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estratégias semióticas de reparação dinâmica do self

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1. m ic Maternidade ii Signo promotor PASSADO PRESENTE FUTURO Tempo Nao ter filhos n o maternidade 148 CAPITULO VII Posi o promotora de campos afetivos hipergeneralizados a manuten o da maternidade como possibilidade futura A trajet ria reprodutiva de Eduarda no contexto privado de sa de O sonho acaba de repente tudo acaba Narrativa autobiogr fica da hist ria reprodutiva Eduarda possui trajet ria reprodutiva marcada por sete gesta es e seis abortos espont neos ocorridos no per odo de cinco a nove semanas de gesta o No momento em que foi realizada a entrevista encontrava se gr vida de cinco semanas Em sua narrativa relata que a primeira gravidez havia sido planejada pelo casal para acontecer quando estivessem com tr s anos de casados a fim de que pudessem curtir a vida a dois antes de aumentar a fam lia E assim quando estavam com tr s anos de casados resolveram dar in cio s tentativas de gesta o ap s a realiza o de alguns exames m dicos para atestar a sa de reprodutiva do casal Com os resultados dos exames favor veis concep o conclu ram ter chegado o momento prop cio para ter um filho Sempre tinha aquela expectativa de que tudo ia fluir de que tudo ia dar certo Para Eduarda um filho viria para somar para completar a fam lia A primeira gesta o n o tardou a acontecer seis meses depois da suspens o do contraceptivo co
2. A partir de uma perspectiva mais geral acerca das trajet rias reprodutivas das mulheres entrevistadas pode se afirmar que as usu rias da assist ncia privada experienciaram perdas 15 gestacionais mais frequentemente no primeiro trimestre da gesta o o que caracteriza o diagn stico de abortamento recorrente propriamente dito Por outro lado as usu rias do servi o p blico vivenciaram muitas das suas perdas entre o segundo e o terceiro trimestre da gesta o al m da viv ncia em alguns casos de morte neonatal poss vel que a diferen a do momento em que ocorreram as perdas gestacionais possa se refletir no impacto desta perda para o sistema de self dessas mulheres Na literatura n o h consenso acerca da diferen a do tempo da gesta o para a ocorr ncia da perda e as suas repercuss es emocionais Conforme Neugehauer e colaboradores 1992 a partir de um estudo que investigava a rela o entre perdas gestacionais e sintomas depressivos as mulheres que tiveram uma perda ap s um tempo maior de gesta o apresentaram um aumento nos sintomas depressivos se comparadas com mulheres que abortaram no in cio da gesta o De acordo com os pesquisadores esse achado apresenta consist ncia com a no o de apego materno para com a crian a que ainda n o nasceu na medida em que as teorias do apego defendem a ideia de que esse v nculo progride medida que a gravidez avan a e que o impacto da perda corresponde for a
3. A qualidade da assist ncia prestada pelos servi os e profissionais de sa de essencial para a ades o e redu o dos ndices de mortalidade materna e perinatal no pa s Brasil 2000 No entanto alguns estudos revelam desigualdades na qualidade do pr natal prestado sendo considerado melhor no setor privado do que no p blico Cesar Mano Carlotto Gonzalez Chica Mendoza Sassi 2011 Por m quais s o as pol ticas p blicas dirigidas s mulheres que sofrem a interrup o espont nea de uma gravidez O Minist rio da Sa de visando garantir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres elaborou em 2005 a Norma T cnica Aten o Humanizada ao Abortamento com o objetivo de orientar profissionais e servi os de sa de para que acolham atendam e tratem com dignidade as mulheres em processo de abortamento Atrav s desse manual t cnico refere ter reconhecido a realidade de que o aborto espont neo ou induzido efetuado em condi es inseguras importante causa de morte materna e portanto uma quest o de sa de p blica Conforme dados do Minist rio da Sa de o abortamento representa uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil Nas ltimas d cadas estudos mostram uma tend ncia de decl nio da taxa de mortalidade por abortamento no Brasil Entretanto houve a perman ncia de desigualdades regionais com menor redu o dessas taxas nos estados nordestinos tamb m nesta regi o do pa s onde as morte
4. es das mulheres que experienciaram no pr prio corpo a gravidez e a perda gestacional foram desconsideradas Eu acho que os m dicos deveriam ter assim certo cuidado porque tem gravidez que exigem cuidados maiores dar mais aten o entendeu Porque quando a gente se queixa de alguma coisa alguns m dicos falam ah mas voc n o sabe o m dico sou eu eu sei Ent o voc fica at assim voc vai fazer o que se eles acham que eles N o adianta uma coisa assim muito inexplic vel Camila 33 anos quatro perdas gestacionais E em muitos casos houve a compara o com o servi o privado de aten o sa de imaginado como tendo melhor qualidade na presta o dos servi os o que para essas mulheres poderia ter implicado em trajet rias reprodutivas bastantes distintas das que experienciaram O sistema p blico n o olha pra gente como um m dico particular olha se eu tivesse dinheiro at agora n o encontraram uma explica o Acho que a gente deveria ser tratada com mais carinho mais aten o Eu n o choro pelos meus filhos que est o bem em algum lugar mas pelo descaso dos profissionais Di rio de campo Registro das din micas de grupo 08 de outubro de 2007 Experi ncia de ruptura nos contextos de sa de brasileiros o caso do abortamento espont neo de repeti o Eu trouxe o meu filho para a vida e n o para a morte Sandra 29 anos usu ria do servi o p blico
5. lo __ A xplicar hipergeneralizado N Campo de ss R sentimentos que toma a psique da pessoa em sua totalidade 1 Sentir aquela experi ncia sentir aquele ser dentro da Nivel 3 Categorias generalizadas do sentir Articula o maxima de codifica o semi tica do campo afetivo Eu gostei muito da sensa o l errr Nivel 2 E E PAVOR Nomea o espec fica DA E Tenho pavor de das emo es ge 1 pessoas que experienciadas pela i morrem pessoa N vel 1 Experi ncia subjetiva prim ria Sentimento pr semi tico geral imediato Nivel 0 Nivel fisiol gico Excita o e inibi o Fonte Valsiner 2007 193 Assim 0 sagrado da maternidade sentido nas entranhas do seu proprio corpo funciona como um signo promotor Um signo abstrato que funciona como um guia de toda a gama de constru es poss veis no futuro Valsiner 2007 Mas al m desse poderoso signo promotor outro signo revela se em opera o que denominaremos no presente trabalho de signo reparador analisado mais detidamente no pr ximo cap tulo Isto um signo constru do no momento presente que repara a ruptura precipitada no passado e orienta a pessoa em dire o ao futuro No caso Beatriz bem como em alguns dos outros casos analisados ao longo desse trabalho o signo reparador configurou se no tratamento m dico especializado Afinal esse signo ofereceu um significado pa
6. maternidade lt gt n o maternidade levou em dire o a constru o de uma s ntese dial tica Assim do campo do signo n o maternidade houve a 22 emerg ncia de um novo signo solid o ver representa o na Figura 10 Isto implicou na diferencia o dos opostos dentro do mesmo todo sua rela o de contradi o e como resultado na supera o da oposi o pr via pela cria o de uma nova totalidade Cabell amp Valsiner 2011 p 94 Figura 10 Signo solid o como contraparte do signo hipergeneralizado maternidade SOLID O emerge N O MATERNIDADE o MATERNIDADE gera N O MATERNIDADE o MATERNIDADE x Por sua vez esses signos constru dos relacionados contraparte n o maternidade levaram simultaneamente cria o de novos signos para outra contraparte isto maternidade que passou a ser cada vez mais valorizada idealizada e por conseguinte mais almejada por Juliana Assim por exemplo ter um filho passou a significar o oposto da solid o isto o preenchimento do vazio que por sua vez associou se ao signo hipergeneralizado da felicidade Outra raz o para seguir nessa dire o consistiu no nascimento do filho do parceiro com uma outra mulher Juliana relata que o parceiro desejava ter um filho e ela desejava dar um filho para o parceiro No entanto o fato de uma outra mulher ter feito isto em seu lugar configurou se em uma situa
7. o desse significado em uma narrativa pessoal geral Intensifica se tamb m um processo de redefini o da identidade envolvendo a constru o e mobiliza o da representa o de si mesmo no passado e de poss veis selves no futuro em um determinado contexto sociocultural Zittoun 2004 Por outro lado preciso manter um senso de ser o mesmo de continuidade atrav s da mudan a Uma necessidade central para o self dial gico manter a estabilidade din mica dentro de si Valsiner 2002 p 258 Trata se de uma estabilidade relativa visto estar sempre relacionada mudan a Faz se importante ressaltar por m que as rupturas analisadas no presente trabalho apresentam algumas caracter sticas particulares Em primeiro lugar s o rupturas que levam a 196 transi es n o normativas Cowan 1991 isto n o esperadas pessoal e socialmente logo n o contam com o suporte sociocultural no n vel mesogen tico Em segundo lugar s o rupturas no desenvolvimento de algo muito significativo que envolve signos hipergeneralizados como maternidade filia o e fam lia signos muitas vezes internalizados como valores pessoais Deste modo configuram se em experi ncias profundamente afetivas Por fim s o rupturas recorrentes ao longo da trajet ria de vida que desafiam incessantemente a possibilidade de manuten o da posi o Eu m e posi o de Eu relevante para essas mulheres Esse ltimo aspecto cons
8. o que Juliana n o conseguiu suportar n o aceito n o sei lidar ela teve um filho dele e eu n o se eu n o tiver filhos e essa crian a eu prefiro a morte Esse acontecimento despertou lhe um senso de urg ncia para ter um filho e deste 142 modo recuperar o valor simb lico n o s perante o parceiro mas perante a rede social pr xima como familiares e amigos eu queria provar para a sociedade que eu tive um filho com ele Assim a experi ncia de perdas gestacionais espont neas e o diagn stico de aborto de repeti o trouxeram implica es significativas para a sua identidade modificando temporariamente a estrutura do self dial gico atrav s da orienta o por signos como representada na Figura 11 Isto porque Juliana passou a se sentir diferente das outras mulheres consideradas normais por n o terem dificuldades para terem seus pr prios filhos Sentiu se deste modo exclu da do universo feminino que tem a maternidade como uma das suas express es mais significativas al m de incompleta e n o realizada Voc se acha diferente Voc n o pode voc se acha a diferente a exclu da nfase dada pela entrevistada Juliana ent o luta para pertencer a uma determinada unidade social classificada por ela como sendo das mulheres normais isto das mulheres f rteis que t m filhos Conforme Valsiner 2007 a no o de participa
9. 2004 On the constitution of Self and Mind The dialect of the system and the person Culture Psychology 14 6 822 845 Recuperado em 02 de abril de 2009 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Farinati D M Rigoni M S amp Miiller M C out dez 2006 Infertilidade um novo campo da psicologia da satide Estudos de Psicologia Campinas 23 4 p 433 439 Recuperado em 29 de junho 2012 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line www scielo br Fogel A Kroyer I Bellagamba F amp Bell H 2002 The Dialogical Self in the First Two Years of Life Embarking on a Journey of Discovery Theory amp Psychology 12 2 191 205 Recuperado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Franco M H P 2010a Familias vivem seus lutos In L A B Trad Org Familia contempor nea e sa de significados pr ticas e pol ticas p blicas Rio de Janeiro Editora FIOCRUZ 371 379 Franco M H P 2010b Apresenta o In M H P Franco Org Forma o e rompimento de v nculos o dilema das perdas na atualidade S o Paulo Summus 11 16 Geertz C 1997 2003 Do ponto de vista dos nativos a natureza do entendimento antropol gico In O saber local Petr polis Vozes Guillespie A 2007 The social basis of self reflection Em A Rosa amp J Valsiner The Cambridge Handbook of Sociolcultural Psychology Cambridge New York Cambridge University Press pp 67
10. Olhe Voc sabe o meu problema qual eu n o vou l na frente n o Se tiver de me curar vai me curar aqui Ao t rmino da ora o no entanto o pastor vai at Joana e a convida para ir ao altar quando ent o profere uma ora o de cura voc est sendo curada agora Deus est dando uma cura pra voc agora n o a cura que voc queria n o a cura do seu tempo a do tempo de Deus Joana relata ter sentido intensa emo o durante essa experi ncia eu chorava eu chorei muito Foi uma coisa que eu estava bem que eu estava vivendo Esta experi ncia de cura levou o parceiro a incentiv la a engravidar mais uma vez O que de fato ocorreu pela quinta vez momento em que a entrevista com ela foi realizada Joana relata estar mais esperan osa em conseguir controlar as poss veis intercorr ncias gestacionais atrav s do uso de algumas tecnologias m dicas como o uso de medicamentos e a possibilidade da realiza o de uma cerclagem uma pequena interven o cir rgica com objetivo de manter o colo uterino fechado at o final da gesta o evitando um aborto tardio ou um parto prematuro Agora tem mais possibilidades a gente vai fazer de tudo pra segurar esse agora t tomando medicamento que eu nunca tomei de nenhuma gravidez ela a m dica disse que um meio de ajudar a segurar a crian a eu fiz um exame de sangue a ela falou que era uma coisa que ia ser necess rio costura
11. adapta o s condi es ambientais futuras que no momento presente ainda n o s o conhecidas O papel dos outros sociais nesse processo como o dos m dicos e da rede social pr xima aquele de orienta o do processo de microg nese Os significados deste modo s o constru dos em movimento Outro aspecto fundamental desse movimento de constru o de significados consiste nos processos afetivos Afinal a regula o e organiza o dos significados uma fun o desses processos O afeto a base sobre a qual os organizadores semi ticos se estabelecem e configuram Cabell amp Valsiner 2011 A experi ncia subjetiva sempre constru da sobre uma rela o afetiva com o mundo As pessoas criam sentido para suas rela es com o mundo e para o pr prio mundo atrav s de seus sentimentos que s o culturalmente organizados por meio da cria o e uso de signos Valsiner 2007 Esta rela o afetiva com o mundo se constitui como uma totalidade uma combina o do passado presente e futuro sentidos simultaneamente como um Cabell amp 181 Valsiner 2011 O dominio dos sentimentos central para a constru o de culturas pessoais Valsiner 2007 Deste modo os processos afetivos humanos est o intimamente ligados aos significados que deles emergem Valsiner 2007 Partindo desse pressuposto pode se analisar a rela o entre processos afetivos e significados na trajet ria de Beatriz Ao longo da sua narr
12. discutida mais adiante nesse cap tulo Por fim faz se importante ainda observar que os casos de abortamento tanto nas unidades de assist ncia sa de p blica quanto na rede privada as mulheres foram internadas na mesma ala hospitalar daquelas parturientes cujos filhos viveram A diferen a consiste na estrutura f sica as mulheres da maternidade p blica investigada dividiam o mesmo espa o f sico ou seja a mesma enfermaria com as mulheres que haviam parido e seus beb s enquanto que as pacientes da rede privada cujo plano de sa de cobria quartos individuais tinham a privacidade desse ambiente reservado Sobre a adequa o dessa situa o certa vez fui questionada por duas enfermeiras da maternidade p blica Relataram me que a equipe de enfermagem discordava do compartilhamento do mesmo espa o por mulheres que haviam abortado espontaneamente ou mesmo induzido o aborto e aquelas que haviam parido filhos vivos Defendiam que essas mulheres deveriam dividir a mesma enfermaria das gestantes de alto risco enquanto que os m dicos sugeriam que dividissem a mesma enfermaria com as pu rperas na seguinte disposi o mulheres com abortamento de um lado e mulheres pu rperas e seus beb s de outro Essa ltima conforma o no entanto parece contrastar com a opini o das pr prias mulheres que sofreram abortamento Ao longo dos meus dez anos trabalhando com essa tem tica os relatos compartilhados revelam a dor ps quica intensi
13. es experienciadas pela pessoa N vel1 Experi ncia subjetiva e prim ria amam o com psicossom tico 1 Sentimento pr ex aumento 4 semi tico geral press o arterial imediato Nivel 0 N vel fisiol gico Excita o e inibi o Atrav s de um movimento de introspec o Ana consegue dar se conta da influ ncia do estado de ansiedade no agravamento da sua condi o geral de sa de nas gesta es 129 anteriores E atrav s do processo psicoter pico consegue obter algum controle sobre o seu pr prio estado emocional Esses comportamentos ent o parecem evidenciar que Ana se percebe pelo menos em parte como respons vel pelos eventos passados Juntamente com a emerg ncia do sentimento de responsabilidade pessoal outro sentimento fez se presente a sensa o de ter algum controle sobre a situa o ou seja de n o estar t o merc dos acontecimentos das conting ncias da vida A assun o desse sentimento faz parte do movimento subjetivo iniciado por Ana de n o submeter se mais ao jugo do outro e ent o de si mesma de novo tomar posse Nietzsche 2004 Afinal tornando se respons vel por si mesma coloca a dire o da vida um pouco mais em suas pr prias m os E atrav s dessa apropria o adquiriu a possibilidade de seguir adiante em melhores condi es Permitiu se aprender com a experi ncia interna e externa das suas pr prias a es Guedes amp Walz
14. importante posi o Eu religiosa que ganha uma nova s ntese sendo reconfigurada em uma nova posi o de Eu isto Eu filha de Deus Posi o de Eu que por sua vez alicer a o Eu m e Afinal a experi ncia de incerteza em decorr ncia da trajet ria reprodutiva marcada por abortos espont neos e a inevit vel sensa o de perda de controle sobre a pr pria vida pode ser minimizada atrav s dessas rela es dial gicas estabelecidas com Deus Ou seja Deus est no controle da vida das pessoas tem o poder necess rio para isto cren a da posi o Eu religiosa a sua hist ria de perdas gestacionais tem algum sentido algum significado mais profundo de n vel espiritual cren a da posi o Eu personagem b blico e o desfecho dessa hist ria deve ser positiva afinal Deus um pai que cuida dos seus filhos cren a posi o Eu filha de Deus O cuidar tamb m configura se como um signo hipergeneralizado Eduarda ent o faz uso de uma s rie de recursos simb licos em seu fluxo de pensamento para resolver suas quest es internas O mais importante entre esses vem da religi o Ao evocar Deus em suas reflex es h a cria o de um campo afetivo hipergeneralizado de espiritualidade Nesse sentido a sua luta para ter um filho que assume o significado de mart rio tal como Cristo na cruz profundamente pessoal apesar de ela utilizar os significados sociais da sua comunidade s mbolos religiosos para expressar e
15. o a mulher deve receber aten o cl nica adequada segundo referenciais ticos e legais Tendo como princ pios norteadores a igualdade a liberdade e a dignidade da pessoa humana qualquer discrimina o ou restri o do acesso assist ncia sa de n o poder ser admitida Em todo caso de abortamento a aten o sa de da mulher deve ser garantida prioritariamente provendo se a atua o multiprofissional e acima de tudo respeitando a mulher na sua liberdade dignidade autonomia e autoridade moral e tica para decidir afastando se preconceitos estere tipos e discrimina es de qualquer natureza que possam negar e desumanizar esse atendimento Brasil 2005 p 16 Estudo etnogr fico em contextos p blicos e privados de assist ncia sa de O trabalho etnogr fico nos dois contextos de assist ncia sa de ocorreu em dois momentos distintos No contexto de assist ncia p blica a minha inser o ocorreu no ano de 2002 quando cumpria o est gio curricular em Psicologia e se estendeu at 2009 Durante esse per odo estive inserida no ambulat rio de aborto de repeti o realizando atendimentos 71 psicol gicos din micas de grupo e acompanhamento das consultas m dicas A etapa preliminar da minha inser o neste servi o foi a observa o das consultas m dicas Desde essa poca eu fazia o registro escrito das atividades realizadas em di rios de campo Por sua vez a minha entrada no campo da a
16. sa de A paciente atendida tem hist ria de tr s abortos espont neos Relata que no ltimo aborto o diagn stico foi comunicado de modo totalmente inadequado pelo m dico ultrassonografista Durante o exame ele perguntou para ela tem certeza que voc est gr vida Pois o cora o n o tem mais batimentos O relato da situa o enfrentada enfatiza a falta de sensibilidade do m dico na transmiss o da not cia do aborto Ela relata que aquela foi uma situa o t o estressante que se o feto n o tivesse morrido antes tinha morrido naquele momento Di rio de campo 09 de outubro de 2012 Situa es semelhantes tamb m foram descritas no contexto p blico de sa de conforme ilustra o relato a seguir A viemos para a emerg ncia quando chegou na emerg ncia passamos de hospital em hospital hospital em hospital a o m dico falou assim o seu beb j t morto a eu falei assim morto ele ta morto pode internar ela que a gente vai fazer uma cesariana a ele me internou de novo a entrei em desespero n o conseguia baixar a minha press o porque foi um caso que sei l que n o tivesse me avisado antes tivesse feito nascer primeiro n Joana 34 anos cinco perdas gestacionais contexto p blico de assist ncia sa de 87 A aus ncia de uma conduta apropriada dirigida facilita o do processo de luto tamb m compreendeu outro aspecto que merece destaque
17. Afinal diante da perda gestacional o comportamento caracter stico foi marcado pela frieza em transmitir a not cia da perda a recusa em lhes mostrar o beb natimorto e a falta de informa es sobre o ocorrido condutas exatamente contr rias quelas recomendadas na literatura sobre o tema Stock amp Lehman 1983 Worden 1998 S que quando tirou a crian a a crian a j estava morta e nem me mostraram a crian a ai eu n o vi mais Eu tentei olhar eu queria ver Ai eu sa procurando informa o n o deram informa o n o falaram nada do acontecido Manuela 26 anos tr s perdas gestacionais contexto p blico de assist ncia sa de Uma coisa que me incomodou bastante depois que viram que n o dava mais pra reanimar a minha menina uma enfermeira chegou eu assim deitada ainda ela pegou botou meu nen m no saco na minha frente pegou o nen m botou ali dentro e fechou Eu me senti mal quando fechou aquilo ali aquilo ali j foi me incomodando j daquilo ali j eu j fui ficando atordoada A ah m e calma voc vai ter outros Mariana 29 anos seis perdas gestacionais contexto p blico de assist ncia sa de Vale ressaltar ainda a dificuldade de compreens o por alguns profissionais de sa de da relev ncia em realizar rituais f nebres ap s a constata o de bito fetal ou aborto espont neo Em uma conversa com uma das m dicas respons veis pelo ambulat rio de abor
18. O self dial gico pode ser entendido como regulando o processo de a o cont nua das pessoas na experi ncia imediata criando sentido pessoal geral s ntese do tipo o que que est acontecendo na situa o contexto aqui e agora Valsiner 2002 Tal s ntese ou sentido pessoal geral atribu do ruptura consiste em um subproduto do processo de regula o semi tica cont nua Valsiner 2002 Assim cada evento disruptivo no fluxo da experi ncia implica na emerg ncia de reguladores semi ticos e significados generalizados que garante a autorregula o da hierarquia semi tica ao longo do tempo e contextos propiciando certa estabilidade din mica no self dial gico Valsiner 2002 poss vel afirmar entretanto que a experi ncia recorrente de rupturas significativas exija um tipo espec fico de processo semi tico que no presente trabalho foi denominado de estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Estas estrat gias ao serem utilizadas levam constru o de signos espec ficos os signos reparadores que t m o poder de realizar algum tipo de conex o dos fragmentos da trajet ria interrompida construindo alguma articula o entre esses fragmentos e resgatando certo senso de continuidade ver representa o nas Figura 22 e 23 Entretanto o esfor o empreendido pelas mulheres em construir os signos reparadores exige tempo Tempo que corresponde ao per odo de transi o n o normativa ou m
19. Relata que entrou em desespero e imediatamente foi para Salvador com um motorista e uma amiga auxiliar de enfermagem Mas a sua m dica confirmaria o diagn stico momentos depois com a repeti o do exame Na medida em que se tratava de um aborto retido precisou submeter se ao procedimento chamado AMIU Aspira o Manual Intrauterina realizado em um hospital particular A experi ncia da hospitaliza o consiste em uma lembran a dolorosa n o s pelo procedimento m dico ao qual foi submetida mas pelo fato de ter sido internada no setor da maternidade Relata o contraste da sua experi ncia de perda gestacional com o nascimento de outros beb s cujos quartos tinham nas portas elementos simb licos que representavam o nascimento das crian as Essa foi a pior parte a pior parte de todas desse abortamento dessas perdas foi esse internamento a frustra o de voc estar ali j muito grande de voc ter perdido j a terceira crian a e eles te internam numa na maternidade eu fiquei internada na maternidade todas as crian as nascendo e s a minha morrendo Ent o imagina voc triste porque perdeu a crian a internada numa maternidade onde voc ouve um bocado de choro de crian a nascendo sem comer sem beber e sentindo dor e sangrando a pior parte foi essa A experi ncia da terceira perda deste modo levou lhe a um desespero total Afinal enquanto m dica sabia que se tratava de aborto de
20. Vale ressaltar ainda a diferencia o que Vigotski 1987 2000 estabelece entre significado e sentido Para ele o sentido compreende um todo complexo e din mico aquilo que vivido de forma singular o signo interpretado pelo sujeito hist rico dentro de seu tempo espa o e contexto de vida pessoal e social O significado por sua vez mais est vel e preciso engloba as significa es que s o vividas coletivamente o que convencionalmente estabelecido pelo social De acordo com Valsiner 2007 Vigotski vislumbrava a rela o entre significado e sentido em termos din micos ambos s o entidades que mudam mas a sua mudan a diferente na estrutura do tempo A mudan a do significado mais lenta e mais restrita se comparada do sentido De modo similar diferencia o entre sentido e significado como entendida por Vigotski Valsiner 2007 faz refer ncia ao que ele denomina de cultura pessoal e cultura coletiva A cultura pessoal segundo este autor compreende os significados pessoais subjetivamente constru dos o sistema de sentido pessoal Este sistema interdependente do dom nio dos processos comunicativos mediados por signos interpessoais isto interdependente da cultura coletiva mas n o determinada por este A cultura coletiva por sua vez compreende a multiplicidade de mensagens comunicativas mediadas por signos interpessoais ou seja consiste no conjunto de produ es e significados compartil
21. Valsiner 2007 Al m disso essas posi es de Eu centrais e dominantes no sistema do self apresentam se ent o interligadas uma refor ando a outra e carregadas de afeto organizando o campo da experi ncia Quando eu penso assim eu lutando por um filho chora querendo um beb pra mim eu lembro daquelas criancinhas que est o l nas creches entendeu lutando por uma m e e eu aqui querendo um filho por que eu n o vou l buscar um pra mim entendeu E a eu realizo o desejo do meu cora o e o desejo dele Eu gostaria de dar um lar pra uma crian a que todos os dias pede a Deus por uma fam lia Eis o ponto de bifurca o na trajet ria reprodutiva de Eduarda por que n o adotar Alguns di logos s o ent o estabelecidos entre as posi es de Eu internas dominantes Eu religiosa Eu m e Eu esposa com outros significativos posi es de Eu externas crian as rf s imagin rias e o esposo A tens o desse ponto de bifurca o intensificada com a recusa do marido em aceitar a ado o como um meio de alcan ar a paternidade almejada S que infelizmente o meu marido ele n o pensa da mesma forma ele foca s o lado negativo da ado o Eu sei que a ado o pode ter seus lados positivos ou negativos mas eu prefiro valorizar os positivos porque os negativos voc pode viver tamb m com os seus filhos do seu sangue da sua pr pria carne da sua pr pria familia como muitos casos que a g
22. a experi ncia involunt ria de uma perda gestacional tardia no ltimo trimestre de gravidez levou emerg ncia de um sentimento de urg ncia em rela o gravidez destruindo a fronteira et ria simb lica previamente constru da A emerg ncia desse sentimento de urg ncia esteve principalmente relacionada com a sensa o f sica dos movimentos fetais dentro do pr prio corpo mas tamb m com a antecipa o futura do contato com o beb vivo e o reconhecimento de continuidade de algo seu tra os f sicos em uma nova gera o conforme ilustra o relato a seguir A eu quis de novo porque s aquela sensa o da gente sentir o beb mexendo dentro da gente a sensa o de ter um beb no colo de saber que nosso ter as caracter sticas nossas a eu falei ah n o n o vou mais aguentar esperar tanto tempo ent o se Deus me mandou antes do planejado ent o eu vou tentar novamente pra ter logo a minha gra a Deste modo a experi ncia corporal dos movimentos fetais permitiu a Beatriz sentir em seu pr prio corpo a maternidade sendo tomada por essa sensa o por esse signo hipergeneralizado carregado de afeto Como se o sagrado da maternidade a potencialidade feminina de dar luz de criar a vida como se fosse um semideus a tivesse tomado guiando seus pensamentos sentimentos e condutas Considerando por m que a constru o de significados envolve signos de natureza dual o signo maternida
23. a reconstru o de significados atribu dos s experi ncias no passado perdas anteriores e nova orienta o para a gama aceit vel de constru es de significados orientados para o futuro conectando os relan ando os numa nova narrativa sempre singular e de certo modo unificada e coerente acerca de si mesmo da sua pr pria vida e do seu pr prio destino Eles ser o apresentados mais detalhadamente no cap tulo nove ap s a an lise de algumas trajet rias reprodutivas Os casos Contexto p blico de assist ncia sa de O contexto p blico de assist ncia consistiu no Ambulat rio de Abortamento de Repeti o da maternidade vinculada Universidade Federal da Bahia UFBA A minha inser o nesse contexto ocorreu em 2002 Desde essa poca at meados de 2008 realizei atividades semanais de din mica de grupo com mulheres usu rias desse servi o Essas atividades cujo objetivo principal era o de psicoprofilaxia e educa o para a sa de configuravam se em grupos abertos formados voluntariamente por mulheres que aguardavam a consulta m dica voltados para o compartilhar das experi ncias o esclarecimento de d vidas e a transmiss o de informa es relacionadas sa de A minha participa o no grupo nos anos de 2007 e 2008 especialmente ensejou o primeiro contato com as participantes da pesquisa Entre as mulheres que participaram dos grupos foram escolhidas aquelas que tinham diagn stico de aborto
24. licas s o deste modo constru das No contexto das tecnologias reprodutivas as fronteiras simb lico culturais bem como os processos de constru o de identidade atuam quando tais tecnologias s o usadas Malin 2003 Al m disso a experi ncia de n o maternidade involunt ria leva muitas mulheres a se esfor ar na dire o de uma identidade normativa que bastante valorizada social e culturalmente ainda que negada por seus corpos materiais Afinal h um discurso sociocultural e at mesmo pol tico sobre fam lia casamento e sexualidade que influencia uma tomada de decis o reprodutiva Esse discurso enfatiza o imperativo cultural da maternidade bem como a valida o dos pap is de g nero atrav s da parentalidade McDonell 2011 Deste modo a capacidade de procria o parece ser um importante referencial da identidade de g nero Por m com a insist ncia do desfecho tr gico isto com a repeti o da viv ncia de mais uma perda gestacional mesmo com todo o aparato m dico e tecnol gico que lhe era acess vel Joana recorre a outra poderosa institui o social a religi o na busca incans vel para superar as ambival ncias minimizar incertezas futuras e conseguir algum controle sobre sua pr pria vida seguindo em dire o da maternidade Ela tem a experi ncia de cura espiritual na igreja que frequentava realizada a partir da palavra de um outro significativo representante de Deus o pastor e
25. m permitiu s mulheres a constru o de signos capazes de integrar o elevado n vel de ambival ncia experienciado ex altera es auto e aloimunes em decorr ncia da perda gestacional sofrida reduzindo o n vel de incerteza frente ao futuro reprodutivo Isto porque tais signos provenientes da esfera m dica dotados social e pessoalmente de valor funcionaram como importantes reguladores intrapsicol gicos levando emerg ncia de um sistema hier rquico no mbito do self Nesse sentido considerando que as trajet rias das mulheres investigadas foram marcadas por uma s rie de circunscritores ou barreiras ex sugest es sociais que tinham a fun o de inibir a ocorr ncia de um determinado fen meno uma nova gravidez os signos provenientes da esfera m dica atuaram como importantes catalisadores diminuindo a ativa o desses circunscritores a fim de propiciar a emerg ncia do fen meno E foram utilizados como um recurso de empoderamento do self dessas mulheres em dire o maternidade Por fim o acesso a esses recursos configurou se como uma base sobre a qual p de haver a emerg ncia da imagina o entendida enquanto um recurso fundamental de adapta o e explora o do mundo que permitiu a algumas dessas mulheres ampliarem a 209 gama de possibilidades futuras E o quanto antes assumirem a dire o das suas pr prias vidas enquanto protagonistas Outro aspecto a ser considerado consiste na repe
26. ncia idiogr fica para compreender as generalidades dentro de particulares sempre nicos A ci ncia idiogr fica baseia se na sele o de casos singulares juntamente com seu contexto estrutural e ou temporal a partir dos quais desenvolve um modelo geral que se ajusta na natureza sist mica de um caso singular testando aquele modelo em outros casos individuais chegando a um modelo generalizado que se ajusta organiza o gen rica do aspecto selecionado do fen meno Sato et al 2007 Nesse sentido ap s a realiza o de compara es descritivas entre as trajet rias reprodutivas das participantes com a finalidade de entender os processos de rupturas e reconstru es na cultura pessoal atrav s da aplica o do TEM pretendeu se construir um conceito que pudesse oferecer generalidade 61 para o espec fico dessa experi ncia Afinal a experi ncia recorrente de rupturas significativas exige um tipo espec fico de processo semi tico que no presente trabalho ser denominado de estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Essas estrat gias ao serem utilizadas levam constru o de signos espec ficos os signos reparadores que t m o poder de restaurar a conex o dos fragmentos da trajet ria interrompida construindo alguma articula o entre esses fragmentos e resgatando certo senso de continuidade Os signos reparadores promovem assim a constru o de significado para o momento presente
27. o destaca se o n mero de perdas gestacionais duas ou mais e a aus ncia de filhos 52 No contexto de assist ncia privada as entrevistas narrativas foram realizadas entre os anos de 2010 e 2011 Foram realizadas cinco entrevistas narrativas seguindo os mesmos crit rios de sele o acima descritos Vale ressaltar que duas participantes sendo uma do contexto p blico Ana e outra do contexto privado Juliana foram acompanhadas por mim durante alguns meses por meio de um processo de psicoterapia Foram realizadas anota es sistem ticas desses atendimentos Os dados desses registros foram utilizados de modo complementar aos dados coletados das entrevistas narrativas Tamb m de forma complementar outras fontes de dados foram utilizadas no presente estudo como os registros em di rio de campo das observa es realizadas por mim durante as consultas m dicas e os dados dos prontu rios m dicos No que se refere aos registros em di rios de campo vale dizer que consistem em observa es realizadas desde o momento em que ingressei no campo de estudo sobre comportamentos e atividades das pessoas no local de pesquisa especialmente no decorrer de consultas m dicas de mulheres com abortamento recorrente J o prontu rio m dico consiste em um documento dos servi os de sa de e possui informa es cl nicas acerca da sa de reprodutiva de cada mulher incluindo o resultado dos exames solicitados pelo m dico Considera es
28. o dava pra explicar a nossa hist ria porque toda maternidade que vai de uma pra outra sempre vai perguntando n tem filho n o mas teve m dico que n o deu muita import ncia Joana 34 anos cinco perdas gestacionais Vale ressaltar que n o houve relatos semelhantes a esse entre as usu rias da rede privada Do mesmo modo o surgimento de alguma complica o gestacional tamb m implicou na procura por servi os m dicos Entretanto esses servi os foram descritos de diferentes maneiras pelas entrevistadas No que tange aos servi os p blicos alguns problemas foram apontados pelas mulheres como a defici ncia na cobertura da assist ncia caracterizada pela insufici ncia de leitos para gestantes nas maternidades e hospitais estaduais da cidade assim como para os beb s nas Unidades de Terapia Intensiva UTI neonatal Com efeito foram ainda descritas a peregrina o procura de um leito hospitalar e a aus ncia de qualquer iniciativa para assegurar o transporte das pacientes ao hospital com leito dispon vel Assim por exemplo Joana ap s hist ria de duas perdas gestacionais e uma nova gravidez relata que estava realizando o acompanhamento pr natal em uma maternidade p blica sem que nenhuma altera o no desenvolvimento gestacional fosse detectada No entanto no s timo m s de gesta o teve um sangramento o que a levou a buscar atendimento m dico de emerg ncia A aus ncia de vagas em maternidades
29. o entre profissionais de sa de e mulheres apareceu marcada essencialmente pela desconfian a desrespeito e conflito Houve uma grande demanda por informa es e pela escuta cl nica que n o foi atendida Possivelmente muitas das perdas ocorridas poderiam ter sido evitadas caso esse cen rio fosse diferente As narrativas dessas mulheres deste modo denunciaram a necessidade de muitas mudan as como a melhoria da cobertura dos servi os e da qualidade do atendimento oferecido Nos dois contextos de sa de investigados faz se urgente a capacita o e treinamento especializado dos profissionais de sa de para saberem lidar com quest es relativas pessoa humana de modo integral com uma vis o das perdas gestacionais recorrentes que abarque n o somente os aspectos biol gicos mas as suas implica es s cio afetivas Al m disso a presta o de um atendimento mais cuidadoso mais humanizado e menos marcado pela express o de preconceituoso que leve em considera o o sofrimento j vivenciado em uma perda anterior e reduza os poss veis danos f sicos e emocionais de experi ncias futuras Vale ressaltar por m que a humaniza o do atendimento encontra se 213 relacionada com a posi o que a mulher ocupa nesse cen rio isto a de protagonista autora da sua pr pria hist ria que tem muito a dizer e que precisa ser ouvida preciso ent o assegurar o seu protagonismo dar espa o e import ncia sua voz fazendo v
30. oh Mariana vamos tentar ver se toma um rem dio para evitar n porque se voc ficar sempre s perdendo perdendo pode vir a acontecer uma coisa pior a eu fico com medo tamb m por causa disso quando eles falam uma coisa pior mas eu n o sei o que que est se passando Mariana 29 anos seis perdas gestacionais Uma m dica de l do posto do Manoel Vitorino que pra acompanhamento da minha press o a ela uma vez me disse isso voc vai morrer na pr xima voc morre fica tentando tentando tentando Tem coisas que as pessoas diz que a gente fica marcado n A gente fica com medo Cl udia 33 anos sete perdas gestacionais Al m disso a rela o com os profissionais de sa de especialmente m dicos foi marcada pela ambival ncia entre o apoio instrumental e emocional e um atendimento 19 despersonalizado mec nico permeado por atitudes de pouco interesse e pela express o de preconceitos Assim ao longo das trajet rias reprodutivas das usu rias da assist ncia p blica a rela o estabelecida entre m dico e paciente foi a do tipo monol gica isto um tipo de rela o na qual as mulheres s o tratadas como se fossem objetos n o reconhecidas enquanto sujeitos sem possibilidade de estabelecer uma rela o comunicativa Salgado amp Gon alves 2006 Os m dicos n o pareceram dar import ncia s suas percep es e experi ncias O relato a seguir ilustra uma das muita
31. resolver quest es internas Wagoner Gillespie Valsiner Zittoun Salgado amp Sim o 2011 Assim a apresenta o da experi ncia passada abortos espont neos repetidos apesar da interven o divina e m dica parece operar como um catalisador para a constru o de novas posi es de Eu dentro de uma gama de possibilidades Ex Eu m e adotiva Eu filha de Deus Considerando se o momento da constru o da sua autobiografia como um dos pontos de come o para a constru o de significados pessoais Ponto de come o para uma constru o reflexiva denominado por Valsiner 2002 como o SISTEMA EU AQUI AGORA HERE NOW I SYSTEM HNIS uma unidade minima do espa o aqui tempo agora e agente Eu A partir do HNIS h o estabelecimento de posi es de Eu aceit veis para o futuro imediato baseado sobre as experi ncias passadas Valsiner 2002 Isto porque o ato de narrar d coes o diversidade das suas experi ncias promovendo a conex o entre eventos 163 passados presentes e futuros ver Figura 13 A narrativa segundo Gillespie 2007 a consci ncia do self no tempo Figura 13 Trajet ria reprodutiva de Eduarda Ter filhos maternidade Adotaruma gm Deus x Ter filho criador h Vontade de Deus Ci ncia P Nao adotar Lo erect as s 5 O o ere eo cgnenge or a ae TT a es futuras Elevado na e r et tbe 7 coma significados S A Permiss o de
32. ria O SUS assim deve ofertar gratuitamente a todos os cidad os a completa gama de servi os de sa de As atividades de presta o de servi os podem ser ofertadas popula o por m pela iniciativa privada quando as disponibilidades p blicas forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial Desta forma a iniciativa privada participa do SUS em car ter complementar Mendes 1998 Apesar de importantes limita es na implementa o do SUS como a concentra o de servi os de sa de nas regi es mais desenvolvidas do pa s e o seu subfinanciamento esse 67 sistema de sa de conseguiu nos ltimos vinte anos melhorar amplamente o acesso aten o b sica atingindo por exemplo uma cobertura universal de assist ncia pr natal Paim Travassos Almeida Bahia amp Macinko 2011 O Sistema de Aten o M dica Supletiva SAMS configura se como um sistema privado que contudo recebe subs dios do Estado sob a forma de ren ncias fiscais e contributivas constitu do por quatro modalidades assistenciais a medicina de grupo que opera atrav s de empresas que administram planos de sa de sob a forma de pr pagamento a autogest o configurada por empresas que a partir de sistemas de p s pagamento administram ou contratam terceiros para administrar planos de sa de para os seus membros a cooperativa m dica formada por cooperativas de m dicos que ofertam planos sob a forma de pr pagamento e o s
33. ricas a ci ncia desenvolvimental e a psicologia sociocultural Zittoun Valsiner Vedeler Salgado Gon alves amp Ferring 2012 A ci ncia desenvolvimental configura se como a perspectiva geral que orientada em dire o ao estudo dos processos desenvolvimentais Desenvolvimento a propriedade dos sistemas abertos de sofrer transforma es nas formas qualitativas sob constante rela o com o meio ambiente e dentro do tempo irrevers vel Por sua vez a psicologia sociocultural afirma que o desenvolvimento humano regulado por signos A fun o semi tica media tudo desde experi ncias pessoais s culturais Os seres humanos criam signos atrav s dos quais eles organizam e d o sentido aos seus mundos subjetivos ao longo de toda sua vida sob as lentes destas perspectivas te ricas que as experi ncias da gravidez da maternidade e da perda gestacional ser o analisadas Vale ressaltar que a gravidez compreende um evento no qual a ideia de tempo irrevers vel torna se mais expl cita ilustrando o relacionamento dos seres humanos com o vir a ser com o futuro Ao saber se gr vida ou mesmo antes disso uma mulher antecipa projeta para o futuro um lugar simb lico para essa nova pessoa em sua vida imaginando caracter sticas f sicas e de personalidade do filho bem como o tipo de relacionamento dial gico e afetivo que ser estabelecido entre eles constru es mentais que v o dando forma simb lica a um futuro filho e a
34. rico social que imp e determinadas possibilidades e limita es ao seu desenvolvimento Tais possibilidades e limita es podem ser denominadas enquanto circunscritores Os circunscritores atuam como canalizadores das trajet rias individuais que orientam e direcionam as pessoas que ao mesmo tempo s o ativas nesse processo agem intencionalmente A emerg nciade signos promotores O desenvolvimento psicol gico das mulheres entrevistadas ao longo da trajet ria reprodutiva ocorreu atrav s das constantes transforma es das posi es de Eu Transforma es mediadas por signos Valsiner 2004 Isto porque atrav s da media o semi tica foi poss vel estabelecer um distanciamento psicol gico do ambiente aqui e agora criando dialogicidade dentro do sistema do self e com efeito a sua reorganiza o Valsiner 2004 2007 Nesse processo destaca se a fun o dos signos promotores significados generalizados do tipo campo que orientam a constru o de significados do self Os signos promotores fazem parte dos processos de media o semi tica e guiam a gama poss vel de variabilidade de constru o de significado no futuro Valsiner 2004 Seu papel promotor define se como uma fun o prospectiva Valsiner 2007 S o constru dos para regular os significados criados por outros signos funcionando como regulador semi tico intrapsicol gico promotores dos nossos modos de sentir e pensar Valsiner 2007 Em outras pala
35. sendo um vinculado rede p blica e o outro rede privada Considera es sobre o m todo etnogr fico A etnografia pode ser definida como a arte e a ci ncia de descrever um grupo humano suas institui es seus comportamentos interpessoais suas produ es materiais e suas cren as Angrosino 2009 p 30 A descri o etnogr fica visa apreender os fen menos sociais enquanto formando uma totalidade datada e participativa de uma hist ria e que leva em conta um processo mais do que um estado Para isto necess rio que o etn grafo deixe de lado as suas pr prias concep es e busque ver as experi ncias de outras pessoas a partir das concep es delas Geertz 1997 2003 A pesquisa etnogr fica pode ser realizada onde haja pessoas interagindo em cen rios naturalmente coletivos sendo que os etn grafos se ocupam basicamente das vidas cotidianas rotineiras das pessoas que eles estudam Angrosino 2009 p 31 O trabalho etnogr fico assim depende da capacidade de um pesquisador de observar e interagir com as pessoas enquanto elas executam as suas rotinas do dia a dia Baseia se na pesquisa de campo ou seja realizado no local onde as pessoas vivem E neste sentido a pesquisa etnogr fica entendida como di logo entre as constru es interpretativas do pesquisador e das pessoas estudadas Rabinow 1996 Clifford amp Marcus 1986 Est baseada no di logo entre o etn grafo e a pessoa particip
36. ticas e por sua vez refletindo na trajet ria de muitas mulheres a quem prestam atendimento Faz se ent o fundamental identificar esses significados e entend los 215 Refer ncias Bibliogr ficas Abbey E 2004 Circumventing ambivalence in identity the importance of latent and overt aspects of symbolic meaning Culture amp Psychology Recuperado em 18 de julho de 2011 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Abbey E amp Falmagne R J 2008 Modes of tension work within the complex self Culture Psychology 14 1 95 113 Recuperado em 02 de abril de 2009 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Abbey E amp Valsiner J 2004 Emergence of meanings through ambivalence Forum Qualitative Sozialforschung Forum Qualitative Social Research 6 1 Art 23 Disponivel em http www qualitative research net fqs texte 1 05 05 1 23 e htm Andajani Suthahjo S amp Manderson L 2004 Stillbirth neonatal death and reproductive rights in Indon sia Reproductive Health Matters 12 24 181 188 Angrosino M 2009 Etnografia e observa o participante Porto Alegre Artmed Bahia L 2009 O sistema de sa de brasileiro entre normas e fatos universaliza o mitigada e estratifica o subsidiada Ci ncia e Sa de Coletiva 14 3 753 762 Barini R Couto E Mota M M Santos C T M Leiber S R amp Batista S C 2000 Fatores Associados ao Aborto Espontaneo Recorrente Revista
37. veis h dificuldade de agendar uma consulta ou realizar um exame m dico bem como de encontrar vaga nos leitos das maternidades A condi o financeira assim restringe o acesso compondo uma importante barreira Por m o n vel de escolaridade tamb m se erige enquanto um importante obst culo no acesso informa o Afinal o dom nio do conhecimento m dico pode ser de dif cil compreens o para essas mulheres Entretanto mais do que isso a dificuldade na intera o interpessoal com os m dicos pode constituir a principal barreira no acesso ao conhecimento Esse ltimo aspecto configura se na segunda forma de diferencia o dos contextos sociais ou seja as formas de intera o e 92 participa o face a face que s o poss veis ou encorajadas Em geral as usu rias dos servi os p blicos t m pouco tempo para narrar suas queixas de sa de sendo convidadas pelos profissionais a serem breves e objetivas relatando o suficiente para que possam ser enquadradas em algum diagn stico m dico Ent o a conduta dos profissionais basicamente prescritiva receitam algum medicamento ou encaminham para a realiza o de algum exame Essas pr ticas por sua vez s o embasadas por determinadas justificativas para o padr o que seguido ou esperado compondo a terceira forma de distin o entre os contextos sociais os contratos sociais Tais contratos s o formados pelos direitos e obriga es estabelecidos Assim por exemplo h
38. Ana no contexto p blico de sa de CAP TULO VI A dial tica do pertencimento versus solid o travessias na 13 20 20 33 42 44 44 45 45 47 48 48 48 49 52 55 61 61 63 65 99 114 134 fronteira simb lica do tornar se m e A trajet ria reprodutiva de Juliana no contexto privado de sa de CAPITULO VII Posi o promotora de campos afetivos hipergeneralizados 148 a manuten o da maternidade como possibilidade futura A trajet ria reprodutiva de Eduarda no contexto privado de sa de CAP TULO VIII Regula o afetiva do fluxo da experi ncia a 166 generaliza o do campo de sentimentos ligados maternidade A trajet ria reprodutiva de Beatriz entre os contextos p blicos e privados de sa de CAPITULO IX Construindo continuidade frente a sucessivas rupturas 195 estrat gias semi ticas de repara o din mica do self CAPITULO X Considera es finais 207 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 215 ANEXOS 229 13 Apresentacao A gravidez representa para muitas mulheres a viv ncia de um periodo de espera um evento de algum modo imaginado e esperado pessoal e socialmente acontecer cujo desfecho encontra se na ordem do previs vel o nascimento de uma nova vida No entanto para outras mulheres esse percurso de tempo relativamente pr determinado da concep o ao parto sofre uma inesperada interrup o e no lugar da vida a morte faz se presente em alguns casos insistentem
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40. Deus maine Tempo de Deus e Amor por wae ran 9 gt Eum e a aie Eu teligiosa z Eu filha de Deus _ Eu paciente Cuidar PASSADO PRESENTE FUTURO N o ter filhos n o maternidade 164 Figura 14 Trajet ria reprodutiva de Eduarda momento atual Ter filhos maternidade ie Adotar uma aiana F Deus Terfiho o f criador biol gico Vontade de Deus S Ciencia 7 im Nao adotar ae 2 crian a Adotar uma Continuar tratamento ni N o adotar pm dei crian a 1 pet Elevado nivel gt N o ter filho a ss ambival ncia biol gico ee Adotar uma Constru o significados Desistir do __ctianga Permiss o de Deus tratamento N o adotar Tempo de Deus Amor a Dor m o u m e il Potencia futura gt Eu m e adotiva a Lar Familia u religiosa i us o gt Eu filha de Deus Eu paciente Cuidar PASSADO PRESENTE SCO Cst CS C lt 7 lt lt C lt 7 7 SCS pr nd esis ees N o ter filhos n o maternidade TEMpo de concluir O relato autobiogr fico de Eduarda acerca da sua trajet ria reprodutiva marcada por abortos espont neos recorrentes revela que a constru o e reconstru o do self envolvem complexas articula es no tempo irrevers vel onde o passado e o futuro orientam novas posi es no tempo presente O Modelo de Equifinalidade de Trajet rias assim permite considerar todas essas dimens es
41. Dialogical Self Theory positioning and counter positioning in a globalizing society New York Cambridge University Press Hsu M T Tseng Y F Banks J M Kuo L L 2004 Interpretations of Stillbirth J adv Nurs 47 4 408 16 Jovchelovitch S amp Bauer M V 2002 Entrevista narrativa In M V Bauer amp G Gaskell Orgs Pesquisa qualitativa com texto imagem e som Um manual pr tico Petr polis Vozes Jutel A 2006 Summer What s in a name Death before birth Perspectives in biology and medicine 49 3 425 434 Recuperado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Langer M 1986 Maternidade e sexo Porto Alegre Artes M dicas Laplantine F 2005 A descri o etnogr fica Paris Armand Colin 221 Lieblich A Tuval Mashiach R amp Zilber T 1998 Narrative research reading analysis and interpretation Thousand Oaks Sage Lotman J 2005 On the semiosphere Sign Systems Studies 33 1 215 239 Lucas P setembro 1998 Querer ser m e um longo caminho a percorrer Um caso da consulta GEMF Grupo de Estudos de Morte Fetal An lise Psicol gica Lisboa 16 3 415 421 Recuperado em 29 de junho 2012 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line www scielo br Madureira A F A amp Branco A U A 2005 Construindo com o outro uma perspectiva s cio cultural construtivista do desenvolvimento humano In M A Dessen amp A
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46. a experi ncia do tornar se m e marcada por uma valoriza o corporal da gravidez e pela persist ncia da maternidade como um valor fortemente associado identidade feminina A maternidade concebida como uma experi ncia singular que transforma a mulher e agrega valores positivos na constru o da identidade feminina Al m disso a experi ncia corporal da maternidade se articula com outra dimens o da identidade feminina apoiada na ideia de autonomia e empoderamento social das 108 mulheres Assim a maternidade cont m elementos de afirma o da liberdade de escolha e autorrealiza o Vargas 2006 No caso analisado esse signo internalizado por Joana de modo muito particular tornando se parte da sua cultura pessoal Afinal ela faz uso da estrat gia semi tica de intensificar os aspectos positivos do campo de significado do signo que a orienta para o futuro ao mesmo tempo em que ignora ou negligencia os aspectos associados a esse signo que lhe parecem mais incertos Neste sentido o Eu m e aparece nesse contexto como uma posi o de Eu projetada no futuro sendo apropriada e entendida por Joana como a coisa mais importante da vida associada a emo es positivas como alegria felicidade e renova o Deste modo esse signo transformado ao longo do tempo ganhando nuances de idealiza o com a atribui o de muitos valores positivos M e a coisa mais importante na vida porque se
47. a ser futuro potencial imaginado Tais dualidades orientam o seu desenvolvimento em dire o maternidade O sagrado da maternidade promotor dos modos de sentir agir e pensar O mundo subjetivo das pessoas configura se como uma totalidade complexa da experi ncia imediata que est constante e dinamicamente mudando Valsiner 2007 p 256 Assim OS processos semi ticos que as pessoas introduzem nas pr prias vidas s o guiados no sentido de orientar e regular esse fluxo para alguma dire o selecionada no futuro Valsiner 189 2007 No caso de Beatriz a dire o selecionada no futuro a maternidade ela age e sente para o futuro nessa dire o Atrav s da narrativa de Beatriz pode se notar que a maternidade consistia em uma meta futura que havia planejado concretizar quando completasse 30 anos de idade Deste modo houve a constru o de uma fronteira simb lica estabelecida a partir do crit rio da faixa et ria bem como dos significados nova antes dos 30 anos e velha depois dos 30 anos para tornar se m e Por m a primeira gravidez n o planejada ocorreu quando tinha apenas 22 anos de idade momento em que se considerava ainda muito jovem para ter um filho Logo ao engravidar cruzou a fronteira dentro de sua pr pria cultura pessoal para aquilo que havia planejado Apesar da ocorr ncia do n o planejado a gravidez precoce foi afetivamente experienciada com certa alegria Entretanto
