que o fa o sofrer Como seria bom se eu fosse indiferente Mas depois de 18 anos e 5 meses de conviv ncia isso n o humanamente poss vel Adeus meu querido Lu s Martins 2003 p 132 262 A escolha lexical do adjetivo delicado em presen a no enunciado para caracterizar Lu s implica a aus ncia na enuncia o de tra os qualificativos disf ricos Em nenhum momento Tarsila caracteriza o ex companheiro como indelicado desonesto traidor etc A delicadeza reside no fato de n o dizer o que pode ofender o modo de dizer nessa linha remete a um modo de ser pautado pelo comedimento pela benqueren a enfim pela preocupa o com o outro 217 Ao dizer que sente alguma consola o em fazer alguma coisa para Lu s e que o quer muito o sujeito modalizado pelo querer fazer bem ao outro N o sendo indiferente me martirizo pensando que o fa o sofrer o sujeito n o modalizado pelo n o querer fazer mal nem pelo n o querer fazer bem uma vez que tais arranjos modais recebem a mesma denomina o de indiferen a o querer fazer bem um querer ativo e euf rico que anima o sujeito ou seja que o faz sentir alguma consola o essa a imagem que Tarsi
403. udades n o posso mais suportar a sua aus ncia etc E exatamente no n o dito nesse caso que se manifesta o thos o ser est no n o dizer o sujeito est no que silencia 21 Como se disse o desejo como perturba o da alma na perspectiva grega cl ssica controlado pela virtude Se a virtude est ausente da maioria turba perturbada e turbulenta que fazer com os que n o conseguem curar se do desejo Para auxili los contra o v cio a tica torna se moral Chau 2002 p 36 Assim esconder os excessos do sentimento obra de um thos cl ssico equilibrado pautado pela busca da justa medida conforme se pode observar no exame da correspond ncia de Tarsila 22 Faz se presente de novo a rela o entre raz o e paix o ou entre virtude e desejo na perspectiva cl ssica Essa id ia de Barthes encontra par no seguinte trecho de desatinos do cora o e do esp rito de Cr billon O amor em um cora o virtuoso se mascara por muito tempo apud Bertrand 2003 p 375 205 que cartas marcadas pelo excesso cheguem s m os do interlocut rio Em termos semi ticos pode se dizer que o sujeito cognitivo domina o sujeito passional enquanto este s executa aquilo para o que foi programado s sabe sua li o n o pode destacar se de sua pr pria iner ncia fundido nos imperativos sens veis do pr prio corpo parte opaca de seu ser no mundo Bertra
404. ue o sujeito feliz As diferen as lingii sticas aqui representam nossas necessidades culturais de configura o das nuan as afetivas A felicidade mais lenta que o xtase A uni o plena e ext tica por demais ef mera para constituir um projeto de vida Tatit 1998 p 53 Essa no o desenvolvida por Tatit se coaduna com o t tulo Fr mitos e arrebatamentos do livro de Orsini segundo o dicion rio Houaiss uma das defini es de fr mito estremecimento movimento agitado O verbo fremir definido como provocar breve estremecimento marcado pelo tra o da brevidade A palavra c6 2 e ER c6 e A 29 arrebatamento por sua vez tem como uma de suas defini es a sensa o de xtase marcada pelo tra o da intensidade O sujeito arrebatado caracterizado pela veem ncia pelo mpeto dominado pela paix o Trata se de um sujeito impetuoso entendendo se mpeto como for a s bita e intensa arrebatado pela for a do querer o sujeito ent o modalizado por um n o poder n o fazer o impulso leva a o Nessa mesma linha vai Claude Elsen que ratifica em seu Homo eroticus a diferen a entre amor e paix o alertando aquele que confunde com o amor o irris rio arrebatamento da paix o apud P ret 1985 p 38 Assim tanto para Tatit quanto para Orsini o amor paix o caracterizado pel