48. anteriores In M Zugaib amp R Ruocco Eds Pr natal cl nica obst trica da Faculdade de Medicina da USP 3a ed S o Paulo Editora Atheneu Cavalcanti M amp Barini R 2009 Imunologia reprodutiva manual de avalia o e tratamento imunol gico Fortaleza Premius Cesar J A Mano P S Carlotto K Gonzalez Chica D Mendoza Sassi R A Jul Set 2011 P blico versus privado avaliando a assist ncia gesta o e ao parto no extremo sul 218 do Brasil Ver Bras Sa de Matern Infant Recife 11 3 257 263 Chaudhary N 2011 Peripheral lives central meaning women and their place in Indian society In A C S Bastos K Uriko amp J Valsiner Eds Cultural dynamics in women s lives Charlotte NC Information Age Publishing Chapter 1 In press Clifford J amp Marcus G 1986 Writing culture the poetics and politics of ethnography Berkeley University of California Press Clifford J 2002 A experi ncia etnogr fica antropologia e literatura no s culo XX Rio de Janeiro UFRJ Cot Arsenault D amp Freije M M 2004 Support groups helping women trough pregnancies after loss Western journal of nursing reseaerch 26 6 650 670 Recuperado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Cowan P A 1991 Individual and family life transitions a proposal for a new definition In P A Cowan amp M Hetherington Family transitions Hillsdale
49. beb foi autorizado a permanecer no hospital n o havendo qualquer tipo de ritual f nebre ou certid o de bito Vale destacar que a rea o emocional intensa frente a mais uma perda parece ter se dissipado ao retornar para casa mas passou fui para a casa bem e ficou Ap s a perda o parceiro evitava tocar no assunto O que interpretado por Ana como uma rea o positiva j que ele n o a responsabilizou pelo ocorrido Ap s a terceira perda gestacional Ana relata ter firmado um acordo com o parceiro no qual fariam uso regular de algum m todo contraceptivo a fim de evitar uma nova gravidez Por m o uso inadequado deste os levou a outra gravidez aproximadamente dois anos depois Ana relata que nessa gesta o tinha ainda mais esperan a de que poderia dar certo empenhando se pessoalmente para isto Deste modo procurou um posto de sa de a fim de receber um acompanhamento pr natal explicitando equipe de sa de a sua hist ria anterior de perdas gestacionais recorrentes Apesar dos seus esfor os em compartilhar suas percep es e experi ncias pr vias m dica do pr natal achou que n o foi bem compreendida Afinal a m dica lhe receitou um medicamento para segurar a crian a visto que ela achava que eu tinha algum tipo de dilata o no tero mas na verdade n o era por dilata o era a press o que aumentava eu disse a ela 119 Dias depois Ana retorna ao mesmo posto
50. cada vez mais complexo e abstratos 207 Capitulo X Considera es finais A experi ncia de uma perda gestacional consiste em um evento n o esperado que no presente trabalho entendido enquanto ruptura no curso do desenvolvimento daquilo que era esperado e estava na imin ncia de acontecer e que amea a o senso de continuidade do self Isto amea a o senso dessas mulheres acerca de quem elas eram de quem elas s o e de quem elas imaginavam que seriam no futuro Implica assim em confronta es e redefini es significativas da identidade desafiando posi es de Eu estruturantes no territ rio do self dial gico como Eu m e Eu capaz Eu no controle da minha pr pria vida Frente s significativas e recorrentes rupturas nas trajet rias de vida essas mulheres veem se diante do imperativo de construir um senso de continuidade de integridade ou consist ncia no self Afinal uma necessidade central para o self dial gico manter a estabilidade din mica Valsiner 2002 Deste modo o desafio do presente estudo consistiu em responder a essa quest o espec fica como o self constr i continuidade frente a sucessivas rupturas Vale ressaltar que esse processo de constru o de continuidade refere se a um mecanismo psicol gico comum que cotidianamente realizado pelas pessoas no mbito do self Entretanto analis lo a partir de transi es n o normativas permitiu observar esse processo com maior
51. cil n o risos Deste modo alguns signos foram internalizados por Beatriz advindos da esfera m dica a partir de pesquisas realizadas na Internet de consultas com o m dico especialista e relat rios m dicos e que permitiram a redu o da ambival ncia em rela o incerteza diante do futuro Tais signos como a ideia de trombose placent ria incompatibilidade sangu nea tecnologia avan ada e tratamento possibilitaram a constru o de algum sentido para as perdas anteriores rupturas inesperadas nas trajet rias do passado bem como a constru o imagin ria de estabilidade de certo controle e seguran a dirigida para o futuro J li muito j pesquisei na Internet vi v rios casos e gra as a Deus n que a tecnologia est t o avan ada que possa nos dar essa oportunidade n de 179 tentar novamente pelo que eu pude entender assim dos relat rios que eu tive dos problemas como eu tive trombose placent ria n e a incompatibilidade o nosso sangue n o compat vel pelo fato de sermos do mesmo tipo O positivo mas tem alguns componentes que n o combinam ent o eu acho que isso que leva ao meu corpo rejeitar o m dico me explicou que o meu corpo rejeita aceita como um corpo estranho e quer expulsar Acho que por isso eu tinha aquelas complica es e tudo e tamb m a trombose placent ria e pelo fato tamb m do sangue t preso ali n tende a minha press o a
52. cil e complexa quest o formulada pela m dica respons vel pelo ambulat rio por que ap s a viv ncia de repetidas perdas gestacionais e de todo o sofrimento associado a essas perdas elas continuam engravidando E desde ent o acredito que essa quest o vem me acompanhando motivando e norteando as subsequentes investiga es empreendidas Assim durante o ano de 2002 no per odo do est gio realizamos um estudo descritivo e explorat rio a fim de identificar e descrever a realidade psicossocial das usu rias deste ambulat rio assim como os recursos internos e externos utilizados por elas no enfrentamento da situa o de abortamento de repeti o e na posterior persist ncia em uma nova tentativa de gravidez Apesar de algumas limita es como o registro em terceira pessoa das entrevistas a pesquisa realizada possibilitou o delineamento de algumas importantes caracter sticas psicossociais destas mulheres Foram entrevistadas 24 mulheres que tinham vivenciado de tr s at sete abortos consecutivos De acordo com os relatos os abortos foram vividos com sofrimento tristeza e des nimo chegando a relatos de alucina o e desejo de morte As raz es para a ocorr ncia dos abortos n o foram muito bem compreendidas pelas mulheres sendo em muitos casos justificados por cren as de cunho religioso Do mesmo modo as principais estrat gias de enfrentamento utilizadas estiveram associadas religiosidade As perspectivas de futuro es
53. com a gesta o O relato dessa gravidez faz refer ncia s dores sentidas na regi o abdominal no terceiro trimestre de gesta o e ao itiner rio terap utico percorrido nos servi os p blicos de sa de na tentativa de solucionar esse problema H a lembran a do momento em que percebeu que os movimentos fetais haviam cessado j com quase nove meses de gesta o e da procura por um atendimento m dico nos servi os de sa de Ana relata a confian a na orienta o m dica de que os movimentos fetais nem sempre ocorriam levando a a regressar para a casa sem 117 submeter se a qualquer exame cl nico disseram que a crian a tamb m dormia que tamb m n o mexia 24 horas por dia a eu tamb m fiquei na minha o m dico dizia eu acreditava Dias depois ao sentir algumas contra es uterinas Ana decide adiar a ida maternidade na medida em que precisava realizar uma avalia o acad mica na escola em que conclu a o segundo grau do ensino m dio Por m por ter se sentido mal precisou retornar para casa Como resultado o parto ocorreu em casa sendo realizado por uma vizinha que era enfermeira e acompanhada pelo parceiro Ana deu luz a um beb natimorto do sexo feminino Em seu relato evidencia se a contradi o entre uma suposta tranquilidade atribu da ao fato de ter sofrido a perda em casa ao inv s do hospital e por outro lado o longo tempo necess rio para supera o dessa perda Eu perdi em c
54. concebendo o self como uma multiplicidade din mica de selves relativamente aut nomos Salgado amp Gon alves 2006 A ideia da polifonia dial gica articulada ainda distin o entre o Eu 7 e o Mim me constru da por William James que defendia o argumento de diferentes selves bem como a rivalidade e o conflito entre eles Isso levou Hermans e col a concluir que h uma multiplicidade descentralizada de posi es de Eu que funcionam como autores relativamente independentes que contam as suas hist rias de acordo com o seu ponto de vista A psicologia narrativa por sua vez traz contribui es relevantes ao reconhecer a import ncia da voz e do di logo para o entendimento da mente humana Um dos principais defensores da abordagem narrativa na psicologia justamente Jerome Bruner 1997a 1997b que argumenta a favor de uma conex o entre a no o de voz e a constru o de significado Para esse autor h uma rela o entre significado e comunidade ou seja o significado sempre modelado por uma comunidade particular em virtude da participa o dos indiv duos em uma cultura Os indiv duos entram na vida das suas comunidades como participantes em um processo p blico mais amplo no qual significados coletivos s o constantemente negociados A proposi o fundamental ent o subjacente ao conceito do self dial gico a de uma multiplicidade descentralizada de posi es de Eu posi es essas diferentes e
55. de construir um sentido de continuidade No decorrer da trajet ria reprodutiva de Juliana a experi ncia de cada perda gestacional despertou lhe diferentes afetos que estiveram relacionados a distintas constru es de significados pessoais Tais significados foram constru dos enquanto estrat gias para produzir coes o em um self complexo marcado pela experi ncia de sucessivas rupturas Abbey amp Falmagne 2008 A experi ncia da primeira perda gestacional ganhou sentido deste modo a partir da perspectiva da medicina do conhecimento que possui enquanto ginecologista sobre a ocorr ncia relativamente frequente de aborto espont neo em uma primeira gesta o Assim apesar de ter vivenciado uma ruptura daquilo que era esperado ocorrer o significado de normalidade atribu do a esse evento minimizou o seu impacto emocional no mbito do self criando continuidade em meio ruptura A ocorr ncia de uma segunda perda gestacional por m pareceu provocar um impacto emocional um pouco mais significativo ampliando o n vel de ambival ncia experienciado 139 Afinal nessa situa o dois eventos inesperados ocorreram simultaneamente a noticia da gravidez a partir da sua interrup o espont nea Mais uma vez ent o Juliana empenhou se em construir sentido para o evento da perda utilizando os seus conhecimentos m dicos Nesse sentido atribuiu ao aborto espont neo a possibilidade de uma malforma o fetal Isto tentou
56. de mulheres com perdas gestacionais involunt rias No entanto a pesquisa ainda privilegia os aspectos biom dicos destas perdas como se pode constatar considerando a grande parte dos estudos realizados no Brasil sobre esse tema Volkmer 2009 Entre os estudos nacionais que privilegiam os aspectos subjetivos relacionados experi ncia de perdas gestacionais pode se destacar o trabalho de Santos Rosenberg e Buralli 2004 qualitativo que visou a re conhecer o significado de perda fetal natimortos para mulheres que vivenciaram tal experi ncia De acordo com este estudo a perda fetal pode representar uma crise em suas vidas implicando na reconstru o das suas identidades J para Volkmer Covas Franco amp Costa 2006 a partir da an lise do perfil psicol gico e social de mulheres com hist rias de perdas gestacionais frequentes em Salvador BA os abortos espont neos recorrentes s o vividos com sofrimento tristeza e des nimo Al m disso o significado de maternidade aparece fortemente idealizado e mobilizador de muitas expectativas sendo o futuro condicionado ao nascimento de um filho Com rela o aos aspectos emocionais observados em mulheres ap s a ocorr ncia de uma perda gestacional Volkmer 2009 a partir de um estudo qualitativo realizado em Salvador BA sobre os significados de maternidade para mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes relata que os sentimentos de culpa e o de vulnerabilidade foram mu
57. de repeti o que n o tinham filhos e que aceitaram ser entrevistadas Foram entrevistadas cinco mulheres Caracteriza o s cio demogr fica As participantes do estudo possu am idades que variavam de 26 a 34 anos sua escolaridade do segundo grau incompleto ao segundo grau completo ver Quadro I Residentes na cidade do Salvador duas possuem origem em alguma cidade do interior da Bahia ou do Sergipe Com rela o ocupa o tr s exerciam suas atividades no lar e duas 62 trabalhavam fora do domicilio como vendedora e dom stica respectivamente Quanto a situa o marital tr s mulheres viviam em uni o consensual uma era casada e uma era solteira Apesar de n o ter sido investigada a renda familiar a maioria das mulheres informava ter baixo poder aquisitivo caracter stica compat vel com o perfil da clientela da maternidade estudada Quadro I Perfil s cio demogr fico das entrevistadas Contexto p blico de sa de Nome Idade Estado civil Etnia Escolaridade Profiss o Ana 32 anos Uni o Negra 2 Grau Vendedora consensual completo Maria 27 anos Casada Negra 2 Grau completo Joana 34 anos Uni o Negra 2 Grau Dom stica consensual incompleto Manuela 26 anos Uni o Parda 2 Grau consensual incompleto Denise 30 anos Solteira Parda 2 Grau completo Caracteriza o da hist ria reprodutiva A hist ria reprodutiva das mulheres entrevistadas caracterizou se por um n mero de gesta es que va
58. de sa de sobre como atuar de maneira adequada nas situa es de perda gestacional recorrente bem como subsidiar programas de assist ncia sa de da mulher que levem em conta as peculiaridades envolvidas em casos como estes Al m disso poucos estudos na literatura nacional e internacional abordam esta tem tica do ponto de vista da subjetividade feminina privilegiando aspectos biom dicos PARTICIPA O E INTERRUP O Sua participa o neste estudo volunt ria Sendo assim voc pode se recusar a participar Caso venha a aceitar este convite voc poder mudar de id ia a qualquer instante e interromper sua participa o no estudo sem o menor problema A recusa em participar n o ter quaisquer implica es sobre os atendimentos m dicos prestados a voc por esta cl nica BENEF CIOS E RISCOS A participa o na pesquisa vai levar voc a falar sobre situa es que podem ter sido dif ceis e isto pode gerar alguma ansiedade Por outro lado o estudo pode tamb m trazer benef cios pois falar sobre estes eventos dif ceis pode propiciar uma ressignifica o destes repercutindo positivamente em sua vida DIVULGA O E CONFIDENCIALIDADE As informa es coletadas ser o analisadas e ir o compor a Tese de Doutorado em Psicologia da Universidade Federal da Bahia UFBA realizada pela doutoranda V vian Volkmer Pontes Os resultados da pesquisa tamb m poder o ser divulgados atrav s da publica o de artigos cient ficos
59. desse v nculo Contraditoriamente a esse achado Thomas 1995 afirma que a experi ncia emocional de uma mulher ap s uma perda gestacional n o se encontra diretamente relacionada experi ncia f sica isto com o tempo de gesta o Para esse autor um dos principais aspectos que influenciam a experi ncia emocional consiste no significado atribu do pela mulher perda gestacional E assim se em est gios iniciais da gravidez a mulher j considera o feto como o seu beb ela ser emocionalmente afetada quando ocorrer o aborto espont neo A partir dos dados coletados para a presente pesquisa esta ltima perspectiva revela se mais pertinente Durante o meu trabalho de campo na cl nica privada por exemplo pude observar que muitas mulheres consideravam os fetos perdidos como beb s atribuindo lhes at mesmo um nome pr prio Essas condutas parecem revelar certo descompasso entre o discurso do casal que muitas vezes trata o feto como beb independente do tempo de gesta o e o dos profissionais de sa de que o consideram como embri o ou feto a depender da idade gestacional Por m as implica es f sicas de uma perda gestacional precoce e uma perda tardia podem ser bem distintas Assim no contexto da assist ncia p blica a descri o de complica es ap s a perda bem como a percep o de risco pr pria vida foi muito comum entre as mulheres entrevistadas Por outro lado no contexto da assist ncia privada
60. dif ceis por causa desse hist rico Por este motivo solicitou a companhia do marido O exame realizado revelaria a ocorr ncia de mais um aborto espont neo marcado mais uma vez por muito sofrimento por procedimentos m dicos para a retirada do aborto retido e pela necessidade do internamento hospitalar Quando fez a ultrassom tinha perdido de novo o nen m j n o tava j n o tinha mais batimentos card acos a dessa vez n o deu nem tempo de ver o beb com batimentos card acos entendeu ver direitinho a pronto a tivemos que nos internar de novo a foi todo aquele procedimento fazer curetagem n o sei o que a chorava n sentia Durante esse per odo o casal contou com uma ampla e importante rede de apoio composta por familiares amigos e irm os da igreja Evang lica que frequentavam e isto os ajudou a superar as dif ceis circunst ncias Al m disso Eduarda relata ter buscado apoio de Deus atrav s da ora o refugiando se em seu colo e estabelecendo com Ele um di logo Eu pedi a Deus que tranquilizasse o meu cora o pra eu viver o tempo dele e se eu tivesse que esperar que ele iria me dar for as pra esperar que as coisas nem sempre acontecem como a gente quer n e a gente tem que estar aberto para isso n ent o isso a me ajudou muito Novamente aguardaram o tempo recomendado pelos m dicos para voltar a engravidar mas desta vez a gesta o demoraria cerca de tr s a
61. dif cil era assumir o seu saber conhec lo e reconhec lo para si mesma H a emerg ncia ent o de um sentimento de responsabilidade pessoal pela trajet ria reprodutiva Vale ressaltar que a busca pelo conselho de um curador culturalmente sancionado com o qual poss vel estabelecer uma rela o de confian a e imaginar que essa pessoa ser capaz de ouvir o que os outros n o podem fornece uma perspectiva e dire o valiosa para Ana acerca de como a sua hist ria de vida pode ser vivida diferentemente Neimeyer amp Buchanan Arvay 2004 Deste modo atrav s da sua inser o nessa esfera da vida ela consegue encontrar o reconhecimento acerca da realidade das perdas experienciadas bem como a legitima o da sua dor e do seu processo de luto muitas vezes n o autorizados pela rede social pr xima o que a auxilia a integrar suas experi ncias passadas mem rias no presente e a partir disso reconstruir suas perspectivas futuras Atrav s da psicoterapia os processos de constru o e reconstru o dos significados s o promovidos levando Ana a elaborar uma nova narrativa sobre si mesma Afinal s o oferecidas oportunidades para novas posi es de Eu emergirem ou posi es n o dominantes sobressa rem Essa nova narrativa do self pode ent o orient la em dire o ao futuro potencial imediato reduzindo a incerteza e mediando a rela o com o mundo ao redor Valsiner 2002 Ribeiro amp Gon alves 2010 Assim u
62. diretas e question rios autorrelatados com mulheres com hist ria de aborto espont neo recorrente eles conseguiram identificar alguns desses preditores Assim a satisfa o com o apoio social percebido a atribui o est vel de causas ao aborto anterior e a aus ncia de alguns sintomas psicol gicos especialmente a depress o determinaram o resultado da gesta o futura Destaca se que o humor depressivo embora n o severo o suficiente para satisfazer o crit rio diagn stico para depress o maior aumenta significativamente a probabilidade do aborto se repetir em uma nova gravidez J a import ncia da identifica o das causas do aborto espont neo tamb m foi apontada por outras pesquisas como a de Nikcevic Tunkel Kuczmierczyk e Nicolaides 1999 que consistiu em 23 um estudo longitudinal prospectivo realizado na Inglaterra com mulheres que realizaram uma ultrassonografia na 10 14 semana de gesta o e receberam o diagn stico m dico de morte fetal ou gravidez anembrion ria Os pesquisadores ao comparar as condi es psicol gicas das mulheres que tinham tido as causas dos diagn sticos identificadas e daquelas que n o as tinham atribu ram a essa identifica o uma redu o nos sentimentos de culpa e autorresponsabiliza o pelo ocorrido Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo qualitativo realizado na Indon sia por Andajani Suthahjo e Manderson 2004 com mulheres cujos beb s morreram nas prim
63. em defesa pelo seu desejo de paternidade ele o parceiro sempre quis ele tem um sonho ter um filho Esta voz hierarquicamente dominante em rela o s demais e ligada posi o Eu esposa alia se ao pr prio desejo da mulher que apesar de cada vez mais ambivalente caminha na mesma dire o isto da maternidade Eu m e posi o de Eu potencial futura Desejo que para ela compartilhado por todas as mulheres ou seja tem um car ter inerente condi o feminina ao que esperado socialmente e at mesmo biologicamente a tend ncia de todas as mulheres ser m e posi o de Eu em destaque Eu mulher Vale ressaltar que tais rela es dial gicas estabelecidas ao longo da sua trajet ria reprodutiva encontram se imersas em um contexto assistencial caracterizado por defici ncias importantes no atendimento gestante como a fragmenta o da assist ncia o n mero insuficiente de vagas nos hospitais e a aus ncia de atendimento emergencial propriamente dito Esse cen rio deste modo configura se em um importante obst culo em dire o maternidade Especialmente porque no fluxo do tempo h a coconstru o de significado com a rede familiar e social de que muitas das perdas ocorridas poderiam ter sido evitadas caso esse contexto fosse diferente Em vista desses acontecimentos podemos pensar que na trajet ria reprodutiva de Joana emerge o que Sato Hidaka e Fukuda 2009 denominam d
64. em seu uso o custo elevado Cavalcante amp Barini 2009 154 Media o semi tica estrat gias para constru o de continuidade A trajet ria reprodutiva de Eduarda marcada pela recorr ncia de abortos espont neos revela a experi ncia de importantes rupturas que amea am o seu senso de continuidade Isto amea am seu senso de identidade acerca de quem ela era quem ela e o que ela ser exigindo esfor os a fim de forjar um senso de continuidade atrav s das transi es bem como construir um senso de integridade ou consist ncia entre seus valores e a es ao longo do tempo Zittoun amp Grossen no prelo A disrup o no sentido do self demanda assim novos movimentos subjetivos de reconstru o do si mesmo Com o prop sito de entender os mecanismos de reconfigura o do sistema do self acionados nos momentos subsequentes ruptura no fluxo da experi ncia foi realizada uma an lise dos processos de emerg ncia e media o semi tica que ocorreram no espa o imagin rio do self e foram expressos de algum modo atrav s da sua narrativa autobiogr fica No processo de emerg ncia e media o semi tica as pessoas criam e usam signos como um esfor o para se relacionar ativamente com o mundo isto para estar preparado para o que est para acontecer ou fazer acontecer Em cada representa o por um signo h uma apresenta o uma sugest o para o futuro havendo assim a constru o de uma po
65. enfatizam Salgado e Gon alves 2006 a necessidade de se levar em conta a alteridade isto ao mesmo tempo em que o outro pode ser entendido como eu posi es externas do self tamb m precisa ser percebido enquanto outro alter Conforme Cunha 2007 alteridade implica o estabelecimento de uma cont nua rela o de tens o e diferen a entre os interlocutores que possibilita ao ser humano a constitui o e o esclarecimento da sua pr pria posi o e exist ncia pessoal atrav s da assimila o e consci ncia da posi o do Outro d Alte Petracchi Ferreira Cunha e Salgado 2007 Salgado e Gon alves 2006 prop em que o self dial gico precisa ser entendido enquanto uma estrutura tri dica composto pelo eu pelo outro e pelo o que eles denominam audi ncia interna Nesse sentido o Eu ocupa o centro da experi ncia aqui e agora e ag ncia subjetiva afetivamente envolvido no processo de endere amento a um outro A linguagem e a exist ncia humana conforme afirmam os autores s o sempre endere adas a algu m A audi ncia interna potencial por sua vez respons vel pela media o entre o eu e o outro 41 Assim em uma rela o dial gica a troca intersubjetiva que ocorre acompanhada tamb m por um di logo interno com outra audi ncia potencial pessoalmente relevante e culturalmente enraizada Em suma o mundo fenomenal da pessoa estruturado pelos campos dial gicos tri dicos do interc mbio entre o eu o o
66. essa no o valor que foi aprendido que deveria ser vinculado para a pessoa que ser seu filho que radicalmente transforma a rela o de algu m com o mundo atrav s de uma supergeneraliza o desta orienta o de valor Assim na ocorr ncia de perdas gestacionais e na aus ncia de apoio social para continuar a engravidar devido aos riscos pr pria vida por exemplo uma mulher pode persistir na tentativa de engravidar apesar desses riscos Colocar em risco pr pria vida tem conota es socioculturais relacionadas quebra de regras ofensa s leis e moral ao cometimento de um crime Deste modo seguir na dire o da maternidade atrav s da gravidez introduz o atentar contra a pr pria vida como uma possibilidade futura Entretanto o que acontece para essa mulher que persiste na dire o da maternidade biol gica pode ser entendido como uma transforma o emocionalmente desencadeada do seu sistema de significado devido a uma forte orienta o de valor sentida Um regulador de n vel superior catalisador leva a uma qualidade nova generalizada do sistema de significado O sentimento e o valor do amor por exemplo serve como um catalisador na reorienta o do 211 sistema de significados do indiv duo e da rela o pessoa mundo Esse catalisador emocional catalisador afetivo atua como um regulador de ordem superior Beckstead Cabell amp Valsiner 2009 Por m preciso ainda realizar uma
67. estudado a morte vivenciada como um tabu e o beb nascido morto n o reconhecido como um beb real Dentre os significados encontrados destaca se a perda de controle a quebra de sonhos sentimentos de incompletude culpa derrota pessoal sentimento de menos valia como mulher e em rela o ao seu papel na sociedade A dificuldade de realizar rituais de morte e expressar seus sentimentos n o autorizados culturalmente afetaria as mulheres na elabora o adequada do luto pela morte do beb Por sua vez Callister 2006 tamb m aponta para a profunda influ ncia da cultura sobre as respostas especialmente das pr prias mulheres perda perinatal como o aborto espont neo a gravidez ect pica o natimorto e a morte neonatal Conforme este autor em culturas onde por exemplo atribu da uma import ncia simb lica concep o gravidez e 26 infancia sendo altamente valioso ter filhos a perda perinatal pode se configurar como um evento muito significativo e doloroso para uma mulher e ou casal De acordo com Reagan 2003 as rea es das mulheres viv ncia de um aborto espont neo n o nem puramente pessoal nem universal Os significados do aborto espont neo bem como os de maternidade s o cultural social e historicamente produzidos Enfatiza assim a import ncia do contexto para a determina o destes significados Segundo este autor a representa o normativa do aborto espont neo mudou dras
68. estudo consiste em um aprofundamento te rico e emp rico sobre como o self constr i continuidade atrav s de rupturas sucessivas ao longo da trajet ria reprodutiva Implica entender as din micas do self dial gico no fluxo do tempo com o intuito de reorganiza o de rearranjos a fim de se manter coeso apesar das rupturas das recorrentes descontinuidades Desta forma os objetivos espec ficos do presente estudo s o 43 Analisar a din mica das posi es de Eu self dial gico a cada evento de ruptura transi o desenvolvimental considerando as rela es negocia es e contradi es estabelecidas com outras pessoas significativas Identificar signos e pr ticas que regularam as trajet rias reprodutivas das mulheres no fluxo temporal Analisar como a disponibilidade diferenciada de recursos simb licos e materiais nos diferentes contextos sociais e assistenciais modifica as possibilidades de posicionamento no mbito do self das mulheres entrevistadas Identificar as estrat gias semi ticas de autorrepara o din mica do self utilizadas pelas mulheres ap s a experi ncia de rupturas sucessivas a fim de manter certo senso de continuidade do self ao longo do tempo 44 CAPITULO II M todo O presente estudo utilizou o m todo etnogr fico tendo sido realizado em dois contextos distintos de assist ncia sa de da mulher e ou casal com diagn stico de aborto de repeti o na cidade do Salvador BA
69. gama de constru o de significado futuro poss vel Por m essa gama de constru o de significado limitada por circunscritores que especificam a fronteira do campo de significado Valsiner 2004 No caso das mulheres usu rias da assist ncia p blica alguns desses circunscritores podem ser facilmente identificados como a inexist ncia de apoio da rede social pr xima para dar prosseguimento ao projeto maternidade e o desamparo afetivo emocional a que elas se veem submetidas as importantes defici ncias dos servi os de assist ncia sa de a precariedade do suporte instrumental e emocional oferecido pelos profissionais de sa de Destaca se ainda a experi ncia traum tica e dolorosa em termos f sicos e emocionais da viv ncia de uma perda gestacional que atingiu todas as mulheres entrevistadas independente da classe social e que deixou as suas marcas compondo parte da mem ria afetiva relacionada ao engravidar e ao tornar se m e Entretanto a maternidade e os sentimentos que essas mulheres t m em rela o ao tornar se m e muito provavelmente foram desenvolvidos por uma s rie de eventos simb licos repetitivos desde a mais tenra idade como pode ser bem observado atrav s das narrativas familiares do caso Juliana em que o ser m e equivale ao oposto da solid o signo tamb m hipergeneralizado mas carregado de afetos negativos A no o generalizada de maternidade bem como do sentimento de amor materno foi ent o p
70. geral desses processos na semiosfera dos contextos p blicos e privados de sa de aos discursos socioculturais sobre maternidade e abortamento Nesse sentido pode se refletir que mulheres com hist ria reprodutiva semelhante marcada por perdas gestacionais espont neas e recorrentes buscaram os servi os de sa de aos quais tinham acesso Acesso este possibilitado ou restringido em fun o da sua inser o em determinado grupo social Nesse processo houve a canaliza o coletivo cultural dessas experi ncias dentro de contextos de atividade culturalmente estruturados os contextos de sa de p blico e privado Por esta raz o pode se considerar que esses contextos operaram enquanto um n vel organizacional mesogen tico canalizando a experi ncia subjetiva mediante o estabelecimento de uma gama de possibilidades nas quais a experi ncia do engravidar e abortar toma forma Vale ressaltar que papel do n vel mesogen tico a liga o entre os diferentes n veis da experi ncia da infinita singularidade do fluxo microgen tico relativamente conservativa progress o da ontogenia Valsiner 2007 A caracteriza o detalhada dos contextos de sa de foi realizada ao longo do cap tulo Cabe aqui apenas uma breve s ntese das suas principais distin es considerando os como uma unidade de opostos dentro da mesma totalidade o sistema de servi os de sa de no Brasil 97 Assim por um lado os contextos publicos de satide foram c
71. in Minds and Societies New Delhi Sage Valsiner J 2010 Climbing the Sacred Mountain of Knowledge Psychology at its eternal crossroads Keynote address at XIV Congreso Colombiano de Psicologia Ibagu Vargas E P 2006 Casais inf rteis usos e valores do desejo de filhos entre casais de camadas m dias no Rio de Janeiro Tese Doutorado Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Medicina Social Rio de Janeiro Vargas E P 2010 Sa de Raz o Pr tica e Dimens o Simb lica dos Usos da Internet notas etnogr ficas sobre os sentidos da reprodu o Sa de Soc S o Paulo 19 1 p 135 146 Vigotski L S 1984 2008 A forma o social da mente o desenvolvimento dos processos psicol gicos superiores 7a ed S o Paulo Martins Fontes Vigotski L S 1987 2000 Pensamento e linguagem 2a Ed S o Paulo Martins Fontes 227 Vigotski L S 1935 1994 The problem of the environment In R van der Veer amp J Valsiner ed The Vygotsky reader Cambridge MA Blackwell Volkmer V Covas I G Franco A L S amp Costa O L N 2006 Voc se pergunta por que n o pode ter aspectos psicol gicos e sociais de mulheres com hist ria de abortamento de repeti o Revista Viv ncia n 31 Volkmer V 2009 Significados de maternidade para mulheres com trajet ria reprodutiva marcada por perdas gestacionais recorrentes Disserta o de Mestrado Instituto de Psicologia
72. legitimado pelo grupo de pessoas que assistia cerim nia Paralelamente outros recursos simb licos advindos do campo m dico s o tamb m introduzidos a fim de auxili la a lidar com a situa o de incerteza o uso de medicamento e a possibilidade de realizar uma interven o cir rgica no colo do tero denominada cerclagem para evitar o aborto tardio ou o parto prematuro Agora tem mais possibilidades estou tomando medicamento que eu nunca tomei de nenhum outra gesta o anterior um meio de ajudar a segurar a crian a Deste modo Joana utiliza alguns elementos culturais dispon veis no contexto em que se encontra inserida e os utiliza para fazer algo para agir sobre sua realidade pessoal para mudar o desfecho da sua hist ria reprodutiva para alcan ar um determinado posicionamento pessoal e social E mais do que isso para empoderar a posi o Eu m e no sistema do self na medida em que busca reconhecimento e legitima o dessa posi o no campo social nas esferas da medicina e da religi o Ela assim constr i uma nova vers o do pr prio self Nesse sentido esses elementos tornam se instrumentos denominados por Zittoun 2004 como 112 recursos simb licos para enfatizar o papel ativo da pessoal Recursos simb licos s o deste modo elementos culturais mobilizados por uma pessoa em uma situa o e utilizados a fim de fazer algo Zittoun 2001 citado por Zittoun 2004 A escolha por a
73. lidar com essa dor emocional foi fortemente associado com sintomas depressivos ap s quatro meses e um ano do aborto espont neo consistindo em estrat gias utilizadas pelas mulheres em que o suporte social encontra se ausente No entanto segundo afirma o pesquisador nem todas as raz es das mulheres para experienciar os sintomas depressivos estavam relacionadas a seus abortos espont neos Isto pode significar que elas poderiam estar lidando simultaneamente com outros eventos de vida significativos que as levariam a vivenciar sentimentos de tristeza Por m uma explica o alternativa corresponde ao fato de que algumas mulheres n o seriam conscientemente capazes de reconhecer para si mesmas que os abortos espont neos tinham e seguiam tendo uma significa o pessoal para ela Isto possivelmente estaria relacionado a 25 discursos socioculturais acerca das atitudes sociais aceit veis que ignoram o aborto espont neo ou a um conjunto de expectativas de que as mulheres deveriam super lo Com rela o s atitudes sociais de n o reconhecimento do aborto espont neo como uma perda Renner Verdekal Brier e Fallucca 2000 realizaram um estudo nos Estados Unidos com o objetivo de determinar se o aborto espont neo uma perda n o reconhecida e avaliar o significado desse evento para as outras pessoas De acordo com os resultados encontrados o aborto espont neo n o compreende uma perda n o reconhecida no entanto consiste em um e
74. m dico engravidar com d 100 tratamento a 4 4 DEUS Ser que n o Deus te mostrando que pra voc desistir Diante da suposta condi o de infertilidade Beatriz recorreu esfera m dica a fim de construir algum significado que a explicasse Por m na medida em que n o havia qualquer ind cio de problema f sico em seu aparelho reprodutivo houve a sugest o m dica de que a dificuldade para engravidar poderia estar relacionada ansiedade A partir dessa sugest o 177 Beatriz empreendeu a es na tentativa de minimiz la envolvendo se em outras atividades como bordar e vender cosm ticos No entanto em certo momento constatou que a quest o da maternidade n o lhe ocorria mais em seus pensamentos Essa autorreflex o a levou a indagar se isso significava que a vontade de Deus era ent o que n o engravidasse mais Como se Deus estivesse respondendo ao seu pedido que se fosse da vontade Dele a desist ncia da maternidade que lhe permitisse simplesmente esquecer Deste modo a ambival ncia que havia sido minimizada com a constru o do significado de ansiedade a partir da sugest o m dica volta a intensificar se promovendo certa confus o em seus pensamentos Nesse momento ent o h a constru o de outros significados como a ideia de estar sendo castigada por Deus Eu esqueci um pouco da gravidez a eu j fiquei pensando meu Deus ser que foi porque eu pedi pr
75. maternidade tamb m regulada socialmente atrav s de sugest es que s o codificadas nos signos Procedimentos para an lise de dados A partir do prop sito de realizar compara es descritivas entre as trajet rias reprodutivas das participantes com a finalidade de compreender os processos de ruptura transi o ap s a experi ncia de perdas gestacionais recorrentes foi utilizado o Modelo de Equifinalidade de Trajet rias Sato Hidaka e Fukuda 2009 Conforme Sato et al 2012 este Modelo fornece uma boa estrutura para entender rupturas e reconstru es na cultura pessoal O Modelo de Equifinalidade de Trajet rias Trajectory Equifinality Model TEM uma estrutura de pesquisa metodol gica para analisar examinar e descrever dados qualitativos no que concerne a diversidade de trajet rias de desenvolvimento e cursos de vida Yasuda no prelo O TEM foi desenvolvido baseado no conceito de equifinalidade que conforme Sato Yasuda Kido Arakawa Mizoguchi e Valsiner 2007 originou se da Teoria Geral dos Sistemas de von Bertalanffy 1968 e tem as suas ra zes nos primeiros trabalhos 56 biol gicos de Hans Driesch 21908 Para von Bertalanffy citada por Sato et al 2007 a equifinalidade uma caracter stica b sica dos sistemas abertos e significa que o mesmo estado final pode ser alcan ado a partir de distintas condi es iniciais e de diferentes modos Assim a no o de equifinalidade considera que certos pon
76. me defender Cl udia 33 anos sete perdas gestacionais Quando Uma mulher tira uma crian a os m dicos n o d muita import ncia deixa que ela sofra um pouco pra ela ter medo pra que ela tenha ju zo e n o fa a de novo e quando eu cheguei acredito que eles n o leram meu prontu rio pra ver se era um aborto espont neo e eles acreditaram que eu tanto que a m dica falou menina o que foi que voc foi fazer Eu n o fiz nada um aborto espont neo mas ela j tinha colocado o rem dio e a eu sofri muito entendeu Denise 30 anos quatro perdas gestacionais No contexto de assist ncia privada n o houve relato de pr ticas de discrimina o preconceito ou castigos e li es moralistas por parte dos profissionais de sa de Entretanto assim como na rede p blica houve muita dificuldade na comunica o do diagn stico de perda gestacional Na esfera m dica parece haver muitas d vidas sobre o que dizer e como dizer s mulheres ou casais sobre a ocorr ncia de uma perda gestacional Na sess o cl nica da qual participei em setembro de 2009 na maternidade p blica para a devolu o dos resultados da pesquisa realizada no mestrado essa foi a nica pergunta formulada pela plateia gerando interesse e discuss o entre os m dicos e residentes Um dos m dicos presentes relatou os m dicos em geral n o gostam de assuntos relacionados morte pois precisam saber lidar com a sua pr pria morte e is
77. mulher que teve nove filhos e nunca induziu o aborto sobre essa trajet ria alternativa Ou seja ao evocar a voz materna Ana bloqueia essa poss vel a o futura e com efeito o aborto exclu do de qualquer possibilidade de realiza o A escolha pelo n o aborto significado que se amplia englobando a no o de maternidade harmoniza se com o contexto cultural no qual ambas m e e filha encontram se inseridas onde a no o de maternidade fortemente associada identidade e ao papel social feminino enquanto que a no o de aborto associa se a um ato criminoso A maternidade carregada de valor socialmente pessoal e gradativamente internalizada por Ana de modo singular ao longo da experi ncia de gesta es e perdas O tornar se m e passa a constituir uma importante posi o de Eu potencial dirigida para o futuro que se revela dominante at mesmo quando Ana entra em conflito com o novo parceiro que tamb m sugere o aborto bem como com a pr pria m e que em um momento posterior a incentiva a desistir de tentar engravidar novamente Figura 6 Processo de autorregula o cultura pessoal ABORTO N O ABORTO N cleo A N o A 4 MATERNIDADE N O MATERNIDADE Eu n o farei o aborto Farei o aborto se a minha m e concordar Visto que a minha m e n o concorda eu n o farei o aborto Por conseguinte terei um filho e tornar me ei m e 122 Outro aspecto que merece destaque consiste
78. n o houve relato de complica es nem mesmo a constru o da percep o de risco pr pria sa de Muitos fatores 76 podem colaborar para essas diferen as como a qualidade da assist ncia bem como o tempo gestacional em que a perda ocorreu Al m disso nos relatos das usu rias do servi o privado a experi ncia de dor f sica em decorr ncia dos abortamentos n o se encontrou presente ou n o foi enfatizada Assim por exemplo no caso Juliana houve o relato da sua ltima perda a qual precisou se submeter interven o m dica por se tratar de um aborto retido A experi ncia de dor f sica aparece apenas como um dos aspectos que configuraram essa experi ncia Vale ressaltar tamb m a sequencia dos aspectos descritos em seu relato isto do emocional ao f sico que configuraram a experi ncia da perda como um dos momentos mais dif ceis da sua trajet ria reprodutiva Essa foi a pior parte a pior parte de todas desse abortamento dessas perdas foi esse internamento a frustra o de voc estar ali j muito grande de voc ter perdido j a terceira crian a e eles te internam na maternidade eu fiquei internada na maternidade todas as crian as nascendo e s a minha morrendo E a tiveram que botar um medicamento na minha vagina que chama Misoprostol pra poder dilatar o meu tero pra poder fazer a aspira o fazer o procedimento Essa medica o fazia eu ter sangramento faz voc sangrar e doer
79. no mbito do sistema do self em desenvolvimento Ou seja contempla a din mica do movimento da pessoa no tempo irrevers vel em dire o ao futuro Considerando a quest o do tempo pode se refletir sobre a dimens o da ruptura e da inevit vel constru o de significado no que tange ocorr ncia de cada um dos abortos espont neos Assim pode se dizer que a experi ncia do primeiro aborto espont neo implicou 165 em descontinuidades em rela o s expectativas e planos mais imediatos momento presente futuro pr ximo isto de ter aquele beb de vivenciar a maternidade naquele momento conforme havia sido planejada pelo casal Neste sentido poss vel que a posi o Eu m e potencialmente futura e altamente relevante para o sistema do self n o seja ainda percebida como realmente amea ada mas apenas temporariamente adiada Deste modo n o h necessariamente a confronta o com uma redefini o da identidade que inclua a possibilidade desse Eu m e n o se realizar ou pelo menos n o se realizar conforme planejado de um filho biol gico Por m a repeti o das perdas gestacionais torna essa reflex o necess ria isto a mulher pode vir a n o se tornar m e E isto consiste em uma ruptura mais profunda e de longo prazo que afeta a perspectiva de futuro dessa mulher bem como exige a reconstru o de planos e metas passadas levando a redefini es da identidade Isto porque a concretiza
80. o um marcador semi tico de algum processo idealizado de pertencimento ou de n o pertencimento p 145 Assim a participa o nessa unidade social t o almejada por Juliana uma idea o pessoal apoiada por intera es sociais concretas entre as pessoas Gostaria de ser igual a todo mundo A incapacidade para ser m e considerada ent o como uma decep o para consigo mesma e para os familiares Al m disso essa experi ncia abalou a cren a pessoal de que possui o controle sobre a sua pr pria vida fazendo emergir uma sentimento de fracasso e de perda de controle Deste modo n o s a posi o Eu m e futura e potencial amea ada com a experi ncia dos abortos mas tamb m o Eu mulher Tais eventos disruptivos assim exigem processos de reposicionamento do self e solicitam novas aquisi es entendimentos e redefini es pessoais Zittoun 2004 Neste sentido os significados pessoais acerca da maternidade s o modificados no fluxo do tempo e adquirem valor indo al m do mero cumprimento do papel de g nero ou das expectativas sociais Eu passei a dar mais import ncia porque a gente s d valor aquilo que a gente perde a maioria das pessoas assim ent o eu achava que ser m e era uma coisa normal hoje eu j acho que ser m e a melhor coisa do mundo J que eu n o posso ter ent o eu passei a valorizar muito mais tanto que eu acho que se eu tiver eu vou
81. o das perdas anteriores Os sentidos atribu dos anteriormente s perdas foram deste modo desconstru dos perderam a consist ncia e a incerteza frente ao futuro reprodutivo foi agudamente ampliada Isto porque Juliana enquanto m dica sabia que com esse diagn stico a probabilidade de sofrer um novo aborto espont neo era maior bem como era mais dif cil conseguir identificar as suas causas Muitas indaga es emergiram refletindo essas incertezas ser que eu vou ser capaz de ter filhos e se eu n o tiver filhos As d vidas foram refor adas pela percep o do passar do tempo sentido no seu pr prio corpo por meio do limite biol gico estabelecido para a sua capacidade reprodutiva Ou seja Juliana construiu a ideia de que n o possu a muito tempo para conseguir ter o seu pr prio filho visto que j tinha 36 anos As repercuss es de todos esses significados no campo afetivo foram de tristeza ao olhar para o passado e medo ao tentar vislumbrar o futuro Al m disso determinados entendimentos e ou identidades tidas como certas como a expectativa pessoal e social de tornar se m e mas tamb m a no o de controle sobre a sua pr pria vida gosto de ter tudo sob controle e a de capacidade para conseguir aquilo que 140 almeja tudo o que eu quis eu sempre consegui foram seriamente amea ados Ou seja Juliana relata ser algu m acostumada a planejar e controlar todos os aspectos da sua vida e quando
82. o padr o de rea o emocional mais comum ap s a viv ncia das perdas consistiu na intensifica o do luto ao longo do tempo Ap s as primeiras perdas gestacionais a viv ncia do luto ocorreu de modo parcial ou incompleto Alguns ind cios foram encontrados nesse sentido sentimentos de pesar e de tristeza apenas em um momento imediato perda mas dissipados logo que retornavam s suas casas ao fato de se desfazerem precipitadamente e sem crit rios dos pertences do beb evitar lembran as de n o participarem dos rituais f nebres evitar o reconhecimento da perda e com efeito o seu pesar n o querer falar sobre a perda nem sobre assuntos afins e em alguns casos por engravidarem novamente logo ap s a perda substitui o do beb perdido Essas condutas parecem estar relacionadas a uma tentativa de suprimir o sofrimento emocional que a perda 31 gestacional implicaria e de n o querer assumir um luto socialmente n o legitimado Por m com a repeti o das perdas o luto antes n o vivenciado parece emergir de modo mais intenso na vida dessas mulheres a ponto de em alguns casos haver o desencadear de sintomas psiqui tricos como s ndromes depressivas transtornos de ansiedade e s ndromes f bicas No entanto a intensifica o das rea es s perdas gestacionais tamb m esteve associada mudan a no apoio oferecido pela rede social em especial pelas fam lias ao longo da trajet ria reprodutiva Isto porque para
83. ou rotineiras de quem participa no cen rio da pesquisa Schensul et al 1999 p 91 citado por Angrosino 2009 p 76 O termo consiste da combina o do papel do pesquisador participante de algum modo com uma t cnica de coleta de dados observa o O que de acordo com Caprara e Landim 2008 expressa um paradoxo na medida em que a observa o implica em uma certa dist ncia por parte do pesquisador enquanto que o termo participante implica em um certo envolvimento emocional por parte deste Para os autores ent o a defini o dada por Clifford 2002 para a observa o participante isto como dial tica entre experi ncia e interpreta o consistiria em uma tentativa de superar este paradoxo citado por Caprara amp Landim 2008 A observa o participante nos dois contextos de assist ncia sa de p blico e privado conforme descrita anteriormente ocorreu em momentos distintos No contexto de assist ncia p blica a observa o ainda n o participante ocorreu desde o in cio da minha inser o no Ambulat rio de Aborto de Repeti o em 2002 quando cumpria o est gio curricular em Psicologia e observava os atendimentos m dicos realizados com mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes Em seguida e at o ano de 2009 a observa o passou a ser participante atrav s da realiza o de atendimentos psicol gicos e din micas de grupo com as pacientes do ambulat rio 51 Por su
84. p blicas equipadas com UTI neonatal conduziu a mais um beb natimorto Eu levantei perdendo muito sangue a fui pra emerg ncia mas mesmo assim jorrando muito sangue ai quando eu cheguei l a m dica falou assim ah t vivo o beb mas s que a gente n o pode fazer nada que aqui n o atende prematuro vamos esperar uma vaga ficou esperando at s 73 cinco horas pra ver se tinha vaga e n o tinha acho que eu fiquei internada de cinco da manh at s cinco da tarde s perdendo sangue esperando vaga e nada de achar vaga quando nasceu foi meia noite a j nasceu j evolui com tudo saiu com tudo j morto a foi s isso Joana 34 anos cinco perdas gestacionais Situa o semelhante foi relata por Ana cujo beb morreu alguns dias ap s o nascimento A perda do beb foi explicada por ela pela aus ncia de um leito na UTI neonatal no servi o de sa de p blico a que recorreu S disseram que n o tinha vaga e ficou at o outro dia na sala de parto Eu acho que se tivesse botado na UTI ele teria sobrevivido porque ele n o nasceu com problema nenhum depois que foi detectada a infec o pulmonar foi a que ele n o suportou Ana 32 anos quatro perdas gestacionais Tamb m foi referida por muitas entrevistadas a aus ncia de um atendimento emergencial propriamente dito onde pudessem receber interven es m dicas imediatas Todos esses aspectos associados defici ncia do sistema p
85. pela primeira vez eu tinha 22 anos agora eu tenho 28 Ent o eu penso se eu tivesse um filho eu tava com um filho de quase 6 anos Eu vejo sempre as minhas amigas eu tenho at uma amiga que engravidou na mesma faixa que eu na primeira ela j ta com filho a minha era menina o dela menino de 5 a 6 anos a mesma faixa et ria a diferen a de meses e ela depois engravidou tamb m perto da que eu engravidei dessa ltima vez ent o ela ta tamb m com uma menina de quase dois anos Ent o eu j fico quando eu vejo ela eu j fico eu fico pensando olha eu tamb m j poderia estar com dois ent o sempre quando eu vejo aquelas minhas amigas aquelas crian as que nasceram na mesma poca das minhas que era para nascer a eu j fico naquele pensamento porque que eu tamb m n o estou com os meus agora ent o a as vezes j me preocupa um pouco Deste modo Beatriz seletivamente relembra o passado combinando essas mem rias com desejos imaginados e projetados para o futuro Assim reconstr i o passado mudando simultaneamente a perspectiva de futuro e promovendo a emerg ncia de um sentimento de urg ncia expresso em ansiedade no momento presente para realizar a trajet ria da maternidade Essa s o as dualidades presentes em sua narrativa a tens o entre o que presente real e o que poderia ter sido passado potencial trajet ria sombra bem como entre o que e o que ainda n o mas pode vir
86. por ser ginecologista considerou o como um evento normal pass vel de acontecer em uma primeira gesta o o primeiro eu pensei assim ah uma coisa normal um aborto s todo mundo tem principalmente depois de voc usar a 33 p lula durante um tempo grande os vulos ficam tipo que envelhecidos Cerca de um m s depois do aborto Juliana volta a engravidar mas s tem conhecimento disto quando j estava sofrendo uma nova perda gestacional O segundo aborto causou lhe certo abalo emocional levei um baque o qual tentou minimizar construindo a ideia de que esses embri es perdidos poderiam ter sido malformados Na ocasi o da perda relata ter ligado para a sua m dica para avisar lhe acerca do ocorrido liguei pra minha m dica mesmo e contei a ela ela Julianinha tem alguma coisa estranha vamos investigar A comecei a investigar n o foi uma investiga o muito a fundo fiz alguns poucos exames mas superficiais e a nada n o acusou nada Na medida em que nenhum fator org nico foi identificado como uma poss vel causa para a perda vivenciada m dica e paciente constroem a suposi o de uma causa emocional relacionada especialmente aos conflitos com o parceiro A terceira gesta o despertou lhe sentimentos ambiguos de felicidade e medo O sentimento de medo esteve relacionado s lembran as das perdas anteriores passado e expectativa de que uma nova perda pudes
87. profissionais sobre o pesar perinatal habilidades de comunica o e t cnicas de relacionamento de ajuda Para eles torna se fundamental promover programas de treinamento voltado para os profissionais de sa de para que eles possam adquirir conhecimentos aptid es e habilidades em pesar perinatal e desenvolver uma diretriz de pr tica cl nica para o cuidado da perda perinatal Com rela o assist ncia ao parto de um feto morto o estudo realizado por Gold Dalton Shwenk 2007 nos Estados Unidos revelou que quando a mulher e ou o casal tem a op o de decidir sobre a indu o do parto o controle da dor a posi o no parto contribuem para o desenvolvimento normal do trabalho de luto Algumas recomenda es s o tecidas na literatura destinadas aos profissionais de sa de a fim de que eles possam facilitar o processo de luto dos pais que perderam um beb Entre as orienta es pode se destacar a necessidade de informar aos pais imediatamente sobre a condi o do beb expressar sentimentos sobre a morte do beb com palavras que possam consolar os pais fornecer informa es baseadas em fatos acerca do beb quando dispon veis descrever a apar ncia do beb antes de levar os pais para v lo encorajar os pais para ver e segurar o beb permanecer com eles enquanto inicialmente examinam o beb tocar os pais afetuosamente e apropriadamente na medida em que as palavras nem sempre s o necess rias ou oportunas encorajar os p
88. repeti o o que tornava evidente a 138 incerteza em rela o ao seu futuro reprodutivo o terceiro que foi um desespero que foi o pior de todos porque a realmente confirmou que era abortamento de repeti o Nos dias que se seguiram a esta perda Juliana relata ter sentido muita tristeza sensa o de vazio de inutilidade e ang stia a sensa o que eu nunca vou voltar a ter alegria Eu estava fragilizada dormia com rem dios me sentia uma morta viva A pergunta inevit vel que persistia em seus pensamentos era por que comigo Em busca de uma resposta que explicasse as experi ncias de perda no passado e minimizasse as incertezas no futuro houve a procura por especialistas em aborto de repeti o dando in cio a uma vasta investiga o E apesar dos obst culos experienciados ao longo da sua trajet ria a expectativa de futuro continuou em dire o maternidade Eu espero engravidar risos eu espero ser m e era tudo o que eu mais quero ainda nfase Assim quando me vem a possibilidade de eu engravidar eu lembro a dor o desespero que eu passei nesse ltimo aborto e isso eu n o quero mais nunca na minha vida ent o vem o medo vem o medo o trauma que eu fiquei daquele Portugu s hospital daquela maternidade mas al m apesar disso tudo al m n o apesar desse medo desse trauma que eu fiquei eu ainda quero As din micas no mbito do self a tentativa
89. sa de mental Por que continua a seguir nessa dire o quando ao longo do tempo emerge um alto n vel de ambival ncia em rela o ao seu pr prio querer quando as tens es e os conflitos entre significativas posi es de Eu se intensificam quando pessoas significativas se afastam e a desamparam e ainda quando o contexto assistencial percebido como respons vel ou corespons vel por parte do seu sofrimento Para essas indaga es n o h uma resposta simples f cil de ser alcan ada Por m atrav s da narrativa dessa mulher alguns ind cios parecem lan ar luz no sentido do seu entendimento Em primeiro lugar deve se ressaltar que o que est em jogo nesse caso envolve um signo hipergeneralizado a maternidade que se vincula a campos afetivos do tipo superior n vel mais alto de generaliza o que regulam a totalidade da experi ncia vivida A no o cultural de maternidade deste modo carregada de valor sendo socialmente promovida e pessoalmente internalizada Configura se em uma situa o social e culturalmente regulada permeada por sugest es sociais presentes em ambientes humanos semioticamente organizados ou estruturados a partir da combina o de signos diversos que possuem a fun o de guia social O poder de tal situa o viv ncia social e seus significados hipergeneralizados guia e organiza desta forma a conduta o pensamento e os afetos humanos Valsiner 2007 Na atualidade e na realidade brasileira
90. sangramento o que a levou a buscar atendimento m dico de emerg ncia A dificuldade de encontrar uma vaga em uma maternidade p blica equipada com UTI neonatal para o nascimento de um beb prematuro conduziu ao nascimento de mais um beb natimorto Por m nesta circunst ncia a vida da pr pria Joana foi colocada em risco na medida em que houve complica es no seu estado geral de sa de Uma s ria infec o cujo tratamento medicamentoso parecia a princ pio n o fazer efeito levou percep o de risco sua pr pria vida A terceira vez que eu quase morro foi uma infec o alta entendeu grave mesmo eu quase morro tamb m porque eu n o tava conseguindo reagir aos medicamentos Recorrer ao esquecimento pode ter constitu do deste modo em um importante mecanismo psicol gico para que ela pudesse seguir em frente e tentar novamente outra gesta o Assim na sua quarta gesta o aos 28 anos de idade Joana resolve buscar um atendimento m dico especializado em um ambulat rio de abortamento de repeti o de uma maternidade p blica Atrav s desse servi o obteve a primeira suspeita diagn stica para a sua hist ria de perdas gestacionais sucessivas que se referia a um poss vel problema placent rio Al m disso foi lhe oferecido um atendimento m dico mais frequente a fim de que se pudesse detectar qualquer altera o na sua gesta o a tempo de alguma interven o m dica efetiva Por m apesar dessa
91. se associada mudan a no campo afetivo que no momento presente apresenta se marcado pelo sentimento de solid o al m de ser m e como se fosse mais uma companhia pra mim Isto porque Ana sente a aus ncia do parceiro e acredita que com o filho conseguir se desligar mais da aus ncia dele eu tenho certeza disso que eu vou me desligar mais dele Desta forma ter um filho para Ana representa a oportunidade de preencher o vazio sentido como se fosse um vazio que vai ser preenchido ent o esse vazio preenchido n o precisa de mais nada mais nada entre aspas n Assim atrav s da imagina o que constr i o seu desenvolvimento futuro idealizando a presen a de um filho saud vel perfeito maravilhoso Presen a que lhe permitir p r em pr tica a arte do cuidar do outro que refere gostar muito Relata que quando mais nova cuidava dos irm os mais novos e sonhava em ser enfermeira eu sempre tive assim aquele prazer de cuidar de crian as tanto que quando eu era adolescente eu dizia que ia fazer um curso de enfermagem eu queria trabalhar na rea do ber rio eu gostava de cuidar e tinha cuidado Deste modo Ana vislumbra que atrav s da maternidade poder realizar a expectativa pessoal que construiu para si mesma Ou seja resgatar um importante aspecto da sua pr pria identidade 132 acerca do que ela imaginou que seria mantendo essa expectativa acerca do que sera vai se
92. semelhantes a outros tipos de perdas como nos casos da morte de um c njuge Assim pode se fazer presente o torpor seguido de afli o som tica anseio raiva e subsequente irritabilidade e depress o Outra rea o perda compreende a tentativa dos pais de substituir um filho perdido tendo outro Conforme Bowlby 1973 2004 essa rea o revela se perigosa pois pode comprometer o processo de luto al m de poder levar os pais a perceber o novo filho como o retorno daquele que morreu resultando em uma rela o distorcida e patol gica entre pais e filho O autor ainda recomenda que os pais esperem um ano ou mais antes de tentar uma nova gravidez O objetivo deste per odo de tempo consiste em possibilitar uma reorganiza o da imagem da crian a perdida conservando a como uma lembran a viva 30 distinta de qualquer outro filho Essa recomenda o parece ainda pertinente nos dias atuais na medida em que o processo ps quico de elabora o de uma perda exige tempo ainda que n o seja poss vel determinar quanto tempo seja necess rio para a elabora o do luto Para Worden 1998 na medida em que perdas gestacionais como o aborto espont neo e o natimorto envolvem a perda de uma pessoa significativa importante que os pais realizem o trabalho de luto No luto por bito fetal s o determinantes os fatores relacionados ao diagn stico e tratamento motiva es para a gesta o e fatores relativos ao seu planejamento Silv
93. sobre as narrativas De acordo com Bruner 2002 a composi o do self compreende uma arte narrativa em cujo interior fazem se presentes a mem ria os sentimentos as ideias as cren as e a subjetividade e em cujo exterior h a opini o das outras pessoas e uma mir ade de expectativas que se adquire da cultura da qual os indiv duos est o imersos Os atos narrativos de composi o do self s o usualmente guiados por modelos culturais impl citos e todas as culturas fornecem pressuposi es e perspectivas sobre o self No entanto estes preceitos n o s o comandos r gidos e a composi o do self segundo Bruner 2002 o principal meio para se estabelecer a singularidade Atrav s da narrativa cria se e recria se o self a fim de atender s necessidades das situa es com que os indiv duos se deparam Para Bruner 1997a as formas e os modelos narrativos s o culturalmente delineados e por seu turno modelam culturalmente os processos de constru o de significados pessoais e sociais A mem ria autobiogr fica assim pode ser considerada como uma pr tica cultural que se inscreve como uma esp cie de mola ou piv articulando mem ria self e cultura uma constru o ativa embutida em uma trama social de di logos que s o negociados n o somente entre o indiv duo e seu ambiente social imediato mas tamb m entre o indiv duo e o 53 sistema cultural mais amplo Wang e Brockmeier 2002 Adotando como fundamento o mod
94. tens o pode ter sido o l cus de nascimento do tornar se o movimento em dire o a um novo posicionamento subjetivo diante do outro Na quarta gesta o quando mais uma vez houve o desenvolvimento de um quadro hipertensivo Ana conseguiu questionar a voz m dica E assim diante da contradi o entre os saberes de dois m dicos nos quais um deles afirmava o comprometimento fetal em decorr ncia do dist rbio hipertensivo enquanto o outro n o Ana fez valer a sua pr pria percep o Pela primeira vez conseguiu dar voz aos seus pensamentos ao dizer N o est tudo ok porque eu n o estou sentindo a crian a mexer Assim houve a emerg ncia de algo novo sob a base do previamente conhecido da mesma experi ncia de pr eclampsia na gravidez e da busca por assist ncia m dica houve a assun o de um protagonismo de agentividade pessoal Ana se posicionou como um agente ativo que se apropria resiste e 125 transforma os discursos sociais dispon veis negociando o seu posicionamento subjetivo na rela o com os outros sociais em situa es espec ficas Falmagne 2004 Abbey amp Falmagne 2008 O que implicou na reconstru o dos seus sistemas de significado pessoais pois passou a imprimir valor s pr prias percep es sensa es e sentimentos e no reposicionamento de outros significativos no mbito do self como os m dicos e a sua pr pria m e construindo novas hierarquias semi ticas Mudan as
95. um projeto que Ele tem na nossa vida que Ele toque no cora o de meu marido e flexibilize o cora o dele tire essas ideias negativas n oriente ele Deste modo o movimento realizado no self dial gico externalizado atrav s da sua narrativa tem o prop sito principal de manter a posi o Eu m e posi o central no sistema do self apesar da experi ncia de repetidas perdas da inefic cia das interven es m dicas e religiosas e das vozes contr rias a esse movimento Este processo definido por Valsiner 2002 como autorregula o semi tica isto um processo sist mico no qual o self mant m a si mesmo enquanto organiza o fluxo sempre novo da experi ncia pessoal Para Valsiner o self dial gico opera como um sistema catal tico onde os seus pr prios componentes Posi es de Eu reproduzem a si mesmos enquanto lidam com a experi ncia de novidade Assim a posi o Eu m e adotiva configura se como uma s ntese de uma nova posi o de Eu projetada para o futuro Contendo n o s novidade mas tamb m a manuten o relativa da posi o de Eu m e original que constantemente amea ada no fluxo da 2 161 experi ncia Al m disso essas posi es de Eu que se confundem e at certo ponto se integram em uma s s o alicer adas por outra posi o de Eu altamente relevante e dominante no sistema do self de Eduarda o Eu religiosa Posi o de Eu n o s dominante sobre as outras em um deter
96. uma futura m e Deste modo esta rela o futura e potencial antecipada A ocorr ncia de uma perda gestacional involunt ria assim ganha uma dimens o que n o se limita ao momento presente da perda do feto em si mas alcan a a perda de um beb imaginado do filho antecipado no futuro Por esta raz o a perda gestacional espont nea 34 entendida em termos de ruptura uma interrup o abrupta do processo de constru o identit ria em curso Descontinuidade do sentido de si Interrup o de um processo de adapta o uma nova condi o isto da identidade social de ser m e atrav s do qual pr ticas e campos de significados pessoais e coletivos preparam os sujeitos em transforma o para o porvir O dom nio do conhecimento que une desenvolvimento humano e cultura denominado por Valsiner 2007 como Psicologia Cultural do Desenvolvimento Psicologia Cultural do Desenvolvimento A no o de maternidade assim como a no o de aborto ou de uma mulher sem filhos carregada de valor em nosso contexto sociocultural sendo socialmente promovida e pessoalmente internalizada Conforme afirmam Farinati Rigoni amp Muller 2006 A constitui o do desejo de maternidade e paternidade faz parte da cadeia simb lica constitu da da pr pria identidade do sujeito Nascemos emaranhados numa teia de desejos maternos e paternos conscientes e inconscientes carregando as marcas de estarmos vinculados a uma tram
97. valorizar mais do que as 143 outras pessoas porque pra mim ele veio vai vir com mais dificuldade Figura 11 Mudan as nas posi es de Eu ao longo da trajet ria reprodutiva ANTES terceira perda gestacional Rede pr xima Eu controladora Eu capaz Eu mulher Parceiro DEPOIS terceira perda gestacional Rede social pr xima Eu sozinha futuro Eu incapaz Eu sem valor Eu incompleta Eu anormal Eu diferente Eu sem controle Fracasso Eu paciente Mulheres 144 O uso de recursos simb licos e ag ncia A fim de restabelecer um senso de continuidade no self Juliana direcionou todos os seus esfor os para conseguir obter xito gestacional Afinal acreditava que tornar se m e lhe possibilitaria resgatar aspectos centrais da sua identidade como ter controle sobre a sua pr pria vida satisfazer as demandas sociais impl citas nos textos familiares e recuperar o valor simb lico diante de outros sociais significativos E para auxili la nesse prop sito contou com o apoio de familiares especialmente sua m e que a incentivava a persistir na tentativa de ter um filho Quem participa mais de tudo minha m e n Minha m e t muito muito desesperada porque quando filho sofre a m e sofre junto n Ent o ela fica tentando n o n o tem nada n o voc vai engravidar e se n o engravidar porque Deus quis essas coisas que todo mundo fala mas ela acha que eu tenh
98. ver nada n o vou nem te explicar porque voc n o vai entender nada No outro dia Beatriz foi internada em um hospital p blico com o diagn stico de eclampsia grave sentindo fortes dores no est mago e nas costas Apesar da percep o de risco pr pria vida Beatriz enfatiza na sua narrativa que naquele momento s pensava no beb e na pequena chance dele sobreviver Eu mesma n o pensava muito em mim eu pensava no beb eu perguntava e ela quanta chance tem de vida Mas eu j entrei no hospital j pensando muito s pensava no beb s queria saber Gesta o anembrionada caracteriza se pela aus ncia da imagem na ultrassonografia transvaginal da ves cula vitelina em saco gestacional igual ou superior a 10mm de di metro m dio ou a aus ncia de ves cula vitelina e embri o em saco gestacional com di metro igual ou superior a 16mm Rios Oliveira Martins Bandeira Leit o Santos amp Sousa 2010 170 quanta chance ela tinha n eu acho que eu esqueci de mim nesse momento risos Na medida em que o beb ainda estava vivo houve a tentativa por parte da equipe m dica que a acompanhava de prolongar a gesta o uma vez que haviam conseguido estabilizar a sua press o arterial Ent o a eu fiquei confiante n que iria dar certo Isso foi na quinta ou na sexta se eu n o me engano eu sentia o beb mexendo e tudo j no s bado para o domingo eu n o senti eu senti parecido com
99. 2009 O que tornou poss vel no momento presente delinear um planejamento para a pr xima gesta o a fim de reduzir a probabilidade de eventos considerados negativos minimizando a ambival ncia frente ao futuro Assim Ana planeja engravidar novamente apesar de vislumbrar poss veis dificuldades que poder vir a enfrentar semelhantes as que experienciou nas gesta es anteriores estou consciente que pode haver problema Mesmo assim eu quero ter filho como dizia a minha av quem n o arrisca n o petisca ent o eu vou arriscar Ao antecipar poss veis dificuldades em uma pr xima gravidez Ana procura ajustar o seu comportamento presente s demandas situacionais futuras E nesse processo de constru o de estrat gias para enfrentar os poss veis desafios futuros Ana entrega se a uma reflex o imaginativa do passado suscitando tens o entre o que foi e o que poderia ter sido o que repercute por sua vez numa reflex o imaginativa do futuro bem como guia as a es no momento presente indicando o que precisa fazer agora para conseguir alguma estabilidade num cen rio repleto de incertezas Porque s vezes eu penso assim ser que se eu tivesse feito assim como a m dica mandou logo ir pra maternidade se tivessem feito logo a ces rea ser que n o tinha chance de sobreviver colocando na UTI alguma coisa Ent o isso que ainda me deixa d vida Ana realiza portanto uma tentativa de re
100. 3 a UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA UFBA INSTITUTO DE PSICOLOGIA DOUTORADO EM PSICOLOGIA V VIAN VOLKMER PONTES Construindo continuidade frente a sucessivas rupturas estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Salvador 2013 VIVIAN VOLKMER PONTES Construindo continuidade frente a sucessivas rupturas estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obten o do t tulo de Doutor em Psicologia rea de Concentra o Psicologia do Desenvolvimento Humano Orientadora Prof Dr Ana Cec lia de Sousa Bastos Salvador 2013 P814 Pontes V vian Volkmer Construindo continuidade frente a sucessivas rupturas estrat gias semi ticas de repara o din mica do self V vian Volkmer Pontes Salvador 2013 231 f Orientadora Prof Dr Ana Cecilia de Sousa Bastos Tese doutorado Universidade Federal da Bahia Instituto de Psicologia 2013 1 Perda psicologia 2 Aborto espont neo Aspectos psicol gicos 3 Gravidez Complica es e sequelas 4 Semi tica Aspectos psicol gicos I Bastos Ana Cec lia de Sousa II Universidade Federal da Bahia Instituto de Psicologia III T tulo CDD 179 76 BANCA EXAMINADORA Prof Dr Jaan Valsiner Clark University CLARKU Prof Dr Miguel Mahfoud Universidade Fede
101. 8 691 Gold K J Dalton V K Shwenk T L 2007 Hospital care for parents after perinatal death Obstet Gynecol 109 5 1156 66 Gone J P Miller P J amp Rappaport J 1999 Conceptual self as normatively oriented the suitability of past personal narrative for the study of cultural identity Culture amp Psychology 4 4 371 398 220 Goodnow J J 1995 Differentiating among social contexts by spacial features forms of participation and social contracts In P Moen G H Elder amp K Liischer Eds Examining lives in context perspectives on the ecology of human development Washington DC Amer Psychological Assn Grandesso M A 2006 Fam lias e narrativas hist rias hist rias e mais hist rias In C M Oliveira Org Fam lia e S o Paulo Casa do psic logo Guedes P S R amp Walz J C 2009 O sentimento de culpa Porto Alegre Edi o do Autor Hermans H Kempen H amp van Loon R 1992 The dialogical self Beyond individualism and rationalism American Psychologist 47 23 33 Hermans H J M 1996 Voicing the self from information processing to dialogical interchange Psychological Bulletin 119 1 31 50 Hermans H J M amp Hermans Jansen E 2003 Dialogical process and the development of the self In J Valsiner amp K Connolly Eds Handbook of development psychology London Sage Hermans H J M amp Hermans Konopka A 2010
102. A ocorr ncia de rupturas significativas no mbito do self conduz ao uso de estrat gias semi ticas de repara o din mica uma forma particular de regula o semi tica a fim de restabelecer a estabilidade relativa Tais estrat gias incidem sobre a ruptura ou seja sobre a parte fragmentada da trajet ria de vida e t m a fun o de integrar o evento disruptivo sem neg lo ou ignor lo promovendo a emerg ncia de novos significados para o momento presente que ressignificam os eventos ocorridos no passado abortos espont neos perdas gestacionais e simultaneamente projetam algo novo para o futuro conectando os Com o prop sito de contextualizar teoricamente a constru o desse conceito ser o retomadas as no es de regula o semi tica e de signo promotor um tipo espec fico de regulador semi tico 197 Processos de regula o semi tica Na experi ncia cotidiana da vida as pessoas empenham se continuamente para construir sentido para o mundo no qual se encontram imersas A constru o de significados consiste em um processo psicol gico humano central atrav s do qual as pessoas se relacionam com o seu ambiente Entretanto tal constru o configura se em um processo ativo no qual a pessoa cultiva seu pr prio self e ambiente Deste modo as pessoas se relacionam com o mundo atrav s da media o semi tica Valsiner 2007 Cabell 2010 Todos os significados s o constru dos no momento pre
103. Apresenta es orais tamb m poder o ser realizadas em congressos e semin rios da rea Em qualquer uma das circunst ncias sua identidade ser mantida em absoluto sigilo Declaro que li e entendi as informa es que me foram transmitidas acima e concordo em participar do referido estudo Local e data Nome do participante Assinatura do participante RG CPF Investigador
104. C lt gt D que constituem unidade de an lise estrutural Valsiner 2010 Considerando a quest o temporal pode se observar uma assimetria do futuro em rela o ao passado o futuro repleto de cursos potenciais de eventos enquanto o passado caracterizado pela unilinearidade que se configura na trajet ria de desenvolvimento real at o momento presente A Assim na medida em que o futuro est constantemente no processo de tornar se passado o movimento em dire o ao novo presente para em seguida tornar se passado implica em perder a caracter stica das trajet rias futuras poss veis Nesse sentido o passado n o possui alternativas v lidas B o que marca a impossibilidade de se voltar atr s o tempo de natureza irrevers vel Sato amp Valsiner 2010 O TEM consiste assim em um m todo para descrever o curso de vida das pessoas dentro do tempo irrevers vel ap s os pesquisadores terem focalizado determinados eventos importantes assumidos como Pontos de Equifinalidade Conforme Sato Hidaka e Fukuda 2009 o termo equifinalidade n o implica em mesmidade sameness que uma condi o imposs vel em qualquer sistema hist rico Ao inv s disso ele implica em uma regi o de similaridade no curso temporal de diferentes trajet rias Ap s estabelecer o ponto de 58 equifinalidade as trajet rias dever o ser tra adas Al m do ponto de equifinalidade devem ser tamb m considerados os pontos d
105. Em alguns momentos da sua narrativa Beatriz retoma seletivamente o passado e atrav s da fun o semi tica da imagina o reflete sobre o que poderia ter sido caso os beb s que morreram estivessem vivos Estas trajet rias potenciais do passado denominadas por Bastos 2012 como trajet rias sombra apenas poss veis no momento presente atrav s da imagina o a levam a refletir sobre um presente alternativo no qual seria m e de duas crian as O contraste ou a tens o entre o presente real o que ou seja n o ser m e n o ter filhos e o presente alternativo o que poderia ter sido ou seja m e de dois filhos aparecem na narrativa projetados para o futuro preocupa se em recuperar o quanto antes aquilo que deveria ter mas ainda n o tem Preocupa se com a sua idade antes t o jovem e no momento atual a percep o de estar ficando velha e essa tens o modifica o presente e a perspectiva de futuro fazendo a refletir sobre as trajet rias n o realizadas Ent o eu vou tentar novamente pra ter logo a minha gra a porque eu fico assim muito ansiosa pelo fato de pensar antigamente eu tinha os meus amigos que engravidaram junto comigo que t m agora crian as mais ou menos na mesma idade seria da primeira cinco anos a s em pensar em ver elas com os filhos e eu por 188 enquanto ainda sem nenhum ai me d mais ansiedade Eu j estou me achando muito velha agora na poca em que eu engravidei
106. Folen R et al 2006 november Traumatic stress disorders following first trimester spontaneous abortion The Journal of family 55 11 969 973 Brasil 2000 Minist rio da Sa de Assist ncia pr natal Manual T cnico El Janine Schimer et al Bras lia 3 Ed Brasil 2002 Minist rio da Sa de Programa de Humaniza o no Pr natal e Nascimento Secretaria de Pol ticas Area T cnica de Sa de da Mulher Revista Brasileira Sa de Materno Infantil Recife 1 2 p 69 71 Brasil 2005 Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de Departamento de A es Program ticas Estrat gicas rea T cnica de Sa de da Mulher Aten o Humanizada ao Abortamento norma t cnica Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de Departamento de A es Program ticas Estrat gicas Bras lia Minist rio da Sa de Brisch K H Munz D Kachelle H Terinde R amp Kreienberg 2005 Effects of previous pregnancy loss on level of maternal anxiety after prenatal ultrasound screening for fetal malformation Journal of loss and trauma 10 131 153 Recuperado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Brockmeier J amp Harr R 2003 Narrativa problemas e promessas de um paradigma alternativo Psicologia Reflex o e Cr tica Porto Alegre 16 3 Recuperado em 09 de novembro 2006 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line www scielo br 217 Bronfrenbrenner
107. Imunologia da Reprodu o ganhou espa o rapidamente devido a sua efetividade Al m dos EUA pode se encontrar o tratamento em pa ses como Inglaterra Israel Pol nia M xico Chile Kwait Dinamarca Jap o Austr lia e ndia Por m a investiga o diagn stica dos casais que sofrem de abortamento de repeti o e infertilidade deve ser mais ampla que apenas a investiga o do fator aloimune H evid ncias que os fatores autoimunes s o importantes no progn stico de novas gesta es A pesquisa de trombofilias adquiridas como a s ndrome antifosfol pide atrav s da dosagem de anticorpo anticardiolipina anti B2 glicoprote na I e do anticoagulante l pico de suma import ncia Al m desses exames a investiga o deve incluir outros como fator anti n cleo anti DNA anticorpos anti tireoglobulina anti peroxidase As trombofilias heredit rias s o investigadas pela pesquisa de muta es gen ticas no gene da protrombina da enzima metileno tetrahidrofolato redutase fator V de Leiden dosagem das prote nas C e S e da antitrombina II Esta investiga o permite detectar as mulheres com tend ncia trombose e orientar o tratamento anticoagulante Caso seja diagnosticado algum tipo de trombofilia acrescentam se ao tratamento imunol gico anticoagulantes como cido acetil salic lico e heparina preferencialmente de baixo peso Alguns estudos realizados na rea da psicologia com mulheres com hist rico de aborto espont
108. L Costa J nior e col A ci ncia do desenvolvimento humano tend ncias atuais e perspectivas futuras Porto Alegre Artmed Editora Maldonado M T 2002 Psicologia da Gravidez parto e puerp rio 16a ed S o Paulo Saraiva Malin M 2003 Good Bad and Troublesome Infertility Physicians Perceptions of Women Patients The European Journal of Women s Studies 10 3 301 319 Recuperado em 02 de setembro 2010 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Malinowski B 1986 Introdu o o assunto o m todo e o objetivo desta investiga o In Durham E R Org Malinowski S o Paulo Atica 24 48 Martins A 2003 2004 Biopol tica o poder m dico e a autonomia do paciente em uma nova concep o de sa de Interface Comunic Sa de Educ 8 14 p 21 32 Recuperado em 29 de junho 2012 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line www scielo br McDonell O 2011 Striving towards a normative identity the social production of the meaning of assisted reproductive technology in Ireland In A C S Bastos K Uriko amp J Valsiner Eds Cultural dynamics in women s lives Charlotte NC Information Age Publishing Chapter 6 In press Mendes E V 1998 O sistema de servi os de sa de no Brasil Escola de Sa de de Minas Gerais N cleo de Sistemas e servi os de sa de Texto de apoio n 8 Menezes G M S amp Aquino E M L 2009 Pesquisa sobre o aborto no Brasil avan os e d
109. a o Pessoal Sintetizada SDD Sistema de Desembolso Direto SAMS Sistema de Aten o M dica Supletiva SUS Sistema Unico de Sa de TEM Modelo de Equifinalidade de Trajet rias UFBA Universidade Federal da Bahia UTI Unidade de Terapia Intensiva SUMARIO APRESENTACAO CAPITULO I A experi ncia de perdas gestacionais involunt rias marcadores da transi o desenvolvimental Revis o de literatura Persist ncia na vida a experi ncia de rupturas e transi es desenvolvimentais na perspectiva da psicologia cultural Fundamenta o te rica Objetivos do estudo CAP TULO II M TODO Considera es sobre o m todo etnogr fico Delimita es do estudo Contextos A entrada em campo Participantes Considera es ticas Riscos e benef cios Estrat gia de coleta de dados Considera es sobre as narrativas Procedimento para an lise dos dados Os casos Contexto p blico de assist ncia sa de Contexto privado de assist ncia sa de CAPITULO III A experi ncia de perdas gestacionais recorrentes em contextos p blico e privado de assist ncia sa de uma abordagem etnogr fica CAP TULO IV Regulando o futuro subjetivo em dire o maternidade a incessante constru o de signos promotores A trajet ria reprodutiva de Joana no contexto p blico de sa de CAP TULO V Oposi es nos campos semi ticos do self a emerg ncia da ag ncia pessoal A trajet ria reprodutiva de
110. a o semi tica a fim de conseguir integrar a experi ncia passada perda gestacional e seguir em dire o ao futuro Da a busca por signos promotores nas diferentes esferas da vida E em especial naquelas esferas que na nossa cultura s o percebidas como capazes de oferecer respostas significados aos mais diversos dilemas da vida a ci ncia e a religi o Nessa trajet ria marcada por tantas mudan as e descontinuidades pode se notar que h um intenso esfor o no sentido de manter certa coer ncia ao longo do tempo H a constru o e reconstru o constante de continuidade a partir da cria o ininterrupta e abundante de signos A especificidade do caso analisado incide nas rupturas significativas e recorrentes e ilustra que at em situa es extremas h a busca por essa repara o atrav s da cria o de signos reparadores e signos promotores mas tamb m atrav s da transforma o desses signos da sua reconfigura o e plasticidade ao longo do tempo irrevers vel Um exemplo dessa transforma o do signo promotor consiste nas mudan as sofridas na no o de maternidade ao longo das trajet rias reprodutivas analisadas Afinal a no o de maternidade aparece cada vez mais idealizada alcan ando n veis mais abstratos de generaliza o Houve assim uma transforma o estrat gica do signo promotor em uma exaustiva tentativa de autorrepara o e manuten o da estabilidade din mica do self para n veis hier rquicos
111. a amp Nardi 2011 No entanto um dos obst culos comum ao in cio desse processo consiste na dificuldade de falar sobre a perda visto que a rede social frequentemente ou desconhecia a gravidez ou demonstra desconforto sobre esta experi ncia o que inclui tamb m os profissionais de sa de Worden 1998 As mulheres nessas situa es de acordo com Doka 1989 citado por Parkes 1998 vivenciam um luto n o autorizado na medida em que a perda experienciada n o pode ser abertamente apresentada socialmente validada ou publicamente lamentada E na medida em que esses aspectos fazem se presentes alguns problemas podem surgir na express o do luto como a sua intensifica o em consequ ncia do fato de ter sido ignorado ou reprimido Parkes 1998 O processo de luto vivenciado com o abortamento espont neo pode ser entendido conforme Benute et al 2009 a partir de dois fatores preponderantes a perda do filho real desejado e imaginado ou do filho potencial desencadeado a partir do momento em que uma mulher sabe que est gr vida e o desvio do padr o de comportamento esperado socialmente na medida em que a maternidade ainda reconhecida como uma condi o inerente mulher A mulher fruto das exig ncias e das transforma es de sua poca mas carrega consigo uma inscri o de maternidade p 326 Volkmer 2009 ao analisar o processo de luto de mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes observou que
112. a de Por que planejar uma nova gesta o ap s a viv ncia de insucessos gestacionais anteriores O que a motiva a isso Quais os obst culos enfrentados E o que a ajudou a lidar e ou superar esses obst culos Que tipo de assist ncia m dica voc recorreu ap s a viv ncia da primeira perda gestacional Que exames realizou E que recursos m dicos fez uso Qual a sua percep o acerca dessa assist ncia exames recursos Consegue imaginar como teria sido a sua hist ria reprodutiva se fosse usu ria do SUS OU tivesse plano de sa de ou recursos financeiros para uma assist ncia sa de particular Consegue imaginar o que aconteceria se a voc obtivesse sucesso em uma nova gesta o b voc n o obtivesse sucesso em uma nova gesta o Quais os recursos m dicos tecnologias da reprodu o assistida voc acha que pode vir a fazer uso caso necess rio para conseguir ter um filho Quais s o as suas perspectivas em rela o ao futuro 231 ANEXO II TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO DESCRI O DO ESTUDO E OBJETIVOS Voc est sendo convidada a participar de uma pesquisa cujo objetivo o de identificar os significados de maternidade para mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes Caso concorde em participar do estudo voc ser convidada a contar a sua hist ria reprodutiva JUSTIFICATIVA Este estudo mostra se importante na medida em que pode orientar os profissionais
113. a de Eu n o consigo nem entender o que passa na mente da minha fam lia a falta de apoio deles por n o ter no o pensa assim acho que eu me afastando melhor porque n o estou vendo o sofrimento dela N o estou passando junto com ela o sofrimento Mas eu acho que uma coisa que o inverso a gente tem que 106 estar junto N o s nas alegrias tem que estar no momento de dor tamb m Para Joana o afastamento e a discord ncia dos familiares em rela o escolha do casal se devem ao fato deles serem fracos do esp rito isto sem convic o religiosa o que os impede de lhe oferecer qualquer suporte emocional posi o de Eu em destaque Eu filha Assim apesar do poder afetivo dessas vozes Joana utiliza a estrat gia de desqualificar esse outro e com efeito o que dito por este submetendo a posi o de Eu filha ao dom nio de outras posi es de eu como o Eu esposa o Eu mulher e em especial o Eu religiosa Eu evang lica Afinal ela encontra reconhecimento e empoderamento atrav s dessa posi o de Eu religiosa que se configura como uma posi o poderosa na medida em que a faz seguir na dire o da maternidade e enfrentar a oposi o de pessoas t o significativas E atrav s dessas comunica es simb licas Joana negocia aspectos da sua identidade Na dire o oposta a essas vozes h a coexist ncia de uma perspectiva diferente isto a voz do parceiro que se exprime
114. a mim esquecer E Deus j tava me mostrando que n o era pra mim engravidar Ent o come ou aquela confus o na minha cabe a ser que pra mim poder parar que eu j esqueci porque assim eu na mesma hora que eu pensava que n o era pra mim engravidar j me questionava o que foi que eu fiz porque que Deus ta me castigando por isso n porque eu tenho tanta facilidade pra engravidar tanto tempo tentando sem conseguir a ficava me questionando por que O que eu fiz de errado n e voltando a pensar nisso ser que Deus n o quer que eu engravide Ser que pra eu poder parar pra desistir risos ent o isso me deixou muito confusa eu fico sem saber direito o que que eu fa o 6 A autorreflex o de Beatriz a respeito da vontade de Deus suposta ser hierarquicamente superior a sua pr pria vontade mostra se amb gua pois Beatriz parece n o ter clareza acerca de qual dire o esse signo poderoso parece indicar lhe seguir Afinal por um lado h a dificuldade para engravidar e a constata o do per odo de tempo em que ficou sem pensar na quest o da gravidez Eventos que parecem indicar a vontade de Deus para que desista de seguir em dire o maternidade Por outro lado relata que o tratamento m dico que vem realizando para engravidar sem riscos sua vida ou a do beb possui um custo muito 178 elevado o que a preocupa pois n o sabe at quando poder p
115. a que n o dispunha desse servi o Durante a espera pelo resultado dos exames cerca de uma semana os sintomas persistiram Beatriz relata que compreendia o que representava a eclampsia devido experi ncia pr via de uma tia que teve esse diagn stico durante a gravidez resultando no bito do beb Em detrimento a essa informa o preferiu acreditar na sabedoria popular transmitida pela av que dizia a mulher quando est gr vida e incha muito dizem que vai ter um parto bom Al m disso a experi ncia corporal de sentir o beb mexendo consistiu para Beatriz no ind cio de n o havia nenhum problema com o beb ent o j que o beb est mexendo bem ele mexia muito ah ent o beb que mexe um beb saud vel a eu fiquei despreocupada Por m ao realizar um exame de ultrassonografia quando j estava com trinta semanas de gesta o foi constatado que os batimentos card acos do beb haviam parado evento que foi percebido como uma morte inesperada Quando chegou o dia de eu fazer o pr natal eu fui e o m dico n o ouviu mais os batimentos a foi aquele choque pra gente porque a gente tinha tudo prontinho quarto todo pronto at hoje eu tenho meu jogo de quarto todo prontinho risos a eu descobri que n o n o viria mais mas eu n o tive medo na hora de pensar j fiquei fazendo planos pra pr xima gravidez risos em momento algum eu pensei em desistir tive medo s
116. a de alguns residentes de medicina fornecia lhe breves explica es sobre as poss veis causas das 95 perdas gestacionais e indicava a realiza o de alguns exames Vale ressaltar ainda que nas consultas estavam presentes em geral apenas as mulheres sem seus parceiros Sobre esse ltimo aspecto vale observar que em muitos casos a aus ncia dos parceiros se justificava para al m da quest o de g nero da maternidade como um assunto feminino pela impossibilidade de faltar ao trabalho Campo de possibilidades e trajet ria reprodutiva Deste modo o acesso a determinados recursos m dicos possibilitado pela condi o financeira das participantes usu rias do servi o privado pareceu circunscrever as suas trajet rias reprodutivas de modo a possibilitar o planejamento de uma pr xima tentativa de gravidez baseado nas etapas do pr prio tratamento Esse planejamento pareceu minimizar a incerteza diante do futuro reprodutivo Apesar disso as usu rias do servi o privado relataram ainda sentir medo de vivenciar uma nova perda mas n o h relatos de percep o de risco pr pria vida sa de em decorr ncia de uma futura tentativa de gesta o o que por sua vez esteve presente nas narrativas das usu rias do servi o p blico Vale ressaltar que a exist ncia de um servi o m dico especializado em aborto espont neo de repeti o relacionada por muitas mulheres sensa o de seguran a deixando as mais confiante
117. a dificuldade de agendar e realizar os exames cobertos pelo SUS Isto demandava um tempo grande o que pode justificar porque muitas das mulheres entrevistadas engravidaram durante a fase de investiga o Pode se tamb m considerar que na medida em que as chances de encontrar uma etiologia relacionada aos abortamentos s o cerca de 50 dos casos Salazar Filho Shalatter Mattiello Facin amp Freitas 2001 e que essas mulheres n o t m acesso a todos os exames dispon veis a impossibilidade de prescrever algum tratamento pode ter levado alguns m dicos a orient las a simplesmente tentar uma nova gravidez orienta o esta presente em muitos relatos No caso do contexto de assist ncia p blica investigado localizado em um bairro de classe m dia os atendimentos m dicos eram realizados em consult rios do ambulat rio de aborto de repeti o A sala de espera desse ambulat rio consistia em um ambiente amplo com ventiladores e televis o e na maioria das vezes estava repleta de pacientes Os atendimentos eram organizados por ordem de chegada o que levava as mulheres a chegarem por volta das sete ou oito horas da manh e serem atendidas apenas a partir das dez horas O tempo de espera pela consulta ent o variava de duas a tr s horas A consulta propriamente dita durava em torno de dez a quinze minutos Nesse per odo de tempo o m dico ouvia rapidamente a hist ria da paciente realizava algum exame f sico muitas vezes na presen
118. a entre Eu esposa Eu mulher e Eu m e funcionando como uma posi o promotora Hermans amp Hermans Konopka 2010 isto posi o que cria alguma ordem e dire o na multiplicidade de posi es do self organizando inovando e desenvolvendo o self ao longo do tempo A partir dessa posi o poss vel para Joana enfrentar as contradi es e conflitos provenientes de vozes que v o no sentido contr rio ao da maternidade Em detrimento a essas contradi es e conflitos os signos sugeridos pelos outros sociais especialmente familiares podem ent o ser rejeitados desqualificados ou relegados ao esquecimento E atrav s desse processo de posicionamento e reposicionamento marcado por tantas negocia es no campo do self h a possibilidade de continuidade de uma posi o de Eu interna altamente relevante para o sistema do self o Eu m e bem como a instaura o de um campo de significados mantenedores de um n vel m nimo de ambival ncia da condi o experienciada Com isto o futuro continua a ser vislumbrado atrelado maternidade envolvendo a persist ncia do comportamento de tentar engravidar mesmo que outra perda gestacional venha a ocorrer Porque assim se esse daqui ficar gesta o atual eu vou esperar com paci ncia at o tempo dele nascer e tudo Mas tamb m se ele n o vier eu n o vou desistir Vou procurar um caminho novo fazer o 110 tratamento que tiver que fazer fazer o que tiver que fazer p
119. a pessoa n o tem m e n o nada eu vejo a m e como educadora que vai instruir a pessoa uma outra criatura que vai ser assim uma semente sua Ent o eu acho que ser m e tudo isso tudo de bom uma coisa muito importante Soma se a isso o desejo de paternidade expresso pelo parceiro outro signo hipergeneralizado que tamb m funciona como um signo promotor em dire o busca do nascimento do filho A paternidade aparece como um sonho do parceiro que ele sempre quis e que Joana percebe ter necessidade de realizar Deste modo parece haver certa alian a entre algumas posi es de Eu altamente relevantes para o sistema do self de Joana como o Eu esposa que deve dar um filho ao marido o Eu mulher cuja tend ncia ser m e e o Eu m e posi o de Eu futura altamente valorizada Posi es que s o alicer adas por outra posi o de Eu muito importante e dominante no sistema do self o Eu religiosa Eu evang lica A experi ncia de cura religiosa deste modo merece um destaque especial Afinal ap s a experi ncia de quatro perdas gestacionais a coconstru o de risco sua pr pria vida a oposi o e o desamparo da fam lia extensiva caso constituem circunscritores que poderiam inibir a ocorr ncia de uma nova gesta o Por este motivo a escolha pela n o maternidade foi tantas vezes aventada por Joana ao longo da sua trajet ria reprodutiva Por m a experi ncia de cura religiosa realizada
120. a rede p blica quanto na rede privada como uma fonte de ang stia e de ansiedade Uma das mulheres atendidas no consult rio privado relatou me que ap s quatro abortos espont neos aprendeu a interpretar a rea o dos m dicos e assim antecipar a not cia de algum problema na gesta o Conta que na ltima perda experienciada a m dica mostrou se insegura diante do exame de ultrassonografia Ao mesmo tempo em que afirmou ter auscultado os batimentos card acos fetais quis repetir o exame em outro aparelho de ultrassom Ap s repetir o exame informa que n o estava conseguindo ouvir os batimentos mas solicita a presen a de outro m dico para nova avalia o O m dico chamado por sua vez objetivo e diz ao casal que havia alguns ind cios de que aquela gesta o n o iria mais para frente retirando se logo em seguida da sala Ap s essa sequ ncia de contradi es a m dica que os acompanhava n o confirmou o diagn stico mas pediu ao casal que repetisse o exame alguns dias depois Essa situa o de indefini o foi experienciada pelo casal com muita ansiedade sendo que o processo de luto s pode ser elaborado ap s a confirma o da perda gestacional Em detrimento a essas contradi es comunicar o diagn stico de aborto espont neo n o consiste em uma tarefa f cil Especialmente quando n o h nenhum ind cio pr vio de complica o gestacional Muitas vezes o diagn stico realizado durante o exame de ultrassom n
121. a simb lica que transcende a biologia mas que por meio dela revela nosso pertencimento a uma fam lia a uma gera o a um lugar no mundo p 436 A maternidade e o abortamento s o situa es social e culturalmente reguladas permeadas por sugest es sociais presentes em ambientes humanos semioticamente organizados ou estruturados a partir da combina o de signos diversos que possuem a fun o de guia social O poder de tais situa es e viv ncias sociais e os significados hipergeneralizados que delas emergem guiam e organizam a conduta o pensamento e os afetos humanos demonstrando assim a centralidade da cultura dentro das mentes humanas Valsiner 2007 Conforme Bruner 1997a a cultura molda a vida e as mentes humanas d significado a o e situa seus estados intencionais subjacentes cren as desejos e significados em um sistema interpretativo Pode ser definida como um conjunto de ferramentas com t cnicas e procedimentos que possibilitam o indiv duo entender o seu mundo e lidar com ele A mente conforme este te rico criadora de significados e assim ao mesmo tempo em que constitu da pela cultura tamb m a constitui Bruner 1997b 35 Valsiner 2007 por sua vez atribui uma natureza din mica e processual ao funcionamento da cultura dentro dos sistemas psicol gicos humanos o que inclui tanto o dom nio intrapessoal isto o sentir o pensar e o agir bem como o dom nio interpessoal que envo
122. a vez no contexto de assist ncia privada a minha inser o ocorreu a partir do ano de 2009 e se estende at o momento presente tendo in cio com a observa o n o participante dos atendimentos m dicos n o s com casais que buscavam investiga o e tratamento para perdas gestacionais mas tamb m com mulheres gr vidas que realizavam exames de ultrassonografia Com o prop sito de ter acesso a essas mulheres com diagn stico de aborto de repeti o e dar in cio observa o participante propriamente dita foi utilizada a estrat gia de oferecer avalia o psicol gica No processo de avalia o psicol gica era realizado uma entrevista semiestruturada que buscava investigar a hist ria reprodutiva do casal a rede de apoio social existente as principais motiva es para a maternidade e paternidade o estado emocional das mulheres e seus parceiros incluindo a aplica o do Invent rio Beck de Depress o e de Ansiedade e as expectativas futuras Al m da observa o participante foi ainda utilizada a t cnica de entrevistas narrativas na acep o de Jovchelovitch e Bauer 2002 adequada a este estudo por se definir como n o estruturada e em profundidade N o foi seguido deste modo um roteiro dirigido mas formulada uma proposi o geral que suscitasse um relato narrativo Ao longo deste relato foram formuladas algumas quest es espec ficas s entrevistadas ver Anexo I Estas quest es foram extra das de temas mai
123. adeado por essa situa o de crise Nesse sentido na segunda entrevista realizada com Beatriz houve a express o em alguns momentos de outro tipo de emo o a tristeza manifestada atrav s do choro Em um desses momentos ela relatava sobre a rea o da sua m e com a perda do ltimo beb refletindo sobre o papel materno que para ela relaciona se prote o do filho Nesse instante ent o ela chora e faz refer ncia s mudan as em seu modo de sentir pensar e agir em decorr ncia do reconhecimento da perda irrevers vel Ela a m e ficou tamb m muito muito triste que ela sempre falava que ela queria passar por tudo ela queria assim se pudesse sentir todas as dores do mundo s pra mim n o sentir risos ent o ela ficou assim porque ela daquele jeito de m e muito protetora que 186 n o quer que o filho sente dor nenhuma n o sinta tristeza nenhuma ent o ela ai ela posso falar sil ncio chora desculpa riso ultimamente ta sendo dif cil pra mim porque assim eu sempre desde a primeira gravidez n como eu falei que eu chorei muito e tudo mas eu chegava em casa meu marido ele aparentemente parecia que sofria mais que eu mas pra mim era como se a ficha n o tivesse ca do a partir de um m s um m s e pouco eu sentia aquele vazio aquela coisa toda ent o a eu percebia aquela perda que eu tinha que eu tinha tido O que aconteceu tamb m na ltima gra
124. ado ao poder sobre o corpo e a vida de um outro considerado inferior subestimando a narrativa da paciente A Figura abaixo ilustra essa distin o entre m dicos e paciente evidenciando o campo de a o delineado a partir da adi o de valor ao significado 124 Figura 7 Distin o Eu paciente versus Outro m dico DISTIN O SELF lt gt OUTRO DESCRI O EU SOU mulher negra ELES SAO detentores de pobre com pouca dispositivos de saber e poder escolaridade a acerca do corpo feminino e l dos eventos relativos gravidez parto e puerp rio VALORA O NEGATIVA POSITIVA SUGEST O DE A O Subordina o lt gt Validar comando Entretanto ao longo da trajet ria reprodutiva de Ana algumas mudan as ocorreram em rela o a esse ato de diferencia o da autonomia subjetiva sob a forma de extensiva devo o autoridade m dica Isto porque a experi ncia de perdas gestacionais recorrentes ocorridas em detrimento da busca pela assist ncia sa de oferecida por esse outro considerado superior e detentor do saber sobre os processos relacionados sa de e doen a pareceu suscitar uma reconstru o de significado Essa reconstru o se tornou poss vel a partir da tens o estabelecida entre o como se como se os m dicos fossem os detentores de um saber infal vel sobre os processos grav dico puerperais e o como os m dicos t m um saber fal vel A reflexividade sobre essa
125. ados maternidade A trajet ria reprodutiva de Beatriz entre os contextos p blicos e privados de sa de s a gente sentir aquele ser dentro da gente fiquei com vontade de sentir isso de novo e ter nos meus bra os vivo Narrativa autobiogr fica da hist ria reprodutiva Beatriz possui hist ria reprodutiva marcada por tr s perdas gestacionais sendo um aborto espont neo e dois beb s natimortos No momento em que foram realizadas as entrevistas n o estava gr vida A primeira gesta o ocorreu em 2005 quando tinha 22 anos de idade e quatro anos de casada Relata que o casal j planejava ter um filho mas n o para aquele momento pois Beatriz considerava se ainda muito jovem Deste modo a gravidez configurou se de algum modo um evento inesperado Apesar disso relata que descobrir se gr vida foi um acontecimento considerado positivo pra mim foi muito bom risos principalmente descobrir que era uma menina porque o meu maior sonho uma menina risos pra gente foi muito bom foi muito feliz eu n o esperava tanto naquele momento mas eu gostei muito Al m da quest o da idade Beatriz relata que se preocupava com o momento do parto por tratar se de um evento no qual as pessoas dizem que provoca intensa dor f sica bem como com a sua capacidade para cuidar de uma crian a devido percep o de imaturidade relacionada sua pouca idade Acho que toda mulher antes de engravidar tem medo d
126. agar Apesar disso constr i o significado de que Deus est ajudando o casal a seguir com o tratamento mas gra as a Deus Deus est nos ajudando por enquanto ainda continua tudo normal eu acho que bem prov vel que n s n o iremos parar o tratamento por enquanto risos Mas eu estou mais confiante por isso A vontade de Beatriz de engravidar novamente assim parece persistir em seus planos futuros revelia da ambiguidade dos significados atribu dos vontade divina ou s vozes de outros significativos contr rios a essa decis o E esse movimento persistente de nadar contra a mar reduzindo a ambival ncia e as incertezas relacionadas ao futuro amparado na suposta certeza e previsibilidade vendida por um elevado custo pelo discurso biom dico Olha em desistir eu desistiria pela situa o financeira n o por porque pra tentar engravidar eu acho que nunca s se o m dico chegar para mim e falar voc n o pode de jeito nenhum se voc engravidar voc corre risco e pode morrer ent o a eu pararia mas nenhum m dico nunca me disse isso Sempre me diz que eu tenho chance de engravidar sim com tratamento porque Dr Mn me disse sem o tratamento sim voc corre riscos agora com o tratamento n o com o tratamento se voc fizer tudo direitinho voc n o corre risco nenhum ent o eu fico muito confiante assim pra desistir eu acho que eu n o desisto f
127. ais a chorar a perda abertamente e por fim reconhecer que os pais tiveram uma perda real uma morte evitando agir como se a morte n o tivesse ocorrido Stok amp Lehman 1983 Worden 1998 Ajudar as fam lias a tornar real essa perda implica em estimul las a compartilhar decis es sobre a disposi o do corpo sobre a escolha do nome do beb e a realizar e participar de rituais como funeral Objetos como fotografias do beb certid o de nascimento impress es do p mecha de cabelo entre outros podem tamb m ajudar a tornar a perda real Worden 1998 Gold Dalton amp Shwenk 2007 De modo geral Parkes 1998 orienta que os profissionais de sa de reconhe am o luto como um processo doloroso pelo qual a fam lia precisa passar cientes de que os sintomas 33 precisam ser vistos em contexto Al m disso ao mostrarem interesse em aceitar as necessidades dos enlutados podem ajud los de modo muito mais efetivo do que por exemplo limitar se a prescrever medicamentos com o objetivo de aliviar o estresse do luto Persist ncia na vida a experi ncia de ruptura transi o desenvolvimental na perspectiva da Psicologia Cultural do Desenvolvimento O presente estudo alicer a se em duas suposi es te ricas centrais sobre o desenvolvimento a irreversibilidade do tempo e a natureza semi tica e dial gica das experi ncias humanas Ambas as suposi es t m sido sistematicamente exploradas por duas importantes tradi es te
128. ais especificamente nesse caso ao processo de luto definido aqui como um processo afetivo semi tico de repara o desencadeado ap s a ocorr ncia de uma ruptura e perda significativa na trajet ria de vida como o caso de perdas gestacionais involunt rias As Figuras abaixo consistem em uma tentativa de representa o geral abstrata do processo atrav s do qual operam as estrat gias de repara o din mica do self ao longo do tempo irrevers vel 203 Figura 22 Estrat gias de repara o din mica do self e emerg ncia do signo reparador Signo reparador Trajet ria sombra Trajet ria Pontos de E bifurca o c a realizada i Fa Per odo transi o j of n o normativa H H Processo de luto Y i Y Tempo irrevers vel EATE a ee eee gt PRESENTE FUTURO PASSADO Figura 23 Conex o dos fragmentos da trajet ria interrompida pelo signo reparador 4 Signo i reparador x Signo we ie Repara o ae Trajet ria y da ruptura sombra i b d i gt A N Pa Li g Pontos de d s Trajet ria k Multifinalidade bifurca o c Ed realizada jf i t i Tempo irrevers vel SebaSunaceeteeiaweste e SS polaca ae gt FUTURO PASSADO PRESENTE 204 Vale ressaltar por m que o esfor o de repara o n o visa o equil brio mas a autorregula o do self a partir da emerg ncia de novas estruturas da emerg ncia de novidade Deste modo pode se cons
129. al gicos envolvidos na autorregula o semi tica No espa o imagin rio do self duas posi es de Eu se destacaram ao longo da trajet ria reprodutiva de Eduarda compondo um campo que envolveu a constru o de hierarquias a posi o dominante Eu religiosa em seu di logo constante com Deus e a posi o relevante por m subordinada primeira Eu paciente em di logo com o m dico especialista Ambas d o sustenta o outra posi o de Eu central no sistema do self o Eu m e Vale ressaltar que apesar da exist ncia de algumas tens es na rela o com outros significativos como descrito anteriormente muitas foram as for as favor veis persist ncia de Eduarda em tornar se m e Afinal ela encontrou reconhecimento e suporte em outros sociais culturalmente valorizados na esfera religiosa e m dica bem como na esfera familiar Essas sugest es sociais deste modo atuaram empoderando a posi o Eu m e potencialmente futura fragilizada pela experi ncia de abortos recorrentes Promoveram al m disso certa coaliz o interna de posi es de Eu internas e externas em torno dessa outra posi o de Eu relevante o Eu m e regulando assim sua conduta nessa dire o Apesar disso a possibilidade de n o conseguir ter um filho imaginada por Eduarda atrav s de um posicionamento subjetivo do tipo como se as if que pode ser expresso em termos de um questionamento e se eu n o tiver um filho Tal posicioname
130. alar que n o tinha como a tudo bem mas a quando o pessoal fala na rua que a gente n o pode quem vai dizer o especialista n Ele disse n o voc s podem engravidar com o tratamento porque as pessoas na rua falam muito n enchem muito a cabe a da gente eu falei n o vou pensar vou primeiro ao m dico saber o que ele vai me dizer se eu tenho chance ou n o de engravidar novamente ent o gra as a Deus ele disse o que eu queria ouvir risos A oposi o de pessoas significativas persist ncia de Beatriz em engravidar intensificou se ap s a terceira perda gestacional especialmente em decorr ncia s s rias complica es em seu estado de sa de Nesse momento at o esposo que sempre ofereceu um importante suporte emocional para Beatriz bem como um incentivo para que continuasse a engravidar tamb m se mostrou contr rio a uma nova gesta o A sua voz ecoa para Beatriz como uma tentativa de ampliar o campo de possibilidades futuras para a realiza o de outras de trajet rias como a trajet ria alternativa de adotarem uma crian a ou mesmo de ser um casal sem filhos Quando eu cheguei em casa ele Beatriz voc n o vai engravidar de novo pra voc correr risco eu n o quero vamos viver n s dois sozinhos n o quero 173 que voc corra risco mais Porque ele pensou primeiramente em mim a eu falei n o eu quero tentar novamente se o m dico disse que eu tenho chance
131. aler a sua autonomia com rela o ao pr prio corpo e hist ria de vida Assim sendo o estabelecimento de uma boa rela o dos profissionais de sa de com a mulher essencial e traduz se no oferecimento de qualidade no acolhimento e na transmiss o de apoio e confian a necess rios o que reduziria o sentimento de vulnerabilidade marcado pelo medo e pela ansiedade em uma futura gesta o ampliando as chances de xito gestacional Al m disso tornar poss vel o interc mbio de experi ncias e conhecimentos entre esses profissionais e as mulheres tendo se como base o respeito pelos seus sentimentos emo es necessidades e valores culturais O estudo realizado assim pode vir a orientar os profissionais de sa de sobre como atuar de modo adequado nessas situa es e subsidiar programas de assist ncia sa de da mulher que levem em conta as peculiaridades envolvidas em casos como esses al m de produzir conhecimento relevante na interse o tem tica fam lia cultura desenvolvimento Por m alguns limites do estudo podem ser delineados O primeiro corresponde ao fato do estudo realizado n o ter contemplado diretamente popula o de mulheres com hist ria de aborto espont neo mas a parcela que ao sofrer um aborto procurou um servi o m dico especializado Al m disso as entrevistas poderiam idealmente ter sido realizadas ao longo do tempo caracterizando um estudo longitudinal Esta escolha metodol gica teria permitido u