405. ue se convertam em objetos modalidades e ideologias Em outros termos toda hist ria de amor na verdade toda hist ria come a e termina no n vel mais abstrato e geral do sentido como um sistema de for as de atra o e repuls o entre sujeitos e objetos que s o ainda esbo os contornos dos actantes do n vel narrativo que se concretizar o como atores no n vel discursivo Como lembra providencialmente Benjamin P ret o amor permite que o duplo movimento de atra o e repuls o constante nas rela es entre o homem e mulher se manifeste com perfeita nitidez P ret 1985 p 59 Sobre a protensividade do sujeito e a atratividade do objeto Barthes diz todo meu eu arrastado transferido para o objeto amado Barthes 2003 p 234 A tensividade f rica dessa forma uma proto sintaxe uma orienta o pressuposta que neutraliza as tens es pr prias da rela o sujeito objeto protensividade do 123 Ao promover uma verdadeira intersec o da protensividade que define a fun o de sujeito com o poder de atratividade que define o actante objeto a no o de corpo circunscreve um espa o te rico de jun o de onde emana o sentido de unidade do ser Tatit 1998 p 14 Segundo o Semi tica das paix es A protensividade do sujeito um tanto quanto apressadamente identificada intencionalidade que ent o interpretada ora como metaquerer ora como metassaber n o exige ne
406. ujeito figurativiza o tema da uni o do casal a continuidade da rela o Um movimento de parada interrompe esse continuum o sujeito conhece ent o a perda o vazio e se desloca para a posi o de falta O desejo de restabelecimento do elo expressa a busca do sujeito pela plenitude 137 Grifos nossos 118 posi es que caracterizam os modos de exist ncia do sujeito do amor ainda que de maneiras diferentes na da perda inanidade na do vazio vacuidade e na da falta No primeiro caso o sujeito distancia se da posi o de plenitude no ltimo aproxima se dela No segundo o sem prepara o movimento do sujeito em dire o consci ncia da falta e ao desejo de supri la como se a priva o passasse por tr s instantes distintos de percep o primeiro a sensa o de perda tamb m chamada de inanidade depois a sensa o de vazio denominada de vacuidade por fim a sensa o de falta lexicalizada como falta mesmo Apesar de n o se tratar de uma carta de amor conforme se definiu aqui esta palavra o texto A M rio de Andrade ausente de Manuel Bandeira parece confirmar a id ia de que a perda ainda que de outro objeto direciona o sujeito para o vazio e ent o para a sensa o de falta Anunciaram que voc morreu Meus olhos meus ouvidos testemunham A alma profunda n o Por isso n o sinto agora a sua falta Sei bem que ela vir Pela for a persuasiva do tempo V
407. ujeito permanece apegado ao objeto quer ele lhe seja disjunto quer conjunto Greimas e Fontanille 1993 p 183 Ali s em diversas realiza es discursivas verifica se a resist ncia do apego s conting ncias da jun o resist ncia 105 perda aus ncia ao abandono da mesma forma que ao prazer e saciedade o apego que resiste destrui o do objeto o apego para al m da morte Greimas e Fontanille 1993 p 183 como se apesar da disjun o no modo do ser a conjun o se mantivesse no modo do parecer o sujeito pode assim continuar a sonhar que conjunto a seu objeto de valor Greimas e Fontanille 1993 p 184 No caso do desapego a disjun o compromete a pr pria exist ncia semi tica do sujeito que n o n o parece n o quer n o pode n o sabe mais ser Na ruptura a destrui o do objeto a pr pria destrui o do sujeito o seu esvaziamento J prop jeito tudo com efeito se passa como se uma vez rompido o apego o sujeito tivesse de regressar a uma fase pr semi tica onde nada teria mais valor para ele Greimas e Fontanille 1993 p 182 Assim considerando que esta disserta o trata das rela es amorosas na intera o epistolar na perspectiva metodol gica da semi tica francesa o campo das indaga es tensivas merece particular aten o por ser onde teoricamente operam as instabilidades passionais e oscilam os valores f ricos antes q
408. ujeitos que buscam como valores o prazer sexual a fidelidade o companheirismo etc projetados no outro como objeto figurativo do desejo Nessa defini o de amor notaram se determinados tra os s micos caracter sticos como o apego a exclusividade o sujeito amoroso apegado de modo intenso ao objeto desejando o exclusivamente para si Assinalando o investimento exclusivo do sujeito por seu objeto o apego foi reformulado como devotamento palavra que tem como correlatas a fidelidade e a lealdade O fato de o sujeito ter apego ao objeto contudo n o significa que tem a sua posse do mesmo modo que a posse n o garante o apego como diversos exemplos mostraram Isso levou a pensar no conceito de possess o que remete id ia de deter servir se de ter prazer de Greimas e Fontanille 1993 p 185 O sujeito da possess o logo aquele que tem consigo o objeto e n o um sujeito de fazer que busca a conjun o trata se de um sujeito j conjunto que visa ao prazer de seu objeto Greimas e Fontanille 1993 p 185 Na defini o do amor como rela o de envolvimento afetivo e sexual sendo o sujeito apegado de modo intenso ao objeto consideraram se tamb m as oscila es de intensidade pr prias do conte do afetivo Tatit 1998 p 35 distinguindo se o amor paix o e o amor sereno No primeiro caso a paix o realiza se discursivamen