132. alizar uma variedade de pr ticas comunicativas ordenar dar sentidos s experi ncias promover conhecimento e assim estruturar a experi ncia do mundo e do indiv duo em si mesmo Al m disso consideram a narrativa enquanto uma estrutura aberta e flex vel isto como constela es transit rias flutuantes Al m disso e conforme Miller 2005 a habilidade de contar hist rias e dar sentido s experi ncias passadas presentes e expectativas futuras em rela o a contextos sociais culturais e hist ricos particulares fornece aos indiv duos uma identidade um sentido de exist ncia atrav s do tempo e de atua o com prop sito no mundo Desta forma e em ltima inst ncia as narrativas consistem um guia sens vel fluida e vari vel realidade humana e ser o privilegiadas no presente estudo Vale ressaltar que no caso particular da experi ncia de perdas gestacionais as narrativas se constroem dentro de um campo afetivo que possui conota es especiais De acordo com Vigotski 1935 1994 a experi ncia emocional compreende um prisma dimens o m ltipla que determina o papel e a influ ncia do ambiente sobre o desenvolvimento psicol gico e que possibilita entender o car ter nico e singular dos significados pessoais A experi ncia emocional nos termos de Vigotski consiste em uma unidade na qual de um lado em um estado indivis vel o ambiente representado isto 55 z Zz aquilo que est sendo exp
133. aloriza amplamente essa experi ncia Deste modo a dire o seguida em cada trajet ria reprodutiva foi influenciada n o s pelo movimento hist rico da medicaliza o do corpo e acesso determinada assist ncia e tecnologias m dicas mas pelos significados enredados pela esfera sociocultural e internalizados de modo particular por cada uma das mulheres ao signo da maternidade 98 Figura 4 Contextos de sa de p blico e privado a N VEL MESOGEN TICO i N VEL MICROGEN TICO 99 CAP TULO IV Regulando o futuro subjetivo em dire o maternidade a incessante constru o de signos promotores A trajet ria reprodutiva de Joana no contexto p blico de sa de Eu pensava que podia esquecer um dia que eu podia esquecer tudo Narrativa autobiogr fica da hist ria reprodutiva Joana possui trajet ria reprodutiva marcada por cinco gesta es e quatro perdas gestacionais ocorridas em geral no ltimo trimestre da gravidez No momento em que foi realizada a entrevista encontrava se gr vida de tr s meses Em sua narrativa descreve a primeira gravidez planejada e muito desejada pelo casal ocorrida quando tinha entre 18 e 19 anos de idade A gesta o desenvolvia se sem intercorr ncias sendo Joana acompanhada no pr natal por m dicos de um servi o p blico na cidade do Salvador BA No entanto aos seis meses de gravidez um pequeno sangramento daria in cio a uma inesperada mudan a de
134. amando chamando e eu s sonhando com caix o roxo No dia seguinte relata que a equipe m dica comunicou lhe sobre o bito a crian a n o sobreviveu e eu gra as a Deus sobrevivi sofri muito mas superei Durante a experi ncia de interna o parto prematuro e morte neonatal um dos aspectos considerado mais dif ceis para Ana consistiu na aus ncia de apoio emocional do namorado que a deixou sozinha na situa o da perda bem como na aus ncia da fam lia que desconhecia o local no qual ela havia sido internada Relata ter solicitado aos profissionais de sa de que avisassem a alguns membros familiares onde estava mas apesar da solicita o permaneceu sete dias sem qualquer contato Ana acredita que essa situa o implicou na manuten o do seu quadro hipertensivo Quando eu fui da maternidade p blica para o Roberto Santos eu fiquei sem contato nenhum com a minha fam lia eu fiquei sete dias sem a minha fam lia saber onde eu andava Eu fiquei agoniada acho que foi justamente por isso que estavam me dando rem dio pra baixar a press o e a press o n o queria baixar e eu s pedindo ligue pra minha fam lia ligue pra minha familia eles n o sabem onde estou A segunda gesta o ocorrida ap s aproximadamente dois anos da primeira e tamb m n o planejada foi descrita como bem vinda na medida em que Ana se encontrava em outro relacionamento com um parceiro mais respons vel e feliz
135. ambival ncia no momento presente Vou continuar investigando Agora se eu engravidar de novo ele m dico especialista A n o quer que eu engravide n o de novo nem Dr Mn m dico especialista B nenhum dos dois me liberou ainda mas eu acho que se eu engravidar de novo eu vou usar a heparina aspirina tudo a pra tentar se ningu m sabe Um m dico diz uma coisa o outro m dico diz outra coisa a n o sei Al m disso na medida em que uma das poss veis causas dos abortos podia ser de ordem emocional em decorr ncia dos conflitos com o parceiro Juliana deu in cio a um 146 processo psicoterap utico Deste modo atrav s das suas a es e pensamentos Juliana buscou retomar o controle sobre a sua pr pria vida atuando como um agente ativo que se apropria resiste transforma e modula os diferentes discursos sociais e recursos simb licos dispon veis Abbey amp Falmagne 2008 persistindo na dire o da maternidade Juliana voltou a engravidar novamente alguns meses depois da realiza o da entrevista Apesar do planejamento pr vio em submeter se a todos os tratamentos m dicos poss veis a fim de evitar a repeti o de um aborto espont neo a gravidez s foi percebida quando j havia passado o per odo considerado cr tico pela medicina para a ocorr ncia de abortos espont neos Para esse fato Juliana construiu o significado de provid ncia divina Ou seja acredita que Deus conce
136. ana tem 36 anos trabalha como m dica ginecologista em uma cidade do interior da Bahia mas natural de Salvador Considera se solteira e possui hist ria reprodutiva marcada por tr s gesta es e tr s abortos sucessivos e espont neos ocorridos no per odo de um pouco mais de um ano Relata que sempre quis ser m e que toda mulher tem que ter filhos e que n o t los significa ficar s na vida A perspectiva de um futuro solit rio caso n o se torne m e foi constru da atrav s dos di logos e de hist rias narradas e vividas por outras mulheres da sua fam lia da gera o anterior sua Fui criada com essa ideia mulher tem que ter filhos Sem filhos fica sozinha sem motiva o Ter um filho ent o lhe daria paz no cora o seria o fim da solid o n o existiria mais vazio Por m apesar da viv ncia da maternidade consistir em algo que h muito deseja metas profissionais fizeram na adiar este projeto considerado como uma etapa normal sendo pessoal e socialmente esperado na vida de qualquer mulher Na verdade eu sempre quis ser m e sempre sempre sempre Mas assim eu sempre fui postergando pra depois at por conta da minha profiss o n eu primeiro quis me formar depois de me formar eu quis fazer a especializa o depois eu queria estabilidade financeira acho que as mulheres nos dias de hoje a maioria vai postergando mesmo Pra mim ser m e era uma coisa
137. ante da pesquisa aberto negocia o dos significados a partir da experi ncia de campo envolvendo ambas as partes Clifford amp Marcus 1986 E considera m ltiplas dimens es na medida em que permite o uso de v rias t cnicas de coleta de dados para triangular uma conclus o Por fim a sua condu o leva a um ac mulo descritivo de detalhes para construir modelos gerais ou teorias explicativas Logo o trabalho etnogr fico indutivo dial gico e hol stico A etnografia em ltima inst ncia consiste em uma maneira de estudar o modo de vida peculiar que caracteriza um grupo de pessoas comunidades ou sociedades isto a sua cultura envolvendo um exame dos comportamentos costumes e cren as compartilhados 45 Angrosino 2009 seguido pela sistematiza o em formato de texto da experi ncia Fabietto amp Remotti 1997 citado por Caprara amp Landim 2008 No presente estudo foi utilizado um tipo de etnografia descrita por Sato Fukuda Hidaka Kido Nishida e Akasaka 2012 como microetnografia A microetnografia volta se para o estudo de grupos culturais bem definidos tais como um servico de satide E comumente utilizada na psicologia que possui enquanto unidade de descri o o comportamento a fala e a intera es das pessoas Consiste em um m todo para revelar comportamentos e processos psicol gicos microgen ticos A abordagem microgen tica foi considerada importante para a descri o das trajet rias reprod
138. aracterizados essencialmente pela escassez de recursos materiais ex tecnologias reprodutivas instrumentais ex informa o e de suporte ex apoio emocional dos profissionais de sa de sendo permeado por sugest es sociais cujo fluxo geral vai no sentido contr rio ao da maternidade biol gica ver Figura 4 Deste modo define fronteiras como um limite para a realiza o da maternidade ao mesmo tempo em que permite que esse limite seja ultrapassado ex oferecendo atendimento m dico continuado ao longo da trajet ria reprodutiva e inclusive proporcionando atendimento especializado para os casos de aborto de repeti o Por outro lado os contextos privados de sa de foram diferenciados pela abund ncia de recursos materiais instrumentais e de suporte sendo permeados por sugest es sociais cujo fluxo geral segue na dire o da maternidade biol gica Assim fronteiras tamb m foram constru das restringindo s trajet rias reprodutivas ao uso das tecnologias m dicas para a concretiza o da maternidade biol gica Por m tais fronteiras tamb m revelaram certa permeabilidade especialmente quando o uso de tais tecnologias falhou Outras possibilidades ent o emergiram como a autorreflex o sobre a n o maternidade ou formas alternativas de alcan ar a maternidade como a ado o Em detrimento a essas diferen as todas as mulheres investigadas persistiram na dire o da maternidade influenciadas pelo discurso sociocultural que v
139. as consultas m dicas de rotina do pr natal Nessa ocasi o o esperado por pacientes e m dicos que seja avaliado o desenvolvimento embrion rio obtendo informa es sobre o peso tamanho e o sexo do beb bem como a previs o da data prov vel do parto O processo natural do beb nascer Frase de uma mulher atendida na cl nica privada Di rio de campo 02 de maio de 2012 O diagn stico de um aborto espont neo ou bito fetal assim configura se como um evento n o esperado Durante o per odo em que estive observando consultas de ultrassom numa cl nica privada tive a oportunidade de observar alguns desses momentos de diagn stico de aborto espont neo no momento da sua constata o Chamou me a aten o o embara o do m dico em rela o s palavras que deveria utilizar para comunicar a ocorr ncia do aborto aos casais Termos como gesta o incompat vel ou gravidez que n o vai mais pra frente foram utilizados gerando certa dificuldade de compreens o do diagn stico por parte do casal 84 Em outro caso quando o Dr Mn realizava o ultrassom percebi a aus ncia do beb Ele ent o diz para a paciente que ter que fazer uma transvaginal e nesse intervalo conversa comigo na sala dos laudos que havia ocorrido um bito fetal mas que n o utilizaria esta palavra bito ao comunicar o resultado para o casal Ao voltarmos para a sala Dr Mn volta a fazer o exame e diz que aquela gesta o
140. asa n o foi em hospital perdi em casa foi mais tranquila assim n o sei n o sei eu levei um temp o pra poder superar Eu lembro que eu chorava muito mesmo mas depois eu me conformei talvez porque tinha muita gente que tava do meu lado sabe toda hora chegava um eu n o me deixei abater Decorrido sete meses Ana engravida novamente e mais uma vez sem qualquer planejamento pr vio Em contraste ao apoio oferecido pelo parceiro em sua segunda gesta o O qual se mostrava feliz com a ideia de ter um filho na terceira gesta o a rea o do parceiro foi a de incentiv la a abortar ele n o gostou queria porque queria que eu tirasse No entanto na medida em que Ana n o concordou em induzir o aborto os conflitos entre o casal tiveram in cio a foi quando come ou as cr ticas come ou os maus tratos assim verbal a come ou as discuss es Os conflitos s foram minimizados quando ela ingressou no segundo trimestre da gesta o quando chegou assim do quinto m s do quarto m s em diante ele se acalmou mais porque n o ia ter jeito a dar e a acabou aceitando Apesar disso a aceita o por parte do parceiro limitava se a n o insistir mais no aborto Em sua narrativa sobre a terceira gesta o Ana focaliza os problemas que ocorreram ao longo desta como a perda de l quido amni tico a impossibilidade de realizar o acompanhamento pr natal devido greve da pol cia milita
141. ase a uma compreens o mais din mica e pr xima da viv ncia particular isto como um processo de constru o de significados que permite revis es na identidade rela es sociais e sistema de cren as Para essa autora formar e romper v nculos faz parte da identidade humana Franco 2010b No presente estudo o entendimento do trabalho de luto aproxima se dessa ltima proposi o sendo caracterizado como um processo afetivo semi tico de repara o desencadeado ap s a ocorr ncia de uma ruptura e perda significativa na trajet ria de vida como o caso de perdas gestacionais involunt rias Entretanto o nosso interesse incide sobre a an lise dos microprocessos de repara o da ruptura que ocorrem no mbito do self em 29 articula o com as intera es sociais e com os aspectos socioculturais do contexto ao longo do tempo irrevers vel e a partir da perspectiva te rica do Construtivismo Semi tico Cultural Sim o 2007 Alguns dos cap tulos seguintes abordar o essa an lise microgen tica de casos singulares Al m disso o cap tulo IX aprofundar teoricamente o conceito de estrat gias semi ticas de repara o din mica do self um conceito que oferece generalidade para o espec fico das perdas gestacionais As perdas gestacionais de acordo com Walsh e McGoldrick 1998 compreendem muitas vezes perdas ocultas na medida em que s o frequentemente desconhecidas das outras pessoas ou n o reconhecidas
142. at mesmo opostas organizadas em um territ rio imagin rio e dotadas de uma voz que tem hist rias para contar sobre as suas pr prias experi ncias a partir da sua pr pria inst ncia em contraste com a ideia cartesiana do self separado individualista e centralizado De acordo com d Alte Petracchi Ferreira Cunha e Salgado 2007 essas vozes podem ser entendidas como personagens que interagem numa hist ria na qual cada personagem tem uma narrativa para contar O self desta forma pode ser compreendido como narrativamente estruturado por essas posi es que comp em um campo que envolve n o somente a coexist ncia de perspectivas diferentes mas tamb m a constru o de hierarquias ou seja rela es de domin ncia e submiss o entre as vozes est o sendo constantemente negociadas nessa multiplicidade de posi es algumas posi es podem tornar se mais dominantes do que outras de modo que as vozes das posi es menos dominantes podem ser subjugadas Hermans 1996 Valsiner 2007 Al m disso Hermans e Hermans Konopka 2010 fazem refer ncia ao conceito de 40 coaliz o de posi es enfatizando que as posi es n o trabalham isoladas mas cooperam e apoiam uma s outras levando a conglomera es no self que podem dominar outras posi es H tamb m a ideia de movimento do Eu de uma posi o para outra criando campos din micos nos quais autonegocia es autocontradi es e autointegra es r
143. ativa fizeram se presentes alguns ind cios de uma tentativa de minimizar ou negar a gravidade das complica es gestacionais experienciadas bem como de substituir um beb perdido por outro o mais breve poss vel colocando a sua pr pria vida em risco Tamb m sobressai o discurso repleto de risos como se a hist ria narrada fosse c mica ao inv s de triste Tais elementos parecem indicar um processo de luto n o realizado ou o n o reconhecimento afetivo dos riscos e das perdas experienciadas O relato a seguir ilustra a tentativa de negar ou minimizar os riscos gesta o e pr pria vida a partir da constru o de significados para uma situa o de imagin ria normalidade Eu fiquei em casa aguardando chegar os exames mas a come ava n press o alta o incha o persistia dor de cabe a e tudo mas assim s mais esses sintomas e a gente ouvindo conversas de idosos minha v que antigamente falava a mulher quando t gr vida e incha muito dizem que vai ter um parto bom s que hoje em dia n o tem mais isso n a sei l acho que pensava muito nessa parte e tamb m eu n o sentia nada al m disso Ent o j que o beb est mexendo bem ele mexia muito ah ent o beb que mexe um beb saud vel a eu fiquei despreocupada mas quando chegou o dia de eu fazer o pr natal eu fui e o m dico n o ouviu mais os batimentos a foi aquele choque pra gente porque a gente tinha tudo prontinho quarto to
144. ato Hidaka amp Fukuda 2009 a experi ncia de cada gesta o considerada como uma trajet ria na qual algo esperado e est na imin ncia de acontecer o tornar se m e e ter um filho por m violada repetidas vezes pela realiza o de outra trajet ria a perda gestacional e o n o tornar se m e de um filho A trajet ria reprodutiva dessas mulheres assim sofre importantes rupturas ao longo do tempo tornando se descont nua fragmentada A fim de restabelecer a continuidade preciso que os seus fragmentos sejam novamente conectados amarrados uns aos outros promovendo a 202 sua repara o Esta a fun o do signo reparador um tipo especial de signo promotor que precisa ser constru do inventado e utilizado pelo self Os signos reparadores incidem sobre as rupturas nas trajet rias de vida e promovem a constru o de significados para as experi ncias disruptivas ocorridas no passado ex perdas gestacionais e nova orienta o para a gama aceit vel de constru es de significados orientados para o futuro conectando os e relan ando os numa nova narrativa sempre singular e de certo modo unificada e coerente acerca de si mesmo da sua pr pria vida e do seu pr prio destino De modo geral quando uma pessoa experiencia uma ruptura significativa daquilo que era esperado acontecer faz se necess rio que algum significado generalizado ainda que provis rio seja constru do
145. atriz a buscar um atendimento psicol gico Afinal havia o significado coconstru do com profissionais de sa de de que tais sintomas em especial a 187 ansiedade poderiam estar relacionados com a condi o de infertilidade Ent o com o objetivo de aplac los para que conseguisse engravidar novamente Beatriz recorreu a um atendimento psicol gico Trajet rias n o realizadas sombras do passado no presente e futuro Conforme Valsiner 2007 as pessoas sentem prospectivamente Ou seja antecipam afetivamente o futuro como um modo de ter algum controle criar alguma estabilidade diante da imprevisibilidade do pr ximo e in dito instante da experi ncia E essa predi o imaginativa e afetiva do futuro que orienta a pessoa no momento presente A experi ncia humana est constantemente dirigida para o futuro numa pr adapta o frente incerteza desse futuro Valsiner 2007 p 258 O esfor o humano em dire o a esse desconhecido criando novidade um aspecto inevit vel do ser humano um ato de cruzar fronteiras Valsiner 2007 Nesse processo de sentir frente h uma coordena o com o passado de dois tipos o que realmente aconteceu e o que poderia ter acontecido mas n o aconteceu Do mesmo modo h trajet rias poss veis do futuro potencialidades e possibilidades Logo a perspectiva da psicologia cultural defende uma orienta o do passado para o futuro Cabell amp Valsiner 2011
146. autores destacam a influ ncia da cultura e dos valores sociais enquanto fatores importantes s quest es referentes gesta o e a maternidade Para as mulheres entrevistadas gerar um filho uma tentativa de dar novo sentido vida sendo uma realiza o que vai al m da esfera pessoal pois reflete os aspectos sociais e culturais do que se espera de uma mulher A reprodu o vista como uma norma social em que se espera das mulheres que desejem e gerem filhos sendo a maternidade refor ada culturalmente como algo bom e necess rio colocando as conforme os autores em uma posi o extremamente vulner vel ante a possibilidade de ger los Deste modo formar e romper v nculos com o beb em gesta o e as subsequentes rea es emocionais da mulher casal interagem com os diferentes contextos que permitem a sua express o Na se o a seguir ser o abordados aspectos espec ficos sobre essas rea es 28 2 emocionais na situa o em que a interrup o involunt ria da gesta o experienciada enquanto perda Ou seja ser o abordados os processos envolvidos no trabalho de luto A perda gestacional e suas rea es emocionais o trabalho de luto A elabora o do luto em decorr ncia perda de um beb um tema que vem sendo explorado pela literatura Duarte amp Turato 2009 O luto de acordo com Parkes 1998 compreende uma rea o perda de uma pessoa significativa um processo que envolve uma su
147. avidez voc passar por esses problemas todo eu fiquei muito tranquila passei pelo parto tudo foi assim uma situa o que eu fiquei muito tranquila nem parecia que tava acontecendo isso tudo comigo 183 At um tempo atr s eu por incr vel que pare a tinha uma vizinha minha que assim que a menina chegou no dia seguinte na semana seguinte que quando ela entrou se fechasse os olhos era o mesmo que eu tivesse vendo o meu beb muito parecido a fiquei com aquilo na mente n aquela fisionomia dela se parecia com essa menina sempre que eu via essa menina me lembrava Outro aspecto importante consiste na persist ncia em nomear o pr ximo filho ao qual Beatriz espera que seja do sexo feminino com o nome escolhido para o primeiro beb perdido Ester seria o nome da minha filha ent o de fato permanece se eu tiver uma menina ser uma Ester de novo risos O caso Beatriz assim parece ilustrar uma situa o na qual h a nega o da morte H a nega o da perda como algo irrepar vel que n o p de ser evitada no passado bem como n o poder ser reparada no futuro Do mesmo modo h a nega o da possibilidade dessa perda voltar a se realizar no futuro alicer ada principalmente pelo discurso biom dico e suas promessas de certeza pautadas no avan o tecnol gico Deste modo Beatriz constr i o significado de que a perda pass vel de ser recuperada em um futuro pr ximo caso o casal a
148. blico de sa de foram relacionados pelas mulheres em suas narrativas causa de algumas das perdas gestacionais experienciadas Como tamb m teve maternidade que eu cheguei na terceira gesta o mesmo que eu cheguei perdendo sangue muito sangue era pra ser uma coisa mais urgente entendeu Porque se j tinha tido dois filhos que haviam morrido tava no centro m dico perdendo sangue qual era o cuidado que era pra ter Era pra ter ficado o dia todo em uma cama isolada sozinha esperando uma vaga no hospital N o era Eu acho assim que era pra ser uma coisa pra vida ou morte assim que chegou j que tem um problema vem logo o socorro n Mas eu fiquei o dia todo l sangrando o dia todo s esperando aparecer a vaga louca pra ser transferida Se tivesse a que meu sogro fala se tivesse um atendimento mais r pido quando ia morrer n o morria Joana 34 anos cinco perdas gestacionais Relatos de desaten o no atendimento s usu rias do servi o p blico com hist ria de aborto espont neo foram frequentes expressando a aus ncia do cuidado humanizado tal como 74 preconizado pelo Minist rio da Satide Brasil 2005 Tamb m se fez presente certo tipo de rela o epistemol gica sobre os processos de gravidez e aborto na qual o m dico assumiu uma posi o paternalista representando a autoridade epistemol gica sobre esses assuntos Reis 1999 Nesse sentido a perspectiva e as significa
149. bre a primeira experi ncia de perda gestacional que remete lembran a da sua filha morta e sua rea o emocional isto o riso Tal rea o parece incompat vel com o conte do abordado no relato pelo menos quando contextualizamos esse discurso dentro da nossa cultura que relaciona a morte tristeza A hist ria contada parece desprovida de emo o o que pode sugerir que Beatriz ainda n o tenha se defrontado com a perda que teve a qual n o poss vel substituir Da primeira gravidez eu vi eu vi o beb tava perfeito parecia at que tava dormindo muito bonitinha risos Beatriz relata sentimentos de tranquilidade no momento em que foi constatada a morte do beb bem como durante o parto refletindo certa inadequa o desta rea o emocional para com a situa o me surpreendi comigo mesma Al m disso relata que sua percep o ao ver o beb morto foi a de consider lo como se estivesse vivo dormindo Tamb m refere que ap s a perda localizou o beb perdido em outro beb filho de uma vizinha que considerou muito parecido com a filha perdida Todos esses aspectos parecem revelar n o s uma not vel aus ncia de pesar como tamb m de um n o reconhecimento afetivo da perda como ilustram os relatos que se seguem Olha eu me surpreendi at comigo mesma porque eu fiquei at muito tranquila muitos tamb m m dicas enfermeiras achou que pelo fato de eu ta na minha primeira gr
150. breve reflex o acerca da experi ncia de abortos espont neos recorrentes que resulta em uma din mica disfuncional no sistema do self dial gico Afinal algumas mulheres n o conseguem sair da imers o da experi ncia traum tica da perda para perspectivas alternativas E assim a busca incessante pela concretiza o da maternidade atrav s da domin ncia inflex vel da posi o Eu m e no sistema do self poderia implicar no obscurecimento dos caminhos alternativos da vida e da identidade como a possibilidade de adotar uma crian a que seria pessoal e socialmente reconhecida como seu filho ou mesmo realizar o luto pela n o maternidade assumindo a possibilidade de ser uma mulher um casal ou constituir uma fam lia sem filhos Prisioneiras dessa autonarrativa dominante caracterizada por Ribeiro amp Gon alves 2010 como narrativa problem tica pelo seu car ter restritivo redundante e monol gico estariam condenadas ao comportamento repetitivo de engravidar e perder Esse comportamento repetitivo influenciado pelo poder sociocultural do discurso biom dico fundamentado nos avan os tecnol gicos e na cren a generalizada de que h sempre algo que ainda pode ser feito de que h sempre uma solu o para os problemas de sa de um tratamento m dico eficaz E na medida em que a perspectiva da mulher aparece severamente circunscrita meta de tornar se m e outros tipos de perdas podem acontecer ao longo de muitas dessas tra
151. by promotes the construction of meaning for the present moment the reconstruction of meanings assigned to experiences in the past previous losses and new guidance for the acceptable range of constructions of meaning future oriented connecting them relaunching them into a new narrative always singular and somehow unified and consistent about yourself your own life and your own destiny Keywords pregnancy loss recurrent ruptures developmental transition semiotic repairing strategies repairing signs LISTA DE ILUSTRACOES Figura 1 Unidade de an lise sist mica minima do TEM Figura 2 Processos dial gicos na constru o das trajet rias Figura 3 Permeabilidade das fronteiras nos contextos de sa de Figura 4 Contextos de sa de p blico e privado Figura 5 Trajet ria reprodutiva de Joana Figura 6 Processo de autorregula o cultura pessoal Figura 7 Distin o Eu paciente versus Outro m dico Figura 8 Ciclo afetivo semi tico de manuten o do estado emocional Figura 9 Trajet ria reprodutiva de Ana Figura 10 Signo solid o como contraparte do signo hipergeneralizado maternidade Figura 11 Mudan as nas posi es de Eu ao longo da trajet ria reprodutiva Figura 12 Trajet ria reprodutiva de Juliana Figura 13 Trajet ria reprodutiva de Eduarda Figura 14 Trajet ria reprodutiva de Eduarda momento atual Figura 15 Significados de gravidez unidade de opostos e sua di
152. c cultural Constructivism In J Valsiner amp L M Sim o Eds Otherness in question labyrinths of the self Advances in Psychology cultural Sirgado A P 2000 Julho O social e o cultural na obra de Vigotski Educa o amp Sociedade Campinas 21 71 Recuperado em 03 de dezembro 2008 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line www scielo br Smith J amp Dunworth F 2003 Qualitative methodology In J Valsiner amp Connolly K Eds Methodology in the study of development Handbook of developmental psychology London Sage 603 621 Smolka A L B 2004 Sobre significa o e sentido uma contribui o proposta da Rede de Significa es Em M C Rossetti Ferreira K S Amorim A P S Silva amp A M A Carvalho orgs Rede de Significa es e o estudo do desenvolvimento humano Porto Alegre Artmed Stok P amp Lehman A 1983 Spring Perinatal death grief support for families Birth 10 1 Swanson K M 2000 Predicting depressive symptoms after miscarriage a path analysis based on the Lazarus paradigm Journal of women s health amp gender based medicine 9 2 191 206 Recuperado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Thompson R et al 2002 Critical moments choice chance and opportunity in Young people s narratives of transition Sociology 36 2 335 354 Recuperado em 12 de agosto 2008 do Portal CAPES www periodicos capes gov b
153. ca desta experi ncia na constru o de uma s rie de rela es 50 entre o que observado e aquele que observa e que deve perder o h bito de tomar por natural aquilo que cultural Em outras palavras a descri o a realidade social apreendida a partir do olhar uma realidade social que se tornou linguagem e que se inscreve numa rede de intertextualidade Laplantine 2005 p 31 Descri o que precisa dar conta da totalidade daquilo que visto A observa o regular e repetida de pessoas e situa es assim a base fundamental da pesquisa etnogr fica Entre as t cnicas de observa o h a denominada observa o participante isto a observa o de cen rios onde os pesquisadores s o conhecidos dos participantes e onde possam se envolver diretamente nas atividades Como tarefa da observa o participante o pesquisador deve conviver com as pessoas reunir informa o diversificada sobre o mesmo fato reunir um grande n mero de dados sobre fatos diferentes e sistematiz los tornando os compreens veis para todos Malinowski 1986 Conforme Angrosino 2009 por m esta n o compreende um m todo de pesquisa mas um contexto comportamental a partir do qual um etn grafo usa t cnicas espec ficas para coletar dados Em outras palavras relaciona se ao papel adotado pelo etn grafo para facilitar a sua coleta de dados um processo de aprendizagem por exposi o ou por envolvimento nas atividades cotidianas
154. cada nova experi ncia de uma pessoa Conforme Valsiner 2007 um fluxo de sentimento generalizado assume a dire o do mundo intrapsicol gico desta pessoa come a a controlar as suas a es concretas e a enfraquecer qualquer esfor o em contr rio p 262 Assim ao longo da trajet ria reprodutiva de Beatriz houve a emerg ncia de um sentimento avassalador sentir outra vida desenvolver se e manifestar se dentro de si Sentir no pr prio corpo o sagrado da maternidade Tal sentimento parece indicar que o campo afetivo tornou se indiferenciado resultado da abstra o extensiva das emo es e de sua e supergeneraliza o para sentimentos gerais sentir aquele ser dentro da gente aquela movimenta o n o sei eu fiquei com vontade de sentir isso de novo Deste modo conforme ilustra a Figura 20 os campos de afeto ligados maternidade cresceram tornaram se mais amplos e passaram a abranger campos hipergeneralizados Por sua vez os campos de afeto ligados morte se afunilaram em dire o ao estado do tipo ponto exemplificado pela categoria de emo o espec fica denominada pavor Uma emo o que apesar de intensa tornou se circunscrita acess vel verbaliza o e cogni o 192 Figura 20 Processo de generaliza o e hipergeneraliza o na regula o afetiva do fluxo da experi ncia Nivel 4 A O EU SINTO ALGO Campo afetivo f icar n o sei direito semi tico q explicar
155. cante amp Barini 2009 152 trabalho fica em casa ent o assim tudo muito chato a tudo volta tudo o sonho acaba a de repente tudo acaba ent o isso muito dolorido isso d i muito Eduarda relata possuir uma ampla rede de apoio social incluindo o esposo v rios membros da fam lia extensiva como m e pai irm cunhado al m de amigos e irm os da igreja que lhe ofereceram um suporte emocional percebido como adequado ao longo de toda a sua trajet ria reprodutiva Isto porque houve o reconhecimento da perda experienciada bem como a legitima o do seu sofrimento em decorr ncia destas A presen a deles nunca me deixaram s em momento algum enchem a minha casa e a conversam me d o colo respeitam o meu momento entendeu n o tem essa coisa de dizer ah n o chora Deus vai te dar outro n o n o ou o nada disso eles respeitam o meu momento de dor entendeu choram junto comigo tanto que as vezes que eu fico no Jorge Valente quando a fam lia chega pra me ver os m dicos ficam s vezes at assustados aquele batalh o de gente na cl nica para me ver relata esse epis dio com uma entona o de alegria mas eu gosto assim eu prefiro assim se eu ficasse s teria sido muito pior Assim ap s a viv ncia de seis abortos espont neos Eduarda volta a engravidar novamente tendo sido este o momento em que a entrevista foi realizada No momento da confirma o da gravid
156. cess o de quadros cl nicos que se mesclam e se substituem Apesar das diferen as que pode haver de uma pessoa para outra o luto apresenta um padr o comum o que conforme este autor permite consider lo como um processo psicol gico distinto E assim a primeira fase do luto o entorpecimento dar lugar saudade ou procura pela pessoa perdida que posteriormente ser substitu da pela fase de desorganiza o e desespero que por fim dar lugar fase de recupera o Bowlby 1973 2004 Outros autores tamb m descrevem este padr o distinto do processo de luto Para Worden 1998 o processo de luto composto por quatro tarefas b sicas que devem ser realizadas para que seja restabelecido o equil brio e completado o processo de luto Tarefas n o conclu das de acordo com este autor podem prejudicar o crescimento e o desenvolvimento futuros Desta maneira a primeira tarefa consiste em aceitar a realidade da perda reconhecendo que esta ocorreu e que definitiva a segunda tarefa compreende o reconhecimento e a elabora o da dor da perda a terceira tarefa por sua vez implica no esfor o do enlutado em se ajustar ao ambiente onde est faltando a pessoa que morreu e por fim a quarta tarefa exige do enlutado reposicionar no mbito da sua estrutura psicol gica a pessoa que morreu e seguir em frente com a sua vida O luto termina quando estas tarefas s o completadas Franco 2010a por sua vez descreve o luto dando nf
157. clareza Por essa raz o foram realizadas as minuciosas an lises das trajet rias reprodutivas de cinco mulheres com a finalidade de entender os processos de rupturas e especialmente de reconstru es na cultura pessoal atrav s da aplica o do Modelo de Equifinalidade de Trajet rias TEM Com isso nosso interesse incidiu mais na persist ncia em dire o da maternidade do que na experi ncia da perda gestacional em si Atrav s da an lise dos casos pretendeu se construir um conceito que pudesse oferecer generalidade para o espec fico dessa experi ncia a recorr ncia de rupturas significativas Afinal essa experi ncia parece exigir um tipo espec fico de processo semi tico denominado nesse trabalho de estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Essas estrat gias ao serem utilizadas levam constru o de signos espec ficos os signos reparadores que t m o poder de restaurar a conex o dos fragmentos das trajet rias interrompidas construindo alguma articula o entre esses fragmentos e resgatando certo senso de continuidade Conforme descrito no ltimo cap tulo mas analisado em cada um dos casos apresentados os 208 signos reparadores incidem nas rupturas e promovem a reconstru o de significado atribu do s experi ncias no passado perdas anteriores e nova orienta o para a gama aceit vel de constru es de significados orientados para o futuro conectando os Os casos analisados assim il
158. codificar o evento disruptivo em um signo do tipo ponto Valsiner 2007 o que a conduziu a uma sele o restrita do campo da realidade Por m na medida em que essa consistia em apenas uma possibilidade da qual n o era poss vel obter certeza visto que Juliana n o realizou por exemplo o exame de cari tipo do feto para determinar a suposta exist ncia de malforma o o signo constru do n o conseguiu reduzir significativamente o n vel de ambival ncia Deste modo outros signos precisaram ser coconstru dos com a sua m dica ginecologista como a possibilidade de uma causa emocional em fun o dos conflitos existentes com o parceiro Nesse segundo momento ent o a experi ncia do aborto espont neo foi codificada sob a categoria de descri o do tipo campo causa emocional que de certo modo conseguiu minimizar o n vel de ambival ncia por se configurar em uma orienta o para meta Ou seja a fim de evitar um novo aborto espont neo Juliana precisava minimizar os conflitos interpessoais com o parceiro Por m o terceiro aborto configurou se em um epis dio marcado por um elevado n vel de ambival ncia A sua ocorr ncia abalou a fr gil rede de sentidos constru da anteriormente provocando significativas repercuss es para o senso do self E isto ocorreu na medida em que a terceira perda gestacional enquadrou a situa o dos abortos espont neos no diagn stico de aborto de repeti o exigindo a ressignifica
159. com um quadro hipertensivo o que parece surpreender a m dica a ela falou n o entendi nada trabalhei certinho com voc n o tou entendendo nada Ana ent o respondeu mas eu avisei a senhora que a coisa acontecia de uma hora para outra Outro momento cr tico ocorreu quando a mesma m dica constatou que os batimentos fetais estavam alterados Ana encaminhada para realizar uma ultrassonografia de emerg ncia quando outra m dica afirmou lhe que n o havia problemas Neste momento por m Ana interveio dizendo n o n o est tudo ok n o porque eu n o estou sentindo a crian a mexer A partir desta interven o o exame novamente realizado quando ent o houve a confirma o da altera o dos batimentos card acos do beb quer dizer se eu n o tivesse dito isto a ela eu ia pra casa normal feliz da vida e ia acontecer o que O mesmo que aconteceu com os outros como acabou acontecendo A partir do diagn stico de altera o dos batimentos card acos fetais um itiner rio terap utico precisou ser percorrido sem companhia e atrav s do transporte p blico do posto de sa de para uma maternidade que n o possu a vaga desta para outra maternidade especializada em prematuridade onde constataram que sua press o arterial estava ainda mais elevada exigindo procedimentos m dicos de emerg ncia Deram lhe medicamentos para induzir o parto o que a levou a sentir muitas dores e resultou na
160. consideradas como n o eventos A preocupa o inicial da rede social com a sa de da mulher somente aos poucos se come a a perceber de modo mais amplo o que foi perdido Al m disso as mulheres parecem sentir mais profundamente a perda do que seus parceiros vivenciando ao mesmo tempo uma s rie de preocupa es Uma das principais preocupa es relaciona se sua capacidade de ter um filho em uma futura gravidez podendo tamb m se fazer presente o medo do impacto da perda sobre o relacionamento afetivo com o parceiro Worden 1998 A culpa consiste em um sentimento muito comum que pode levar censura ou autocensura sendo a perda interpretada como resultado da defici ncia do seu pr prio corpo ou de a es danosas empreendidas Walsh amp McGoldrick 1998 Os parceiros tamb m podem ser alvo de recrimina es por parte da mulher devido percep o de que eles n o sentem o mesmo que elas Worden 1998 Al m do sentimento de culpa a vergonha tamb m pode se fazer presente relacionada incapacidade de dar luz a um beb sadio Bowlby 1973 2004 Conforme visto acima a perda gestacional enquanto objeto de interesse da pesquisa e teoria em psicologia j aparecia nos trabalhos de John Bowlby realizados no in cio da d cada de 60 alicer ados em sua teoria do apego De acordo com Bowlby 1973 2004 apesar de o la o afetivo entre pais e filho ser ainda muito recente os padr es gerais de rea o perda s o muito
161. curso biom dico Por m o poder afetivo da sua voz n o se mostrou hierarquicamente superior para dominar a voz do m dico especialista A prima de Alberto marido tamb m ela at fala comigo que ela n o muito de acordo a eu engravidar de novo ela se preocupa muito comigo ela prima dele mas tem aquela amizade que parece que minha irm Ent o ela pesquisou muito ela se preocupava muito comigo ela me falou que eu corri muito risco voc correu os riscos dos rins pararem pelo fato da press o ta aumentando muito ela me explicou assim por alto mais ou menos o que ela pesquisou e de entrar em coma porque a sua press o aumentava muito e 174 poderia entrar em coma a qualquer momento ent o ela me falava tudo bem que o m dico falou que voc pode fazer tentar novamente com tratamento mas ela sempre me fala m dico nenhum d 100 eu falei n o mas eu acho que eles tem o fundamento deles e tudo ent o eles n o v o me enganar com uma coisa que eu possa correr risco mais tarde ent o se ele ta falando que eu posso ta me dando essa garantia tentar porque eu acho que se eu fosse correr risco de vida ele n o iria adiante no meu tratamento n S que a eu explico eu falo n o o m dico j me disse que n o vai acontecer tudo o que aconteceu da outra vez e se caso acontecer n o vai ser t o forte n o vou correr tanto risco porque eles est o pr ximos e
162. de n cleo A precisa ser considerado juntamente com a n o maternidade n o A Ou seja ao mesmo tempo em que o signo maternidade remete ao significado de gerar a vida tamb m apreende o significado de gerar a morte que desperta 190 em Beatriz a emo o por ela denominado de pavor O sentimento associado com ambos vida e morte acontece numa fronteira Como parte da vida h a morte ambos formando um todo complexo ainda que ao mesmo tempo a morte seja o oposto da vida Deste modo o sagrado da maternidade um campo afetivo hipergeneralizado Um sentimento devastador intenso sentido em suas entranhas com os movimentos fetais que leva emerg ncia de um estado afetivo do tipo estou sentindo algo que eu n o consigo especificar o que Eu acho que pela experi ncia s a gente sentir aquele ser dentro da gente aquela movimenta o n o sei eu fiquei com vontade de sentir isso de novo e ter nos meus bra os viva n depois de nascer e tudo porque por essa parte eu ainda n o passei risos Eu j senti eu gostei muito da sensa o de ter o beb mexendo e tudo aquela coisa toda na gente eu gostei muito A falei n o tou com saudade eu quero agora tentar de novo e ter um filho Conforme Valsiner 2007 pode se considerar a exist ncia de uma hierarquia dos n veis de media o semi tica dos processos afetivos com diferentes n veis de generalidade Os fen menos da afetividade est o or
163. de alto risco apresentaram elevados n veis de ansiedade no momento imediato que precedeu o exame de ultrassonografia Por m os pesquisadores constataram um decl nio significativo da ansiedade no decorrer das 10 12 semanas seguintes Os n veis de ansiedade tamb m diminu ram logo ap s o exame de ultrassom Por outro lado o n vel de ansiedade n o aumentou no grupo de mulheres com gesta es n o complicadas grupo controle No entanto o resultado que chama mais a aten o por interessar especificamente ao presente trabalho consiste nos n veis elevados de ansiedade ou persistentemente altos ao longo do tempo de mulheres gr vidas que tinham experienciado aborto espont neo ou o nascimento de um beb natimorto Esses achados incluem tamb m as mulheres do grupo controle que tinham vivenciado previamente esses eventos e do mesmo modo apresentaram n veis crescentes de ansiedade em detrimento confirma o m dica de que o desenvolvimento da gravidez atual era sem complica es Assim o aumento n o usual dos n veis de ansiedade pareceram ser influenciados pela experi ncia pr via de complica es e perdas gestacionais Em estudo realizado no Jap o Nakano Oshima Sugiura Ogasawara Aoki Kitamura amp Furukawa 2004 chamam a aten o para a exist ncia de alguns preditores psicossociais de xito gestacional ap s viv ncia de abortos espont neos recorrentes Por meio de um estudo prospectivo baseado em duas ondas de entrevistas
164. de perdas gestacionais houve a emerg ncia de ideias concorrentes suscitando a constru o de novos significados muitas vezes irreconcili veis por exemplo gesta o alegria e sofrimento vida e morte apoio familiar e aus ncia de apoio Assim a ambival ncia se fortaleceu na medida em que a tens o entre esses significados irreconcili veis aumentou E neste sentido a constru o de significados tornou se mais e mais err tica visto que Joana vai e vem com diferentes sugest es para o self por exemplo adequado e esperado que eu me torne m e inadequado que eu tente engravidar novamente e esperado que eu n o insista adequado que eu tente engravidar novamente apesar da aus ncia de apoio da fam lia e amigos Abbey 2004 105 Assim nos campos din micos que caracterizam o self onde se fazem presentes negocia es contradi es e integra es Hermans amp Hermans Jansen 2003 h a coexist ncia de perspectivas diferentes e muitas vezes opostas entre posi es internas e externas do self De um lado alguns membros da sua fam lia extensiva em destaque o seu pr prio pai posicionam se contrariamente s novas tentativas de gesta o o que reflete n o somente a dificuldade de suportar a sucess o de perdas e dor a elas associada mas tamb m a perspectiva futura de uma perda considerada ainda maior a da pr pria mulher A possibilidade desta perda vislumbrada de dois modos com a morte ou o enlouqueci
165. de signos hipergeneralizados Valsiner 2007 que muitas vezes operam em lados opostos Esfor ou se assim por encontrar uma articula o entre as v rias esferas da experi ncia Zittoun amp Grossen no prelo em realizar um processo de s ntese pessoal cultural com o prop sito de manuten o do senso de continuidade do self Eu penso assim Deus que deu sabedoria ao homem ele que criou a ci ncia entendeu infelizmente a gente que usa a ci ncia pro lado negativo n faz dela pra fazer coisas que acaba destruindo a si pr prio entendeu mas assim se ela bem usada a f e a ci ncia podem andar juntas muito bem sem uma agredir a outra entendeu porque tudo vem de Deus tudo foi Deus que criou fala de modo enf tico esse trecho O mesmo movimento de s ntese semi tica entre as esferas religiosa e m dica realizado na constru o de significados acerca da etiologia dos abortos de repeti o Eu acredito nesses exames que o Dr Miguel fez da prova cruzada que o crossmatch Eu acho que seja isso mesmo essa quest o dos fatores n auto e aloimune Mas espiritualmente falando eu penso que 158 seja permiss o de Deus mesmo que tem o tempo certo pra acontecer Assim Eduarda segue negociando sua orienta o para determinadas dimens es da experi ncia futura em processos cont nuos de posicionamento e reposicionamento diante do outro As din micas no mbito do self processos di
166. de similares para diferentes indiv duos s o transformadas e reconstru das de modo necessariamente singular Na transmiss o cultural do conhecimento ent o os indiv duos transformam ativamente as mensagens culturais o que conduz a m ltiplos cursos de reconstru o de mensagens e torna poss vel a emerg ncia da novidade Essa ideia apresentada por Valsiner aproxima se da no o de internaliza o ou convers o conforme entendida por Vigotski Afinal conforme este te rico 1984 2008 a partir da lei gen tica do desenvolvimento cultural todas as fun es psicol gicas superiores do desenvolvimento humano aparecem primeiro no n vel social entre pessoas interpsicol gico e apenas posteriormente por meio da internaliza o no n vel individual no interior de uma pessoa intrapsicol gico A internaliza o assim compreende a reconstru o interna de uma opera o externa onde um processo interpessoal transformado num processo intrapessoal Vigotski 1984 2008 p 58 Essa transforma o em processos internos no entanto resultado de um desenvolvimento prolongado e implica em mudan as nas leis que governam a atividade das fun es elas s o incorporadas em um novo sistema com suas pr prias leis Vigotski 1984 2008 p 58 Est envolvida aqui a reconstru o da atividade psicol gica tendo como base a opera o com signos tra o especificamente humano a internaliza o das atividades
167. delas A tradu o das trajet rias potenciais para a trajet ria real o foco do TEM Deste modo o TEM inclui em seus esquemas anal ticos tanto o aspecto real trajet ria de desenvolvimento real at o momento presente quanto o aspecto ir real trajet rias poss veis que existiram no passado e que s o supostas existir no futuro o que inclui as reconstru es e imagina es o n o real ou o que ainda n o real ou o que n o ser real Na Figura apresentada a seguir Valsiner apresenta a unidade de an lise sist mica m nima do TEM Conforme Sato Fukuda Hidaka Kido Nishida amp Akasaka 2011 Driesch realizou uma s rie de experimentos intervindo em c lulas sea urchin cells durante a divis o levando as a fragmentar Ao inv s de formar um embri o parcial Driesch descobriu que as c lulas formavam um embri o inteiro Nestes experimentos pode se notar que o mesmo estado final pode ser alcan ado de condi es iniciais diferentes e de diferentes modos 57 Figura 1 Unidade de an lise sist mica m nima do TEM coordena o as _A lt gt B and CD PASSADO PRESENTE FUTURO TEMPO Fonte Valsiner 2010 A Figura acima inclui tr s partes imagin rias B C D e uma parte real A evidenciando se a domin ncia do imagin rio sobre o real Al m disso Valsiner enfatiza que s o as rela es entre esses quatro elementos A lt gt B C lt gt D e suas meta rela es A lt gt B lt gt
168. demorando ser que n o Deus te mostrando que pra voc desistir e parar e tudo Ent o isso ficou muito na minha mente A internaliza o desse signo atrav s de um processo de constru o ativa por meio da intera o bidirecional com os outros sociais levou Beatriz a um rezar reflexivo com um foco orientado para o futuro Ou seja levou a a rezar com o prop sito de refletir e dirigir a es futuras voltar ou n o a engravidar Assim estabeleceu com Deus uma comunica o pedindo lhe respostas sobre como deveria agir 176 Ai quando eu cheguei em casa eu conversei com Deus eu falei oh meu Deus se for pra mim desistir se for pra eu poder desistir ent o tira da minha mente n pra mim poder esquecer e pronto Vale ressaltar que apesar da comunica o com Deus poder ser dirigida internamente e individualmente a comunica o de Deus indireta e ocorre sob a forma de metacomunica o Peskek Kraus amp Diriwachter 2008 Valsiner 2000 Essa metacomunica o depende da interpreta o isto do que algu m pode considerar serem mensagens de Deus e como essas mensagens ser o analisadas e internalizadas Peskek Kraus amp Diriwachter 2008 Figura 16 Significados de gravidez unidade de opostos e as mudan as na sua din mica de rela es Tornar se m e Ter um filho Concretizar planos pessoais VOZES DA BIOMEDICINA X VOZES REDE SOCIAL Voc s podem Nenhum
169. descrito da seguinte forma Em um lugar tranquilo sentado olhando para a paciente de prefer ncia no mesmo plano de olhar sem interrup o e voc tem que explicar a ela o que aconteceu esse n o um prato pra se comer de uma vez s ent o voc tem que cuidar de cada momento do atendimento ent o voc tem que resolver aquilo Sess o cl nica 24 de setembro de 2009 O processo de luto entendido pelo m dico preceptor como um processo que exige algumas etapas mas que leva o tempo correspondente aos resultados dos exames cl nicos realizados ap s o aborto espont neo ficarem prontos A partir da a paciente j pode ser orientada para uma nova gesta o O m dico preceptor faz refer ncia ainda ao procedimento especial utilizado com os casais que ele imagina que ficar o bastante abalados emocionalmente com a not cia de perda gestacional Se voc acha que aquela not cia pode n o ser bem acolhida eu fa o uma ultrassonografia e depois verifico que n o tem batimentos Mas eu conhe o a paciente e eu sei que isso vai ser um choque enorme Eu crio primeiro uma suspeita eles escutam a suspeita eu encaminho ela a outro profissional Quando ela faz isso 83 ela comeca a elaborar que aquela gravidez que ela tanto queria que continuasse vai ser interrompida Sess o cl nica setembro de 2009 Essa forma d bia e gradativa de comunicar o diagn stico de bito fetal descrita por muitas mulheres tanto n
170. deu lhe o n o saber da gravidez uma condi o na qual n o houve a tens o entre a certeza e a incerteza logo n o houve a emerg ncia da ambival ncia Durante a gravidez tentou circunscrever o campo afetivo relacionado ao processo do tornar se m e voc n o tem no o do que felicidade Assim ao inv s de tentar algum tratamento m dico deu apenas continuidade ao acompanhamento psicol gico que j vinha realizando desde a ltima perda gestacional E a quarta gesta o resultou no nascimento de um beb a termo A vida toda desejei isso 37 anos esperando isso meu sonho realizado Hoje eu sinto que consegui A Figura abaixo ilustra os principais aspectos analisados da trajet ria reprodutiva de Juliana com nfase para as estrat gias semi ticas para a constru o de continuidade e manuten o da posi o Eu m e ap s a terceira perda gestacional 147 Figura 12 Trajet ria reprodutiva de Juliana Ter filhos maternidade Da A ra Deus mines Nao Maternidade N o solid o lt gt Solid o x x N ovazio Vazio h Felicidade Tristeza 1 d Pertencimento lt gt Nao Pertencimento f i Igual Diferente Do ESFERA A Normal Anormal d M DICA Completa Incompleta 4 Realizada N o realizada 4 Aborto de A repeti o a _ o ee MEDICA Malforma o fetal Evento Causa normal emocional Ponto de bifurca o
171. do pronto As intercorr ncias em uma gesta o consistem em uma situa o critica que exige a constru o de algum significado generalizado que de algum modo reduza a ambival ncia diante dos acontecimentos promovendo algum tipo de a o No exemplo descrito acima Beatriz parece negar a possibilidade de que os sintomas que sente representem alguma complica o gestacional importante mas ao contr rio recorre bricolagem de alguns significados a fim de amenizar a gravidade da situa o Assim integra em sua narrativa os 182 ditos de sua av resgatados de um diferente contexto e momento hist rico cuja cren a explicava que o incha o na gravidez era um ind cio de um bom parto Relacionado a esse significado est cren a m dico popular de que beb em movimento no tero materno um beb saud vel Com esse mosaico de diferentes representa es Beatriz consegue reduzir a ambival ncia intrapsicol gica argumentando para si mesma que tudo estava bem Por m n o consegue mudar o rumo dos acontecimentos cujos sintomas na verdade compunham um diagn stico de pr eclampsia que culminaram na morte do beb no ltimo trimestre de gesta o e coloram em risco a sua pr pria vida acontecimentos estes tomados como surpresa por Beatriz que contrariamente esperava o nascimento de um beb saud vel a partir de um parto tranquilo Seguindo nessa dire o tamb m chama a aten o a narrativa constru da so
172. do assim o evento da perda ou ainda submetem a mulher seda o isolando a do contato com outras pessoas sob a alega o de proteg la Outro estudo qualitativo com enfoque fenomenol gico realizado na Espanha por Montero S nchez Montoro Crespo Ja n e Tirado 2011 tamb m investigou a experi ncia de profissionais de sa de enfermeiros parteiras auxiliares de enfermagem e obstetras de um hospital p blico em situa es de morte e luto perinatal Os resultados do estudo revelam que a assist ncia prestada enfatizou os cuidados f sicos mas negligenciou os aspectos emocionais dos casais que experienciaram a perda gestacional Deste modo em muitas ocasi es a atua o foi caracterizada como distante havendo a nega o da gravidade da perda principalmente em 32 gesta es precoces De modo geral evidenciou se a falta de estrat gias de destrezas e de recursos dos profissionais para enfrentar essas situa es e dar respostas adequadas s demandas dos casais O momento de comunicar a not cia da perda consistiu em um evento cr tico para os m dicos gerando ansiedade Assim o evento de perda perinatal despertou nos profissionais de sa de sentimentos tais como pena ansiedade inseguran a ressentimento culpa frustra o raiva sensa o de fracasso e impot ncia pois n o sabem como enfrentar e manejar essas situa es Os pesquisadores acima citados alertam para a necessidade de uma forma o espec fica dos
173. durante uma das ultrassonografias que acompanho houve um caso de perda gestacional aborto espont neo diagnosticado no momento da consulta Dr Mn utiliza o termo a gravidez que n o vai mais para frente Assim que a paciente recebe o diagn stico 85 comeca a chorar Dr Mn explica que pode ter sido devido alguma anomalia fetal e por isso foi melhor a perda ter ocorrido Ao sair desse atendimento fiquei pensando o que falar O que dizer enquanto psic loga num momento de sofrimento como esse Ser preciso dizer alguma coisa Enquanto profissional de sa de senti a necessidade de dizer algo mas n o disse nada Dr Mn disse o que ele p de dizer mas ter sido adequado situa o Ser que para ela naquele momento o que aconteceu foi o melhor Talvez dev ssemos ter dito apenas sinto muito Mas essa situa o desvela a import ncia dos profissionais de sa de diante do desfecho reprodutivo e da dor do outro Ou seja o aborto um evento que pode ser percebido ou entendido pelo m dico como algo da ordem do fracasso da impot ncia especialmente quando ele recorrente N o h muito o que ser feito N o h muito o que ser dito E a dor do outro pode se refletir na frustra o do pr prio profissional Talvez isso ajude a entender porque mulheres com hist ria de aborto recorrente s o tratadas como se tivessem provocado o aborto Nesse caso talvez a raiva a frustra o a impot ncia do profi
174. e acontece quando uma mulher realiza a escolha pela maternidade escolha supostamente dispon vel sua constitui o feminina mas ao inv s desta viv ncia o que ela experiencia s o perdas gestacionais recorrentes Neste contexto as perdas gestacionais s o entendidas enquanto marcadores de transi o no curso de vida dessas mulheres Afinal s o eventos que podem resultar em mudan as no curso do desenvolvimento na medida em que h a interrup o da gravidez per odo decisivo no crescimento emocional de uma mulher que possibilita reestrutura es modifica es e reintegra es da personalidade Maldonado 2002 A viv ncia de um evento n o esperado n o normativo pode ser entendida como um momento de transi o resultando em uma reorganiza o qualitativa tanto em n vel psicol gico como comportamental Cowan 1991 Al m disso pode tamb m refletir em mudan as nos sistemas de significado dessas mulheres como aqueles relacionados maternidade feminilidade bem como percep o de si mesma Volkmer Covas Franco amp Costa 2006 Deste modo uma perda gestacional consiste em um evento que amea a o sentido do self e maximiza incerteza A partir dessa ideia propomos aprofundar o entendimento acerca das din micas do self dial gico durante a travessia de um momento cr tico Thompson et al 2002 que leva ruptura daquilo que era esperado acontecer e que amea a o sentido de self Assim o objetivo do
175. e chose to approach it from the theoretical framework of Semiotic Cultural Constructivism a theoretical methodological framework that focuses on building inter and intrapersonal individual human subjectivity As a method the ethnographic study was conducted in two distinct contexts of health care for women and or couples with a diagnosis of recurrent abortion in Salvador BA one linked to the public network and another network private Concerning data collection strategies special attention was given to the narrative interviews Regarding data analysis we used the Trajectories Equifinality Model TEM The participants of study were ten women with a history of recurrent pregnancy loss After conducting descriptive comparisons between reproductive trajectories of participants in order to understand the processes of disruptions and reconstruction in personal culture through the application of TEM was built a concept that could provide for the generality of this specific experience After all the recurring experience of significant disruptions requires a specific type of semiotic process which in this work was named Semiotic Strategies of Dynamic Self Repairing These strategies when used lead to the construction of specific signs repairing signs who have the power to restore the connection of the fragments of the interrupted trajectory building a link between these fragments and rescuing some sense of continuity Repairing signs there
176. e cultura pessoal como descrita por Valsiner 2007 outro conceito revela se importante o conceito de self dial gico De acordo com Valsiner o self dial gico consiste em uma entidade te rica self que organizada atrav s de rela es dial gicas entre as suas partes componentes Compreende assim o di logo intrapsicol gico entre as partes do eu di logos que ocorrem no interior da cultura pessoal N o apenas diferentes pessoas se engajam em di logos mas todos n s temos nossos pr prios di logos se processando no interior das nossas culturas pessoais Valsiner 2007 p 125 Deste modo uma pessoa funciona com base em dois processos dial gicos que est o mutuamente interligados o heterodi logo com os outros incluindo outros imagin rios e o autodi logo dentro do pr prio self Valsiner 2007 Segundo Fogel Kroyer Bellagamba amp Bell 2002 o self dial gico consiste na no o do eu composto de m ltiplas posi es que interagem entre si e assumem uma perspectiva nica na experi ncia da pessoa Para Hermans e Hermans Jansen 2003 o self pode ser descrito como um processo desenvolvimental multivocal e dial gico que envolve a constru o e reconstru o narrativa do significado dos eventos O self dial gico considera a pessoa como o centro da constru o social imaginativa de poss veis posi es de Eu baseadas na experi ncia no mundo social Valsiner 2007 A teoria do self dial g
177. e de identidade resulta da constante e din mica coconstru o que se d a partir da inter rela o do indiv duo com marcadores sociais tais como g nero classe social e ra a criados no engajamento ativo com os outros e guiados pela cultura Algo semelhante afirmado por Falmagne 2004 subjetividade self e pensamento s o constru dos ao longo do tempo atrav s da localiza o social de algu m em um mundo estratificado por g nero classe e ra a dialeticamente isto pela intera o din mica entre os constituintes materiais e discursivos que configuram os n veis social local e pessoal Al m disso em um pa s como o Brasil caracterizado por tantas desigualdades sociais o que inclui um Sistema de Servi os de Sa de organizado atrav s de um modelo segmentado Mendes 1998 plural composto por diferentes sistemas como o p blico e o privado e que se traduz por uma diversidade da assist ncia e com efeito por sugest es sociais muito diferentes 3 Por fim poucos estudos est o interessados em analisar os mecanismos psicol gicos envolvidos na repara o do self ap s a experi ncia de recorrentes rupturas experienciadas ao longo da trajet ria de vida Com isso pretendo dar continuidade ao estudo das mulheres com trajet rias reprodutivas n o normativas marcadas por perdas gestacionais Essas mulheres demandam aten o escuta e um tratamento especial Afinal vivenciam a ruptura recorrente de um v nculo afeti
178. e passagem De acordo com Sato Hidaka e Fukuda 2009 h os pontos de passagem obrigat rios PPO que consistem em uma fase e ou evento que uma pessoa inevitavelmente experiencia H dois tipos de PPO 1 end geno que inclui pontos de transi o biol gicos espec ficos da esp cie como por exemplo a menopausa e 2 ex geno que configurado pelo ambiente Sato et al 2007 H ainda pontos de passagem que t m op es alternativas entre dois ou mais caminhos a serem seguidos que s o os denominados pontos de bifurca o PBF Os pontos de bifurca o s o denominados por Sato amp Valsiner 2010 como pontos de transforma o onde a pessoa olha em dire o ao futuro e realiza uma escolha S o repletos de tens o na medida em que nesses pontos duas for as opostas em conflito podem se fazer presentes dire o social social direction e orienta o social social guidance A primeira a dire o social se refere ao poder s cio hist rico que prov tradi o norma social e press o social Por sua vez a orienta o social o poder de defesa contra a dire o social sendo fornecido pelas pessoas ntimas tais como a fam lia os amigos e outros Ambas as for as s o veiculadas atrav s dos interc mbios sociais cotidianos nas situa es sociais No entanto enquanto a dire o social refere se ao poder de inibi o para seguir para o ponto de Equifinalidade a orienta o social consiste no poder de promo o
179. e ponto de bifurca o isto um ponto de diverg ncia influenciado pelas experi ncias do passado e possibilidades limitadas no futuro Nesse ponto apresentam se caminhos alternativos a serem seguidos pela pessoa como engravidar novamente ou n o engravidar refletindo um alto n vel de 107 ambival ncia Nesse ponto de tens o pelo menos dois poderes est o simultaneamente atuando o poder da rede social pr xima orienta o social marcado por sugest es sociais heterog neas e at mesmo contradit rias como as vozes dos familiares e a do parceiro e o poder sociocultural dire o social no qual a maternidade valorizada consistindo em uma condi o desej vel mulher Frente a esses diferentes poderes sociais que est o em conflito Joana precisa tomar uma decis o que constru da a partir de um processo de s ntese pessoal cultural Trata se da orienta o pessoal sintetizada Synthesized Personal Orientation que toma a forma de meta de sonho Sato Hidaka amp Fukuda 2009 Sato amp Valsiner 2010 Uma quest o fundamental torna se ent o necess ria por que Joana escolhe persistir na tentativa de ter um filho atrav s da gesta o quando a sua experi ncia passada marcada por tanta dor e sofrimento por insucessos recorrentes e riscos sua pr pria vida enquanto o futuro previsto de modo negativo relacionado possibilidade de outra perda gestacional a riscos sua pr pria vida e
180. e relacionado cren a de que eram merecedoras de um castigo Al m disso foi encontrada uma prov vel presen a do transtorno de ansiedade mas aus ncia de depress o A fim de lidar com essas incertezas futuras Volkmer 2009 constatou que algumas mulheres tentaram se afastar da fonte de estresse afirmando que n o queriam mais engravidar No entanto essa decis o n o se sustentava por muito tempo e elas voltavam a engravidar novamente Isto aconteceu por v rias raz es pela redu o do sofrimento relacionada ltima perda em fun o do passar do tempo pelo uso inadequado de contraceptivos ou influenciadas pelo desejo do parceiro pela paternidade Com a confirma o da gravidez empreendiam outras estrat gias de enfrentamento como a tentativa de n o se vincular afetivamente ao beb em desenvolvimento e assim por exemplo n o comprar o enxoval n o dar um nome para o beb e n o compartilhar a not cia da gravidez com familiares e amigos Outro recurso de enfrentamento utilizado consistiu no esfor o em manejar a situa o causadora de estresse como buscar atendimento m dico especializado e fazer uso de algumas tecnologias m dicas submetendo se a procedimentos cir rgicos como a cerclagem e fazendo uso de medicamentos para segurar o beb mesmo quando envolviam sacrif cios pessoais sofrimento f sico e emocional Na literatura internacional a descri o da experi ncia de nova gravidez ap s perda gestacio
181. e repeti o enfatizava as alternativas de tratamento m dico poss veis para conseguirem obter xito gestacional E nesse contexto a solu o tecnol gica para os abortos recorrentes longe de ser infal vel pode ser considerada mais natural do que uma solu o n o t cnica como a ado o Os m dicos assim renaturalizaram o processo de reprodu o humana com a ajuda das tecnologias de reprodu o assistida Malin 2003 A sugest o subjacente ao discurso m dico para a persist ncia nas tentativas de gravidez e a consequente regula o da trajet ria reprodutiva aparece no relato descrito a seguir Se eu n o tivesse condi es financeiras de estar aqui hoje com certeza eu n o tentaria mais porque logo eu teria uma vis o que se eu perdi eles dois primeiro fetos eu logo teria a vis o de que perderia o terceiro ent o seria mais um sofrimento ent o pra qu tentar hoje em dia eu me sinto segura diante dos profissionais que eu estou frequentando eu me sinto segura e tamb m assim eles me passam seguran a ent o eu acredito que vai dar certo eu acredito que n o vai demorar muito ent o eu tou confiante Fl via 32 anos duas perdas gestacionais Outro casal atendido em uma cl nica de fertilidade tamb m contribuiu para uma reflex o sobre essa tem tica Em seu relato que focalizava o sofrimento experienciado nas sucessivas tentativas para tornar se pai m e o casal relata se n o pud ssemos ter filh
182. eguro sa de que funciona na l gica do seguro privado Mendes 1998 De acordo com Mendes 1998 uma caracter stica importante desse sistema que a maioria dos seus usu rios tem acesso a ele atrav s dos empregadores que o pagam total ou parcialmente Os planos e seguros de sa de privados oferecem contratos popula o com diferentes n veis de livre escolha de prestadores de assist ncia sa de a depender do tipo de plano contratado A demanda estratificada pela situa o socioecon mica e ocupacional de cada pessoa Com efeito a qualidade da assist ncia em termos do cuidado e das instala es dispon veis pode variar consideravelmente Paim et al 2011 Conforme afirmam os autores as pessoas com planos e seguros de sa de privados afirmam ter melhor acesso a servi os preventivos e uma maior taxa de uso dos servi os de sa de que aquelas que n o disp em de tais planos ou seguros Paim et al 2011 p 20 Por sua vez o Sistema de Desembolso Direto SDD consiste tamb m em um sistema privado representado pelos gastos diretos pelos indiv duos e fam lias com servi os de sa de um sistema subsidiado pelo Estado atrav s de ren ncias fiscais Mendes 1998 Conforme Paim et al 2011 o gasto por desembolso direto em termos de propor o da despesa total varia pouco entre a parcela mais pobre 5 83 e a mais rica 8 31 da popula o Por m os autores ressaltam que h diferen as no modo como cada gr
183. eiras semanas de vida ou nas quais houve diagn stico de bito fetal na gesta o De acordo com os resultados desse estudo a falta de informa es adequadas oferecidas pelos profissionais de sa de implicou na constru o de fantasias a respeito da causa da perda e no sentimento de culpa Fez se presente tamb m a cren a de que a perda era consequ ncia de algum ato interpretado como mau e cometido por elas no passado O aborto espont neo assim compreende um evento em geral n o antecipado e fisicamente traum tico que pode representar para muitas mulheres a ruptura abrupta dos planos reprodutivos Ele pode despertar d vidas sobre a compet ncia reprodutiva provocar uma perda na autoestima e desencadear sintomas psiqui tricos tais como sintomas depressivos Neste sentido Neugehauer e colaboradores 1992 realizaram um estudo nos Estados Unidos a fim de testar se e sob que condi es o aborto espont neo aumenta os sintomas depressivos nas semanas iniciais ap s a perda Os resultados evidenciam que as mulheres sem filhos que sofriam aborto espont neo mostraram se especialmente vulner veis para sintomas depressivos Ao contr rio a presen a de v rios filhos configura se como um elemento protetor A presen a de filhos vivos conforme afirmam os pesquisadores pode funcionar como um suporte psicol gico indireto por representar a evid ncia de sucesso reprodutivo no passado A perda de uma gravidez desejada tamb m foi associada c
184. elas estagi rias de psicologia Tamb m com algumas dessas pacientes realizei entrevistas semiestruturadas a fim de investigar o perfil psicol gico e social das usu rias do ambulat rio Posteriormente mantive o v nculo com a institui o atrav s do trabalho voluntariado no Ambulat rio de Abortamento de Repeti o e em seguida como supervisora de est gio situa es a partir das quais foi poss vel dar continuidade s din micas de grupo Vale ressaltar que esse tipo de interven o foi escolhido entre outras raz es pela grande quantidade de mulheres que buscavam o ambulat rio o que inviabilizava por exemplo um atendimento psicol gico individual Neste mesmo ambulat rio foi empreendido o estudo qualitativo ligado a uma disserta o de mestrado desenvolvida junto ao Programa de P s Gradua o da Universidade Federal da Bahia entre os anos de 2007 e 2009 que envolveu o estudo de casos m ltiplos com algumas usu rias sendo realizadas ent o entrevistas narrativas Desde o in cio desse estudo registros em di rio de campo foram realizados Os resultados dessa pesquisa foram divulgados para a institui o em meados de 2009 em um evento acad mico intitulado Sess o Cl nica que contou com a participa o dos preceptores m dicos e seus residentes Ap s a apresenta o do estudo e debate com os ouvintes fui convidada por um dos preceptores a conhecer um servi o privado dirigido por ele que tamb m realizava atendimen
185. elefone com a secret ria da cl nica e pagos ap s a consulta em dinheiro Assim ao chegar cl nica a mulher ou o casal aguardava na sala de espera da cl nica a qual era ocupada apenas pela secret ria Em geral comparecia o casal consulta e n o s a mulher O tempo de espera pelo atendimento variava de alguns poucos minutos at quase uma hora a depender da disponibilidade do m dico O ambiente climatizado tinha disposi o gua caf e balas A consulta m dica era realizada apenas pelo m dico especialista em seu consult rio e durava cerca de uma hora uma hora e meia Durante esse per odo de tempo o m dico ouvia a hist ria reprodutiva do casal fornecia lhes explica o sobre o caso esclarecia quaisquer d vidas e encaminhava os para realizar uma s rie de exames Por outro lado no caso das mulheres usu rias do servi o p blico quatro das cinco entrevistadas estavam gr vidas no momento da entrevista A busca por um atendimento m dico especializado desta forma foi realizada durante a gravidez ou a gesta o ocorreu durante a fase de investiga o sobre as causas dos abortos anteriores J a indica o do servi o m dico especializado ocorreu atrav s da rede social pr xima como familiares amigos ou vizinhos Al m disso apesar das usu rias do servi o p blico tamb m realizarem muitos exames alguns n o s o acess veis devido ao elevado custo Outro obst culo que essas mulheres enfrentavam consistia n
186. elo ecol gico de Bronfenbrenner 1979 que entende as din micas das pr ticas culturais como se desdobrando sob o impacto dos v rios n veis de for as contextuais estes autores conceitualizam a intera o entre mem ria self e cultura tanto no n vel macro do sistema cultural como no n vel micro do ambiente narrativo imediato a partir destes dois n veis de contexto que tanto a mem ria quanto o self s o produzidos e apresentados e a cultura por sua vez tanto transforma como transformada por seus pr prios produtos Vale ressaltar a import ncia no n vel micro do ambiente narrativo inicial da fam lia que desempenha um papel central tanto na media o da aquisi o pela crian a dos modos culturalmente apropriados de pensar lembrar sentir e se comportar quanto na transmiss o transgeracional do conhecimento por exemplo dos significados acerca da maternidade De acordo com Grandesso 2006 as conversa es em fam lia garantem a transmiss o de tradi es valores experi ncias acumuladas padr es mitos e rituais pr prios da cultura familiar nas quais ecoam tamb m as vozes can nicas das narrativas sociais que oferecem e configuram os scripts que estruturam as narrativas familiares No entanto vale destacar que esta transmiss o cultural do conhecimento bidirecional isto compreende uma constru o coativa em que todos os participantes transformam ativamente as mensagens culturais conduzindo a m ltip
187. empre pensando positivo tanto que engravidei queria engravidar logo 168 Conforme ilustra o fragmento acima a narrativa de Beatriz sobre sua trajet ria reprodutiva marcada por perdas gestacionais e riscos sua pr pria vida foi acompanhada por uma express o facial alegre e muitas vezes sorridente Express o afetiva aparentemente incompat vel com o conte do do relato Al m disso a experi ncia da primeira perda gestacional uma ruptura significativa daquilo que era esperado acontecer parece n o ter sido reconhecida e elaborada no mbito afetivo sendo automaticamente substitu da pelo planejamento de uma pr xima gravidez Assim a partir do diagn stico de bito fetal e de uma pr eclampsia grave houve a necessidade de induzir o parto Beatriz relata que chegou a ver a filha mas n o quis toc la devido ao medo que sentia de pessoas mortas Eu a vi quando ela assim que nasceu colocou pertinho de mim n o cheguei a tocar assim eu tenho pavor de pessoas que morrem quando eu vi o beb eu n o consegui segurar eu senti assim n o sei direito explicar mas eu n o consegui segurar colocou no meu lado eu ainda cheguei a tocar na m ozinha mas pegar no colo e tudo eu n o consegui O beb natimorto foi sepultado pelo esposo e alguns parentes pr ximos Beatriz n o participou da cerim nia o sepultamento isso fizemos tudo isso mas ela era muito bonita assim parecia que tava dormindo foi a
188. ent o eu vou tentar ent o voc que sabe por mim viver amos os dois sozinhos se voc quisesse adotar eu adotaria mas eu falei n o vou tentar primeiro vamos dizer assim n o uma ltima vez mas vamos tentar de novo Se tem tratamento ent o vamos tentar o tratamento As vozes de outros importantes membros familiares fizeram se tamb m presentes como uma tentativa de dissuadir Beatriz do prop sito de continuar engravidando Uma dessas vozes apresenta destaque em sua narrativa uma prima do marido que considerava como se fosse sua irm Essa prima possui n vel universit rio e utilizou se do recurso da Internet para pesquisar sobre o que havia ocorrido na ltima gesta o de Beatriz Munida de informa es sobre a gravidade do que havia acontecido eclampsia grave s ndrome de HELLP recorre estrat gia semi tica de enfatizar o pior do que poderia ter acontecido no passado isto insufici ncia renal edema cerebral e em consequ ncia entrar em estado de coma alertando para a possibilidade de esses eventos acontecerem no futuro caso Beatriz persista no momento presente em seguir por esse caminho Assim realiza a tentativa de desestabilizar a amarra o semi tica constru da por Beatriz que utiliza signos provenientes da esfera m dica para minimizar a ambival ncia e reduzir o grau de incerteza frente ao futuro E assim questiona o poder e a promessa de certeza atribu dos ao dis
189. ental encontro Tamb m agrade o aos grandes mestres que generosamente cederam uma fra o do seu precioso tempo para se dedicar leitura de algumas an lises que comporiam cap tulos da tese ao j referido professor Jaan Valsiner Clark University EUA ao professor Sato Ritsumeikan University Jap o professora Nandita Lady Irwin College University of Delhi e professora Tania Zittoun Universit de Neuchatel Su a por suas valiosas contribui es dadas no Semin rio Internacional de Psicologia Cultural organizado pela professora Ana Cec lia Bastos e realizado em 2011 em Itacimirim BA Obrigada pelo aprendizado te rico e pela li o de humildade em rela o ao processo de constru o do conhecimento Ao Kenneth Richard Cabell pelas trocas dial gicas valiosas que inspiraram a elabora o do conceito te rico apresentado na tese Minha gratid o especial vai para os queridos colegas do grupo de pesquisa CONTRADES amiga L lian Perdig o pelas ricas conversas informais a Elsa Mattos pelas trocas te ricas pelas leituras e discuss o de alguns esbo os dos meus cap tulos aos colegas Ana Karina Cangu u Sara Chaves Renata Moreira M rcio Santana Delma Barros Filho e demais colegas pelo constante compartilhar de conhecimento e rec proca contribui o anal tica e te rica Voc s todos tornaram essa trajet ria menos solit ria e muito mais prazerosa Na esfera profissional Anam lia Franco por prop
190. ente trazendo consigo a viv ncia de in meras outras perdas significativas n o s a do beb mas tamb m a de certo ideal de fam lia desejada o papel social de m e certo controle sobre seu pr prio corpo e sobre a sua pr pria vida A viv ncia de uma perda gestacional assim amea a o sentido de self dessas mulheres fazendo as a vivenciar descontinuidades no curso do seu desenvolvimento lan ando lhes em um campo para elas desconhecido no qual a incerteza face ao futuro se torna agudamente percebida Incerteza que segundo Valsiner 2007 faz parte da experi ncia humana da nossa rela o com o futuro imediato Neste sentido o futuro incerto e o passado est constantemente sendo reconstru do medida que enfrentamos a incerteza do futuro atrav s da constru o de signos diversos No campo da medicina atribui se um termo espec fico para a viv ncia repetida de perdas gestacionais isto aborto espont neo recorrente sendo definido como a ocorr ncia de tr s ou mais abortos sucessivos e espont neos antes da vig sima semana de gesta o Em 2008 a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva redefiniu o termo como a ocorr ncia de apenas duas ou mais perdas gestacionais Cavalcanti amp Barini 2009 Baseado em informa es recentes estima se que as taxas de perdas precoces entre as gesta es clinicamente reconhecidas estejam entre 15 a 20 Carvalho amp Rares 2005 Savaris 2006 J as taxas de abor
191. ente v a Ele pensa que se ele adotar um filho hoje ele estaria 160 assinando o atestado dele de derrota de que desistiu de que n o aguentou esperar Eu n o penso assim eu adotaria n o pra suprir uma falta minha car ncia de m e mas por amor por me sentir no lugar daquelas crian as entendeu eu hoje que tenho o sentimento de ter um filho e n o consigo penso a dor de querer ter uma m e uma fam lia e n o ter pra mim deve ser bem pior com certeza bem pior interessante observar que estas experi ncias ou op es do curso de vida n o s o meramente pessoais mas experi ncias historicamente estruturadas Yasuda 2005 Ou seja apesar de Eduarda considerar a possibilidade de adotar uma crian a seu esposo e talvez outras pessoas da sua rede social n o reconhe am a ado o como um sistema social para ter um filho Eduarda por m atrav s da sua narrativa parece empenhar se em tentar legitimar esse caminho alternativo para se tornar m e construindo argumentos que possam levar o marido a reconhecer a ado o como um meio leg timo de alcan arem a maternidade paternidade Em sua ret rica como no trecho citado acima faz uso de signos hipergeneralizados carregados de afeto como amor dor fam lia que guiam a es Al m disso recorre a di logos com Deus uma posi o de Eu altamente relevante para o sistema do self Pe o a Deus oro a Deus sobre isso que se de repente
192. era incompat vel A mulher tem dificuldade de compreender que havia ocorrido um bito Dr Mn fala da aus ncia de batimentos Ent o ela conclui ent o esta gravidez n o progredir Ele confirma e diz que eles poder o tentar uma nova gravidez sem problemas Questionei me depois por que n o falar em bito Talvez ela tivesse compreendido com mais facilidade Di rio de campo 03 de novembro de 2009 Pode se perceber assim certa inabilidade em comunicar a ocorr ncia de um bito fetal que possivelmente relaciona se com a dificuldade do pr prio profissional em lidar com quest es relacionadas morte e ao morrer Al m disso os profissionais de sa de parecem banalizar o t rmino precoce de uma gesta o na medida em que o aborto espont neo adquire nuances de seletividade da natureza configurando se como um evento normal no qual rea es emocionais como a tristeza tornam se desnecess rias pois o casal pode tentar engravidar novamente Em outra ocasi o na qual a paciente come a a chorar ao receber a not cia do aborto refleti n o s sobre a dificuldade em transmitir esse diagn stico mas tamb m sobre qual seria a conduta adequada ap s a transmiss o da not cia de um aborto espont neo ou seja como os m dicos e demais profissionais de sa de como os psic logos devem proceder ap s a comunica o da perda gestacional levando em considera o a rea o emocional dos pacientes Hoje
193. erado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Neimeyer R A amp Buchanan Arvay M 2004 Performing the self Therapeutic enactment and the narrative integration of traumatic loss In H J M Hermans amp G Dimaggio Eds The dialogical self in psychotherapy pp 173 189 New York Brunner Routledge Nikcevic A Tunkel S A Kuczmierczyk A R amp Nicolaides K H 1999 august Investigation of the cause of miscarriage and its influence on women s psychological distress British Journal of Obstetrics and Gynecology 106 808 813 Nietzche F 2004 Ecce Homo S o Paulo Companhia das Letras O Sullivan Lago R amp Abreu G 2010 Maintaining continuity in a cultural contact zone identification strategies in the Dialogical Self Culture and Psychology 16 1 73 92 Paim J Travassos Almeida C Bahia L amp Macinko J maio 2011 O sistema de sa de 223 brasileiro hist ria avan os e desafios TheLancet com p 11 31 DOI 10 1016 S0140 6736 11 60054 8http download thelancet com flatcontentassets pdfs brazil brazilporl pdf Parkes C M 1998 Luto estudos sobre a perda na vida adulta M H F Bromberg Trad S o Paulo Summus Pereira S M 1994 Aten o integral sa de da mulher In Universidade Federal da Bahia Faculdade de Medicina Departamento de Medicina Preventiva Sa de Coletiva textos did ticos Org L M V Silva Salvador Cent
194. erienciado e por outro lado o que representado como o indiv duo est experienciando isto Em outras palavras todas as caracter sticas pessoais e todas as caracter sticas ambientais s o representadas em uma experi ncia emocional que deste modo compreende um prisma particular atrav s do qual a influ ncia do ambiente refratada Para Valsiner 2007 os indiv duos constroem sentidos para eventos cotidianos como a rela o estabelecida entre m es e filhos ou a viv ncia de um aborto espont neo por exemplo que se configuram como constru es epis dicas subjetivas envolvendo sentimentos e a poss vel reflex o sobre esses sentimentos atrav s do uso de signos por meio do distanciamento psicol gico Esses sentimentos emergem atrav s do processo constante de experienciar os ambientes pelos quais os indiv duos passam como participantes tempor rios nos eventos que est o acontecendo desse modo que o dom nio dos sentimentos se coloca como central para a constru o de culturas pessoais A vida psicol gica humana em suas formas mediadas por signos afetiva em sua natureza Os indiv duos compreendem as suas rela es com o mundo e do pr prio mundo atrav s dos seus sentimentos que s o eles pr prios culturalmente organizados atrav s da cria o e uso de signos Em outras palavras a experi ncia afetiva um dos elementos fundamentais para a constru o de significados pessoais como aqueles acerca da
195. ervi o privado HI Contratos sociais direitos e obriga es estabelecidos e possibilidade de aceit los ou contest los Assim quando as usu rias da rede privada recorreram um servi o de sa de de refer ncia e tiveram a primeira consulta com o m dico especialista em companhia geralmente do parceiro um plano de a o era tra ado Esse plano de a o envolvia a realiza o de muitos exames sendo alguns destes de elevado custo e nem sempre oferecidos por seus planos de sa de Ap s a investiga o completa e a partir da identifica o de alguma poss vel causa dava se in cio ao tratamento A gravidez deste modo s poderia acontecer ap s o tratamento e a libera o por parte do m dico que as acompanhava Assim sendo em nenhum dos casos entrevistados houve a busca por atendimento m dico especializado na condi o da mulher j estar gr vida Isto parece indicar a exist ncia de um planejamento pr vio constru do a partir da rela o estabelecida principalmente entre a mulher o parceiro e o m dico especialista Vale ressaltar ainda a organiza o do ambiente em que o atendimento m dico especializado era realizado bem como os padr es de relacionamento estabelecido entre m dico e pacientes Em linhas gerais a cl nica localizava se em uma avenida importante de um bairro nobre da cidade Os atendimentos com o m dico especialista eram previamente 94 agendados por t
196. es na barriga a eu fui pro Caribe quando chegou l disseram que tava com desenvolvimento de cinco meses mas tamb m n o disseram que eu tava perdendo simplesmente mandaram ir pra casa e aguardar mas s que eu percebi porque quando a m dica me examinou eu senti que a luva saiu cheia de 80 sangue ai eu percebi que n o tava nada normal mesmo assim eu fiquei tranquila tranquila v rgula n porque a minha press o subiu logo Ana 32 anos quatro perdas gestacionais Assim sendo os profissionais de modo geral e conforme percebido pelas participantes n o escutaram as suas hist rias de vida n o deram a devida import ncia s suas percep es sentimentos e significados Esse rem dio que ela mandou usar pra segurar a crian a ela achava que eu tinha algum tipo de dilata o no tero mas na verdade n o era por dilata o era a press o arterial que aumentava eu disse a ela Ela ficou surpresa quando eu cheguei l uma semana depois j fui com a press o alta a ela falou n o entendi nada trabalhei certinho com voc n o estou entendendo nada A eu disse mas eu avisei senhora que a coisa acontecia de uma hora pra outra Ana 32 anos quatro perdas gestacionais Al m disso a conduta profissional foi em muitos casos marcada pela express o de preconceitos Por esse motivo as mulheres foram tantas vezes acusadas pelo crime do aborto provocado julgadas e submetidas a cas
197. esafios para o campo da sa de coletiva Cad Sa de P blica Rio de Janeiro 193 194 Recuperado em 29 de junho 2012 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line 222 www scielo br Miller T 2005 Making sense of matherhood a narrative approach United Kingdom Cambridge university press Montero S M P Sanchez J M R Montoro C H Crespo M L Ja n A G V amp Tirado M B R Novembro dezembro 2011 A experi ncia da perda perinatal a partir da perspectiva dos profissionais de satide Rev Latino Am Enfermagem 19 6 1 8 Recuperado em 29 de junho 2012 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line www scielo br Moulin A M 2008 O corpo diante da medicina In A Corbin J J Courtine amp G Vigarello Eds Hist ria do corpo As muta es do olhar O s culo XX E F Alves trad 2 Ed pp 15 82 Petr polis RJ Vozes Neugehauer R Kline J O Connor P Shrout P Johnson J Skodol A et al 1992 october Determinants of depressive symptoms in the early after miscarriage American Journal of Public Health 82 10 1332 1339 Recuperado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Nakano Y Oshima M Sugiura Ogasawara M Aoki K Kitamura T amp Furukawa T A 2004 Psychosocial predictores of successful delivery after unexplained recurrent spontaneous abortions a cohort study Acta psychiatrica Scandinavica 109 440 446 Recup
198. esultam em uma grande variedade de significados Hermans amp Hermans Jansen 2003 Por m falar em voz implica considerar um corpo que emite essa voz Deste modo a no o de voz evidencia o car ter corporalizado embodied do self O self est corporalizado sempre ligado a uma posi o particular no espa o e no tempo quer fisicamente quer mentalmente A natureza espacial do self se traduz em termos de posi o e posicionamento Hermans Kempen amp van Loon 1992 d Alte Petracchi Ferreira Cunha e Salgado 2007 Vale ressaltar ainda que o campo das posi es de Eu envolve tanto posi es internas quanto posi es externas sendo que as primeiras s o sentidas como partes do si mesmo por exemplo Eu m e enquanto as ltimas s o sentidas como parte do ambiente isto referem se a pessoas e objetos relevantes para uma ou mais posi es internas Posi es externas e internas recebem a sua relev ncia atrav s das suas transa es m tuas ao longo do tempo De uma perspectiva te rica todas estas posi es internas e externas s o posi es de Eu na medida em que elas s o parte do self que intrinsecamente estendido para o ambiente Neste sentido o self dial gico social j que as outras pessoas ocupam posi es no self multivocalizado Hermans amp Hermans Jansen 2003 e estas posi es de Eu podem se comunicar umas com as outras Fogel et al 2002 Vale ressaltar por m conforme
199. exaustiva de sustentar a viabilidade da posi o de Eu m e ainda que em alguns casos em uma vers o reformulada de Eu m e adotiva Ou seja uma tentativa de sustentar certa estabilidade que se relaciona com a quest o da identidade e assim evitar uma mudan a mais profunda em sua identidade uma ruptura definitiva daquilo que a mulher e os outros imaginavam que poderia ser vir a ser Vale ressaltar que a maternidade configura se como um signo hipergeneralizado que permeia e promove o modo de pensar e sentir em sua totalidade medida que atravessa a mir ade de espa os da vida cotidiana uma no o cultural carregada de valor que sobredetermina as mentes humanas sendo socialmente promovida e pessoalmente internalizada um signo que atua como um mediador semi tico nos processos de comunica o humana tanto entre pessoas e institui es como na condi o de regulador intrapsicol gico Deste modo o poder dessa no o cultural e seu significado hipergeneralizado orientam a conduta humana bem como as necessidades afetivas Valsiner 2007 Nesse sentido o amor materno pode ser entendido como um campo hipergeneralizado exemplificando a fun o regulat ria dos signos atrav s de marcadores semi tico emocional que reconfiguram a rela o pessoa ambiente Afinal o amor materno consiste em um poderoso catalisador semi tico emocional como por exemplo a no o sentida por uma mulher de amor e o valor vinculado a
200. exige a reconstru o de planos e metas passadas levando a redefini es da identidade Isto porque a concretiza o dessa possibilidade mudaria radical e profundamente o que a mulher e os outros da sua rede social imaginavam para ela O futuro marcado por essa possibilidade antecipado interferindo em como ela percebe a si mesma e no modo como age No decorrer do tempo e com a repeti o das perdas gestacionais algumas indaga es fazem se cada vez mais presentes no campo da autorreflex o do self por que comigo Quando voltar a engravidar experienciarei outro aborto espont neo Ser que um dia vou conseguir ter o meu pr prio filho ap s sofrer tantas perdas involunt rias Essas indaga es parecem ilustrar que a identidade dessas mulheres severamente desafiada com essas experi ncias Logo n o conseguir alcan ar os padr es socialmente aceit veis relacionados ao tornar se m e j que h uma expectativa sociocultural de que as mulheres tenham filhos muitas vezes ligado a um suposto instinto maternal que inclui proteger nutrir e abrigar o filho pode implicar no sentimento de que n o conseguiram corresponder s suas pr prias exig ncias internas Pode tamb m levar a mudan as em v rios aspectos da sua identidade 210 como a rela o com o seu pr prio corpo seus planos para a vida Benute Nomura Pereira L cia amp Zugaib 2009 Assim os casos analisados ilustram a tentativa
201. experi ncia disruptiva e minimizar o n vel de ambival ncia Eduarda refor ou o signo atribuindo lhe ou dando nfase a outro significado Ou seja em vez do signo da imagem do anjo tocando o seu ventre estar relacionado supera o dos abortos espont neos ele foi relacionado supera o da dificuldade para engravidar Em outras palavras a experi ncia de interven o divina resultou no fim de uma suposta condi o de infertilidade mas a eu vi que depois dessa ocasi o eu n o parei mais de engravidar gra as a Deus a gente n o teve mais dificuldade de engravidar Conforme afirma Valsiner 2007 o grande poder da linguagem humana ao guiar a constru o de significados est exatamente na imprecis o desses significados que s o constru dos pelas pessoas em situa es incertas Valsiner 2007 ampliando as possibilidades de assegurar coer ncia reduzir incerteza e garantir continuidade ao longo das trajet rias de desenvolvimento Outra experi ncia significativa em sua trajet ria reprodutiva consistiu na realiza o de um tratamento m dico especializado em aborto de repeti o A realiza o dos muitos exames consistiu em um per odo dif cil para Eduarda por seu elevado custo mas ao mesmo tempo na oportunidade de identificar nomear os poss veis fatores relacionados aos abortos de repeti o e com efeito realizar algum tratamento para impedir novas perdas A possibilidade de nomear uma experi ncia afetiva dis
202. ez a antecipa o da possibilidade de estar novamente gr vida orienta o para o futuro a remeteu sua hist ria pr via de abortamentos mem rias passado fazendo emergir sentimentos altamente ambivalentes entre o querer e o n o querer estar gr vida naquele momento Eu tava muito mal tava muito mal chorava chorava e chorava e chorava com medo de confirmar a gravidez e ficar com os mesmos medos n as mesmas preocupa es a ultrassom n o sei o que Na verdade era um querer a gravidez e na verdade um querer prorrogar n aquele momento entendeu como se eu n o me sentisse ainda preparada pra estar gr vida de novo Eu acho que sentimentalmente emocionalmente 153 eu acho que eu ainda n o tava preparada pra engravidar de novo Al m dos sentimentos ambivalentes em rela o gravidez que foi confirmada naquele momento outro evento contingencial ocorrido no mesmo dia a perda de uma pessoa significativa sua av paterna representaria mais uma ruptura em seus planos relacionados maternidade Afinal a av consistia em uma das pessoas da sua rede familiar afetiva que nutria expectativas em rela o a esse filho Eduarda relata que pedia a Deus atrav s das suas ora es para que sua av pudesse ver o nascimento do seu filho Por m n o houve tempo nem mesmo para lhe dar a not cia da gravidez A minha av era uma pessoa que esperava muito ela sempre dizia oh minha filha ser
203. faela 03 03 N o Beatriz 03 03 N o 65 CAP TULO III A experi ncia de perdas gestacionais recorrentes em contextos p blico e privado de assist ncia sa de uma abordagem etnogr fica Com o prop sito de compreender o contexto social particularmente na dimens o assistencial no qual as mulheres transitaram ao longo do tempo no decorrer das suas trajet rias reprodutivas realizou se um estudo etnogr fico Tal prop sito coaduna se com o objetivo te rico central do presente estudo entender como o self constr i continuidade frente a rupturas sucessivas Tendo como base os pressupostos te ricos da Psicologia Cultural do Desenvolvimento justifica se buscar entender o pano de fundo nos quais as experi ncias de ruptura ocorreram bem como as rela es dial gicas estabelecidas com os diversos atores sociais como os profissionais de sa de Um dos pressupostos b sicos da ci ncia desenvolvimental considerar os sistemas ex as pessoas como abertos isto em constante rela o de troca com o ambiente Neste sentido o desenvolvimento pode ser definido como a transforma o construtiva da forma no tempo irrevers vel atrav s do processo de interc mbio do organismo com o ambiente Valsiner 2007 pessoa e contexto s o portanto indissoci veis Nesse processo de sempre din micas trocas as trajet rias desenvolvimentais desenham se com m ltiplas possibilidades Tais trajet rias s o caracterizadas por um movimento
204. fetam a pr tica social O conte do cultural dos termos aborto espont neo e natimorto assim apresentam desafios quando analisados em profundidade Afinal o natimorto distinguido do aborto espont neo pela viabilidade potencial do feto isto refere se ao parto de um beb que teria sido vi vel no momento em que ele deixou o tero materno mas que nasceu sem vida ao contr rio do aborto espont neo No entanto o que constitui viabilidade fundamentado no estado de conhecimento da comunidade m dica sua habilidade e recursos tecnol gicos para manter vivo um beb nascido antes do tempo Desta forma nomear um evento como a morte fetal reflete o estado do conhecimento naquele per odo hist rico que fortemente influenciado pelos valores e interesses da sociedade O autor problematiza ent o porque alguns beb s n o vi veis podem ser considerados natimortos enquanto outros n o Na pr tica 27 as consequ ncias dessas contradi es s o evidentes os familiares de beb s natimortos at mesmo aqueles fora dos limites atuais de viabilidade s o em geral providos com rituais de reconhecimento da concep o e do pesar tais como certid o de nascimento e morte e enterro enquanto aquelas fam lias que vivenciaram um aborto espont neo n o o s o apesar de em muitos casos os sentimentos de perda serem igualmente profundos A maneira pela qual a morte fetal ser recebida pela mulher por seu parceiro fami
205. ficada por essa situa o contrastante de dividir o momento de dor e pesar com mulheres que tinham acabado de dar luz aos seus filhos 78 Signos significados e pr ticas que regularam as trajet rias reprodutivas a rela o com os profissionais de sa de De t o longe n o se escuta N o se escuta e n o se entende Cec lia Meireles Outro aspecto relevante consiste nas distintas sugest es sociais que existiram no epis dio particular do encontro com o outro nos diferentes contextos de assist ncia sa de Tais sugest es sociais emergiram de diferentes modos tanto na pr tica e no discurso m dico durante o atendimento s mulheres com hist ria de aborto de repeti o quanto na acessibilidade aos servi os e na disponibilidade dos recursos tecnol gicos No que tange pr tica e ao discurso m dico pode se notar que no contexto de assist ncia p blica houve a sugest o expl cita por parte de alguns profissionais para que as mulheres descontinuassem as tentativas de gravidez ap s a viv ncia de algumas perdas alertando se para os riscos sa de e vida da mulher A partir dessas sugest es enunciadas por especialistas podem se evidenciar algumas das pol ticas de corpo presentes no contexto de assist ncia p blica isto algumas formas de regula o e de controle que produzem identidades e subjetividades Malin 2003 O relato abaixo ilustra essa situa o Quando eu perco os m dicos ficam falando
206. ficado Parceiro Desejo de Esperan a esfera do corpo outos paternidade a significativos a Gravidez Susto ae I ESFERA 5 pao RELIGIOSA E R ovia Mone ey Wey Loucura EU MAE If Experi ncia J o N ne M de cura gt idez Posi o de Eu potenci Perda gestacional eet A Gravee NS i ta cravide2 s me RUPTURA ra AR X p Granite a SK deZ ie Rie Pas ap Eu n o m e 4a Grani NT Aigo S a ie eagao i Bree Smocondl A Posi o de Eu potencial E L Trauma oe ee Eu n o m e Redu o n vel ado E p i ambival ncia En Posi o de Eu potencial I Por que dor Fam lia extensiva e amigos quando Ele fisiol gica Oposi o maternidade d Ele abandono e desamparo garante Tempo irrevers vel PASSADO PRESENTE FUTURO N o ter filhos n o maternidade 114 CAP TULO V Oposi es nos campos semi ticos do self a emerg ncia da ag ncia pessoal A trajet ria reprodutiva de Ana no contexto p blico de sa de E como um vazio que vai ser preenchido Narrativa autobiogr fica das gesta es e perdas Ana tem 32 anos de idade vive em uni o consensual com o parceiro h 10 anos e possui trajet ria reprodutiva marcada por quatro gesta es que resultaram em um bito neonatal e tr s beb s natimortos A narrativa constru da acerca das suas quatro gesta es gira em torno das muitas dificuldades enfrentadas no decorrer dessas e q
207. ficado foi coconstru do com profissionais de sa de e outras pessoas da sua rede social pr xima eu ainda n o consegui engravidar a eu t achando os m dicos falam que a ansiedade eu preciso de uma psic loga hoje tenho que conversar tenho que desabafar e tudo tem risco aumentado de insufici ncia renal aguda de edema pulmonar de ascite de edema cerebral e de ruptura hep tica Reddy amp Witter 2001 172 As din micas no mbito do self processos dial gicos envolvidos na autorregula o semi tica A trajet ria reprodutiva de Beatriz apresenta se marcada por perdas gestacionais e s rios riscos pr pria vida em decorr ncia da persist ncia em engravidar Nesse cen rio no qual a vida constantemente amea ada ou perdida muitas pessoas significativas expressaram oposi o escolha de Beatriz em persistir por esse caminho Essas vozes em oposi o sua escolha pela maternidade biol gica intensificaram a ambival ncia relacionada tomada de decis o entre engravidar novamente ou desistir Em detrimento a essa oposi o e com o prop sito de empoderar seu pr prio self e dar sustenta o decis o de engravidar novamente Beatriz recorre a um poderoso aliado o discurso biom dico Afinal tal discurso legitima o caminho escolhido calcado especialmente no avan o tecnol gico prometendo lhe algumas certezas em um cen rio repleto de incertezas A gente conversou com o m dico se ele f
208. g ncia de reguladores semi ticos e significados generalizados que garante a autorregula o da hierarquia semi tica ao longo do tempo e contextos propiciando certa estabilidade din mica no self dial gico Valsiner 2002 No processo de autorregula o o self dial gico constantemente constr i hierarquias de signos seja atrav s de significados bem definidos ou campos mal definidos de afeto significativo Por m a experi ncia de rupturas recorrentes desafia esse processo de autorregula o do self Atrav s dos casos analisados no presente trabalho foi constru da a ideia da exist ncia de um tipo espec fico de processo semi tico denominado de estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Estas estrat gias ao serem utilizadas levam constru o de signos espec ficos os signos reparadores que t m o poder de realizar algum tipo de conex o dos fragmentos da trajet ria interrompida construindo alguma articula o entre esses fragmentos e resgatando certo senso de continuidade Entretanto argumentou se tamb m que a repeti o das perdas gestacionais ao longo da trajet ria reprodutiva pode exigir 206 a constru o de hierarquias de signos cada vez mais complexas e abstratas no mbito do self atrav s do uso de signos superiores nos n veis hier rquicos de regula o como aqueles relacionados aos afetos aos valores pessoais ou seja recorrer a um controle din mico crescente na regul
209. ganizados em diferentes n veis desde aqueles situados pr ximos aos processos fisiol gicos imediatos at os hiperabstratos e supergeneralizados dos sentimentos totais Valsiner 2007 p 260 No nivel mais alto de generaliza o os sentimentos mediados por signos s o indiferenciados Neste sentido a pessoa simplesmente sente algo mas n o consegue colocar tal sentimento em palavras Valsiner 2007 p 261 Trata se de um sentimento hipergeneralizado semioticamente mediado ao qual o discurso racional sobre as emo es est subordinado Um exemplo de fen meno afetivo de ordem superior s o os valores entendidos como recursos humanos b sicos de orienta o afetiva ontogeneticamente internalizados por m sua externaliza o pode ser observada em diversos aspectos da conduta humana S o campos semi ticos din micos Valsiner 2007 p 262 Na medida em que os valores alcan am a condi o de hipergeneralizados eles n o podem mais ser facilmente verbalizados Apesar disso as pessoas podem agir de modo decisivo direcionadas por seus valores O tornar se m e deste modo pode ser considerado um valor internalizado ao longo da trajet ria de vida e intensificado ou despertado pela experi ncia de uma perda gestacional 191 Os campos afetivos do tipo superior regulam a experi ncia em sua totalidade E uma vez que um signo do tipo campo de car ter afetivo se torne hipergeneralizado ele colore
210. gno tratamento m dico especializado construindo o significado de prolongamento da vida do feto ele o feto chegou at nove semanas foi o que mais foi o nico que foi at nove semanas porque o outro foi at sete oito ele foi at nove semanas Por m apesar desse movimento de emerg ncia e media o semi ticas a fim de minimizar as tens es as ambival ncias mantendo certa estabilidade outras vozes de outros significativos colocaram em quest o essa rede fr gil de significados constru da por Eduarda Conforme Valsiner 2007 os mundos pessoais culturais est o constantemente sujeitos entrada de sugest es sociais heterog neas frequentemente contradit rias ou ambivalentes Neste sentido o esposo expressa ideias de desist ncia em rela o a dar continuidade tentativa de terem um filho que entendida por Eduarda como um problema dele eu acho que eu consigo superar melhor do que ele porque ele j teve assim ideias de desist ncia entendeu pensamentos negativos em rela o a toda essa nossa luta toda essa busca eu gra as a Deus nunca tive esse problema n o 7 Imuniza o com linf citos paternos um tratamento imunol gico para casais com abortos recorrentes de causa aloimune crossmatch negativo O objetivo do tratamento preparar o sistema imune materno para reconhecer o embri o no momento da nida o Para isso s o realizadas imuniza es intrad rmicas preparadas a pa
211. gr fico Radiol Bras 43 2 125 132 Salazar C C Filho J S C Shalatter D Mattiello S S Facin A C Freitas F M 2001 224 novembro dezembro Abortamento de repeti o Revista Femina 29 10 Salgado J amp Gongalves M 2006 The dialogical self social personal e um conscious In J Valsiner amp A Rosa Eds The Cambridge Handbook of Sociocultural Psychology Cambridge New York Cambridge University Press Santos A L D Rosenberg C P amp Buralli K O 2004 Hist rias de perdas fetais contadas por mulheres estudo de an lise qualitativa Revista Sa de P blica S o Paulo 38 2 Recuperado em 07 de outubro 2006 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line www scielo br Santos I S Uga M A D Porto S M Outubro 2008 O mix p blico privado no Sistema de Sa de Brasileiro financiamento oferta e utiliza o de servi os de sa de Ci nc sa de coletiva Rio de Janeiro 13 5 Recuperado em 23 de setembro 2012 da SciELO Scientific Eletrocnic Library On line www scielo br Sato T Yasuda Y Kido A Arakawa A Mizoguchi M amp Valsiner J 2007 Sampling Reconsidered Idiographic Science and the Analyses of Personal Life Trajectories Em J Valsiner amp A Rosa Eds Cambridge Handbook of Socio Cultural Psychology pp 82 106 Cambridge Cambridge University Press Sato T Hidaka T amp Fukuda M 2009 Depicting the dynamics of living the
212. hados pelo grupo historicamente constru dos e continuamente negociados nos processos interativos entre os seres humanos Madureira amp Branco 2005 p 101 Desta forma tanto a cultura pessoal como a coletiva s o constantemente coconstru das nos contextos das intera es humanas relacionando se de modo dial tico e cont nuo O indiv duo deste modo atravessado pela hist ria e pela cultura parte do todo de acordo com a l gica da separa o inclusiva ou seja difere estruturalmente do contexto sociocultural mas mant m com ele uma interdepend ncia sist mica a pessoa distinta do contexto ao mesmo tempo em que parte dele Valsiner 2007 p 132 Al m disso Valsiner 2007 tamb m define a cultura como um mecanismo de dist ncia psicol gica Isto significa dizer que a partir da capacidade e propens o dos seres humanos para criar e utilizar recursos semi ticos esses se tornam aptos a se distanciar em rela o aos seus contextos de vida imediatos Desta maneira o indiv duo simultaneamente um ator que est imerso em um determinado contexto e um agente reflexivo que pode se 38 distanciar do cen rio no qual est imerso Essa reflex o que ao mesmo tempo cognitiva e afetiva permite que o sistema psicol gico considere contextos do passado imagine contextos no futuro assim como assuma a perspectiva de outras pessoas A natureza dial gica do desenvolvimento humano A partir da no o d
213. ico foi introduzida no campo da psicologia por Hermans Kempen e Van Loon 1992 Emergiu da interface de duas tradi es o Pragmatismo Americano e o Dialogismo Russo No que se refere teoria do self a inspira o foi encontrada nos trabalhos de William James 1890 e George Mead 1934 Como teoria dial gica foi elaborada a partir das ideias sobre processos dial gicos de Bakhtin 1929 1973 Hermans amp Hermans Konopka 2010 O principal argumento constru do por Bakhtin e seguido por Hermans e colaboradores consiste na met fora das novelas polif nicas especialmente as de Dostoievsky que possui como n cleo a no o de di logo De acordo com Hermans e Hermans Jansen 2003 a principal caracter stica da novela polif nica corresponde ao fato dela ser composta por um n mero de pontos de vista independentes e mutuamente opostos incorporados por personagens envolvidos em rela es dial gicas Cada personagem considerado como o autor de sua pr pria vis o de mundo e funciona como 39 consci ncia individual com uma voz espec fica A polifonia assim consiste nas v rias vozes que s o capazes de emergir cada uma com uma vis o e compromisso espec fico com a vida ressaltando que conforme afirma Bakhtin cada voz tem sempre um envolvimento social Salgado amp Gon alves 2006 Deste modo a teoria do self dial gico iniciada por Hermans e colaboradores explora as implica es da no o de uma polifonia dial gica
214. iderar esses signos de repara o semi tica como conectores sejam eles flex veis permitindo maleabilidade das trajet rias ou r gidos O processo de constru o dos signos reparadores pode ocorrer de duas maneiras a primeira atrav s da internaliza o de um signo proveniente de alguma esfera da vida como a esfera m dica ou religiosa na qual a pessoa encontra se inserida a segunda atrav s do processo denominado bricolagem O termo bricolagem foi introduzido por Zittoun Valsiner Vedeler Salgado Gon alves e Ferring 2012 para se referir auto organiza o do sistema de acordo com as demandas da situa o e sem planejamento pr vio Consiste em uma montagem flex vel sintonizada s especificidades da situa o na medida em que utiliza os recursos simb licos dispon veis naquele tempo e espa o particular Por tratar se de uma inven o humana envolve criatividade e imagina o Atrav s da bricolagem um mosaico de diferentes significados pode ser constru do e integrado um ao outro a partir do uso de distintos recursos simb licos dispon veis no momento e contexto espec fico em combina o com a experi ncia pr via da pessoa podendo funcionar como um signo reparador Os signos reparadores podem apresentar diferentes n veis de generalidade e abstra o isto ser do tipo ponto ou do tipo campo Os signos do tipo ponto s o representa es homog neas e est veis de algo como uma palavra por exem