409. utor como j foi analisado antes a partir do emprego de termos superlativos Esse sujeito marcado por um apego intenso ao objeto angustiado com a dist ncia tamb m se manifesta por meio do uso do modo subjuntivo Que toda essa ang stia essa situa o falsa terminem para que possamos enfim ser felizes A situa o falsa a que Anna se refere a rela o entre Lu s e Tarsila no modo do parecer ele ainda est com a pintora mas no modo do ser com Anna A finalidade dessas cartas assim transformar o 226 segredo em verdade para que o sujeito entre em conjun o com o valor felicidade esse o desejo de Anna como expressa o uso da forma volitiva Em outros termos como se Anna dissesse que a hist ria dos dois devia parecer o que de fato era e de modo correlato que a hist ria entre ele e Tarsila n o podia continuar parecendo o que n o era mais Apesar disso verifica se o seu receio de que o desvendamento dessa situa o pudesse prejudicar as partes envolvidas no tri ngulo N o toa ela diz N o esque a de dizer se n o houve nenhuma atrapalha o com esta carta Movida por tal temor escreve Rasgue logo a carta O emprego da forma imperativa ali s tamb m bastante revelador do thos excessivo de Anna que parece cercar o amado por todos os lados enquanto Tarsila n o faz cobran as Anna dirige uma s rie de ordens a Lu s Pede para ele
410. utor e o interlocut rio N o h di logo n o h reciprocidade de pap is j que os pap is do eu e do voc n o se separam n o se distinguem mas ao contr rio se confundem numa massa amorfa comum O efeito de aus ncia de intera o substitu da pela identifica o do destinador e do destinat rio Barros 2002 p 25 Nessa perspectiva o interlocutor e o interlocut rio na enuncia o enunciada s o apresentados como sujeitos que pensam e sentem da mesma forma Barros 2002 p 25 Trata se de uma estrat gia enunciativa sutil que cria a impress o de que o voc sente o que o eu sente Como num sistema de vasos comunicantes como se a dor de um reverberasse no peito do outro o n s faz o interlocutor englobar o interlocut rio levando este a sentir os efeitos pat micos que a falta provoca naquele como se os dois se fundissem em um s 203 ele sinta saudades n o pede que ele lhe dirija aten o exclusiva Apesar de sentir os efeitos pat micos da falta Tarsila n o reclama a volta imediata do amado ainda que sinta saudades suporta a dor da aus ncia preservando o direito do outro individualidade Esse desprendimento t pico de um thos compreensivo equilibrado em que o imp rio da reta 52239 raz o exerce controle sobre o desejo e as paix es pode ser atestado neste trecho de uma carta ao amado Estou torcendo para que vo
411. va epistolar amorosa devidamente desenvolvidos em todos os n veis do percurso gerativo de sentido e Carta de estabelecimento do elo existencial o elo entre os sujeitos n o existe a disjun o entre os sujeitos n o decorre da nega o de uma conjun o anterior Trata se de um caso de apego sem posse e Carta de atualiza o do elo existencial o elo entre os sujeitos existe mas est virtualizado pela dist ncia disjun o pragm tica real Aqui se fala em apego com posse e Carta de ruptura do elo existencial o elo existe mas se quer que n o exista o sujeito desloca se da posi o de n o conjun o para a de disjun o Nesse caso o apego transmudou se em desapego o sujeito renunciou posse movido pelo desinteresse ou pela avers o e Carta de restabelecimento do elo existencial o sujeito em disjun o com o objeto que decorre da nega o de uma conjun o anterior desloca se para a posi o de n o disjun o aspirando a reativar a conjun o Trata se de um caso de apego sem posse Diferentemente do quadro de estabelecimento do elo em que n o se fala em posse anterior no restabelecimento a no o de posse aspectualizada pela iteratividade Em todas as cartas de amor notou se que se relacionam o elemento espacial e o afetivo em todas elas a dist ncia que motiva a intera o epistolar adquire uma dimens o pat mica Nas cartas de ruptura a dist ncia afetiva desejada valor euf