215. inanceiramente n porque eu acho assim psicologicamente eu sempre tive n preparada risos porque eu sempre pensei positivo n o pensei em desistir nunca sempre forte n assim sempre pensando positivo Ent o com o objetivo de economizar dinheiro para realizar o tratamento m dico Beatriz passou a juntar moedas Ao final de dois anos relata que havia reunido mais de 20 quilos em moedas de um real somando a quantia de aproximadamente sete mil reais Assim concluiu que havia chegado o momento de realizar o tratamento e ent o tentar uma nova gravidez Deste modo buscou atendimento m dico especializado ap s dois anos da terceira perda gestacional Ao realizar os exames solicitados pelo m dico especialista foram identificadas algumas altera es imunol gicas tais como trombofilias altera o na coagula o sangu nea havendo maior risco para a forma o de trombos ou trombose e fatores aloimunes resposta imunol gica do corpo materno de n o reconhecimento e aceita o do concepto Realizou o tratamento aloimune e foi liberada pelo m dico para engravidar em dezembro de 2010 Por m quase um ano depois Beatriz relata que ainda n o havia conseguido engravidar Por esta raz o solicitou atendimento psicol gico em novembro de 2011 momento em que a segunda entrevista foi realizada por acreditar que a raz o para n o estar conseguindo engravidar consistia no elevado n vel de ansiedade Vale ressaltar que esse signi
216. ioria das mulheres informava ter um bom poder aquisitivo caracter stica compat vel com o perfil da clientela da maternidade estudada 64 Quadro III Perfil s cio demogr fico das entrevistadas Contexto privado de sa de Nome Idade Estado civil Etnia Escolaridade Profiss o Eduarda 28 anos Casada Negra 2 grau T cnica de completo contabilidade Juliana 36 anos Solteira Parda 3 grau M dica completo Fl via 32 anos Casada Branca 2 grau Professora completo Rafaela 30 anos Solteira Branca 3 grau Gerente completo administrativa Beatriz 27 anos Casada Parda 2 grau Comerciante completo Caracteriza o da hist ria reprodutiva A hist ria reprodutiva das mulheres entrevistadas caracterizou se por um n mero de gesta es que variou de quatro a cinco incluindo a gravidez atual e de perdas gestacionais subsequentes entre tr s a quatro No momento da entrevista quatro das mulheres entrevistadas estavam gr vidas Vale ressaltar que as perdas gestacionais ocorreram em per odos variados do primeiro ao ltimo trimestre da gesta o e inclu ram aborto espont neo natimortos e bito neonatal imediato e ou dias ap s o parto Nenhuma das entrevistadas possu a filhos Quadro IV Caracteriza o da hist ria reprodutiva Contexto privado de sa de Entrevistadas N de N de perdas Gestante por ocasi o da gesta es gestacionais entrevista Eduarda 07 06 Sim 5 semanas Juliana 03 03 N o Fl via 02 02 N o Ra
217. is ao longo das suas trajet rias Valsiner 2007 A partir desses recursos materiais e simb licos dispon veis nesses diferentes contextos sociais outra quest o consistiu no eixo principal de orienta o para a constru o do presente trabalho Isto como essas mulheres conseguem a partir de recursos internos e externos que disp em lidar com repetidas rupturas significativas em sua trajet ria de vida Em termos te ricos como o self constr i certo senso de continuidade de consist ncia ao longo de tempo em detrimento s recorrentes rupturas experienciadas A amplia o do foco de estudo justifica se por pelo menos tr s raz es 17 1 Poucos estudos na literatura nacional e internacional abordam a tematica das perdas gestacionais recorrentes do ponto de vista da subjetividade feminina a maioria privilegia aspectos biom dicos como os fatores associados a este tipo de ocorr ncia Volkmer 2009 2 Do mesmo modo poucos estudos consideram a amplitude dessa experi ncia como se da por exemplo frente a diferentes contextos sociais No que tange a esse segundo aspecto fazem se necess rias algumas considera es De modo geral a an lise dos diferentes contextos consiste em um aspecto relevante visto que estes circunscrevem diferentemente a constru o de distintas subjetividades bem como revelam a variabilidade de trajet rias de vida pessoais Conforme afirma Chaudhary 2011 a exist ncia de um sentido de self
218. iste no mais relevante na medida em que define o objeto deste estudo Nesse sentido tais rupturas exigem a confronta o repetida de aspectos importantes de suas identidades como aqueles relacionados ao empoderamento feminino ao poder da mulher relacionado sua liberdade de decidir e controlar o seu pr prio destino da autonomia no que se refere ao controle do seu pr prio corpo e da sua sexualidade Com o prop sito de construir um senso de continuidade de integridade ou consist ncia atrav s da experi ncia de rupturas recorrentes ao longo da trajet ria de vida as mulheres recorrem ao que no presente trabalho foi denominado de estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Essas estrat gias partem do pressuposto te rico de que o self configura se como um sistema aberto multivocalizado e dial gico constitu do imaginariamente pela coexist ncia de v rias posi es de Eu que possibilitam a elabora o de diferentes significados pessoais sobre a mesma experi ncia O Sullivan Lago amp Abreu 2010 Ribeiro amp Gon alves 2010 Nesse sentido a re jconstru o das narrativas do self depende das configura es din micas das posi es de Eu que s o reguladas por signos Ribeiro amp Gon alves 2010 Em outras palavras as re configura es da estrutura das posi es de Eu s o mediadas por um processo semi tico regulat rio cont nuo Valsiner 2004 Nesse processo a pessoa desempenha um papel ativo
219. isto n o foi poss vel em decorr ncia dos abortos involunt rios aspectos estruturantes da sua identidade foram colocados em risco A experi ncia da n o maternidade involunt ria deste modo amea ou algumas significados que atribu a a si mesma ao mesmo tempo em que tamb m colocou em risco o posicionamento simb lico que acreditava possuir na rela o com outros significativos A posi o de Eu m e altamente valorizada por Juliana e muitas s o as raz es pessoais para isto Primeiramente tornar se m e consiste em um valor simb lico cultural mediado e transmitido transgeracionalmente por sua fam lia E isto ocorreu n o somente atrav s das narrativas desses outros significativos mas tamb m atrav s das experi ncias femininas de familiares com a maternidade e com a n o maternidade fui criada com essa ideia mulher tem que ter filhos Sem filhos fica sozinha sem motiva o J a m e vive em volta dos seus filhos Juliana relata exemplos de tias que n o tiveram filhos e atualmente vivem o que ela descreve como uma vida sem prop sito sem motiva o Deste modo havia uma expectativa pessoal e social para que se tornasse m e uma orienta o afetiva ontogeneticamente internalizada Esses textos familiares s o ideologias coletivo culturais que orientam a escultura das realidades de intera o social das pessoas em desenvolvimento ao longo de todo o seu curso de vida Como tal esses textos operam como
220. ito comuns entre as entrevistadas O sentimento de culpa encontrou se relacionado ao significado de causalidade atribu do s perdas relacionado a alguma a o danosa empreendida pelas mulheres ou a algum problema de ordem f sica ou ps quica concernente a estas Esse sentimento tamb m apareceu de modo subjacente em algumas narrativas como em situa es em que as entrevistadas analisaram positivamente o fato dos parceiros n o t las responsabilizado pelas perdas Por sua vez o sentimento de vulnerabilidade pessoal ao longo de cada nova tentativa de gravidez caracterizou o estado subjetivo de todas as entrevistadas Ou seja a gravidez ap s a hist ria de perdas gestacionais recorrentes era percebida como um evento estressante potencialmente amea ador visto que poderia lev las a vivenciar no futuro determinados eventos avaliados como negativos como complica es gestacionais uma 21 nova perda conflitos familiares entre outros e que suscitava emo es como o medo e a ansiedade A emerg ncia do sentimento de culpa tamb m foi identificada no estudo realizado em S o Paulo SP por Benute Nomura Pereira Lucia e Zugaib 2009 com a finalidade de caracterizar a popula o que sofreu abortamento provocado e espont neo e investigar a exist ncia ou n o de ansiedade e depress o atrav s da aplica o de instrumento padronizado Com rela o amostra de mulheres com abortamento espont neo o sentimento de culpa estev
221. iva de resgatar o conceito de assist ncia integral que consiste no direito de que toda mulher em qualquer contato com o servi o de sa de se beneficie da promo o da prote o e da recupera o da sua sa de Pereira 1994 Um dos objetivos do programa era o de ampliar as a es de sa de destinadas parcela feminina da popula o destacando a 69 aten o pr natal Trevisan De Lorenzi Ara jo amp sber 2002 A realiza o do pr natal adequado essencial redu o da morbimortalidade materno infantil Cesar Mano Carlotto Gonzalez Chica Mendoza Sassi 2011 Nesse sentido outro programa que merece destaque o Programa de Humaniza o no Pr natal e Nascimento PHPN institu do pelo Minist rio da Sa de em 2000 O principal objetivo do PHPN consistia em reduzir as elevadas taxas de morbimortalidade materna e perinatal assegurando o acesso a melhoria da cobertura e da qualidade do atendimento oferecido durante o acompanhamento pr natal da assist ncia ao parto puerp rio e neonatal Tamb m objetivava instituir postura tica e solid ria dos profissionais que deveriam receber com dignidade a mulher seus familiares e o rec m nascido reconhecendo a necessidade de um ambiente acolhedor e impedindo o tradicional isolamento imposto mulher Recomendava ainda a ado o de procedimentos ben ficos mulher e ao rec m nascido evitando pr ticas intervencionistas desnecess rias Brasil 2002
222. iver que dar certo Deus n o vai enviar gesta o pra mim se n o for pra dar certo pra eu sofrer tudo de novo Em seu fluxo de pensamento ent o Ana recorre no o internalizada de Deus para resolver as suas quest es internas E ao fazer isso h a cria o de um campo afetivo hipergeneralizado de espiritualidade Wagoner Gillespie Valsiner Zittoun Salgado amp Sim o 2011 H a emerg ncia de um signo promotor isto um significado hipergeneralizado que promove a integra o da ambival ncia Valsiner 2007 e que lhe permite seguir na dire o de uma nova tentativa de gravidez A idealiza o imaginativa da maternidade promotora dos modos de agir pensar e sentir O sistema de significados relacionados maternidade se desenvolveu e se modificou ao longo da hist ria de gesta es e perdas e do processo relacional e dial gico estabelecido com as outras pessoas Mudan as gradativas em dire o constru o e reconstru o de significados podem ser observadas no decorrer da trajet ria reprodutiva de Ana Assim durante a sua primeira gravidez Ana chegou a cogitar possibilidade de n o lev la a termo dada s circunst ncias nas quais se encontrava Desta forma os significados inicialmente constru dos em rela o maternidade fazem refer ncia a esta como uma escolha que pode ou 131 n o ser realizada por uma mulher Al m disso o seu maior sofrimento ap s a primeira perda gestacional esteve p
223. jet rias de vida como a do pr prio parceiro casamento da rede social pr xima bem como da pr pria sa de mental como nos casos dos transtornos do humor como a depress o e os transtornos de ansiedade No caso da depress o por exemplo a narrativa do self marcada pela domin ncia e repeti o da autodesvaloriza o Ribeiro amp Gon alves 2010 havendo a altera o de como a mulher vislumbra a si mesma o mundo e o seu inter relacionamento com ele Uma vers o extrema da domin ncia de uma determinada voz sobre a sua contraparte oposta que pode ser inteiramente expropriada levando monologiza o do self dial gico Valsiner 2002 Deste modo rupturas inesperadas e significativas no sistema do self demandam processos de transi o que por sua vez promovem mudan as Essas mudan as podem possibilitar s mulheres a restaura o de um senso de consist ncia e continuidade no self mas tamb m podem levar conforme Zittoun 2007 a um senso de aliena o ou seja de perda do self perda da continuidade ou perda do contato com o seu ambiente Isto limita por exemplo 212 a ag ncia em encontrar recursos para enfrentar novas rupturas Com efeito os processos de transi o podem se configurar em manuten o minima do self muitas vezes atrav s de um padr o repetitivo Nesses casos as mudan as n o s o consideradas desenvolvimentais pois impedem que a pessoa se envolva em novos processos de transi o
224. l gicas entre o casal que frequentemente resultam em abortos recorrentes A abordagem se define por investigar as causas das perdas gestacionais que podem ser imunol gicas mas tamb m hematol gicas trombofilias gen ticas infecciosas anat micas e hormonais e trat las especificamente Com o estudo das altera es do sistema imunol gico durante a gravidez 85 dos casais t m obtido xito na gesta o com o tratamento adequado Vale ressaltar que esse tipo de tratamento n o 46 oferecido pela rede p blica de sa de Entretanto a clinica privada encontra se capacitada com equipamentos modernos como a capela de fluxo laminar para a manipula o de hemoderivados em ambiente est ril al m de outros equipamentos que tornam poss vel a realiza o da imunoterapia conforme a recomenda o do Programa de Imunologia da Reprodu o desenvolvido pelo Dr Alan Beer da Finch University of Health Sciences The Chicago Medical School em 1987 A Imunologia da Reprodu o foi trazida para o Brasil em 1993 pelo Professor Livre Docente da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Dr Ricardo Barini No Ambulat rio de Perdas Gestacionais do Centro de Aten o Integral Sa de da Mulher CAISM da UNICAMP Dr Ricardo Barini atingiu sucesso em 81 dos casais que realizavam o tratamento contra 40 de gesta es que evoluiam para parto ap s o terceiro epis dio de aborto antes de institu do o novo tratamento Caetano 2004 A
225. lcance algumas condi es consideradas imprescind veis tais como ser acompanhada pelos melhores m dicos especialistas cujos servi os privados de elevado custo estejam inseridos no mercado de uma grande cidade E assim ao mesmo tempo em que experiencia no corpo no momento presente a morte de um beb seus pensamentos e sentimentos j est o projetados para o futuro no planejamento de uma nova gravidez H a constru o do significado de que poss vel recuperar seu projeto inicial de vida recuperar a sua filha Ester sem conseguir dar se conta que essa repara o da ordem do imposs vel dada a natureza do tempo que irrevers vel Assim analisando mais detidamente o processo de constru o de significados empreendido por Beatriz outros elementos precisam ser considerados Afinal Beatriz relata que a circunst ncia da morte lhe desperta afetos dos quais n o consegue expressar exatamente em palavras n o sei direito explicar Por m na constru o narrativa realiza o esfor o reflexivo semioticamente ancorado de circunscrever esse afeto negativo em termos de emo o que denomina de pavor tenho pavor de pessoas que morrem No que pese esse intenso afeto negativo relacionado morte as perdas gestacionais experienciadas ocorreram dentro do seu pr prio corpo sem que houvesse qualquer alternativa 184 concreta como a esquiva por exemplo de evitar deparar se com algo que lhe despe
226. le coisas que pessoas da B blia sentiram sofreram Como a gente conhece v rias hist rias na B blia tem coisas realmente ruins que precisam acontecer na nossa vida n o pra gente sofrer se martirizar mas pra gente crescer pra gente aprender pra Deus tamb m aben oar outras vidas que possam n vir a passar pelo mesmo problema ou at evitar que elas passem pelo mesmo problema que n o todo mundo que suportaria entendeu ter esse n mero n tantas perdas No trecho acima podemos notar a influ ncia da religi o na constru o cultural pessoal do sofrimento como reden o fazendo o funcionar voltado para metas sociais e pessoais espec ficas pra gente crescer pra gente aprender Deste modo essa nfase sobre o sofrimento enquanto reden o guia a pessoa para agir e atrav s dessa a o para a aceita o 162 de uma determinada filosofia de vida Valsiner 2007 Assim ao identificar se com os personagens da B blia Eduarda empodera o seu pr prio self na medida em que se apropria do valor moral e espiritual e da for a emocional desses personagens do dom nio externo para o dom nio interno Eu personagem b blico atribuindo se um status de modelo isto da sua hist ria servindo como exemplo para outras mulheres ativando um poderoso campo afetivo Deste modo Eduarda constr i algum significado para o sofrimento advindo da experi ncia de abortos repetidos ao mesmo tempo em que d sustenta o
227. lgu m dos poss veis instrumentos para algum fim faz emergir a quest o da ag ncia pessoal A partir da perspectiva da Psicologia Cultural a pessoa considerada a ncora dos processos discursivos que dinamicamente contribuem para a constitui o da sua subjetividade uma subjetividade que suposta ser complexa situada contradit ria e inst vel bem como com capacidade de ag ncia Ag ncia no que diz respeito apropria o rejei o transforma o ou modula o dos v rios discursos na escolha e uso dos elementos culturais e na constru o de posi es subjetivas Falmagne 2004 Deste modo a pessoa agentivamente constr i a sua pr pria identidade ao longo do tempo Abbey amp Falmagne 2008 Entretanto como enfatizam Abbey e Falmagne 2008 a ag ncia possui uma flexibilidade limitada ao mesmo tempo em que a pessoa constru da atrav s desses processos que ocorrem nos n veis local e social tamb m circunscrita por eles A Figura abaixo ilustra os principais aspectos analisados da trajet ria reprodutiva de Joana com nfase para as estrat gias semi ticas para a constru o de continuidade e manuten o da posi o Eu m e ap s a quarta perda gestacional 113 Figura 5 Trajet ria reprodutiva de Joana Ter filhos maternidade aE ESFERAMEDICA Signo promotor Novas tecnologias a E gt Problema placentario a Emerg ncia fi constru o N Pad i significado de signi
228. liares sistemas de suporte e profissionais de sa de depende de circunst ncias psicol gicas sociais e individuais complexas Assim enquanto um grupo poderia experienciar a morte gestacional como uma perda outro poderia perceb la como um al vio e de fato poderia voluntariamente provoc la Para o autor s o as posi es subjetivas dispon veis para as mulheres que experienciaram a morte gestacional que s o problem ticas Mas ainda assim nem a mulher nem qualquer outro indiv duo podem mudar as palavras os estatutos as leis implicadas nessas posi es inoportunas Deste modo o autor recomenda que a centralidade da mulher na gravidez enquanto protagonista seja restaurada Afinal quando se usa o termo aborto espont neo recorrente sem explica o por exemplo situa se o fim da gravidez no modelo centrado nos aspectos m dicos mas perde se de vista o significado do evento para a mulher Trazendo a discuss o de volta para a mulher permitido a ela reconhecer a perda de um beb se este o modo como ela interpreta a experi ncia O autor conclui ent o que a experi ncia do evento deve ser localizada n o na hist ria m dica mas na experi ncia vivida pela parturiente No contexto brasileiro as cren as sobre gesta o parto e maternidade em gestantes com hist rico de abortamento de repeti o foram investigadas por Espindola Benute Carvalho Pinto L cia e Zugaib 2006 em S o Paulo SP Entre os achados os
229. life the trajectory equifinality Model In J Valsiner et al Orgs Dynamic Process Methodology in the Social and Developmental Sciences New York USA Sato T amp Valsiner J 2010 Time in life and life in time between experiencing and accouting Ritsumeikan Journal of Human Sciences 20 pp 79 92 Sato T Fukuda M Hidaka T Kido A Nishida M amp Akasaka M 2012 The authentic culture of living well pathways to psychological well being In J Valsiner Ed The Oxford Handbook of culture and psychology New York Oxford Library of Psychology Savaris R F Abortamento 2006 In F Freitas et al Eds Rotinas em Obstetricia 5a Ed Porto Alegre Artmed Schensul S L Schensul J J amp LeCompte M D 1999 Essential Ethnographic Methods observations interviews and questionnaires Walnut Creek CA AltaMira Silva A P S Rossetti Ferreira M C amp Carvalho A M A 2004 Circunscritores limites e possibilidades no desenvolvimento In M C Rossetti Ferreira K S Amorim Silva A P 225 S amp A M A Carvalho Orgs Rede de significa es e o estudo do desenvolvimento humano Porto Alegre Artmed 2004 Silva A C O amp Nardi A E 2011 Terapia cognitivista comportamental para perda gestacional resultados da utiliza o de um protocolo terap utico para luto Rev Psig Clin 38 3 122 4 Sim o L M 2007 Why otherness in research domain of Semioti
230. los cursos de reconstru o de mensagens Isto implica na constru o da novidade tanto na codifica o como na decodifica o dessas informa es culturais e envolve a transforma o da cultura em tempo real no discurso social por seus participantes Valsiner 2007 Assim a gera o anterior mais antiga re ne mensagens de uma determinada forma singular visando canalizar o desenvolvimento dos mais jovens pertencentes s gera es mais novas Os mais jovens por sua vez analisam ativamente as mensagens culturais recebidas e as reorganizam de modo pessoalmente novo Desta forma a cultura transmitida atrav s das gera es mediante uma intera o dial tica entre estabilidade e transforma o Em uma perspectiva sist mica desta forma os indiv duos s o entendidos como engajados ativamente na constru o de suas pr prias trajet rias e de seus contextos de desenvolvimento Atrav s de rela es dial gicas com a cultura constroem e coordenam subjetividades processo que ocorre inicialmente no interior da fam lia Assim enquanto contexto prim rio de desenvolvimento a fam lia corresponde ao espa o em que se produzem muitos significados e pr ticas que orientam e influenciam as trajet rias desenvolvimentais dos indiv duos Bastos Gomes Gomes amp Rego 2007 Estes significados e pr ticas v m embutidos nas narrativas as quais se colocam como mecanismos de socializa o cada 54 gera o modificand
231. lve a conduta e a pr tica discursiva em rela o s outras pessoas A cultura pode ser entendida como um sistema de media o semi tica isto media o que se estabelece por meio de signos e que compreende uma parte inerente da organiza o sist mica das fun es psicol gicas superiores humanas Para Valsiner desse modo a cultura consiste em um processo de internaliza o e externaliza o pessoa e mundo social constituindo se mutuamente As pessoas est o envolvidas em constante reconstru o de seus mundos intrapsicol gicos atrav s da permanente troca de materiais perceptivos e semi ticos com o ambiente Neste sentido a internaliza o consiste no processo construtivo de percep o e an lise das experi ncias ou dos materiais semi ticos existentes no mundo social e de sua s ntese sob uma nova forma dentro do dom nio intrapsicol gico Valsiner 2007 Isto consiste na transforma o construtiva dos significados do ambiente social para o mundo subjetivo promovendo a inova o dos significados pessoais Zittoun Valsiner Vedeler Salgado Gon alves amp Ferring 2012 Por sua vez a externaliza o consiste no processo construtivo de an lise dos materiais existentes nas culturas pessoais ou seja intrapsicologicamente durante a sua transposi o do dom nio interno da pessoa para o dom nio externo ambiente e a subsequente modifica o do ambiente como uma forma de nova s ntese desses materiais O
232. lvimento daquilo que se esperava e que estava na imin ncia de acontecer o tornar se m e e o nascimento de um beb mas tamb m no sentido de descontinuidade do desenvolvimento do self entendimentos e expectativas que haviam sido constru dos acerca de si e do mundo Promove assim rupturas em seus v rios n veis do corpo f sico ao papel social Deste modo todo o quadro significativo que havia sido constru do sobre o curso da gravidez bruscamente interrompido por sua n o realiza o Em outras palavras a expectativa foi violada pela realiza o de uma outra trajet ria a perda gestacional e o n o tornar se m e de uma crian a Assim quando um sistema sofre uma inesperada interrup o pela modifica o significativa do seu ambiente h a emerg ncia de uma percep o ampliada de incerteza frente ao futuro e a intensifica o da ambival ncia eventos que se configuram como ruptura como descontinuidade no sistema do self Essas rupturas no fluxo da experi ncia exigem processos de reposicionamento e podem solicitar novas aquisi es entendimentos e redefini es pessoais at que essa mulher possa encontrar um caminho atrav s da incerteza em dire o a uma nova regularidade Zittoun 2007 Isto pode exigir tempo e espa o configurando um per odo de transi o Zittoun 2004 2007 Durante o per odo de transi o faz se necess ria a constru o de significado pessoal para o evento disruptivo bem como a integra
233. lvimento est o imersas em uma semiosfera Lotman 2005 um espa o semi tico suas trajet rias de vida s o circunscritas por elementos pessoais hist rico culturais e contextuais Deste modo tanto a rede p blica quanto a rede privada de assist ncia sa de podem ser entendidas enquanto mediadores semi ticos ou seja signos que regulam os processos de comunica o humana entre as pessoas ex entre pacientes e profissionais de sa de e institui es ex entre pacientes e servi os de sa de Mas tamb m atuam na condi o de regulador intrapsicol gico nas mentes humanas culturalmente constitu das Valsiner 2007 Afinal trata se de abstra es criadas e partilhadas coletivamente que estabelecem um campo social que opera por meio de normas constru das E t m um impacto orientador sobre a conduta das pessoas S o assim exemplos de campos de significa o hipergeneralizado promotores dos modos de agir pensar e sentir das pessoas Valsiner 2007 No caso das mulheres investigadas faz se imprescind vel considerar o interjogo cont nuo entre os processos biol gicos ocorridos no corpo no corpo feminino no corpo gr vido no corpo que aborta espontaneamente que sente dor que submetido s interven es da biomedicina e que alvo de interesse das tecnologias reprodutivas dos processos intra e interpsicol gicos como o pensar o sentir o agir o comunicar e o interrelacionar se e a localiza o
234. m filho sendo este ltimo uma poss vel solu o para os problemas conjugais alguns esfor os foram empreendidos para esse fim como se reaproximar do parceiro durante o per odo f rtil na tentativa de engravidar O que de fato aconteceu Tr s gesta es seguidas de tr s abortos espont neos A hist ria das gesta es e subsequentes perdas ocorridas no primeiro trimestre da gesta o foram acompanhadas de uma gradativa amplia o da ansiedade e do sofrimento emocional de Juliana A not cia da primeira gesta o consistiu em um motivo de grande alegria por parte de Juliana e de seus familiares Quando eu soube que eu tava gr vida felicidade pra mim e pra minha fam lia minha fam lia tamb m sempre quis minha m e sempre quis ter netos a gente sempre foi criado na minha fam lia pra poder parir gerar criar fam lia de prefer ncia fam lia grande com tr s quatro filhos ent o quando eu me vi gr vida foi 136 uma satisfa o uma alegria muito grande eu ia realizar o sonho meu e de minha fam lia Algumas semanas depois por m teve um pequeno sangramento o que levou Juliana a buscar a assist ncia da sua m dica ginecologista em Salvador Durante o exame do ultrassom a m dica constatou que a idade fetal n o era compat vel com o tamanho do feto confirmando o diagn stico de aborto espont neo A viv ncia do aborto por m n o despertou muita preocupa o por parte de Juliana que
235. m aspecto espec fico da emerg ncia do sentimento de responsabilidade subjetiva configura se na constru o de sentido pessoal para a manuten o ou agravamento do quadro hipertensivo desencadeado em suas gesta es em decorr ncia da eleva o do n vel de ansiedade como ilustra o relato a seguir Quando a m dica me examinou eu senti que a luva saiu cheia de sangue a eu percebi que n o tava normal mesmo assim eu fiquei tranquila tranquila v rgula n porque minha press o subiu logo 127 Retomando retrospectivamente sua experi ncia construimos uma sequ ncia hipot tica e simplificada das intricadas e complexas rela es entre o corpo e suas rea es com a codifica o semi tica do campo afetivo Ver Figura 8 Em um primeiro momento poss vel que Ana tenha sentido algo estranho diferente em seu corpo corpo este que abriga a gravidez em desenvolvimento Sente algo do qual n o consegue especificar N o se sente bem h a sensa o de um mal estar f sico o que a faz buscar atendimento m dico A experi ncia subjetiva de ansiedade precipitada pela constru o de sentido pessoal de amea a ou perigo a determinados eventos No fragmento acima a imagem do pr prio sangue implicou na emerg ncia de um signo indicador de complica o gestacional No processo de constru o do significado a experi ncia reprodutiva de Ana no passado referencia o modo por meio do qual ela constr i um sentido do prese
236. m como residentes e internos de medicina da referida institui o Durante a minha apresenta o fui convidada por um dos m dicos a conhecer a sua cl nica privada que tamb m atendia mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes Eis que surgiu ent o a oportunidade de alcan ar uma nova perspectiva sobre a tem tica que venho estudando desde 2002 Seguindo nessa dire o no doutorado o objetivo foi o de ampliar e aprofundar a investiga o sobre mulheres que vivenciam perdas gestacionais recorrentes realizando um estudo de cunho etnogr fico e introduzindo uma perspectiva comparativa entre mulheres oriundas de diferentes contextos sociais Assim sendo uma das quest es iniciais e norteadora do estudo realizado foi como se caracteriza a viv ncia de trajet rias reprodutivas marcadas por perdas gestacionais recorrentes frente a diferentes contextos sociais Neste sentido foram considerados os campos de possibilidades de cada mulher inserida nos diferentes grupos sociais campo este constitu do n o s por realidades materiais acesso e qualidade dos servi os de sa de procedimentos m dicos e recursos tecnol gicos mas tamb m por diferentes processos discursivos e afetivos diferentes vozes que circunscrevem suas escolhas e possibilidades subjetivas Tais circunscritores participam do processo de s ntese pessoal que por sua vez determina os cursos de a o poss veis assim como a constru o dos significados pessoa
237. m olhar ainda mais apurado em rela o aos processos de mudan a no mbito do self Nessa pesquisa apenas dois casos foram acompanhados ao longo do tempo no decorrer de um processo psicoter pico E de fato os dados obtidos mostraram com uma riqueza de detalhes as transforma es subjetivas o processo de constru o dos signos reparadores e as estrat gias utilizadas para seguirem na dire o da maternidade Al m disso pode se ainda apontar a quest o da abrang ncia dos casos estudados na medida em que a pesquisa focalizou apenas mulheres Seria importante ultrapassar essa delimita o e expandir os casos estudados dando voz a outros atores como os pr prios familiares em especial os parceiros que de acordo com as narrativas das pr prias participantes desse estudo compreenderam importantes interlocutores revelando o intenso desejo de ter filhos e expressando dor emocional quando as perdas ocorriam Outros atores sociais fundamentais como objeto de investiga o s o os profissionais de sa de t o presentes ao longo das trajet rias reprodutivas dessas mulheres mas com uma atua o marcada por muitas ambival ncias entre o acolhimento e o descaso a 2 escuta e a indiferen a a compreens o e a express o de preconceitos pessoais e sociais E 214 prov vel que os significados pessoais em articula o com os significados culturais acerca da maternidade aborto assist ncia p blica perda morte estejam influenciando suas pr
238. m pensar de novo passar por tudo isso Ap s essa segunda perda gestacional o casal come ou a pagar um plano de sa de para Beatriz a fim de que ela pudesse ter acesso a uma assist ncia na qual eles acreditavam ter melhor qualidade como j aconteceu isso vamos procurar um m dico particular e mais experiente n nessa rea Em 2008 Beatriz engravidou pela terceira vez Realizou o acompanhamento pr natal no contexto da assist ncia privada em uma cidade pr xima da qual reside Relata que a cada vinte dias ia para essa cidade realizar os exames m dicos No entanto quando estava com cerca de sete meses algumas altera es na gravidez foram detectadas pelo m dico quando chegou o per odo de fazer a ultrassom morfol gica eu cheguei l e o m dico percebeu que o beb estava muito abaixo do peso a minha press o estava muito alta ent o ele percebeu que tava alguma coisa errada Beatriz foi encaminhada com urg ncia para uma cl nica particular de outra cidade Feira de Santana a fim de repetir o exame de ultrassom em um equipamento mais moderno Apesar das informa es m dicas acerca das complica es gestacionais Beatriz relata que havia levado um DVD para que fossem gravadas as imagens do beb que mais uma vez tratava se de uma menina mas foi desaconselhada pelo m dico que relatou que n o seria poss vel ver o beb pois ele estava muito pequeno a ele me disse n o vai dar pra voc
239. mas de discrimina o social Valsiner 2007 p 113 A distin o Eu Eles deve ser acrescida ent o de uma orienta o para metas generalizadas ou imperativos morais Ao paciente como a pr pria palavra indica cabe a obedi ncia passiva ao saber especializado e supostamente cient fico da medicina os m dicos por sua vez devem usar o saber que possuem para cuidar do paciente Ao que parece tomando como base a a o empreendida nos contextos de sa de conforme descrita por Ana os m dicos tamb m realizaram uma valora o da paciente atendida Afinal tratava se de uma mulher negra pobre moradora da periferia da cidade com pouca escolaridade poss vel que essas caracter sticas que n o apenas a diferenciam desse outro mas a tornam inferior dado os estigmas sociais tenham orientado o atendimento despersonalizado mec nico permeado por atitudes de pouco interesse para com as percep es e experi ncias relatadas por Ana Deste modo a rela o m dico paciente caracterizou se por ser do tipo monol gica na qual os m dicos desconsideraram a subjetividade da paciente inviabilizando a possibilidade de estabelecer com ela uma rela o comunicativa Salgado amp Gon alves 2006 E assim a valora o das distin es feitas pelos m dicos do tipo negativo implicou numa desvalia do relato constru do por Ana sobre a sua hist ria reprodutiva Com efeito os m dicos exerceram seu papel lig
240. mento Em rela o morte a percep o de risco vida de Joana foi coconstru da em decorr ncia das complica es sua sa de ap s a terceira perda gestacional Joana relata que a rea o expressa por seu pai foi a de contrariedade e indigna o a terceira vez que eu quase morro meu pai ficou super aborrecido Seguindo nessa dire o muitas outras vozes se manifestam contrariamente s novas tentativas de gesta o Tem muita gente que torce ao contr rio que acha que n o era pra ter tentado Teve uma senhora mesmo que parente dele parceiro falou comigo assim oh meu Deus eu soube que voc tinha perdido achei bem pouco Deus que me perdoe bem pouco ningu m mandou voc engravidar de novo n o Ent o apoio uma coisa que a gente n o tem Em rela o ao segundo modo poss vel de perder a pr pria Joana isto atrav s da loucura a narrativa dela faz refer ncia s hist rias contadas por familiares sobre uma parenta cujos tr s filhos nasceram mortos e em decorr ncia disso ela enlouqueceu Assim como resultado da dificuldade dos familiares de lidar com os eventos de perda dos mais variados tipos e da n o concord ncia com o prosseguimento das tentativas de gesta o realizadas pelo casal h o afastamento dessas pessoas significativas e o isolamento de Joana que se v amparada apenas pelo parceiro por Deus atrav s das suas ora es e em alguns momentos por profissionais de s
241. mim j come ava a me estressar come ava a ficar nervosa que eu n o conseguia reagir por ver Apesar da intensa rea o emocional ap s a perda Joana e o parceiro realizaram o funeral do beb bem como o seu registro civil condutas que n o foram repetidas nas demais perdas gestacionais que algum tempo depois voltariam a ocorrer A fim de lan ar algum entendimento perda ocorrida em di logo com o parceiro Joana constr i um significado pessoal para a causalidade da perda gestacional ou seja associa a perda a uma situa o onde levou um susto Esse significado torna poss vel o planejamento de uma nova gesta o afinal tendo conhecimento da causa do insucesso gestacional tentaria evitar que esta situa o voltasse a ocorrer Assim na segunda gesta o aos 23 anos de idade Joana empenha se na tentativa de controlar as incertezas futuras relativas gravidez Aumenta os cuidados com o pr prio corpo mantendo se em repouso absoluto No entanto apesar dos seus esfor os aos oito meses de gesta o dores abdominais a levam a percorrer alguns servi os da rede de sa de p blica em busca de diagn stico e tratamento Mas ao conseguir uma vaga em um servi o de emerg ncia Joana recebe a not cia de que o beb j se encontrava natimorto sendo comunicada de que seria necess rio realizar um parto ces reo A rea o emocional not cia da perda gestacional consistiu em uma intensa afli o para Joana o que levou a
242. minado momento mas que estabelece uma gama de expectativas para o futuro Afinal ao longo de toda a narrativa a voz dessa posi o de Eu a principal autora Posi o que cria alguma ordem e dire o na multiplicidade de posi es do self organizando inovando e desenvolvendo o self ao longo do tempo posi o promotora atrav s dela que a sua hist ria passada de abortos repetidos resignificada e que o futuro subjetivamente antecipado atrav s do estabelecimento de uma gama de expectativas em termos do que poderia acontecer num pr ximo momento em articula o com a posi o Eu paciente esfera m dica Assim o n vel de incerteza p de ser reduzido na medida em que a dire o concedida a uma posi o poderosa e importante autorizada a dominar o self como um todo Hermans amp Hermans Konopka 2010 Nesse sentido e com o prop sito de dar sustenta o ao Eu religiosa Eduarda faz uso de um importante recurso simb lico um mediador do seu pr prio pensamento e funcionamento psicol gico Zittoun amp Grossen no prelo a B blia Atrav s desse recurso Eduarda consegue refletir e dar sentido sua hist ria de abortos recorrentes bem como a si mesma perante os outros sociais Afinal relata que a partir da sua hist ria pessoal aprendeu a confiar em Deus como um pai que cuida dos seus filhos identificando se com os personagens b blicos e o sofrimento experienciado por eles Acho que senti na pe
243. morte do beb que continuou retido em seu tero Diante dessa situa o foi necess rio introduzir outro medicamento conhecido popularmente como Citotec como ltimo recurso antes de cogitar um parto ces reo o que acabou por expulsar o beb natimorto Ana relata a intensa dor f sica sentida devido a esses procedimentos foi muito doloroso me machucou muito machucou mesmo era tanto sangue que parecia que o meu tero tinha dilu do assim e virado tudo em sangue A indu o do parto e a consequente morte fetal trazem uma recorda o muito dolorosa para Ana Acho que isso foi a parte que mais me machucou porque eu sabia que ela a crian a tava viva ent o isso me machucou muito foi a gesta o que mais doeu Quando me disseram que tava vivo mas que eu ia ter que tomar rem dio pra poder abortar a isso me machucou muito Tamb m possui algumas lembran as do beb eu lembro que a crian a nasceu perfeita sem faltar nada A crian a era um menino o que era desejado pelo parceiro era o que ele mais queria o que ele mais quer um filho homem 120 Muitas intercorr ncias cl nicas fizeram se presentes ap s a quarta perda gestacional como hemorragia dor infec o urin ria infec o hospitalar entre outros levando a um longo tratamento m dico Al m disso Ana tamb m buscou um tratamento psicol gico na medida em que a ltima experi ncia de perda despertou lhe entre o
244. n ando os numa nova narrativa sempre singular e de certo modo unificada e coerente acerca de si mesmo da sua pr pria vida e do seu pr prio destino Palavras chave Perdas gestacionais rupturas recorrentes transi o desenvolvimental estrat gias semi ticas de repara o signos reparadores ABSTRACT Pontes V V 2013 Building continuity in face of sequent ruptures semiotic strategies of dinamic self repairing Tese de Doutorado Instituto de Psicologia Universidade Federal da Bahia Salvador BA The experience of an involuntary pregnancy loss represents a rupture related to what was expected and what was about to happen becoming a mother and the birth of a baby Thus this event implies discontinuity the development of self challenging understandings and expectations that had been built about the person and the world The repetition of these ruptures along the trajectory reproductive threatens the sense of self intensifies the level of ambivalence and maximizes uncertainty about the future This study consisted in a theoretical and empirical deepening about how the self builds continuity through successive ruptures along the reproductive trajectory It was set up understand the dynamics of the dialogical self in the flow of time and analyze them in order to identify processes of reorganization of the self in order to remain cohesive despite the ruptures the recurrent discontinuities In view of this problem w
245. n mica de rela es Figura 16 Significados de gravidez unidade de opostos e as mudan as na sua din mica de rela es Figura 17 Gama de trajet rias futuras poss veis Figura 18 Trajet rias futuras circunscritas por signos provenientes da esfera m dica Figura 19 Complexo de significados na gravidez e perda gestacional Figura 20 Processo de generaliza o e hipergeneraliza o na regula o afetiva do fluxo da experi ncia Figura 21 Trajet ria Reprodutiva de Beatriz Figura 22 Estrat gias de repara o din mica do self e emerg ncia do signo reparador Figura 23 Conex o dos fragmentos da trajet ria interrompida pelo signo reparador LISTA DE QUADROS Quadro I Perfil s cio demogr fico das entrevistadas Contexto p blico de sa de Quadro II Caracteriza o da hist ria reprodutiva Contexto p blico de sa de Quadro III Perfil s cio demogr fico das entrevistadas Contexto privado de sa de Quadro IV Caracteriza o da hist ria reprodutiva Contexto privado de sa de LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AMIU Aspira o Manual Intrauterina EFP Ponto de Equifinalidade EMOBA Funda o de Hematologia da Bahia PAISM Programa de Assist ncia Integral Sa de da Mulher PBF Ponto de Bifurca o PEFP Ponto de Equifinalidade Polarizado PHPN Programa de Humaniza o no Pr natal e Nascimento PPO Ponto de Passagem Obrigat rio SPO Orient
246. nais assim como as diferentes sugest es sociais presentes nos diferentes contextos que regulam as suas trajet rias reprodutivas e posi es subjetivas A seguir ser o descritos alguns dos principais aspectos que demarcaram essas diferen as A experi ncia do inesperado complica es gestacionais e os contextos de assist ncia sa de No decorrer das trajet rias reprodutivas das mulheres investigadas nos diferentes contextos de assist ncia p blica e privada sa de assim que houve a confirma o da gravidez todas as entrevistadas referiram ter iniciado um acompanhamento pr natal em algum servi o de sa de Por m ao longo da minha inser o na maternidade p blica algumas usu rias referiram que a busca por um atendimento pr natal ocorreu somente na gesta o 72 subsequente experi ncia de perda gestacional E sobre esse acompanhamento pr natal recebido na gesta o posterior ao diagn stico de abortamento de repeti o algumas cr ticas foram tecidas Uma das usu rias da rede p blica Joana queixou se da falta de aten o informa o e import ncia dada sua sa de pelos profissionais Acredita que mulheres que possuem hist ria de perdas gestacionais recorrentes deveriam receber um atendimento mais cuidadoso por parte da equipe de sa de Em maternidade nenhuma tiveram esse cuidado me tratou normal comum que eu ia fazia chegava l media a tens o pesava ia embora pronto N
247. nal foi realizada por Cot Arsenault e Freije 2004 por meio de um estudo fenomenol gico nos Estados Unidos As mulheres entrevistadas afirmaram que a gravidez seguida de perda implicou em uma devasta o emocional que podia continuar por um per odo extenso ap s a perda e ter um longo alcance na vida de uma mulher Gesta es mal sucedidas podem ter um impacto negativo fazendo se presentes quadros de ansiedade e um sentimento aumentado de vulnerabilidade O mesmo reafirmado por um estudo realizado por Bowles et al 2006 nos Estados Unidos o qual indica que muitas mulheres ap s aborto espont neo podem apresentar desordem de estresse agudo bem como estresse p s traum tico Os autores afirmam ainda que as mulheres que desenvolveram desordem de estresse agudo eram 22 significativamente mais propensas a apresentar desordem de estresse p s traum tico subsequente Nesse sentido Brisch Munz Kachelle Terinde amp Kreienberg 2005 e colaboradores realizaram um estudo longitudinal e prospectivo na Alemanha com o objetivo de avaliar o impacto das experi ncias anteriores como o nascimento de uma crian a natimorta aborto espont neo ou parto prematuro sobre a ansiedade das mulheres gr vidas em v rios subgrupos com alto risco para anormalidade fetal em compara o com um grupo controle sem risco de mulheres com gesta es n o complicadas Entre os resultados encontrados pode se destacar que todas as mulheres com gesta o
248. ndo l eles verificaram a minha press o e viram que eu tinha que fazer o parto Ana foi submetida a um parto ces rea de emerg ncia em decorr ncia do diagn stico m dico de pr eclampsia tendo o beb nascido vivo Por m em fun o da aus ncia de vagas na UTI neonatal do hospital o beb prematuro foi mantido na sala do parto at o dia seguinte quando ent o foi levado para a incubadora Para Ana a conduta da equipe de sa de de manter o beb na sala de parto consistiu na raz o para a ocorr ncia do que ela denominou de infec o pulmonar e na subsequente morte neonatal alguns dias depois pelo fato da crian a desprotegida numa sala de parto eu acho que se tivesse botado na UTI ele teria sobrevivido porque ele n o nasceu com problema nenhum depois que foi detectada a infec o pulmonar 116 Nas circunst ncias pr vias morte neonatal Ana relata ter visto o beb que descreveu como parecendo que n o tinha pele n o tava rosado parecia que tava em carne viva Apesar da prec ria condi o f sica do beb Ana diz lembrar que era um menino e que possu a alguns tra os faciais semelhantes aos dela e aos do parceiro Na primeira noite ap s o parto relata ter tido um sonho premonit rio sobre a morte iminente do beb eu comecei a sonhar com caix o e s ouvindo algu m chamar a emerg ncia para o ber rio chamando o pediatra para o ber rio s chamando ch
249. necessariamente duplo de fechamento abertura de possibilidades denominado de circunscritores Valsiner 2000 Silva Rossetti Ferreira amp Carvalho 2004 Os circunscritores compreendem aqueles fatores que simultaneamente compelem ao e limitam o desenvolvimento humano um sistema que atua como um organizador um canalizador da trajet ria desenvolvimental Assim o desenvolvimento determinado medida que guiado por um conjunto de elementos que o organiza em alguma dire o mas ao mesmo tempo indeterminado porque a dire o exata do desenvolvimento n o pode ser prevista Os circunscritores deste modo demarcam certas possibilidades e certos limites ao processo de significa o e aos pap is ou s posi es a serem atribu dos ou assumidos pelas pessoas nas situa es Assim elementos pessoais hist rico culturais e contextuais em sin rgica 66 intera o circunscrevem certas possibilidades de configura o da rede de significados Silva Rossetti Ferreira amp Carvalho 2004 p 18 Al m disso vale ressaltar ainda que os circunscritores entendidos enquanto sistema seriam tanto de ordem material quanto de ordem simb lica perpassando a organiza o dos ambientes e os padr es de relacionamento culturalmente estabelecidos Silva Rossetti Ferreira amp Carvalho 2004 A partir dessa estrutura conceitual o objetivo do presente cap tulo o de delinear os contrastes dos contextos de encena o do
250. neo demonstram a import ncia em se considerar ainda os fatores emocionais para a compreens o din mica do fen meno Langer 1986 a partir de um referencial psicanal tico afirmou que um crescente n mero de investiga es vem comprovando que as dificuldades ou complica es da gravidez e do parto s o a consequ ncia de conflitos psicol gicos como os existentes na rela o primitiva com a pr pria m e bem como queles relativos sua pr pria identidade sexual isto a mulher que deixa de ser filha para tornar se m e Lucas 1998 47 A entrada no campo Conforme j descrito anteriormente a conex o com o primeiro servi o de assist ncia p blica sa de da mulher e ou casal com hist ria de aborto recorrente surgiu na poca em que era estagi ria de psicologia no ano de 2002 Nesse mesmo ano ingressei no Ambulat rio de Aborto de Repeti o quando ent o pude observar alguns dos atendimentos realizados pela m dica respons vel pelo ambulat rio Esses atendimentos eram sempre acompanhados por alguns residentes de medicina visto tratar se de uma maternidade escola A partir dessa experi ncia a equipe de psicologia iniciou um trabalho de din mica de grupo com as pacientes do ambulat rio que tinha o objetivo de psicoprofilaxia e educa o para a sa de As din micas ocorriam enquanto as pacientes aguardavam a consulta m dica espera que podia levar algumas horas mediadas e registradas em terceira pessoa p
251. no posicionamento subjetivo de Ana de subordina o frente s orienta es m dicas desconsiderando a sua experi ncia anterior bem como a percep o de que tais orienta es n o pareciam ser as mais adequadas Passiva frente sua pr pria condi o de sa de submete se neglig ncia institucional sem dar voz aos seus sentimentos e sentidos deixando se conduzir a recorrentes insucessos gestacionais Eu percebi que a crian a n o tava mexendo mais mas eu fui fazer o pr natal e disseram que a crian a tamb m dormia que tamb m n o mexia vinte e quatro horas por dia ai eu tamb m fiquei na minha o m dico dizia eu acreditava Eu j tinha ido no Iperba por causa que eu tava perdendo l quido disseram que n o era nada de mais que era s pra repetir os exames s que n o deu tempo de fazer os exames eu acabei perdendo Eu comecei a sentir umas dores fortes na barriga a eu fui pro Carib quando chegou l disseram que eu tava com desenvolvimento de cinco meses mas tamb m n o me disseram que eu tava perdendo simplesmente mandaram ir pra casa e aguardar mas s que eu percebi porque quando a m dica me examinou eu senti que a luva saiu cheia de sangue a eu percebi que n o tava normal mesmo assim eu fiquei tranquila tranquila v rgula n porque minha press o subiu logo Deste modo a partir da perspectiva te rica do self dial gico pode se afirmar que as vozes coletivas posi es externa
252. normal todo mundo qual a sequencia normal da vida da pessoa 135 Formar casar ter filhos Isso o b sico normal Ent o ser m e pra mim naquela poca era normal eu tinha formado tinha casado s faltava o que ter filho eu s estava esperando como eu disse assentar as coisas ter uma estabilidade financeira melhor mas na minha cabe a eu ia ser m e e ia viver uma vida normal igual a todo mundo O que de fato n o aconteceu A rede de significados tecida em torno do signo e do desejo de maternidade revela se por m um pouco mais complexa Afinal Juliana possui uma rela o conflituosa com o parceiro sendo a n o maternidade um dos pontos centrais desse conflito Isto porque o parceiro tem filhos de outros relacionamentos sendo que um deles o mais novo foi gerado durante uma fase em que estavam afastados O nascimento dessa crian a foi um marco na hist ria desse casal que desde ent o vivencia conflitos que levaram a separa es tempor rias e recome os tamb m pouco duradouros Para Juliana o fato de uma outra mulher ter dado um filho ao parceiro lhe garante vantagens em termos de valor social perante esse homem e a rede social pr xima Assim a nica solu o vislumbrada por Juliana a de ter um filho com esse homem e ent o recuperar o valor simb lico que considerava possuir antes do nascimento dessa crian a Na medida em que Juliana s conseguia vislumbrar o futuro com a exist ncia de u
253. nos para acontecer Eduarda acredita que nos primeiros meses o elevado n vel de ansiedade experienciado por ela e relacionado 150 vontade de engravidar o mais breve poss vel consistiu at certo ponto no motivo para a sua dificuldade para engravidar Pelo sentido de querer estar grdvida pelo desejo de querer estar gravida ai ficava contando todo dia n qual dia eu tava no ciclo se um dia a menstrua o atrasasse eu j queria fazer o exame e ficava procurando sintomas entendeu de gravidez e isso realmente atrapalhou muito Eu reconhe o que no primeiro ano por volta de um ano e meio foi realmente ansiedade que atrapalhou de acontecer uma nova gravidez Com o foco principal da sua vida direcionado para o objetivo de engravidar Eduarda acredita ter at mesmo experienciado uma gesta o de cunho psicol gico na medida em que sentiu alguns sintomas de gravidez como enjoos apesar de n o estar gr vida A partir desses acontecimentos e de uma autorreflex o sobre eles Eduarda tomou a decis o de tentar reduzir o n vel de ansiedade experienciado tentando mudar temporariamente o foco da maternidade para outras atividades quando eu vi que essas coisas estavam acontecendo eu falei assim nao eu n o posso permitir que isso aconte a eu tenho que mudar eu tenho que me 999 tranquilizar tenho que tirar um pouquinho isso do foco Assim procurou envolver se em outras atividades na igreja que freque
254. nstatou que estava gr vida Por m a gesta o foi precocemente interrompida nas sete primeiras semanas Eduarda relata que a m dica que a acompanhava lhe havia explicado que a gesta o poderia n o evoluir devido a um cisto que possu a em um dos ov rios O aborto espont neo foi diagnosticado em um exame de ultrassonografia de rotina parte do acompanhamento pr natal que realizava Na medida em que o aborto ficou retido precisou ser submetida ao procedimento m dico da curetagem uterina Foi muito dif cil tanto que a gente ningu m esperava eu tava sozinha no dia a gente n o esperava A pronto teve que fazer a remo o do cisto eu tive que 149 me internar porque eu ndo perdi com sangramento ai pronto Ap s o enfrentamento dessa dif cil situa o permeada por muito sofrimento o casal voltou a engravidar novamente Seguindo a orienta o m dica para que aguardassem seis meses antes de uma nova tentativa de gravidez o casal estava confiante em rela o pr xima gesta o a gente nunca pensou ah ser que vai perder de novo n o Contraditoriamente Eduarda relata que durante o primeiro exame de ultrassonografia n o se sentiu muito bem e acredita que isto ocorreu devido ao receio de que uma nova perda voltasse a acontecer Eu tava acho que um pouco de receio de passar pelo que tinha passado primeiro acho que eu tava com um pouco de receio Na verdade as minhas ultrassons sempre foram muito
255. nstr i o indiv duo e constru da por este atrav s da fabrica o e uso de signos e na compreens o do desenvolvimento como a transforma o construtiva da forma em um tempo irrevers vel atrav s do interc mbio do indiv duo com o ambiente A tese est organizada em dez cap tulos agrupados em tr s partes distintas Na primeira parte h a apresenta o da fundamenta o te rico conceitual do estudo O cap tulo I introduz o tema da experi ncia de perdas gestacionais involunt rias e recorrentes atrav s do levantamento dos principais estudos acad micos nacionais e internacionais sobre o assunto Aborda tamb m o referencial te rico da Psicologia Cultural do Desenvolvimento e da Teoria do Self Dial gico com a defini o e an lise dos conceitos mais importantes para o entendimento dos processos psicol gicos envolvidos na ruptura e transi o desenvolvimental Em linhas gerais parte se das suposi es da irreversibilidade do tempo e da natureza semi tica e dial gica das experi ncias humanas Por fim baseado na revis o da literatura e fundamenta o te rica s o delimitados os objetivos do estudo Na segunda parte o cap tulo II descreve algumas considera es sobre o m todo utilizado no estudo a etnografia sobre a delimita o do estudo sobre as estrat gias de coleta e an lise dos dados No que tange s estrat gias de coleta de dados destaque especial foi concedido s entrevistas narrativas sua estrut
256. ntava no trabalho e em casa Tamb m recorreu a Deus atrav s de suas ora es fui buscando isso diante de Deus n essa tranquilidade essa paz de estar esperando e a gra as a Deus nesse per odo no final desses tr s anos eu j estava me sentindo bem melhor Durante esse per odo de tr s anos o casal realizou alguns procedimentos m dicos na tentativa de conseguir engravidar como indu es de ovula o e ultrassons seriados bem como a realiza o de alguns exames na tentativa de identificar a causa da suposta infertilidade Como os resultados desses exames n o identificaram qualquer altera o Eduarda concluiu que s bastava esperar e orar a Deus para conseguir engravidar Assim em uma ocasi o em que estava na Igreja teve uma experi ncia de cura ou interven o espiritual na qual o seu ventre foi tocado por um anjo Quinze dias depois recebeu o resultado positivo para uma nova gravidez Apesar da expectativa de que a gesta o seria bem sucedida O ultrassom seriado refere se ao exame da ultrassonografia realizada em s rie isto repetidas vezes com o intuito de acompanhar e identificar o momento em que a ovula o vai ocorrer para o coito programado 151 devido experi ncia de interven o divina um novo aborto espont neo voltou a acontecer ap s algumas semanas Pouco tempo depois Eduarda engravidou novamente Por m em algumas semanas um novo aborto espont neo voltou a oco
257. nte Ao mesmo tempo referencia tamb m as imagens do futuro poss vel que com efeito retroagem sobre o presente Ou seja h o aparecimento de pensamentos orientados para o futuro em forma de pensamentos negativos antecipat rios que se delineiam particularmente em proposi es do tipo e se e se eu sofrer uma nova perda Esses pensamentos ocasionam a emo o aqui descrita como ansiedade Associados ao estado de ansiedade h o surgimento de rea es biol gicas ou fisiol gicas como a amplia o ou manuten o de um quadro hipertensivo Essas rea es implicam na emerg ncia de outros signos ex tens o corporal respira o acelerada taquicardia etc que novamente retroalimentam os significados de vulnerabilidade pessoal e subsequente o estado de ansiedade levando a um ciclo afetivo semi tico de manuten o do seu quadro hipertensivo 128 Figura 8 Ciclo afetivo semi tico de manuten o do estado emocional Nivel 4 Campo afetivo semidtico hipergeneralizado b 3 SINTO ME MAL Busco 4 A e ra me Nivel 3 assist ncia m dica vejo Categorias i generalizadas do sentir I Articula o maxima I 7 de codifica o semi tica do campo afetivo a SANGUE Mem ria de Campo de possibilidades experi ncias anteriores imaginado nfase eventos de perdas gestacionais negativos ex nova perda PASSADO Nivel 2 Nomea o espec fica das emo
258. nte entre passado e presente para um sentido de futuro poss vel Deste modo em um contexto de incertezas as pessoas criam signos a fim de construir estabilidade processo sempre necessariamente din mico Valsiner 2007 Valsiner 2005 Abbey amp Valsiner 2004 Deste modo ao longo da sua trajet ria reprodutiva Eduarda buscou construir signos relativamente est veis que reduzissem o alto n vel de ambival ncia desencadeado pela experi ncia de abortos espont neos com o prop sito de produzir alguma coes o alguma estabilidade em seu self complexo Assim a partir da experi ncia do primeiro aborto Eduarda se apropria do signo cisto oferecido pelo mbito m dico como uma poss vel causa para a ocorr ncia da perda No entanto a fragilidade desse signo tornou se evidente diante da ambival ncia experienciada na sua segunda gesta o na qual seus sentimentos oscilaram entre a alegria e o medo A ocorr ncia de um segundo aborto deste modo veio confirmar a insustentabilidade desse signo fr gil Abbey amp Valsiner 2004 poss vel ent o que os elevados n veis de ambival ncia e tens o subsequentes a esse evento tenham implicado no que foi percebido por Eduarda como uma demora para engravidar novamente Esta percep o a conduziu a coconstruir com outros significativos alguns significados que explicassem essa demora Um desses significados consistiu no n vel aumentado de ansiedade o que a orientou a mudar alg
259. nto a orienta em dire o ao futuro funcionando como um organizador semi tico de a es futuras sendo associado experi ncia inevit vel da morte a qual s lhe resta aceita o Eu penso assim se n o vai acontecer se a gente n o vai ter o beb pra mim eu n o tenho que tomar decis o dr stica nenhuma na minha vida entendeu eu tenho que aceitar nfase eu tenho que aprender a viver n a realidade entendeu tenho que aprender a superar a gente tem que ser flex vel n o adianta lutar contra uma realidade entendeu que nem a morte n o adianta voc n o querer aceitar voc s 159 vai sofrer mais ainda ent o melhor aceitar que ela existe e que a dor vai passar e que voc vai aprender a viver com a falta daquela pessoa entendeu Apesar de essa possibilidade ter sido aventada por Eduarda a posi o de Eu m e permanece como uma posi o central em seu sistema de self Isto porque ela constr i a possibilidade da maternidade a partir da ado o de uma crian a E neste sentido Eduarda cria uma alian a entre a posi o de Eu m e adotiva potencialmente futura com outra posi o de Eu altamente relevante o Eu religiosa Afinal ela reflete e se for da vontade de Deus que eu adote uma crian a posicionamento subjetivo do tipo as if Nesse caso o signo vontade de Deus consiste em um signo promotor um significado hipergeneralizado que promove a integra o da ambival ncia
260. ntrar pra sala de cirurgia tomar aquela anestesia geral ent o isso tudo muito complicado muito dolorido E a voc voltar dizer pra todo mundo ah perdi a se afasta do Fatores Autoimunes referem se falha em uma parte do sistema imunol gico chamada autotoler ncia que resulta em respostas imunes contra as c lulas e tecidos do pr prio organismo geralmente atrav s de produ o de autoanticorpos que podem prejudicar a implanta o embrion ria Cavalcante amp Barini 2009 p 13 gt Fatores Aloimunes referem se aos mecanismos respons veis pela aceita o ou rejei o entre os indiv duos ou parte deles em intera o No caso de uma gravidez normal assim o embri o envia mensagens ao sistema imune da mulher alertando que est ocorrendo uma implanta o Quando as c lulas do sistema imune materno presentes na cavidade do tero endom trio recebem esse sinal elas promovem uma resposta protetora estabelecendo um ambiente favor vel ao desenvolvimento do concepto Para alguns casais por m a resposta imunol gica de aceita o do concepto n o ocorre desta forma O embri o n o consegue enviar adequadamente a mensagem ao sistema imune materno As c lulas de defesa localizadas no endom trio reconhecem o embri o como um ser estranho e inicia uma resposta de destrui o n o permitindo a invas o uterina sendo um ambiente desfavor vel ao desenvolvimento do concepto Caval
261. nvolve o recordar de situa es que podem ter sido dif ceis e dolorosas para as participantes Deste modo relembr las pode ocasionar algum n vel de ansiedade No entanto na medida 49 em que venho trabalhando com o tema h alguns anos bem como j trabalhei com o mesmo em pesquisas anteriores posso afirmar que as entrevistas podem trazer mais benef cios do que riscos Afinal falar sobre esses momentos dif ceis pode propiciar uma reflex o acerca do ocorrido o compartilhar de sentimentos pensamentos e percep es muitas vezes silenciados pelas mulheres pela falta de um reconhecimento social acerca da dor e do luto vivido em decorr ncia das perdas conforme aponta a literatura sobre o tema e por fim levar a uma ressignifica o dessas viv ncias repercutindo positivamente em suas vidas No estudo empreendido no mestrado algumas entrevistadas verbalizaram terem se beneficiado em participar do estudo na medida em que ao falar sobre suas hist rias e emo es experienciadas como o medo perceberam a redu o da ansiedade que j vinham sentindo em decorr ncia da gravidez atual Algumas delas tamb m abordaram a possibilidade de ressignifica o de alguns aspectos das suas trajet rias reprodutivas propiciada pela constru o das suas narrativas em fun o da pesquisa Apesar disso estava previsto ainda que caso a pesquisa suscitasse a necessidade de um atendimento psicol gico identificado pela pesquisadora o
262. o sua hist ria reprodutiva sua situa o atual de investiga o e tratamento das causas dos abortos e s suas expectativas em rela o ao futuro Al m disso tamb m investigava a rede de apoio social o relacionamento conjugal e os significados que eram atribu dos maternidade Por fim eram aplicados testes psicol gicos Invent rio de Depress o e de Ansiedade Beck que visavam a avaliar o n vel de ansiedade e de depress o de cada paciente A avalia o psicol gica era solicitada por escrito pelo m dico especialista a todas as suas pacientes com hist ria de abortamento recorrente e era realizada gratuitamente Ressalte se por m que para a sua realiza o era imprescind vel o interesse e a aceita o das pacientes Deste modo a entrevista narrativa foi realizada como parte da avalia o psicol gica propriamente dita ou ent o agendada nessa ocasi o para ser realizada em outro momento Caracteriza o s cio demogr fica As participantes do estudo possu am idades que variavam de 27 a 36 anos sua escolaridade situava se do segundo grau completo ao terceiro grau completo ver Quadro II residentes na cidade do Salvador e no interior da Bahia duas possuem origem em alguma cidade do interior da Bahia ou do Sergipe Com rela o ocupa o todas trabalhavam fora do domic lio Quanto situa o marital tr s mulheres eram casadas e duas eram solteiras Apesar de n o ter sido investigada a renda familiar a ma
263. o Valsiner 2007 Cabell amp Valsiner 2011 Assim por exemplo quando uma mulher engravida pode se delinear a constru o de significados em torno da vida n cleo A com sua contraparte n o A a morte ver Figura 19 A ocorr ncia de um aborto ou uma perda gestacional inverte essa domin ncia a morte torna se o n cleo desse complexo de significados enquanto a vida a sua contraparte o contexto 185 Figura 19 Complexo de significados na gravidez e perda gestacional GRAVIDEZ PERDA GESTACIONAL VIDA MORTE No caso analisado um dos componentes do campo de constru o de significados a morte aparece temporariamente em suspenso enquanto que Beatriz esfor a se vigorosamente para que a vida se realize Planeja minuciosamente a pr xima gesta o pesquisando sobre o assunto na Internet informando se a respeito do tratamento m dico e do especialista que poder recorrer juntando moeda por moeda os recursos financeiros para concretizar seus planos Por m a condi o de infertilidade ap s sua terceira perda gestacional e tratamento m dico especializado precipita a crise que tanto buscou evitar reconhecer a ocorr ncia da perda e a impossibilidade de sua repara o Assim o processo de luto ou processo afetivo semi tico de repara o da ruptura que at ent o n o havia sido experienciado em sua plenitude pelo n o reconhecimento do car ter definitivo da perda parece avan ar desenc
264. o dessa possibilidade mudaria radical e profundamente o que Eduarda e os outros imaginavam para ela O futuro marcado por essa possibilidade antecipado interferindo em como ela percebe a si mesma e o modo como age Assim o caso de Eduarda ilustra a tentativa exaustiva de sustentar a viabilidade da posi o de Eu m e ainda que em uma vers o reformulada de Eu m e adotiva Ou seja uma tentativa de sustentar certa estabilidade que se relaciona com a quest o da identidade E assim evitar uma mudan a mais profunda em sua identidade uma ruptura definitiva daquilo que ela e os outros imaginavam que poderia ser vir a ser Por fim preciso considerar ainda que a maternidade configura se como um signo hipergeneralizado que permeia e promove o modo de pensar e sentir em sua totalidade medida que se atravessa a mir ade de espa os da vida cotidiana Uma no o cultural carregada de valor que sobredetermina as mentes humanas sendo socialmente promovida e pessoalmente internalizada Um signo que atua como um mediador semi tico nos processos de comunica o humana tanto entre pessoas e institui es como na condi o de regulador intrapsicol gico Deste modo o poder dessa no o cultural e seu significado hipergeneralizado orientam a conduta humana bem como as necessidades afetivas Valsiner 2007 166 CAPITULO VIII Regula o afetiva do fluxo da experi ncia a generaliza o do campo de sentimentos lig
265. o a heran a cultural transmitida pela gera o precedente modificando por conseguinte o pr prio sistema cultural Bugental amp Johnston 2000 Assim as narrativas podem ser entendidas como constru es sociais produzidas pelo interc mbio social nas quais eventos relevantes para o self s o articulados em sequencia temporal em um esfor o para estabelecer coer ncia significativa para um n mero de prop sitos instrumentais na intera o constituindo se ent o enquanto instrumentos culturais para a produ o de sentidos Gone Miller amp Rappaport 1999 A vida n o vivida como uma s rie cronologicamente ordenada de eventos mas atrav s da constru o e reconstru o da narrativa que os indiv duos s o capazes de ativamente e retrospectivamente impor alguma ordem alguma inteligibilidade e continuidade aos acontecimentos Os relatos ent o s o usados por tais indiv duos tanto para a compreens o das suas pr prias experi ncias quanto para se apresentar para os outros Miller 2005 Para Brockmeier e Harr 2003 o termo narrativa designa uma variedade de formas inerentes aos processos humanos de alcan ar conhecimento estruturar a a o e ordenar as experi ncias Por este motivo atrav s das narrativas lida se com um modo espec fico de constru o e constitui o da realidade Para estes autores a narrativa deveria ser considerada como uma express o de um conjunto de instru es e normas para se re
266. o da ltima vez aquele bolinho na barriga na ter a feira eu fiz um ultrassom a j confirmou que ela estava morta ent o foi um choque muito grande pra mim porque eu n o tava esperando eu tinha ainda esperan a tinha esperan a de que pudesse acontecer um milagre Assim ap s alguns dias de internamento foi diagnosticado o bito do beb Beatriz ent o precisou submeter se novamente a um parto induzido A interrup o da gravidez foi percebida como um evento inesperado e repentino tudo foi t o r pido que acontece comigo minha preocupa o essa acontece tudo muito r pido eu tou normal como eu tou conversando com voc aqui mas quando eu chego no m dico ele j percebe que n o t tudo bem Na medida em que o beb natimorto era muito pequeno Beatriz retornou para a sua cidade ap s quinze dias internada levando o dentro de um recipiente com formol sendo enterrado pelo marido junto com o beb perdido da primeira gesta o A partir da experi ncia dessa perda gestacional em di logo com os profissionais de sa de Beatriz construiu o significado de risco sua pr pria vida Corri muito risco porque eu tive HELLP HELLP corre risco nos rins de entrar em coma pela 10 Entre os dist rbios hipertensivos na gesta o h a pr eclampsia definida por uma press o arterial elevada associada protein ria ao edema ou a ambos ap s vinte semanas de gesta o A pr eclampsia pode se
267. o em 11 de abril de 2007 do Portal CAPES www periodicos capes gov br 228 Zittoun T 2004 Symbolic competencies for developmental transitions the case of the choice of first names Culture Psychology 10 131 161 Recuperado em 11 de abril de 2007 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Zittoun T 2007 Dynamics of interiority ruptures and transitions in self development In L M Simao amp J Valsiner Eds Otherness in question Labyrinths of the self 187 214 Charlotte NC Information Age Publishing Zittoun T Aveling E L Gillespie A Cornish F 2011 People in transitions in worlds in transition ambivalence in the transition to womanhood in world war II In A C S Bastos K Uriko amp J Valsiner Eds Cultural dynamics of woman s life Information Age Publishing IAP Zittoun T Valsiner J Vedeler D Salgado J Gon alves M amp Ferring D 2012 Melodies of living Developmental science of the human life course Zittoun T amp Grossen M no prelo Cultural elements as means of constructing the continuity of the self across various spheres of experience In M C sar amp B Ligorio Interplays between dialogical learning and the dialogical self ANEXOS 230 ANEXO I UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA DOUTORADO EM PSICOLOGIA ROTEIRO TEM TICO DA ENTREVISTA NARRATIVA 1 Proposi o geral A entrevista ser iniciada com a seguinte proposi o Conte me sob
268. o lutar como que vai saber que vai dar certo Ana ent o consegue argumentar e indagar o significado constru do pelo outro que se edifica enquanto obst culo na realiza o da trajet ria em dire o maternidade Consegue reestruturar a hierarquia semi tica pessoalmente constru da permitindo que posi es internas pudessem reassumir a domin ncia no territ rio do self E entre as vozes dessas posi es internas h aquela que argumenta que entre tantas possibilidades futuras h a trajet ria que corresponde a n o perda ou seja a trajet ria do tornar se m e e ter um filho possibilidade esta que passa a dominar sobre todas as demais 126 Media o semi tica estrat gias para constru o de continuidade Emerg ncia do sentimento de responsabilidade pessoal Faz se importante observar que em grande parte da narrativa constru da por Ana ela parece responsabilizar quase que exclusivamente os profissionais e os servi os de sa de pelos recorrentes insucessos gestacionais sofridos Por m durante o processo psicoter pico a que recorreu dois anos ap s a ltima perda gestacional ela consegue implicar se no problema e refletir sobre o remorso que sentia em rela o a certas a es empreendidas nas gesta es anteriores e que de alguma maneira podem estar relacionada s perdas tais como a profusa ingest o de sal na sua primeira gravidez Ao abordar esse assunto Ana chora muito e relata o qu o
269. o parto e eu tinha muito medo risos e tamb m Beatriz foi entrevistada em dois momentos distintos A primeira entrevista foi realizada em novembro de 2010 quando estava iniciando a investiga o e tratamento imunol gico em decorr ncia das perdas gestacionais na cl nica privada Embora estivesse acompanhada pelo marido narrou sua trajet ria reprodutiva praticamente sozinha A segunda entrevista ocorreu quase um ano depois quando ela voltou a me procurar para falar sobre a dificuldade para engravidar Desta vez estava sozinha Solicitei ent o que contasse novamente sua hist ria reprodutiva 167 eu queria amadurecer mais Eu n o me achava muito respons vel risos pelo fato de eu ser mais nova sei l eu n o sei explicar direito mas eu acho que eu n o tava preparada naquele momento antes n naquele momento Apesar dos receios a gravidez transcorria sem complica es Por m ao completar cerca de sete meses sua press o arterial come ou a elevar se e outros sintomas apareceram como edemas generalizados no corpo dores no est mago e nas costas Tamb m foi constatado que o beb em gesta o estava perdendo peso Tais sintomas pareciam configurar um quadro de eclampsia Entretanto a fim de realizar exames laboratoriais que confirmassem ou n o tal diagn stico Beatriz precisou recorrer ao servi o de sa de p blico de outra cidade pr xima na medida em que morava em uma cidade pequena no interior da Bahi
270. o que tentar Tratamento ela acha o que eu falei aqui agora que se eu engravidar pra eu tentar de tudo Ela acha que eu vou engravidar ainda A rede de apoio social consistiu assim em um recurso simb lico fundamental para a autorregula o e organiza o do self ap s a experi ncia dos eventos disruptivos Affe Maria se n o fosse isso ningu m passa por isso sozinha na verdade eu o que mais me manteve assim tentando tentando levar pra frente n foi justamente o apoio de minha m e e dela tamb m n Sozinha ningu m passa por isso n o tem que ter tem que vir algum apoio Por sua vez a busca por m dicos especialistas consistiu em outro importante recurso utilizado por Juliana na tentativa de minimizar o elevado n vel de ambival ncia e aplacar as incertezas frente ao futuro reprodutivo Relata que o que mais desejava era conseguir identificar algum fator respons vel pelas perdas pass vel de tratamento para que ent o pudesse engravidar sem o medo avassalador de sofrer uma nova perda A realiza o dos mais variados exames m dicos deste modo apresentou a fun o de dar lhe respostas reduzindo a incerteza e as tens es que uma pr xima gravidez poderia despertar Deste modo todos os 145 exames solicitados pelo m dico especialista foram realizados mesmo aqueles que nao eram cobertos por seu plano de sa de Na medida em que voc investiga voc vai tentar achar uma causa pra poder trata
271. o self a tentativa de construir um sentido de continuidade O caso apresentado retrata a viv ncia de uma transi o n o normativa experienciada por uma mulher em dire o maternidade desencadeada a partir da ocorr ncia inesperada de perdas gestacionais que podem ser entendidas enquanto rupturas no curso do desenvolvimento daquilo que esperado ocorrer A ruptura em casos como este aparece em diferentes n veis no n vel individual no interior da mulher com uma mudan a brusca da identidade relacionada maternidade que estava come ando a ser constru da e no n vel micro do seu papel social de m e De acordo com Zittoun 2004 os per odos de transi o ao longo do curso de vida consistem em momentos onde certos eventos como por exemplo a experi ncia de perdas gestacionais colocam em risco determinados entendimentos e ou 104 identidades tidas como certas como por exemplo a do tornar se mae Esses eventos podem ser entendidos como rupturas no fluxo regular da experi ncia de algu m Tais rupturas exigem processos de reposicionamento e podem solicitar novas aquisi es entendimentos e redefini es pessoais Zittoun 2004 Assim pode se dizer que no in cio da trajet ria reprodutiva de Joana ela vivenciava uma situa o aparentemente normativa ou seja um relacionamento est vel com o parceiro de modo que o desejo de maternidade seria uma maneira de dar continuidade aos est gios do curso de vida socialmen
272. o significado coletivamente partilhado sobre a verdade cient fica por tr s de cada ato m dico o que pode levar o profissional a assumir uma posi o de onipot ncia diante da doen a do paciente e com efeito diante do pr prio paciente Este ltimo passa a ser visto como devendo se submeter a sua tutela abdicando temporariamente da sua autonomia do seu poder de reflex o e de decis o sobre si mesmo de conhecimento intuitivo e vivencial de si mesmo Martins 2003 2004 Por m conforme enfatiza Goodnow 1995 cabe s pessoas conhecerem esses contratos sociais para ent o aceitar ou resistir a eles O acesso informa o ent o pode permitir ultrapassar essas barreiras como o fazem as usu rias do servi o privado ao buscar informa es na Internet A Figura abaixo ilustra a permeabilidade das fronteiras no acesso das mulheres usu rias dos servi os p blicos e privados aos servi os e ao conhecimento m dicos intera o face a face com esses profissionais e a possibilidade de aceitar ou contestar determinados contratos sociais previamente estabelecidos 93 Figura 3 Permeabilidade das fronteiras nos contextos de sa de I Dimens o espacial acesso ao servi os de sa de e ao dom nio do conhecimento m dico Permeabilidade das fronteiras Usu rias servi o p blico II Formas de participa o intera o e participa o face a face que s o poss veis ou encorajadas Usu rias s
273. om dados do Minist rio da Sa de o Brasil disp e de 6 384 hospitais dos quais 69 1 s o privados Apenas 35 4 dos leitos hospitalares pertencem ao setor p blico 38 7 dos leitos do setor privado s o disponibilizados para o SUS por meio de contratos Paim et al 2011 Como resultado a oferta de leitos hospitalares financiados pelo setor p blico n o suficiente Paim et al 2011 Assist ncia sa de materna e perinatal No curso de vida de uma mulher a gravidez e o tornar se m e consistem em eventos que em geral s o pessoal e socialmente esperados acontecer A partir de uma perspectiva desenvolvimental configuram se como importantes fases do desenvolvimento per odos cr ticos de transi o de forte base biol gica e caracterizados por mudan as metab licas complexas estado tempor rio de equil brio inst vel devido s grandes perspectivas de mudan as envolvidas nos aspectos de papel social necessidade de novas adapta es reajustamentos interpessoais e intraps quicos e mudan as de identidade Maldonado 2002 Per odos cr ticos que s o considerados merecedores de aten o especial por algumas pol ticas e programas de assist ncia sa de institu dos no pa s pelo Minist rio da Sa de Assim pode se destacar a cria o em 1983 do Programa de Assist ncia Integral Sa de da Mulher PAISM Esse programa foi formulado a partir da perspectiva da aten o prim ria sa de na tentat
274. om uma eleva o dos n veis depressivos Al m disso se a perda ocorreu ap s um tempo maior de gesta o as mulheres aparentemente experienciaram um aumento nos sintomas depressivos quando comparadas com mulheres que abortaram no in cio da gesta o De acordo com os pesquisadores este resultado apresenta consist ncia com a no o de apego v nculo afetivo materno para com a crian a que ainda n o nasceu na medida em que as teorias do apego defendem a ideia de que esse v nculo progride medida que a gravidez avan a e que o impacto da perda corresponde for a desse v nculo Contraditoriamente a esse resultado Thomas 1995 em discuss o acerca dos efeitos das perdas gestacionais involunt rias sobre as fam lias na Inglaterra afirma que a experi ncia 24 emocional de uma mulher ap s uma perda gestacional n o se encontra diretamente relacionada experi ncia f sica isto ao tempo de gesta o Para esse autor um dos principais determinantes para a experi ncia emocional consiste no significado atribu do pela mulher perda gestacional E assim se em est gios iniciais da gravidez a mulher considera o feto como o seu beb ela ser emocionalmente afetada quando ocorrer o aborto espont neo Swanson 2000 traz uma contribui o interessante nesse sentido a partir de um estudo realizado nos Estados Unidos e que visava a desenvolver e testar uma teoria baseada no modelo de Lazarus sobre emo es e adapta o
275. or sua vez a experi ncia vivida deve ser considerada como um fen meno sist mico aberto verdadeiro imersa em um tempo e espa o espec fico ou seja na cultura Deste modo o procedimento da HSS consiste da amostragem de equifinalidade E o TEM um dos meios para entender o fluxo e a continuidade da vida do ponto de vista do agente cujo curso de vida est sob estudo O uso da TEM envolve os seguintes passos a localizar o Ponto de Equifinalidade relevante bem como todos os Pontos de Passagem Obrigat rios no mapa gen rico das trajet rias necessariamente presentes para o sistema gen rico dos processos sob investiga o b mapeamento emp rico de todos os casos particulares sistemas abertos para estudar o movimento atrav s desse ponto e c compara o de diferentes trajet rias na forma de como 60 essas abordam o Ponto de Equifinalidade sobrepondo em cada trajet ria um padr o de uma gama de medida teoricamente significativa derivada de a que especifica se uma determinada trajet ria se encaixa no dom nio dos casos selecion veis Sato et al 2007 No presente trabalho foram considerados dois pontos de Equifinalidade ter filhos ponto de Equifinalidade EFP e n o ter filhos Ponto de Equifinalidade Polarizado PEFP complemento do EFP pontos opostos dentro do mesmo todo Na medida em que ter filhos e n o ter filhos foram condi es persistentes nas trajet rias de vida da
276. orcionar me o ingresso no contexto da maternidade p blica e s reflex es sempre cr ticas em rela o aos contextos de sa de e atua o do profissional de psicologia Aos m dicos Dra Ol via Nunes e ao Dr Manoel Sarno por permitirem a minha inser o no universo das perdas gestacionais nos diferentes contextos de sa de Em especial agrade o ao Dr Manoel pela confian a disponibilidade e parceria fundamental para o trabalho constru do Na esfera familiar agrade o ao meu marido Igor por tudo Pela parceria pela admira o pela paci ncia pelo amor Mas acima de tudo por proporcionar minha vida a leveza dos momentos de alegria simplicidade e prazer que funcionaram como importantes contrapontos para que eu pudesse enfrentar a inerente complexidade te rica e dureza do objeto de estudo Nesse sentido agrade o tamb m aos meus queridos pais L cia e Eraldo pelo amor e apoio incondicional o meu sogro Rider meu cunhado Iuri meu irm o Vin cius e minha cunhada Cheila e s minhas duas pequenas e adoradas sobrinhas Ana Luiza e Laura Por fim meu sincero agradecimento aos meus amados av s Tereza e Cl udio pelo apoio e afeto que sempre me fizeram sentir especial Obrigada RESUMO Pontes V V 2013 Construindo continuidade frente a sucessivas rupturas estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Tese de Doutorado Instituto de Psicologia Universidade Federal da Bahia Salvador BA A expe
277. organizar o campo de possibilidades futuras ao se relacionar com o mundo Deste modo busca um ambulat rio especializado em perdas gestacionais recorrentes realiza todos os exames cl nicos solicitados pelo m dico procura atendimento psicol gico a fim de elaborar as perdas anteriores e construir estrat gias para 130 enfrentar uma gesta o futura e negocia com o parceiro o seu desejo de tornar se m e frente recusa deste de tentar novamente Permite se assim uma experi ncia prospectiva ou seja a predi o imaginativa do futuro com o prop sito de conseguir algum controle sobre os acontecimentos que ainda est o por vir Por isso que eu digo se eu voltar a engravidar e que eu vou voltar que eu luto para isso eu n o quero parto normal risos eu quero ces rea Eu vou dizer a ela m dica com oito meses de gesta o quero logo que fa a a minha ces rea Tal como ilustra o fragmento acima essas predi es imaginativas do futuro est o orientadas para a meta de evitar uma nova perda assim como evitar sentir a dor f sica por meio do parto normal Ou seja Ana planeja detalhadamente o caminho a ser percorrido a fim de minimizar as incertezas futuras e garantir algum controle da situa o Processo que envolve ag ncia ativa E para todos os demais eventos da vida aos quais n o tem controle Ana recorreu ao signo hipergeneralizado Deus se Deus me enviar nova gesta o porque vai dar certo se t
278. orma de dar sustenta o reconhecimento de legitimar a posi o Eu m e Busca ent o um empoderamento dessa posi o que estava sendo amea ada E encontra esse reconhecimento e suporte em outros sociais que s o culturalmente reconhecidos e valorizados como o m dico o pastor Eles atuam empoderando o Eu m e de Joana promovendo a coaliz o interna de posi es em torno dessa posi o central no sistema do self Assim durante a sua quarta gesta o recorreu a um servi o de sa de especializado em perdas gestacionais sendo acompanhada com maior frequ ncia por uma m dica especialista a minha gravidez eu achei que o meu beb ia ter vida porque tinha vezes que eu vinha duas vezes por semana na Dra O auscultando o beb Os signos m dico mais especialista aliados ao uso mais frequente da tecnologia da ultrassonografia levaram Joana a sentir se mais segura mais confiante acerca da possibilidade de sucesso reprodutivo No campo da medicina a promessa de uma solu o tecnol gica para os mais diversos problemas de sa de pode aliviar a incerteza tornando a vida mais previs vel control vel e dentro daquilo que socialmente esperado normativo O saber m dico e o seu poder afirma 111 Moulin 2008 se infiltrou no imagin rio coletivo Deste modo os m dicos configuram se como um grupo social poderoso que imp em significados sobre o mundo por ordenar e organizar as coisas Fronteiras simb
279. os se isto fosse dito pelos m dicos vamos sofrer mas seguir em frente A reflex o descrita em di rio de campo segue abaixo A tecnologia reprodutiva ent o parece contribuir em um aprisionamento da mulher do casal nessas tentativas sem 89 fim para engravidar E esta parte das suas vidas fica como uma ferida aberta que n o consegue cicatrizar Qual o limite para o uso dessas tecnologias Quando parar E quem decide quando parar Di rio de campo 17 de novembro de 2010 Em uma palestra sobre reprodu o assistida em dezembro de 2010 chamou me a aten o o discurso do m dico palestrante defendendo a tese de que o pior fracasso desistir A ideia subjacente ao discurso m dico al m da demanda mercadol gica para o consumo ilimitado das tecnologias m dicas consiste na valoriza o dos la os gen ticos da procria o considerados t o importantes que n o podem ser abandonados Nesse sentido outro aspecto cr tico da utiliza o das tecnologias m dicas faz se presente quando estas falham Nesses casos o discurso biom dico faz refer ncia a uma suposta causa psicol gica ou emocional inerente mulher para explicar o insucesso Ou seja responsabilizam as pr prias mulheres por n o alcan arem xito nas tentativas gestacionais por estarem estressadas ou ansiosas encaminhando as muitas vezes para um atendimento psicol gico Um dos casos atendidos em uma cl nica de reprodu o assistida
280. os membros da fam lia a repeti o das perdas e do sofrimento emocional relacionado parece penetrar na esfera do insuport vel esbo ando se uma atitude de afastamento e isolamento em rela o ao casal Assim a experi ncia emocional dessas mulheres aparece com o passar do tempo cada vez mais marcada pela culpa medo e ansiedade Volkmer 2009 Os profissionais de sa de por sua vez tamb m n o se apresentaram como fontes de apoio emocional e em algumas situa es foram pelo contr rio respons veis pela amplia o do sofrimento e do desamparo do que se trata na se o a seguir Os profissionais de sa de no atendimento do abortamento espont neo qual o lugar dos pais O comportamento dos profissionais de sa de diante uma perda gestacional envolve desta forma um aspecto importante no que tange ao favorecimento do trabalho de luto dos pais De acordo com Stok amp Lehman 1983 em um estudo qualitativo realizado nos Estados Unidos ap s a morte de um feto ou de um beb rec m nascido alguns profissionais de sa de como m dicos e enfermeiros comportam se de modo inadequado segundo a perspectiva dos pais enlutados Isto porque t m dificuldade de lidar com a morte perinatal Assim alguns evitam a morte ou simplesmente dizem que essas coisas acontecem s o hostis fazem uso de pensamento m gico fazendo refer ncia ao fato de que os pais poder o ter outros filhos ou que t m sorte de j ter filhos minimizan
281. para se chegar a esse ponto Sato Hidaka amp Fukuda 2009 Nesse contexto uma pessoa prossegue com a sua orienta o pessoal sintetizada Synthesized Personal Orientation SPO e luta para realizar a sua pr pria orienta o contra as dire es sociais com o apoio da orienta o social fornecido por suas rela es sociais ntimas A orienta o pessoal sintetizada parte do pressuposto de que cada pessoa tem a sua orienta o original para o Ponto de Equifinalidade uma orienta o de natureza aberta sist mica do ser humano dentro do tempo irrevers vel Sato et al 2007 Sato amp Valsiner 2010 59 Figura 2 Processos dial gicos na constru o das trajet rias Tempo irrevers vel Dire o Social E a a Orienta o pessoal sintetizada Fonte Sato Hidaka amp Fukuda 2009 A hist ria do TEM interdependente da metodologia de amostragem denominada Amostragem Historicamente Estruturada Historically Structured Sampling HSS que foi desenvolvida em contraste amostragem rand mica que parte da no o de que os seres humanos s o homog neos e considera a varia o como um erro amostral Sato et al 2007 De acordo com esta metodologia a variabilidade humana o resultado do curso de vida de cada pessoa um fen meno dependente do tempo Ela focaliza sobre a experi ncia vivida de qualquer pessoa dentro do tempo irrevers vel sendo uma vers o n o rand mica de casos individuais P
282. planos O sangramento foi diagnosticado por um m dico em um primeiro momento como algo normal mas ao retornar para casa o sangramento se intensificou levando a uma nova busca por assist ncia m dica Desta vez o diagn stico m dico levou a a uma ces rea de emerg ncia e ao nascimento prematuro de um beb natimorto A rea o emocional de Joana ao saber da morte do beb consistiu na n o aceita o da perda e na busca desesperada pelo beb perdido sendo encaminhada para atendimento psicol gico S que quando ela a m dica fez a ces rea o beb j tava morto a simplesmente ela a m dica falou comigo que tava morto eu tamb m aceitei na hora anestesiada tudo bem quando foi no outro dia veio o trauma foi que veio aquele trauma de que eu queria porque queria aquele beb Tive um tipo quase tive perda de mem ria foi dif cil demais eu n o estava aceitando n o dizia coisa com coisa n o tava lembrando das coisas s ficava chamando queria s o 100 beb s o beb e elas me encaminharam para um psic logo pra poder passar mais isso tudo mas foi muito dif cil n o conseguia me conformar de eu ter perdido queria saber por que n o acreditava ficava indo atr s do necrot rio ver se tava l dizia que tava l que tava vivo e tudo entendeu fiquei com trauma de beb n o podia chegar ningu m de beb junto de mim nem tamb m gr vida se chegava algu m gr vida perto de
283. plo as palavras m dicas altera o aloimune e autoimune como explica o para a causa dos abortos espont neos Os signos do tipo campo por sua vez codificam a experi ncia pessoal intra e interpsicol gica sem limites definidos sempre flutuante a partir de um complexo semi tico Logo s o representa es abstratas da natureza hol stica de um fen meno por exemplo quando se diz que uma mulher est de luto ap s a perda de um beb Valsiner 2005 2007 Cabell 2010 Os signos do tipo ponto e do tipo campo n o se op em exclusivamente Isto porque um signo do tipo ponto um campo m nimo uma forma abreviada do signo tipo campo enquanto que um signo do tipo campo um ponto maximizado internamente indiferenciado Valsiner 2007 Al m disso os signos do tipo campo podem ser ainda hipergeneralizados Signos hipergeneralizados s o signos de m ltiplos n veis em aberto de reflexividade na medida em que permitem a contextualiza o numa variedade de situa es S o campos semi ticos din micos Fornecem uma representa o da totalidade das experi ncias de vida guiando pensamentos e sentimentos por exemplo a no o de f e os valores humanos Valsiner 2005 2007 Cabell 2010 205 Assim a partir da repeti o dos eventos disruptivos ao longo do tempo isto a repeti o das perdas gestacionais o self precisa construir signos reparadores cada vez mais complexos e poderosos pertencen
284. por um pastor novo funcionou como um tipo de catalisador diminuindo a ativa o desses circunscritores e empoderando Joana em dire o ao tornar se m e bem como dando sustenta o voz do parceiro pelo seu desejo de paternidade 109 Vale lembrar que a experi ncia de cura religiosa antecedida por um di logo com Deus conhecedor do seu problema mas realizada por um pastor que o desconhecia E como se Deus estivesse respondendo sua prece Joana chamada pelo pastor para se engajar ativamente na ora o de cura em um espa o de experi ncia e sociabilidade Afinal trata se de um ritual p blico do qual ela foi pessoalmente convidada a participar O novo pastor assim funcionou como um agente catal tico proporcionando lhe um encontro com o sagrado com o divino em uma situa o afetivamente orientada Esta situa o mobilizou o seu corpo doente bem como a sua emo o levando Joana a chorar muito No momento eu chorava eu chorei muito Foi uma coisa que eu tava bem eu tava vivendo A partir da um poderoso signo hipergeneralizado emergiu passando a guiar os seus pensamentos condutas e afetos a esperan a A quando foi em junho eu parei o rem dio contraceptivo Ent o o que me deu a esperan a maior essa n Porque quando Ele d ele garante Deste modo a emerg ncia da posi o Eu religiosa curada por Deus oferece uma sustenta o poderosa alian
285. privada essa acusa o impl cita no discurso biom dico foi desvelada A mulher atendida tinha hist ria de dois abortos espont neos sendo que o segundo ocorreu ap s a realiza o de uma s rie de interven es m dicas como tratamento imunol gico e Fertiliza o In Vitro a partir da ovodoa o Estou atendendo uma paciente com hist ria de aborto espont neo recorrente No segundo atendimento comigo relata que estava sentindo muita raiva Faz menos de um m s que experienciou o seu ltimo aborto ap s engravidar por meio de uma Fertiliza o In Vitro com vulos doados Explica que sua raiva adv m do fato da medicina atribuir a culpa pelo aborto a ela Sente raiva pelo ded o da medicina quando fracassou dizendo voc A culpada voc Ou seja quando ocorreu o aborto espont neo sem que houvesse uma explica o plaus vel dos m dicos que a acompanham ela foi encaminhada para atendimento psicol gico Di rio de campo 23 de outubro de 2012 A responsabiliza o das mulheres pelos abortos sofridos tamb m se fez presente entre as usu rias do servi o p blico O relato abaixo evidencia essa responsabiliza o tendo sido enunciado por uma mulher com diagn stico de aborto recorrente em uma din mica de grupo 90 realizada pela equipe de psicologia no ambulat rio de abortamento de repeti o da maternidade investigada Sinto vontade de chorar quando Eu j tive uma perda e n o quero
286. que outra aconte a novamente Foi um conflito muito grande porque eu me preparei para engravidar e eu perdi Eu criei expectativa fiquei ansiosa perdi o beb O m dico me disse que faltou experi ncia da minha parte Eu procurei saber tudo depois da primeira perda e aconteceu novamente Registro das din micas de grupo 08 de outubro de 2007 Os m dicos de acordo com Malin 2003 configuram se como um grupo social poderoso que imp em significados sobre o mundo por ordenar e organizar as coisas de acordo com oposi es bin rias em sistemas classificat rios que formam hierarquias Fronteiras simb licas s o deste modo constru das No contexto das tecnologias reprodutivas as fronteiras simb lico culturais bem como os processos de constru o de identidade atuam quando tais tecnologias s o usadas Assim a medicina constitui se enquanto uma institui o social que atrav s da constru o de signos e sentidos orienta promulga regras de comportamento censura os prazeres aprisiona o cotidiano em uma rede de recomenda es Moulin 2008 p 15 Diagn stico de aborto de repeti o itiner rio terap utico e campo de a o A soma de dois cora es resulta em um cora ozinho pequeno mas aguardado com grande amor Silvio Roberto acompanhante de Rose usu ria servi o p blico Ap s o reconhecimento do diagn stico de aborto recorrente as usu rias do servi o privado buscaram informar se acerca da e
287. que tornaria poss vel predizer a intensidade dos sintomas depressivos ap s quatro meses e um ano da viv ncia de um aborto espont neo Os achados do estudo evidenciam que as mulheres com maior risco para sintomas depressivos mais intensos ap s aborto espont neo s o aquelas que atribuem elevada significa o pessoal para o aborto espont neo n o disp em de suporte social t m for a emocional percep o do self como emocionalmente forte recursos emocionais mais baixa usam estrat gia de coping passivo t m renda mais baixa e n o engravidam ou d o luz no per odo de um ano ap s a perda Com rela o significa o do aborto espont neo o estudo encontrou uma associa o positiva entre o n mero de abortos espont neos pr vios e a import ncia atribu da a esse evento Na dire o oposta quanto mais filhos as mulheres tinham menor o significado pessoal atribu do Significa o pessoal mais alta estava associada com depress o aumentada ap s quatro meses e um ano ap s a perda Esses resultados encontraram se tamb m associados com um aumento de coping passivo e ativo quatro meses ap s o aborto espont neo e com um aumento do coping passivo ap s um ano O pesquisador ressalta que esses achados ap s quatro meses do evento da perda sugerem que as mulheres engajaram se em uma variedade de estrat gias para lidar com a dor emocional No entanto o coping passivo como se manter sozinha e culpar se pelo ocorrido como modos de
288. que vai dar tempo de eu ver o seu nen m falava ser que vai dar tempo eu queria tanto ver esse beb e eu orava pedia muito a Deus que guardasse a vida dela pra que desse tempo e toda vez que eu engravidava ela se alegrava toda vez que eu perdia ela sofria junto com a gente entendeu e a quando eu vi que eu tinha acabado de descobrir que eu tava gr vida e ela tinha acabado de falecer n o deu nem tempo n de conversar com ela Apesar deste momento dif cil Eduarda relata ter tentado conter se emocionalmente bem como cuidar se fisicamente como alimentar se bem e descansar a fim de n o prejudicar a gesta o em desenvolvimento E apesar do intenso medo de que um aborto ocorra novamente relata estar tentando n o antecipar o futuro mas viver o momento presente a alegria de estar gr vida hoje sem me preocupar com o amanh Para esta gesta o outros tratamentos foram sugeridos ao casal pelo m dico especialista como o uso de Imunoglobulina Humana Endovenosa um tratamento que possui um elevado custo mas que est sendo pleiteado pelo casal na Funda o de Hematologia da Bahia Emoba Imunoglobulina Humana Intravenosa um tratamento indicado para pacientes com hiperatividade das c lulas de defesa do endom trio denominadas c lulas NK Natural Killer e hist ria de abortos repetidos Consiste em um hemoderivado preparado a partir de sangue de v rios doadores Um fator limitante
289. r Thomas J 1995 The effects on the family of miscarriage termination for abnormality stillbirth and neonatal death Child care health and development 21 6 413 424 Recuperado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br 226 Trevisan M R De Lorenzi D R S Ara jo N M amp Esber K 2002 Perfil da assist ncia pr natal entre usu rias do Sistema P blico de Sa de em Caxias do Sul Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetr cia Rio de Janeiro 24 5 p 293 299 Valsiner J 2000 Culture and human development An introduction London Thousand Oaks New Delhi SAGE Publications Valsiner J 2001 Comparative study of human cultural development Madrid Fundacion Infancy y Aprendizaje Valsiner J 2002 Forms of dialogical relations and semiotic autoregulation within the self Theory amp Psychology Calgary AB 12 2 Recuperado em 17 de maio de 2008 de http www psych ucalgary ca thpsyc Valsiner J 2004 The promoter sign developmental transformation within the structure of dialogical self Comunica o apresentada no simp sio Developmental Aspects of the Dilogical Self 2nd International Conference on the Dialogical Self Ghent Belgium Valsiner J 2005 Transformations and flexible forms where qualitative psychology begins Qualitative Research in Psychology 4 4 pp 39 57 Valsiner J 2007 Comparative study of human cultural development Culture
290. r no tero pra fechar pra n o abrir antes do tempo tudo isso ela falou comigo pra ser feito agora nessa gesta o aqui agora 103 Apesar desses novos recursos e informa es que disp e para lidar com as incertezas futuras Joana resolve n o comprar o enxoval do beb antes do seu nascimento Assim a esperan a de enfim conseguir xito na gesta o atual convive com o medo e inseguran a caracterizados por pensamentos negativos recorrentes e pela vigil ncia constante dos movimentos fetais o que leva Joana a concluir acerca da necessidade de acompanhamento psicol gico Por mais que a gente n o queira colocar isso mas a gente pensa negativo porque voc fica assim oh j est mexendo movimentos fetais sentidos na gesta o a quando passa porque j est mexendo a gente quer que mexa toda hora entendeu quando n o mexe j fica com aquela psicose Oh meu Deus ser que est bem Ser que n o est bem Ser que eu devo falar com algu m a o que ele parceiro queria era isso que tivesse uma pessoa assim que ouvisse a gente que faz muito bem pra gente porque ele fala assim que bom porque voc s t m com quem conversar t m com quem dizer o que sente a a gente falando o que sente a crian a tamb m est aliviada n Aqui dentro est protegida mas est aliviada tamb m porque o que adianta a gente guardar a ang stia pra gente n As din micas no mbito d
291. r prazeroso cuidar e ser m e ao mesmo tempo Assim a despeito da experi ncia anterior de gesta es marcadas por tantas intercorr ncias e que resultaram invariavelmente na morte dos beb s da precariedade no suporte emocional afetivo e instrumental material oferecido tanto por familiares quanto por servi os e profissionais de sa de pelas lembran as essencialmente negativas que relata possuir dos beb s que gerou da dor emocional e f sica de perd los e do risco sua pr pria vida inerente a esse processo Ana almeja ainda a maternidade O que a motiva nesse intento A trajet ria percorrida ao longo da sua hist ria reprodutiva denuncia o desamparo no qual se encontra Desamparo que tenta superar com o nascimento e a presen a de um filho De algo seu de algu m que esteja sempre ao seu lado e lhe forne a principalmente o suporte emocional necess rio para os momentos dif ceis da vida Afinal o desamparo a falta de suporte parecem ser o seu vazio Vazio que somente um filho seria capaz de preencher conforme enunciam os significados sociais e hegem nicos acerca da maternidade No entanto o caminho escolhido e percorrido por Ana a levar a mais uma experi ncia de sofrimento e dor Afinal no in cio do ano de 2008 engravida novamente mas o resultado consiste em mais um aborto espont neo aos dois meses de gesta o Ap s a perda Ana volta a experienciar crises de ansiedade o que a leva a retomar os atendimentos p
292. r da perspectiva da biomedicina Assim podem ser consideradas quase insiders na esfera m dica enquanto que por outro lado as usu rias da rede p blica podem ser consideradas outsiders pela menor familiaridade com o conhecimento m dico menor acesso informa o menor oportunidade de di logo com o profissional de sa de etc Sobre esse aspecto vale citar as formas de diferencia o dos contextos sociais conforme descritos por Goodnow 1995 A autora retoma a primeira descri o ecol gica de Bronfrenbrenner e caracteriza tr s formas poss veis de diferencia o entre os contextos sociais em primeiro lugar destacam se as dimens es espaciais os setores do contexto social diferem um do outro por exemplo na medida em que eles ocupam diferentes espa os f sicos ou est o pr ximos ou distantes em rela o s pessoas Dimens es espaciais incitam tamb m quest es sobre o acesso esses espa os f sicos e sociais ou para os dom nios ou reas do conhecimento Considerando a quest o do acesso podem se analisar as fronteiras entre os contextos e sua permeabilidade Nos contextos p blicos de sa de fronteiras s o constru das e h pouca permeabilidade para transp las as mulheres somente t m acesso aos servi os de sa de financiados pelo estado o que de algum modo j limita o acesso Al m disso na medida em que a demanda da popula o por esses servi os maior do que a oferta nem sempre eles s o acess
293. r e a ter o filho Na minha cabe a assim eu queria saber por que primeiro pra voc ter uma certeza todo mundo que tem uma coisa quer saber o porqu dessa coisa ent o eu queria descobrir se eu n o posso ter filho porque que eu n o posso ter um filho em primeiro lugar isso Em segundo lugar principalmente pra descobrir porque pra poder tratar voc n o pode tratar sem descobrir o que Por m ao realizar os muitos exames solicitados pelo m dico especialista n o obteve respostas definitivas mas somente a identifica o de alguns fatores que poderiam estar relacionados com as perdas experienciadas mas tudo assim uma possibilidade a gente n o tem certeza Na busca por certezas Juliana recorreu a outros especialistas e realizou outros exames Por m a incerteza ressurgiu atrav s das diverg ncias entre os discursos dos especialistas sobre as causas e os poss veis tratamentos para o aborto de repeti o Novamente o n vel de ambival ncia foi intensificado Com o prop sito de minimiz lo para ent o planejar uma nova gravidez Juliana recorreu estrat gia de bricolagem de significados reunindo a mir ade de possibilidades de tratamento sugerida pelos m dicos especialistas com o objetivo de cobrir todas as poss veis causas dos abortos espont neos e deste modo evitar uma nova perda Evidencia se ent o o esfor o de Juliana em construir alguma certeza para o futuro reprodutivo reduzindo a
294. r leve ou grave O tratamento definitivo para a pr eclampsia ou a eclampsia o parto A urg ncia do mesmo depende da gravidade do caso No caso de pr eclampsia grave a seguran a da gestante deve ser considerada em primeiro lugar A prioridade avaliar e estabilizar a condi o materna particularmente as anomalias de coagula o A s ndrome HELLP que consiste de em lise eleva o de enzimas hep ticas e plaquetas baixas uma forma de pr eclampsia grave O manejo o mesmo da pr eclampsia grave ou seja realizar o parto A s ndrome HELLP est associada a um mau desfecho materno e perinatal A mortalidade fetal perinatal relatada na literatura m dica vai de 7 7 a 60 0 e a maternidade materna de zero a 24 A morbidade materna comum Muitas pacientes com s ndrome de HELLP necessitam de transfus o de sangue e de componentes sangu neos e 171 pressdo que aumenta eu corri risco n eu corri mais risco de vida foi bem mais grave me disseram que foi bem mais grave do que a da primeira Ap s internamento hospitalar Beatriz relata ter dado in cio a um novo planejamento para a pr xima gesta o cheguei em casa l eu j ficava fazendo os meus planos de como seria a pr xima gravidez Combinou com o marido acumular recursos financeiros at ter dinheiro suficiente para ter acesso a um atendimento m dico especializado oferecido pela rede privada de assist ncia sa de preparando se principalmente f
295. r na cidade a perda de exames e documentos entre outros incidentes Em rela o perda de l quido amni tico Ana relata ter buscado assist ncia m dica mas a informa o recebida pelos profissionais de sa de foi a de que n o era nada de mais 118 Aos sete meses de gravidez ao sentir fortes dores na regi o abdominal Ana buscou atendimento m dico Por m a orienta o transmitida foi de que apesar das dores e do retardo no desenvolvimento do beb ela deveria retornar para a casa Tal orienta o foi seguida apesar da percep o de que havia algo errado Simplesmente mandaram ir pra casa e aguardar mas s que eu percebi porque quando a m dica me examinou eu senti que a luva saiu cheia de sangue Eu percebi que n o tava nada normal mesmo assim eu fiquei tranquila tranquila v rgula n porque a minha press o subiu logo Na medida em que as dores se intensificaram Ana retornou maternidade algumas horas depois quando ent o ocorreu a perda gestacional Descreve que desta vez a rea o perda foi a de desespero e vontade de ficar sozinha n o queria ouvir voz de ningu m n o queria ver cara de ningu m n o queria falar com ningu m Tamb m relata que chegou a ver o beb no momento em que a m dica fez o parto era uma menina que descreve como um bolo de carne bem pequenininho com peso de meio quilo e pouco porque ela tava com o desenvolvimento de cinco meses O
296. ra a a o humana p 252 isto d o suporte e orientam as experi ncias microgen ticas das pessoas Deste modo exercem uma importante fun o entre a infinita singularidade do fluxo microgen tico e a relativamente conservativa progress o da ontogenia p 254 Por fim o n vel ontogen tico no qual determinadas experi ncias microgen ticas canalizadas por eventos mesogen ticos s o transformadas em estruturas de significado relativamente est veis que orientam a pessoa ao longo da sua trajet ria de vida Valsiner 2007 As rela es entre os n veis de organiza o da experi ncia podem acontecer de diferentes maneiras Assim eventos microgen ticos como a experi ncia inesperada de um aborto espont neo mesmo que s aconte a uma nica vez podem ter impacto significativo no n vel ontogen tico Uma perda gestacional involunt ria possui um car ter profundamente 199 afetivo No entanto como muitas vezes configuram se enquanto perdas n o reconhecidas pela rede social pr xima pessoa podem n o ser coletiva e culturalmente assistidas por eventos mesogen ticos a exemplo do funeral e do luto o que poderia amortecer o seu impacto sobre o n vel ontogen tico de organiza o Al m desses n veis de organiza o da experi ncia descritos acima preciso ainda considerar o n vel macrogen tico isto o contexto macrossocial Afinal as pessoas est o situadas em um determinado contexto hist