412. vez passado o tempo de sua frustra o isto quando ao sil ncio sucede uma carta finalmente recebida Com efeito as oscila es de ordem t mica provocadas num sentido ou no outro da extrema euforia pior disforia pela simples distribui o da correspond ncia segundo a carta desejada esteja finalmente ali ou ainda n o tenha chegado s se compreendem na medida em que a conjun o que o correio por vezes permite o acidente catalisador num outro plano que s poderia ser reconstru do dedutivamente de uma transforma o paralela relativa ao modo de exist ncia para o receptor de sua rela o com o outro sujeito Landowski 2002 p 176 Tal id ia se coaduna com o seguinte entendimento de Barthes Como desejo a carta de amor espera resposta imp e implicitamente ao outro que responda sem o que sua imagem se altera torna se outra o que explica com autoridade o jovem Freud noiva N o quero entretanto que minhas cartas continuem sem resposta e deixarei imediatamente de escrever te se n o me responderes Perp tuos mon logos a respeito de um ser amado que n o s o nem retificados nem alimentados pelo ser amado resultam em id ias err neas quanto s rela es m tuas e nos tornam estranhos um ao outro quando nos reencontramos e achamos as coisas diferentes daquilo que sem confirma o imagin vamos Barthes 2003 p 48 194 Como foi visto no cap tulo 2 a e
413. via desde que n o fosse o cora o Ela por m foi implac vel e inflex vel tinha que ser mesmo o cora o o cora o e nada mais 2003 p 196 Esse texto evoca um trecho de Fedro de Plat o Quando o cocheiro v algo am vel essa vis o lhe aquece a alma enchendo a de pruridos e desejos O cavalo obediente ao guia como sempre obedece a si mesmo e se refreia Mas o outro n o respeita o freio nem o chicote do condutor Aos corcovos move se for a embara ando ao mesmo tempo o guia e o outro cavalo obriga os por fim a entregarem se vol pia Os dois a princ pio resistem ficam furiosos como se fossem coagidos a praticar um ato mau e imoral mas acabam por se deixar levar e concordam em fazer o que manda o cavalo mau E eles se dirigem ao amado para gozar de sua presen a que brilha ofuscante como um rel mpago 2002 p 91 188 A hist ria desse tri ngulo amoroso reconstitu da por meio das cartas trocadas entre seus participantes tem in cio com a correspond ncia de Tarsila a Lu s Martins Conforme se disse no cap tulo 1 a estrutura composicional da carta se atesta tamb m na ancoragem espacial e temporal como se trata de uma comunica o dist ncia o cabe alho requisito formal do g nero indicando o lugar e a data em que se d a enuncia o A primeira carta de Tarsila tem o seguinte cabe alho S Paulo 13 Nov 1950 s 5 4 da tarde Martins 2003 p 59 O termo S o P
414. vo chamado l totes Quando se nega no enunciado e se afirma na enuncia o constr i se a figura que a ret rica denomina de l totes Fiorin 1992 p 57 66 na propaganda do governo de V Ex E de um modo geral trabalhando na imprensa di ria o grande elemento de aproxima o entre governo e povo A assinatura de V Ex tornar de direito uma situa o de fato Creia me Senhor Presidente ela alargar minha vida E um dia saberei provar que n o a usei inutilmente Montero 2002 p 33 Considerando o destinat rio um pol tico populista a remetente ent o o manipula habilmente com a tenta o de um objeto de valor muito desejado por ele isto a aproxima o entre governo e povo A escritora pedindo a naturaliza o se oferece como adjuvante nesse processo Revela se assim um thos colaborador apresenta se um corpo mais pr ximo apesar disso cremos preservar se a justa medida j que em nome da p tria a persona n o a pessoa que se faz mais pr xima Vale destacar que nas cartas oficiais o grau de distanciamento pode chegar a um extremo em que sequer se reconhece o papel figurativo do destinat rio identificado s por seu papel tem tico sem maior investimento sem ntico A correspond ncia oficial deve ser dirigida ao cargo e n o ao indiv duo Portanto o correto Exmo Sr Prefeito Municipal da cidade de Campinas sem incluir o nome Medeiros 2
415. will be firstly discussed the definition problem of the genre statute establishing a distinction among the following categories discourse genres discourse types and circulation spheres For the understanding of genre the categories of compositional structure thematic and style will be considered These elements will be grouped to work upon the idea that the letter is a genre is opposition to other types as the sub genre commercial letter In the confrontation with the sub genres the marks of difference will be outlined which concedes particularity to them For this purpose it will be discussed the set of qualifications required from the utterer in the sphere of each genre such coercions will be named genre styles in opposition to style of scenery in which the thos is built in the scene of private utterance In that respect the dissertation will show that the highest degree of standardization of a genre implies in less space reserved for the style of scenery In less stereotyped genres on the contrary the thos of scenery suffers hypertrophy After discussing the genre statute and the analysis of commercial letter and love letter sub genres it will be proposed a model of approach about the lover subject from the analysis of love letters from different authors periods and places by contemplating all levels of the generative course of meaning Such model will determine a basi
416. za o que permite a sistematiza o como se houvesse assim uma esp cie de esperan a O objeto de an lise contudo marcado pela dinamicidade oferece resist ncia afastando se do analista preciso cuidado com o arisco sen o ele foge Por isso o sujeito precisa estar dentro dessa ilus o do eterno abolindo o tempo e com ele o movimento o amor um bicho arisco inclinado a escapar s categoriza es A estabiliza o do objeto assim uma ilus o mascara se a sua instabilidade na esperan a de ret lo Posto isso nas cartas de estabelecimento do elo o sujeito parte de uma esp cie de grau zero n o havia uma hist ria pregressa entre sujeito e objeto A busca da conjun o assim n o resulta de uma disjun o anterior A hist ria entre o sujeito e o objeto portanto inaugurada pelo estabelecimento do elo Se l cito dizer como se o sujeito em sua busca partisse de um vazio inaugural Isso significa que o sujeito estava disjunto do 126 objeto disjun o que n o remete a uma conjun o anterior como ocorre nas cartas de restabelecimento do elo A falta nesta n o marcada pelo ineditismo do objeto naquela sim Em outros termos num caso o sujeito sente falta do que j possuiu noutro do que jamais possuiu isso que se nota no seguinte trecho de uma carta de Graciliano Ramos a Helo sa Tinhas raz o quando afirmaste que entre n s n o havia
417. zer do locutor quase que s pode manifestar se na escolha do g nero Bakhtin 2000 p 301 302 55 ao lado dos g neros padronizados existiram e continuam existindo claro g neros mais livres e mais criativos da comunica o verbal oral os g neros das reuni es sociais da intimidade amig vel da intimidade familiar A maior parte desses g neros se presta a uma recria o criativa de um modo semelhante aos g neros liter rios e alguns deles num grau mais acentuado Bakhtin 2000 p 303 Nesses discursos a cena de enuncia o d relevo cenografia aqui o thos do enunciador individual se expande ganha maior espa o Assim quanto menor o grau de padroniza o do discurso s o maiores em termos inversamente proporcionais as possibilidades expressivas da enuncia o individual fugindo rigidez de uma rotina enunciativa produtivo aqui operar com a distin o entre pessoa e persona Relembrando a quest o em linhas bem gerais pode se considerar ent o pessoa como o termo designativo da individualidade sendo persona o papel social de um indiv duo Fiorin 1999a p 993 Nas cartas comerciais bem como nas correspond ncias oficiais parece haver um esvaziamento da pessoa ressaltando se a persona enfatiza se o papel social em detrimento da individualidade Nas cartas de amor verifica se o contr rio a persona perde espa o para a pessoa Homologando essas quest es com as cenas de enun

fragmentos epistolares de um discurso amoroso

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