297. ra as perdas gestacionais experienciadas no passado ou seja as perdas ocorreram pois Beatriz n o teve acesso ao tratamento m dico especializado assim como para as trajet rias potenciais a serem experienciadas no futuro quando tiver acesso a esse tratamento n o ocorrer o mais perdas gestacionais a morte n o se sobressair vida mas a vida dominar a morte E enfim conseguir alcan ar a experi ncia idealizada da maternidade do sagrado da maternidade que a orienta para o futuro A Figura abaixo ilustra os principais aspectos analisados da trajet ria reprodutiva de Beatriz com nfase para as estrat gias semi ticas para a constru o de continuidade e manuten o da posi o Eu m e ap s a terceira perda gestacional 194 Figura 21 Trajet ria reprodutiva de Beatriz Ter filhos maternidade PRIVADAE ESPECIALIZADA Trombofilia Fatores Aloimunes 2 Trajet ria sombra Trajet ria sombra ter uma filha ter uma filha lt n o ter engravidado Sa Tempo imeversivel Nao ter filhos n o maternidade 195 CAPITULO IX Construindo continuidade frente a sucessivas rupturas estrat gias semi ticas de repara o din mica do self A experi ncia de um aborto espont neo ou uma perda gestacional involunt ria entendida no presente trabalho em termos de ruptura tanto no sentido da gesta o em desenvo
298. ra eu ter o filho e vou tentar novamente O uso de recursos simb licos e ag ncia Com o prop sito de dar sentido s experi ncias passadas manejar suas intera es com os outros e minimizar as incertezas futuras Joana fez uso de uma s rie de recursos simb licos dispon veis no contexto cultural no qual ela se insere Zittoun Duveen Gillespie Ivinson amp Psaltis 2003 Isto ocorreu especialmente a partir da sua quarta gesta o ap s ter vivenciado n o s a sua terceira perda gestacional mas tamb m ter constru do a percep o de risco sua pr pria vida Deste modo al m dos cuidados com o pr prio corpo como manter se em repouso recorreu a outros recursos provenientes do campo m dico e do campo religioso duas institui es culturalmente associadas capacidade de assegurar alguma certeza sobre a vida e o viver A cada novo recurso simb lico introduzido e utilizado renovava se a esperan a de um novo desfecho sua hist ria reprodutiva expectativa de futuro visto que um elemento diferente era introduzido em compara o com as experi ncias de perdas anteriores mem rias dos eventos passados Isto aumentava lhe a esperan a de que o inesperado pudesse ocorrer Assim quando Joana estava mais fragilizada em uma situa o de extrema vulnerabilidade com a percep o de risco sua vida e sem contar com apoio de sua pr pria fam lia de origem ela vai buscar em outras esferas da experi ncia uma f
299. ral de Minas Gerais UFMG Prof Dr Marcelo Eduardo Pfeiffer Castellanos Universidade Federal da Bahia UFBA Profa Dra Marilena Ristum Universidade Federal da Bahia UFBA Profa Dra Ana Cecilia de Sousa Bastos Universidade Federal da Bahia UFBA AGRADECIMENTOS Na trajet ria de constru o dessa tese foram muitas as pessoas significativas que de alguma maneira contribu ram para que eu pudesse chegar at aqui querida orientadora Ana Cec lia Bastos por sua admir vel sabedoria por seu modo afetivo e acolhedor de nos guiar pelos caminhos da constru o do conhecimento pelo seu modo generoso de compartilhar o seu saber e as suas conquistas Seguir essa trajet ria tendo te como guia consistiu em uma experi ncia extremamente prazerosa e enriquecedora Admiro te profundamente e agrade o te por tudo Na esfera acad mica meus sinceros agradecimentos professora Ilka Bichara que ainda na disciplina de Metodologia no primeiro semestre do doutorado teceu as primeiras cr ticas ao esbo o inicial do que seria um projeto de pesquisa aos professores Jaan Valsiner e Marilena Ristum por terem me dado honra de compor a banca do meu exame de qualifica o e que por meio de uma leitura cuidadosa do meu projeto de pesquisa teceram preciosas cr ticas que contribu ram para o avan o do estudo Nesse nterim n o posso deixar de agradecer querida colega Sara Chaves por ter atuado como tradutora desse fundam
300. ram sobre os signos e tornam se reguladores uns dos outros da a ideia de hierarquia E formam sistemas din micos hier rquicos na medida em que essa rela o entre os signos n o r gida mas flex vel e est em constante movimento Um signo regulador pode ser substitu do por outro n vel de regula o semi tica hier rquica Como parte dessa hierarquia est o os sentimentos generalizados e hipergeneralizados codificados em signos De acordo com a perspectiva da Psicologia Cultural a regula o e organiza o da vida mental s o entendidas enquanto o resultado dos processos afetivos Cabell amp Valsiner 2011 Afinal mediante o uso de signos que as pessoas constroem significado para os eventos cotidianos constru es epis dicas que envolvem sentimento e uma poss vel reflex o sobre o sentir Valsiner 2007 198 A tese central da perspectiva semi tica na psicologia cultural a de que a vida psicol gica humana em sua forma mediada por signos afetiva em sua natureza Valsiner 2007 p 251 Ou seja as pessoas criam sentido para as suas rela es com o mundo e para o pr prio mundo atrav s dos sentimentos que s o eles pr prios culturalmente organizados por meio da cria o e uso dos signos Deste modo o dom nio afetivo central para a constru o de culturas pessoais Valsiner 2007 A experi ncia afetiva uma totalidade criada no tempo isto uma combina o do passado p
301. re a sua hist ria reprodutiva Ao longo da narrativa alguns questionamentos poder o ser realizados a fim de esclarecer ou de abarcar os pontos do roteiro tem tico descrito a seguir 2 Roteiro tem tico TEMA GRAVIDEZ E ANTECEDENTES HIST RIA DOS ABORTOS REDE SOCIAL NOVAS TENTATIVAS DE GRAVIDEZ ASSIST NCIA SA DE PERSPECTIVAS COM RELA O AO FUTURO DETALHAMENTO POSS VEIS QUEST ES Antes de engravidar pela primeira vez o que significava para voc ser m e Quais eram as expectativas em torno desta primeira gravidez Como se sentiu pensou e se comportou ao saber que estava gr vida E nas gesta es subsequentes Como e quando aconteceram as perdas gestacionais Procurou por algum atendimento m dico Como foi este atendimento Como foi para voc vivenciar estas perdas sentimentos pensamentos comportamentos O que voc acha que provocou as perdas O que aconteceu ap s as perdas Ap s as perdas algo mudou na sua compreens o do que seja ser m e da maternidade Contou com o apoio de algu m nas situa es de perda gestacional Quais foram essas pessoas e como foi esse apoio Acha que algo mudou no seu relacionamento conjugal e ou com familiares e amigos em decorr ncia das perdas gestacionais Como foram as demais gesta es O que aconteceu no decorrer destas intercorr ncias comportamento pensamento sentimento rede de apoio assist ncia s
302. resente e futuro simultaneamente Cabell amp Valsiner 2011 regulada mediante sugest es sociais codificadas nos signos em diferentes n veis de generaliza o e nos diferentes dom nios da experi ncia o microgen tico o mesogen tico e o ontogen tico Assim 0 processo microgen tico refere se experi ncia vivida imediata que ocorre medida que a pessoa enfrenta o pr ximo e in dito momento ao longo do tempo irrevers vel A fim de criar alguma estabilidade do ponto de vista psicol gico frente novidade do futuro imediato a pessoa cria dispositivos semi ticos campos de significa o que v o estabilizar temporariamente o caos sempre espreita humana no mundo Valsiner 2007 p 251 Boesh 2005 citado por Valsiner 2007 A maior que caracteriza a experi ncia parte dos dispositivos semi ticos criados abandonada outros significados por m s o mantidos ao longo da ontog nese Assim culturas pessoais s o ferramentas para criar estabilidade subjetiva diante das inevit veis incertezas da experi ncia sendo assistidas pela canaliza o coletivo cultural dessas experi ncias O processo mesogen tico por sua vez consiste no campo das atividades culturalmente estruturadas que canalizam e organizam a experi ncia subjetiva mediante o estabelecimento de uma gama de possibilidades nas quais a experi ncia toma a forma Nas palavras de Valsiner 2007 s o molduras recorrentes pa
303. ri ncia de uma perda gestacional involuntaria representa uma ruptura da gesta o em desenvolvimento daquilo que se esperava e que estava na imin ncia de acontecer o tornar se m e e o nascimento de um beb Deste modo implica em descontinuidade do desenvolvimento do self desafiando entendimentos e expectativas que haviam sido constru dos acerca de si mesmo e do mundo A repeti o dessas rupturas ao longo da trajet ria reprodutiva amea a o sentido do self intensifica o n vel de ambival ncia e maximiza a incerteza em rela o ao futuro O presente estudo consistiu em um aprofundamento te rico e emp rico sobre como o self constr i continuidade atrav s de rupturas sucessivas ao longo da trajet ria reprodutiva Implicou entender as din micas do self dial gico no fluxo do tempo e analis las com o intuito de identificar processos de reorganiza o do self a fim de se manter coeso apesar das rupturas das recorrentes descontinuidades Tendo em vista esta problem tica optou se por trat la a partir do referencial te rico do Construtivismo Semi tico Cultural uma perspectiva te rico metodol gica que focaliza a constru o inter e intrapessoal da subjetividade humana individual Como m todo realizou se um estudo de cunho etnogr fico realizado em dois contextos distintos de assist ncia sa de da mulher e ou casal com diagn stico de aborto de repeti o na cidade do Salvador BA sendo um vinculado rede p blica e o out
304. riamente 175 Figura 15 Significados de gravidez unidade de opostos e sua din mica de rela es q e i GRAVIDEZ ad AA A N o A N A Tornar se m e Comprometer a sa de A Ter um filho Perder a vida morrer A A A Concretizar planos Perder outro beb 4 q pessoais y NI a c gt oo VOZES DA BIOMEDICINA X VOZES REDE SOCIAL Voc s podem Nenhum m dico engravidar com d 100 tratamento Na tentativa de construir um sentido de seguran a como se engravidar novamente constitu sse uma trajet ria cujo desfecho tornara se previs vel gra as ao tratamento m dico especializado um obst culo importante fez se presente a demora em engravidar O tempo decorrido das tentativas para engravidar ap s tratamento imunol gico com o m dico especialista e a sua n o realiza o aumentou a ambival ncia de Beatriz entre o tentar ou n o tentar engravidar novamente A rede de apoio contribuiu para a amplia o da ambival ncia construindo o significado para a dificuldade de Beatriz engravidar relacionado vontade de Deus ver Figura 16 Aliando se ao questionamento dos signos provenientes da esfera m dica houve a introdu o nesse cen rio de outro signo poderoso e hipergeneralizado Deus A ela me falando n essa prima dele olha Beatriz voc tem tanta facilidade pra engravidar por que que ser que agora ta
305. rincipalmente relacionado com a aus ncia do parceiro No entanto esta configura o inicial modificou se significativamente no decorrer das demais perdas onde os sintomas depressivos tornaram se cada vez mais percept veis e onde ela decidiu dar prosseguimento s gesta es empreendidas independente da opini o do parceiro que se mostrava decididamente contr rio a isso e das tantas dificuldades que iam se fazendo presentes A ltima perda em especial pareceu ilustrar a amplitude desta mudan a na medida em que levou a uma profunda devasta o emocional na vida de Ana que a despeito disso decidiu continuar persistindo apesar dos riscos de vivenciar todo este sofrimento novamente No momento presente posi o espec fica no espa o e no tempo a partir do qual Ana constr i a sua narrativa a maternidade refere se a um sonho que luta para concretizar Isto transformou se em um signo hipergeneralizado do tipo campo que guia a gama poss vel de constru es de significado poss veis no futuro Valsiner 2004 Signo produzido para regular o significado criado por outros signos funcionamento como um regulador semi tico intrapsicol gico promotor de um modo de sentir pensar e agir Assim a emerg ncia desse signo promotor tornou poss vel no mbito do self manter a posi o Eu m e t o amea ada ao longo da sua experi ncia Para Ana a maternidade representa uma condi o que ultrapassa o mero tornar se m e encontrando
306. riou de quatro a cinco incluindo a gravidez atual e de perdas gestacionais subsequentes entre tr s a quatro No momento da entrevista quatro das mulheres entrevistadas estavam gr vidas Vale ressaltar que as perdas gestacionais ocorreram em per odos variados do primeiro ao ltimo trimestre da gesta o e inclu ram aborto espont neo natimortos e bito neonatal imediato e ou dias ap s o parto Nenhuma das entrevistadas possu a filhos Quadro II Caracteriza o da hist ria reprodutiva Contexto p blico de sa de Entrevistadas N de N deperdas Gestante por ocasi o da _ gesta es gestacionais entrevista Ana 04 04 N o Maria 04 03 Sim 6 meses Joana 05 04 Sim 3 meses Manuela 05 04 Sim 4 meses Denise 05 04 Sim 4 meses 63 Contexto privado de assist ncia sa de Aqui o contexto investigado foi uma cl nica privada voltada para o tratamento imunol gico de casais com perdas gestacionais recorrentes A inser o nesse contexto ocorreu no final de 2009 e se estende at o momento presente O meio privilegiado de acesso s participantes ocorreu atrav s da oferta de avalia o psicol gica realizada pela pr pria pesquisadora para as mulheres usu rias desse servi o A avalia o psicol gica possu a enquanto objetivo principal caracterizar cada mulher em termos do seu estado emocional e inclu a uma entrevista semiestruturada que visava a investigar os sentimentos pensamentos e a es da paciente em rela
307. ro rede privada No que concerne s estrat gias de coleta de dados destaque especial foi concedido s entrevistas narrativas J com rela o an lise dos dados foi utilizado o Modelo de Equifinalidade de Trajet rias TEM Participaram deste estudo dez mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes Ap s a realiza o de compara es descritivas entre as trajet rias reprodutivas das participantes com a finalidade de entender os processos de rupturas e reconstru es na cultura pessoal atrav s da aplica o do TEM foi constru do um conceito que pudesse oferecer generalidade para o espec fico dessa experi ncia Afinal a experi ncia recorrente de rupturas significativas exige um tipo espec fico de processo semi tico que no presente trabalho foi denominado de estrat gias semi ticas de repara o din mica do self Essas estrat gias ao serem utilizadas levam constru o de signos espec ficos os signos reparadores que t m o poder de restaurar a conex o dos fragmentos da trajet ria interrompida construindo alguma articula o entre esses fragmentos e resgatando certo senso de continuidade Os signos reparadores promovem assim a constru o de significado para o momento presente a reconstru o de significados atribu dos s experi ncias no passado perdas anteriores e nova orienta o para a gama aceit vel de constru es de significados orientados para o futuro conectando os rela
308. ro Editorial e Did tico da UFBA Peskek D J Kraus M L amp Diriwachter R 2008 Construction and internalization of prayer practices to cope with transitional life periods Yearbook of Idiographic Science 1 135 161 Rabinow P 1996 Making PCR a story of biotechnology Chicago The University of Chicago Press Reagan J 2003 From hazard to blessing to tragedy representations of miscarriage in twentieth century Am rica Feminist studies 29 2 356 378 Reddy U amp Witter F 2001 Dist rbios hipertensivos da gesta o In Manual de ginecologia e obstetr cia do Johns Hopkins N C Lambrou A N Morse amp E E Wallach Porto Alegre Artmed Editora Reis J C 1999 Sorriso de Hip crates a integra o biopsicossocial dos processos de sa de e doen a Ed Viega Lisboa Portugal Renner C H Verdekal S Brier S amp Fallucca G 2000 The meaning of miscarriage to others is it na unrecognized loss Journal of personal and interpersonal loss 5 65 76 Recuperado em 10 de novembro 2006 do Portal CAPES www periodicos capes gov br Ribeiro A P amp Gon alves M M 2010 Innovation and stability within the Dialogical Self the centrality of ambivalence Culture amp Psychology 16 1 1 11 Rios L T M Oliveira R V B Martins M G Bandeira K P Leit o O M R Santos G H N amp Sousa M S 2010 Anormalidades do primeiro trimestre da gravidez ensaio icono
309. romovida E todos os encontros reais com a maternidade ser o subsumidos por esse sentimento generalizado Esse ltimo aspecto pode ser ilustrado pelo caso Joana no qual mesmo ap s a experi ncia de perdas gestacionais e a decis o de que n o voltaria mais a engravidar a experi ncia de uma nova gravidez foi acompanhada por um sentimento de renova o Os signos promotores s o profundamente internalizados e operam como orienta es pessoais baseadas em valores Valsiner 2007 Penso que esse seja o outro lado da experi ncia de um aborto espont neo a viv ncia mesmo que parcial e interrompida da maternidade que atualiza esse sentimento 201 generalizado O sentir no pr prio corpo as transforma es f sicas provocadas pela gera o de uma crian a o seu pr prio filho e todas as repercuss es emocionais e sociais que tal evento provoca A n o exist ncia reconhece a exist ncia a experi ncia de n o maternidade faz essas mulheres reconhecerem a experi ncia da maternidade Assim o fato dessas mulheres continuarem a engravidar ou seja a prosseguir na dire o da maternidade pressup e certo futuro antecipado onde a possibilidade de ter um filho biol gico mantida Ou seja ter um filho est dentro da gama de significados poss veis para o futuro A manuten o dessa possibilidade futura apesar de todas as perdas gestacionais ocorridas no passado pode ser realizada por um signo promotor Nesse
310. rrer Nesse momento ent o o m dico ginecologista que a acompanhava indicou lhe um m dico especialista no tratamento de casais com diagn stico de abortamento de repeti o Eduarda e o esposo assim buscaram esse m dico realizando todos os muitos exames por ele solicitados Atrav s desses exames houve a identifica o de algumas altera es Autoimunes e Aloimunes bem como a prescri o e a realiza o de um tratamento por m sem sucesso Isto porque mesmo ap s a interven o m dica Eduarda voltou a experienciar mais outros dois abortos espont neos Os procedimentos m dicos ap s os abortos consistiram em um dos momentos mais dif ceis para Eduarda E foram muitas as raz es apontadas por ela a experi ncia de dor f sica como resultado da indu o medicamentosa da expuls o dos restos fetais a percep o de amea a sua integridade f sica pelo uso de anestesia geral o sofrimento emocional experienciado por ela e por sua fam lia em decorr ncia da perda e a frustra o da rede social ao receber a not cia da interrup o prematura da gesta o muito complicado porque a gente tem que tomar aqueles rem dios a ter que ficar esperando as contra es n o per odo certo do rem dio agir abrir o colo do tero n ent o muito dolorido A o meu esposo trabalha de turno e a paga um pre o alto pra estar ali comigo entendeu me acompanhando minha familia sofre eu sofro n a tem que e
311. rta profunda avers o Nesse momento por m certo mecanismo psicol gico de autoprote o parece ser acionado E Beatriz ent o realiza a tentativa de negar a morte a perda j consolidada E isto ocorre em termos afetivo semi ticos age e sente como se o beb n o tivesse morrido parecia at que estava dormindo recusa se a tocar em seu corpo gelado e abdica de participar do ritual f nebre realizado pelo marido A veracidade da morte colocada em quest o e compartilhada pelo marido que ao ver a filha no caix o refor ou a ideia da apar ncia viva do beb Quando eu vi o beb eu n o consegui segurar eu senti assim n o sei direito explicar mas eu n o consegui segurar colocou no meu lado eu ainda cheguei a tocar na m ozinha mas pegar no colo e tudo eu n o consegui eu n o consegui nem chorar aquele rostinho redondo e tudo pelo fato de ter nascido logo muito perfeita n o parecia estar deformada nem nada ent o muito perfeita No enterro quando o marido abre o caix o ele falou que nem parecia que tava morta parecia que tava dormindo n o tava inchada tava muito bonita ele falou que ela tava perfeita ele at ficou na d vida ser que realmente ela t morta ou n o Toda constru o de significados envolve signos de natureza dual que consistem do n cleo A e seu contexto interdependente imediato n o A formando um todo complexo O n o A a sua nega o ou o seu opost
312. rtir de sangue do parceiro Cavalcante amp Barini 2009 157 Al m disso outras pessoas v m questionando a efic cia do tratamento m dico realizado na medida em que apesar do tratamento outros abortos espont neos ocorreram Deste modo essas vozes apontam para determinadas incongru ncias para a fragilidade dos signos constru dos E isto gerou certo inc modo para Eduarda suscitando nova amplia o da ambival ncia Diante dessas tens es Eduarda recorreu a algumas estrat gias semi ticas e dial gicas a fim de minimizar as ambival ncias que elas provocavam primeiro essas vozes foram desqualificadas no interior do self essas pessoas s o coleguinhas sem muita intimidade pessoas que eu n o tenho muita intimidade mas que t o perto de mim Logo em seguida planejou atrav s do di logo ocorrido no interior do self uma a o futura com o intuito de silenci las desqualificando o conte do expresso por essas vozes eu falei assim eu vou me posicionar melhor em rela o a essas pessoas n o vou permitir que elas fiquem falando que elas fiquem especulando isso n o entendeu Que conhecimento tem pra ficar falando sobre as coisas Um dos questionamentos realizados por esses outros consistiu em por que n o descontinuar o tratamento m dico que j se mostrou ineficaz e confiar unicamente na provid ncia divina A partir dessa indaga o Eduarda realizou o movimento de tentar conciliar esses dois campos
313. s Jansen 2003 alguns per odos de transi o no curso de vida como a transi o n o normativa envolvida na viv ncia de uma perda gestacional a transa o entre self e outros mais intensa do que em outros per odos que podem ser vistos como relativamente est veis do ponto de vista desenvolvimental Deste modo e em ltima inst ncia a vida humana tamb m implica em alguma forma de estabilidade Os padr es de posicionamento e reposicionamento podem ter algum tipo de regularidade criando um modo de organiza o do self em rela o com os outros Assim as pessoas disp em potencialmente de um n mero infinito de vozes poss veis mas elas tendem a tornar se organizadas em alguns padr es mais ou menos regulares de posicionamento Salgado amp Gon alves 2006 Segundo Hermans e Hermans Jansen 2003 a linguagem social modela o que as vozes individuais podem dizer O sistema sociocultural de um determinado grupo influencia e constringe os sistemas de significados que emergem nas rela es dial gicas 42 A s ntese constru da sobre a teoria do self dial gico valoriza dois aspectos considerados essenciais no presente trabalho a din mica interna ao self e a considera o do self no tempo Esses foram os signos que orientaram a an lise dos casos que ser o apresentados nos pr ximos cap tulos Objetivos do estudo O presente trabalho visa a investigar uma realidade aparentemente contradit ria isto o qu
314. s mulheres investigadas foram considerados como Pontos de Equifinalidade prolongados ao longo do tempo Vale ressaltar a import ncia de se estabelecer o Ponto de Equifinalidade Polarizado PEFP visto que o Ponto de Equifinalidade EFP depende do foco e ou quest es de pesquisa do pesquisador e mostra apenas um aspecto do fen meno Faz se necess rio conforme Sato et al 2012 mostrar algum tipo de complemento ao Ponto de Equifinalidade Deste modo o Ponto de Equifinalidade Polarizado PEFP deve ser estabelecido para neutralizar o sistema de valor impl cito dos pesquisadores levando os a observarem a possibilidade de trajet rias invis veis E na medida em que o estabelecimento do PEFP pode ser considerado como a pluraliza o dos pontos de finalidade isto implica na multifinalidade da vida O ponto de passagem obrigat rio OPP por sua vez consistiu na busca por um tratamento m dico especializado ap s a experi ncia de perdas gestacionais recorrentes E por fim os pontos de bifurca o BFP se configuraram entre continuar ou desistir de tentar ter um filho biol gico Al m disso a experi ncia de cada gesta o foi considerada outra trajet ria onde com efeito algo esperado tornar se m e e ter um filho e ent o violado pela realiza o de outra trajet ria perda gestacional e o n o tornar se m e com um filho Em s ntese a metodologia escolhida para o presente estudo consistiu em uma estrat gia inspirada na ci
315. s parecem ocupar um lugar hier rquico de domin ncia sobre a voz pessoal posi es internas que se mostra submissa a essas Essa rela o de domin ncia destaca se especialmente na rela o estabelecida com os m dicos Ao considerar a narrativa constru da por Ana evidencia se a fun o psicol gica de criar distin o entre eu paciente lt versus gt eles os m dicos Aos m dicos Ana adicionou o valor positivo de saber leg timo sobre o seu pr prio corpo sobre a sua pr pria vida e sa de Para ela os m dicos representavam a autoridade do conhecimento sobre a biologia feminina no per odo grav dico puerperal Assim valores foram adicionados descri o desse outro o que eles os m dicos fazem e dizem hierarquicamente superior ao que ela pensa sente ou capaz de dizer Essa adi o de valor conduziu autorreflex o sobre 123 possibilidades de a o no caso obedecer s prescri es m dicas Ana ent o abst m se a agir de modo diferente mesmo quando pensa nessa possibilidade pois atribui aos m dicos uma valora o positiva eles sabem mais do que ela Da a propens o a agir em decorr ncia da adi o de valor ao significado Afinal a realidade das rela es humanas ocorre em contextos sociais configurados como campos orientados para metas em que as distin es particulares do tipo que adiciona valor tornam se a base para negocia es reais de poder e para diversas for
316. s amplos de interesse do estudo a saber a os significados constru dos acerca da maternidade b a perda gestacional como um evento cr tico tomado como um poss vel marcador de transi o no curso de vida dessas mulheres c os modos encontrados por elas de lidar com os sistemas sociais acerca da n o maternidade involunt ria d as formas pessoais e socialmente legitimadas para se ter um filho e e o acesso e a rela o com os recursos humanos e tecnol gicos encontrados nos servi os de assist ncia sa de ao longo da trajet ria reprodutiva As entrevistas foram realizadas individualmente gravadas em udio e posteriormente transcritas na ntegra Vale ressaltar que as hist rias narradas s o usualmente constru das em torno de um n cleo de fatos ou eventos de vida permitindo a express o da individualidade e criatividade na sele o adi o nfase e interpreta o dos fatos lembrados Deste modo tais hist rias constroem e transmitem significados individuais e culturais O estudo das narrativas assim permite acessar o sistema de significados das mulheres a cultura e o mundo social nos quais estas se encontram inseridas Lieblich Tuval Mashiach amp Zilber 1998 Assim no contexto de assist ncia p blica dez entrevistas narrativas foram realizadas entre os anos de 2007 e 2008 para fins do estudo realizado no mestrado Dessas entrevistas cinco foram selecionadas para o presente estudo Entre os crit rios de sele
317. s decorrentes do abortamento inseguro adquirem mais import ncia entre as causas de morte materna Em Salvador por exemplo desde o in cio da d cada de 90 o abortamento permanece como a primeira causa 70 isolada de morte materna com adolescentes e jovens apresentando maiores riscos de morte Brasil 2005 Menezes amp Aquino 2009 Apesar de a Norma T cnica enfatizar a situa o do abortamento induzido o abortamento espont neo tamb m contemplado Conforme dados do Minist rio da Sa de 2005 o aborto espont neo ocorre em aproximadamente 10 das gesta es envolvendo sentimentos de perda e de culpa al m de trazer complica es para o sistema reprodutivo requerendo aten o t cnica adequada segura e humanizada Um dos principais objetivos da Norma T cnica consiste na inclus o de um modelo humanizado de aten o s mulheres com abortamento Esse modelo humanizado deve entre outros aspectos garantir acolhimento e orienta o mulher Acolhimento traduzido em termos pr ticos no tratamento digno e respeitoso por parte dos profissionais de sa de o que inclui ainda o escutar a demanda da mulher sem pr julgamentos ou imposi o de valores A orienta o por sua vez pressup e a transmiss o de informa es necess rias tomada de decis o e ao autocuidado partindo se do pressuposto que a mulher o sujeito da a o de sa de em conson ncia com as diretrizes do SUS Al m do acolhimento e da orienta
318. s distintos enredos narrados pelas mulheres ou seja as diferen as entre os contextos de assist ncia p blicos e privados como experienciadas pelas participantes da pesquisa Realidade brasileira o sistema de servi os de sa de O Sistema de Servi os de Sa de no Brasil caracteriza se como um sistema din mico e complexo Desde 1988 a Constitui o brasileira estabeleceu a sa de como um direito do cidad o e um dever do Estado lan ando a base para a cria o do Sistema nico de Sa de SUS fundamentado nos princ pios da universalidade integralidade e participa o social Na atualidade o sistema de sa de brasileiro organiza se atrav s de um modelo segmentado plural composto por tr s diferentes sistemas que embora interrelacionados obedecem a distintas l gicas de estrutura o o Sistema nico de Sa de SUS o Sistema de Aten o M dica Supletiva SAMS e o Sistema de Desembolso Direto SDD Mendes 1998 O Sistema nico de Sa de SUS constitui um sistema p blico voltado para um conjunto de a es e servi os de sa de compreendendo toda uma estrutura de rg os e institui es p blicas federais estaduais e municipais Seus princ pios definidores incluem a universalidade de acesso a integralidade da assist ncia a participa o da comunidade a descentraliza o pol tico administrativa e a capacidade de resolu o dos servi os em todos os n veis de aten o aten o b sica secund ria e terci
319. s em rela o ao futuro para tentar uma nova gesta o Essa sensa o de seguran a tamb m foi compartilhada por algumas usu rias da rede p blica referindo se especialmente ao acompanhamento m dico especializado oferecido pelo ambulat rio de abortamento de repeti o da maternidade p blica investigada Outro aspecto relevante consistiu na amplia o da rede de apoio das usu rias da rede privada na medida em que a equipe de sa de em especial o m dico especializado em reprodu o humana visto como fonte de apoio instrumental de alta qualidade No caso das usu rias do servi o p blico o contexto assistencial foi caracterizado por defici ncias importantes no atendimento A rela o entre profissionais de sa de e mulheres apareceu marcada essencialmente pela desconfian a desrespeito e conflito Houve uma grande demanda por informa es e pela escuta cl nica que n o foi atendida Por m vale ressaltar que essa rela o ambivalente estabelecida com os profissionais de sa de n o foi relatada para com o m dico especialista do ambulat rio de abortamento de repeti o conforme ilustra o seguinte relato J aqui achei o suporte melhor Dra O mesmo muito paciente uma pessoa que nunca se mostra estressada com a gente eu gostei do atendimento daqui Cl udia 33 anos sete perdas gestacionais 96 Considera es finais sobre os contextos de sa de Partindo se do pressuposto que as pessoas em desenvo
320. s mudan as introduzidas ao longo da sua quarta gesta o o tr gico desfecho volta a se repetir E assim ao realizar um exame de ultrassom aos seis meses de gesta o o m dico respons vel constata que havia alguma altera o nos batimentos card acos do beb Seguindo a orienta o m dica Joana regressa sua casa a fim de aguardar alguns dias para repetir novamente o exame Por m o diagn stico recebido neste segundo momento de bito fetal 102 Ap s a perda a m dica do ambulat rio especializado em aborto de repeti o recomendou que Joana realizasse uma investiga o cl nica acerca do que provocava as perdas gestacionais atrav s da realiza o de uma s rie de exames cl nicos e laboratoriais Mas Joana s regressaria maternidade meses depois e novamente gr vida Nesse espa o de tempo por m outra experi ncia viria a marcar a sua trajet ria reprodutiva e renovar as suas esperan as de conseguir levar esta gesta o a termo e de vivenciar o nascimento de um filho vivo uma cura espiritual na igreja evang lica que ela frequentava Joana relata que a cura foi proferida por um pastor de outra igreja e n o pelo pastor habitual que j a conhecia Assim durante o culto esse pastor de fora convidou a todos os fi is com algum tipo de problema para irem ao altar da igreja e orarem Por m Joana relata ter permanecido onde estava estabelecendo nesse momento um di logo com Deus atrav s da ora o
321. s resultados da externaliza o alimentam prospectivamente o processo de internaliza o em andamento ao mesmo tempo em que o progresso da internaliza o em andamento promove o processo de externaliza o Valsiner 2007 Assim as pessoas de acordo com esta perspectiva criam signos utilizando a sua hist ria de constru o de signos sob a orienta o de outros seres humanos que nesse empreendimento de fabricar sentidos s o coletivamente orientados por diferentes institui es sociais O signo conforme Vigotski 1984 2008 consiste em um instrumento psicol gico que se produz na rela o e afeta e transforma os indiv duos que passam a funcionar na esfera do simb lico Nas palavras do autor o signo possui a fun o de media o Constitui um meio da atividade interna dirigido para o controle do pr prio indiv duo o signo orientado internamente Vigotski 1984 2008 p 55 E enquanto produ o humana atua de diversos modos como um elemento mediador funciona entre remete a operador faz com que seja conversor transforma das rela es sociais em fun es mentais Smolka 2004 p 41 36 Ele pode ser concebido ainda em seu car ter constitutivo flex vel e reflexivo Smolka p 45 Desta forma esse processo dual de internaliza o e externaliza o torna cada indiv duo uma pessoa singular embora sob as bases de uma mesma matriz cultural na medida em que mensagens culturais apesar
322. s situa es narradas sobre a rela o m dico paciente Porque os m dicos n o explicam a voc ele fala voc vai pegando algumas coisas pelo alto assim mas ele n o chega assim est acontecendo isso isso e isso Denise 30 anos quatro perdas gestacionais Para Martins 2003 2004 esta rela o de poder estabelecida entre m dico e paciente evidenciada especialmente junto com a popula o de baixa renda Afinal essas pessoas encontram se exclu das pol tica e socialmente n o possuem recursos financeiros nem o poder advindo da geralmente n o possuem estudo superior n o partilhando assim da mesma cultura do m dico o que resulta muitas vezes na percep o dessas pessoas por parte daqueles que valorizam a dita racionalidade como n o dignas de ter a sua autonomia respeitada Houve tamb m o relato por parte de algumas mulheres de neglig ncia na presta o de alguns atendimentos como a transmiss o de informa es inadequadas e exame cl nico descuidado condutas associadas por algumas mulheres s perdas gestacionais experienciadas Eu fui no Iperba eu j tinha ido no Iperba por causa que eu tava perdendo l quido disseram que n o era nada de mais que era s pra repetir os exames pra ver se ia precisar me internar ou n o a s que n o deu tempo de fazer os exames a quando foi com sete meses a eu acabei perdendo eu comecei a sentir assim umas dores fort
323. se voltar a ocorrer futuro eu j tava com medo como eu j tinha os dois abortamentos pr vios a eu j tava com medo essa j foi uma gravidez totalmente assim apreensiva n eu fiquei totalmente apreensiva Juliana relata que nessa gesta o conseguiu pela primeira vez ouvir os batimentos card acos do beb atrav s do exame do ultrassom o que lhe fez pensar que essa gravidez poderia ter xito Quando eu vi os batimentos da crian a foi o nico das tr s gravidezes foi o nico que eu ouvi os batimentos ah uma sensa o t o gostosa t o gostosa voc ouvir l t t t os batimentos Depois de voc ter perdido dois voc v um ali j bem 137 grandinho e com os batimentos ai foi que a gente ela e a m dica achou que ia dar certo mesmo Ai eu me enchi de esperan a j comprei roupa fiz um bocado de coisa que n o devia ter feito de comprar j come ar o enxoval Por m outra marca ao mesmo tempo f sica e simb lica daria fim s suas esperan as de sucesso gestacional Afinal na oitava semana de gesta o teve um pequeno sangramento esta uma lembran a muito cruel uma ang stia profunda Realizou em si mesma o exame de toque e percebeu que o sangramento era proveniente do seu tero Entrou em contato com um amigo m dico e ultrassonografista que foi at sua casa levando os equipamentos do ultrassom Atrav s desse exame diagnosticou se bito fetal
324. sente integrando elementos da experi ncia passada em rela o ao futuro A experi ncia humana situa se assim em uma dimens o temporal que orientada para o futuro A ocorr ncia de uma perda gestacional involunt ria por exemplo ultrapassa o momento presente da perda em si e engloba a perda de um beb imaginado do filho antecipado no futuro Inerente a essa rela o com o futuro est a experi ncia de incerteza Afinal o futuro nunca pode ser inteiramente determinado no momento presente O futuro incerto e o passado est constantemente sendo reconstru do medida que enfrentamos a incerteza do futuro atrav s da constru o de signos diversos Deste modo as pessoas experienciam e significam o mundo atrav s de signos E atrav s da media o semi tica enfrentam o futuro Valsiner 2007 Abbey amp Valsiner 2004 Vale ressaltar que a media o semi tica um termo geral para os v rios dispositivos semi ticos intra e interpsicol gicos usados pelas pessoas para se relacionar com o mundo Entre os tipos de mediadores semi ticos destacam se os reguladores semi ticos que atuam ativamente e diretamente sobre os processos psicol gicos em curso inibindo ou promovendo continuidade e desenvolvimento Cabell 2010 Os processos de regula o semi tica operam por meio de hierarquias atrav s das quais os signos temporariamente se organizam e se configuram Valsiner 2001 Isto significa dizer que os signos ope
325. sentido sentimentos generalizados do tipo toda mulher nasceu para ser m e podem contribuir para a manuten o dessa possibilidade no futuro Al m disso sentimentos generalizados envolvendo outras esferas da vida como a esfera m dica e os significados da advindos tais como a medicina com seus avan os cient fico tecnol gicos e seus m dicos especialistas tem solu o para quase todos os problemas de sa de ou a esfera religiosa e no o hipergeneralizada de Deus concebido como um pai misericordioso e todo poderoso comp em signos promotores que parecem contribuir para a manuten o da posi o Eu m e como uma possibilidade para o futuro desconhecido Deste modo essas mulheres buscam diferentes signos promotores nas diferentes esferas da vida como religiosa m dico e familiar para seguir na dire o da maternidade do ter filhos Uma tentativa de dar conta dessa dif cil situa o de rupturas recorrentes Signos que talvez estejam mais dispon veis no campo da sa de privada na medida em que as mulheres t m acesso a muitos exames al m da possibilidade ampliada de estabelecer trocas dial gicas com os m dicos Diferente das mulheres do servi o p blico que parecem precisar buscar esses recursos em outras esferas como a religiosa ou preencher essa lacuna com os recursos pessoais que disp em A constru o de signos reparadores A partir do Modelo de Equifinalidade de Trajet rias S
326. sicol gicos Por m decorrido alguns meses Ana decide realizar o sonho da maternidade atrav s de uma trajet ria alternativa a da ado o Decis o que a far enfrentar novos obst culos n o s legais mas tamb m familiares devido recusa do parceiro em aceitar adotar uma crian a A Figura abaixo ilustra os principais aspectos analisados da trajet ria reprodutiva de Ana com nfase para as estrat gias semi ticas para a constru o de continuidade e manuten o da posi o Eu m e ap s a quarta perda gestacional 133 Figura 9 Trajet ria reprodutiva de Ana Ter filhos maternidade ESFERA ROIA SICOTER PICA BDE Ansiedade FL al Ponto de x 0 ada F i EAA A bicapa N Tea 2 ja soal gd Rd MT N N Zoae 4 E ita i y SOLID O ae ll Sots Elevado nivel oc Pra NAO MATERNIDADE Vozes coletivas cama Voz pessoal Ex voz dos m dicos y 4 Vv h Vos rot em coletivas Nozpessoal D Exivozdos m dicos Emerg ncia de nova hierarquia semi tica ea RA E E EEE cpm Jepsen gt PASSADO PRESENTE FUTURO Tempo N o ter filhos n o maternidade 134 CAP TULO VI A dial tica do pertencimento versus solid o travessias na fronteira simb lica do tornar se m e A trajet ria reprodutiva de Juliana no contexto privado de sa de Todas as crian as nascendo e s a minha morrendo Narrativa autobiogr fica da hist ria reprodutiva Juli
327. significativas ent o se efetivaram no posicionamento subjetivo de Ana em rela o ao seu pr prio saber sentimentos sensa es e significados pessoalmente constru dos Diante da neglig ncia institucional do descaso dos profissionais de sa de e das sucessivas perdas gestacionais Ana foi intimada a inventar o seu pr prio saber convocada a circunscrever a gama de possibilidades futuras forjando alguma estabilidade em um cen rio repleto de incertezas a fim de seguir em dire o maternidade Deste modo ela recupera gradativamente a sua autonomia subjetiva n o s em rela o autoridade m dica mas tamb m em rela o a outros significativos da sua rede social pr xima Essa mudan a em seu posicionamento subjetivo evidencia se com mais clareza ap s a sua quarta perda gestacional Depois de um longo per odo de transi o n o normativa em decorr ncia dessa perda Ana decide voltar a engravidar Mas durante esse movimento subjetivo defrontou se com a oposi o generalizada da sua rede de apoio Pessoas significativas tais como a sua m e e o parceiro sugeriram oposi o a esse movimento em dire o maternidade biol gica At a minha m e falou assim se eu fosse voc eu n o tentava mais n o ficar correndo risco A eu falei mas minha m e o que o risco a senhora n o correu risco do meu irm o pen ltimo a senhora quase n o morreu N o engravidou de novo n o deu certo Ent o Se a gente n
328. signos promotores fornecendo valor afetivo esmagador aos limites concretos que a fam lia imp e Valsiner 2007 p 147 Deste modo os textos constru dos pela fam lia de Juliana circunscrevem alguns modos de agir por um lado excluem o n o ter filhos do campo de possibilidades futuras na medida em que o relacionam a um campo afetivo negativo tal como a solid o e por outro lado promovem o tornar se m e ao atribuir a maternidade um valor afetivo altamente positivo Assim essas sugest es sociais configuram se em um ve culo para regular a vida pessoal de Juliana Partindo se do pressuposto que toda constru o de significado envolve signos de natureza dual que consiste do n cleo A e seu contexto interdependente imediato N o A Cabell amp Valsiner 2011 podemos analisar a rela o estabelecida por Juliana entre maternidade lt gt n o maternidade No decorrer da trajet ria reprodutiva orientada pela experi ncia afetiva de gravidez e abortos espont neos bem como influenciada por outros sociais significativos Juliana foi construindo novos signos relacionados contraparte n o maternidade tais como sofrimento dor fracasso inferioridade e solid o Para fins de ilustra o a Figura 10 representa especificamente emerg ncia do signo solid o enfatizado 141 ao longo da narrativa constru da por Juliana Pode se dizer que a rela o din mica interna dos significados opostos em tens o
329. so muito dif cil eu digo assim a palavra errada na hora errada de m dico n o incomum Sess o cl nica 24 de setembro de 2009 82 Alguns residentes demonstraram d vidas e incertezas sobre como agir nesses casos Alguns referiram dar uma resposta padr o que consistia em dizer ao casal que logo teriam outro filho o que vai na contram o daquilo que a literatura sobre o processo de luto recomenda Afinal essa afirma o negligencia a dor daquela perda que n o pode ser substitu da nem aplacada por uma nova gravidez Baseando me na literatura sobre o assunto expliquei sobre a inadequa o dessa conduta A troca dial gica entre mim e os residentes por m foi bruscamente interrompida quando esses foram repreendidos por um dos m dicos preceptores por desconhecerem certo protocolo de atendimento uma informa o segundo ele dispon vel na literatura m dica de forma sistematizada Eu fico um pouco triste quando os residentes falam sobre essas dificuldades se voc s forem buscar informa o voc s acham de forma sistematizada como voc v um casal desses Sess o cl nica 24 de setembro de 2009 O m dico referia se ao trabalho que realiza em seu consult rio particular com casais que sofreram alguma perda gestacional Em seu relato que tem o tom de serm o para com os residentes aborda aspectos importantes como trabalhar o luto desse casal e oferecer um atendimento individualizado que
330. socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto caracter stico da psicologia humana Vigotski 1984 2008 p 58 Deste modo a convers o que consiste em um processo semi tico sup e a emerg ncia de novidade a partir de algo que em sua ess ncia continua o mesmo No entanto n o compreende um processo passivo mas ao contr rio pressup e a atividade do sujeito Assim a significa o social das rela es convertida em significa o pessoal dessas rela es Estas adquirem o sentido que lhes d o indiv duo Sirgado 2000 p 68 Assim sendo a fun o mediadora da significa o permite a reversibilidade do processo o que social se converte em pessoal e o que pessoal se converte em social Sirgado p 69 Por outro lado as fun es mentais s o din micas e se encontram constantemente em movimento E uma vez que o indiv duo est envolvido numa ampla rede de rela es diferentes pode se dizer que ele uma unidade feita de m ltiplas rela es em que ocupa m ltiplas posi es de sujeito de rela o Sirgado p 72 Portanto a ideia de pessoa social de Vigotski envolve tanto a ideia 37 de unidade quanto a de multiplicidade o que parece aproximar se tanto das ideias de Bakthin acerca da polifonia quanto da no o mais atual do self dial gico self constitu do por m ltiplas posi es e vozes e dinamicamente em movimento de Hermans e Hermans Jansen 2003
331. ssional sejam expressos em atitudes de viol ncia verbal e ou f sica contra o outro Essa sem d vida uma situa o dif cil tamb m para os profissionais Di rio de campo 23 de fevereiro de 2010 A abordagem dos resultados perinatais adversos revela se dif cil e requer alto n vel de compet ncia emocional Em muitos casos por m al m do embara o em transmitir a not cia da perda ou de lidar com a rea o emocional das pacientes fizeram se presentes condutas inadequadas revelando certa insensibilidade do profissional para lidar com a situa o Muitas mulheres que atendi ao longo do tempo inclusive usu rias da rede privada denunciam a viol ncia institucional qual elas e sua fam lia foram submetidas no momento da comunica o do diagn stico da perda gestacional A inabilidade na comunica o do diagn stico e a aus ncia de sensibilidade podem ser observadas nos relatos que se seguem 86 Acompanhei hoje o atendimento de uma senhora de 41 anos Ela tem um filho e hist ria de dois abortos espont neos Ressaltam se as marcas que ela diz ter em fun o das perdas Contou que soube da primeira perda atrav s de um exame de ultrassom durante o qual estava sendo acompanhada pelo filho e marido Relata que a m dica que realizava o exame disse de modo inapropriado que a gravidez era anembrion ria na frente do filho Todos sofreram com isso Di rio de campo 26 de janeiro de 2010 contexto privado de assist ncia
332. ssist ncia privada ocorreu a partir do ano de 2009 e tamb m teve in cio com a observa o dos atendimentos m dicos n o s com casais que buscavam investiga o e tratamento para perdas gestacionais mas tamb m com mulheres que realizavam exames de ultrassonografia Foi ent o que pude presenciar a experi ncia de algumas mulheres recebendo a not cia de que suas gesta es haviam sido espontaneamente interrompidas A oferta de avalia o psicol gica neste contexto consistiu em uma estrat gia para conseguir ter acesso a essas mulheres e para que essa aproxima o ocorresse de modo volunt rio Afinal ao contr rio do servi o p blico a demanda por atendimento psicol gico n o se mostrou muito significativa apesar do intenso sofrimento emocional que a experi ncia de perdas gestacionais parecia despertar em cada um dessas mulheres Uma das raz es para isto pode consistir na cren a que a medicina e a tecnologia a cujos recursos essas mulheres acreditavam ter acesso podem vir a resolver definitivamente o problema da repeti o dos abortos E com isso n o haveria necessidade de investigar outros aspectos relacionados ao problema A oportunidade de ouvir essas mulheres usu rias de um servi o de sa de privado permitiu que eu pudesse estabelecer um importante contraponto com a experi ncia das mulheres usu rias do servi o p blico possibilitando me conhecer melhor a amplitude da experi ncia recorrente de perdas gestacio
333. stacam se a viv ncia de duas ou mais perdas gestacionais involunt rias a aus ncia de filhos e a decis o por tentar uma nova gravidez a partir da busca por uma investiga o cl nica e tratamento m dico nesse exato momento das suas trajet rias isto o da procura por um atendimento m dico especializado ap s a experi ncia de insucessos gestacionais anteriores que as entrevistas foram realizadas Considera es ticas Atendendo Resolu o 196 1996 do Conselho Nacional de Sa de o projeto foi devidamente submetido ao comit de tica da Faculdade de Filosofia e Ci ncias Humanas da Universidade Federal da Bahia UFBA As participantes da pesquisa foram informadas a respeito desta mediante a leitura do consentimento livre e esclarecido Anexo II onde foram explicitados a justificativa os objetivos os procedimentos da pesquisa e os poss veis riscos e benef cios esperados Foi garantido o livre acesso s informa es coletadas e quaisquer esclarecimentos solicitados bem como a suspens o da participa o se assim fosse da vontade das pesquisadas Al m disso foi tamb m garantido o sigilo a fim de assegurar a privacidade dos sujeitos e dos dados confidenciais envolvidos na pesquisa O consentimento foi elaborado em duas vias sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou e uma arquivada pelo pesquisador Riscos e benef cios O tema do presente estudo isto a viv ncia de abortos espont neos de repeti o e
334. t dif cil pra gente acreditar porque foi tudo muito r pido foi tudo bem aconteceu rapidamente Para Beatriz a primeira perda gestacional foi o resultado de uma assist ncia sa de deficiente que ela relaciona ao fato de ter sido realizada na rede p blica e da passividade do casal diante dos acontecimentos Por causa da cidade cidade pequena n o tem s tem a rede p blica e p ssima tamb m e pelo fato da primeira gravidez ter tido aquelas complica es eu acho que a gente se acomodou um pouco e tamb m a gente ficou muito confiante assim a gente como ele evang lico a gente pensava muito Deus vai me ajudar vai dar tudo certo os m dicos tamb m nos falavam n n o vai dar tudo certo ent o a gente confiou muito Seguindo a recomenda o m dica Beatriz voltou a engravidou novamente um ano depois em momento algum eu pensei em desistir antes era mais a rede p blica a partir 169 da segunda gravidez eu j parti para um m dico particular que eu j percebi que era uma gravidez mais arriscada A segunda gravidez foi precocemente interrompida pela ocorr ncia de um aborto espont neo quando estava com aproximadamente seis semanas de gesta o Tratava se de uma gravidez anembrionada Na medida em que o feto ficou retido em seu tero precisou submeter se ao procedimento da curetagem uterina eu fiquei assim eu sai meio desolada eu fiquei sem ch o s e
335. tais o que as levava percorrer um longo itiner rio de maternidade em maternidade em busca de atendimento de emerg ncia que por sua vez exigia uma grande espera Com tudo isto algumas mulheres entrevistadas tinham o entendimento de que muitas das perdas gestacionais vivenciadas poderiam ter sido evitadas caso esse cen rio fosse diferente Nos anos em que estive inserida neste contexto de sa de p blica ouvindo os seus relatos penso que se este contexto assistencial n o o principal respons vel pela ocorr ncia de tantas perdas gestacionais tem pelo menos contribu do para o agravamento da situa o de sofrimento e desamparo a que essas mulheres veem se tantas vezes submetidas com importante impacto evidentemente sobre as suas subjetividades e trajet rias de vida 16 Era inevit vel pensar ent o que se o contexto fosse diferente haveria outro tipo de impacto sobre as subjetividades e trajet rias de vida de mulheres com viv ncias semelhantes de perda Deste modo como se constituiria a experi ncia de mulheres com hist ria de perdas gestacionais em um contexto de sa de privada por exemplo Com essas ideias e muitas outras em mente voltei institui o onde havia coletado os dados para apresentar os principais resultados da minha pesquisa realizada no mestrado Isto ocorreu em um evento chamado Sess o Cl nica em setembro de 2009 e reuniu boa parte da equipe m dica ginecologistas obstetras e docentes be
336. tamb m Fora isso voc n o pode nem comer nem beber nada Ent o imagina voc triste porque perdeu a crian a internada numa maternidade onde voc houve um bocado de choro de crian a nascendo sem comer sem beber e sentindo dor e sangrando a pior parte foi essa Juliana 36 anos tr s abortos espont neos No caso das usu rias do servi o p blico a experi ncia de intensas dores em decorr ncia dos procedimentos m dicos para induzir o parto de um aborto retido foi enfatizada em muitas narrativas constituindo uma das lembran as mais significativas da situa o da perda gestacional como pode ser visto no relato que se segue A terceira perda mesmo pra mim foi o fim eu sofri muito eu senti muita dor eu gritava muito de dor a ponto de perder as minhas pernas de tanta dor eu fiquei chorando chorando um temp o o quadril parece que est abrindo tudo 77 dilatando muita dor mesmo Denise 30 anos quatro perdas gestacionais Vale ressaltar que a analgesia para evitar ou minimizar a dor associada ao apoio verbal por partes dos profissionais de sa de comp em recomenda es do Minist rio da Sa de 2005 para o atendimento humanizado dos casos de abortamento Por m a inexist ncia de condutas adequadas para o al vio da dor configurou se em muitos casos como uma forma de puni o imposta pelos profissionais de sa de mulher devido a uma suposta pr tica de aborto induzido Essa quest o ser
337. tamento de repeti o da maternidade p blica ela contava me sobre a sensa o de estranhamento sentida ao saber que um amigo australiano fez o enterro de um beb que pesava 270 gramas Como se o peso do beb justificasse ou n o sentimentos de pesar e rituais de luto Assim apesar de algumas semelhan as a rela o entre m dico paciente foi caracterizada de forma bastante distinta pelas usu rias da rede privada de assist ncia sa de se comparadas com as usu rias da rede p blica No contexto assistencial privado p de se perceber uma rela o mais pr xima estabelecida com o m dico ginecologista que as 88 acompanhava ao longo das gesta es e perdas Em muitos relatos o profissional era mencionado a partir da utiliza o de um pronome possessivo meu m dico a Tamb m muitas mulheres relaram ter livre acesso ao m dico dispondo do seu n mero de celular para qualquer eventualidade Esses aspectos parecem sinalizar uma rela o mais pr xima com esse profissional o estabelecimento de um v nculo e de uma rela o de confian a Por outro lado se a as vozes provenientes da esfera m dica dirigidas s usu rias da rede p blica sugeriam que descontinuassem as tentativas de gesta o na rede privada tais vozes sugeriam exatamente o contr rio isto incentivavam s mulheres a persistir em tentar ser m e atrav s da gravidez O discurso m dico especialmente dos especialistas no tratamento de aborto d
338. tancia a pessoa daquela experi ncia capacitando o self para agir sobre si mesmo e sobre a situa o Gillespie 2007 Se n o tinha uma explica o pra nossa situa o ent o eu acho que toda a possibilidade tem que ser 156 estudada tem que ser avaliada entendeu E a quando eu e o meu esposo viemos aqui a gente n ficamos felizes com o Dr Mn porque ele tapa todas as brechas assim todas as possibilidades que podem levar voc a perder um beb a gente est no mesmo objetivo na mesma inten o que realmente cuidar de tudo tapar todas as brechas que a gente puder pra n o perder de novo O campo m dico assim forneceu lhe alguns signos relacionados aos abortos espont neos que consistiram em altera es autoimunes e aloimunes A partir disso o casal deu in cio ao tratamento denominado Imuniza o com Linf citos Paternos Apesar do tratamento realizado Eduarda voltou a sofrer outros dois abortos espont neos aumentando novamente o n vel da ambival ncia experienciada s que a mesmo depois do tratamento eu perdi o quinto beb foi a quinta gravidez com tratamento direitinho fizemos a vacina tom vamos o rem dio direitinho e a a gente ficou sem entender Mais uma vez o questionamento do signo ocorreu no n vel do significado Assim com o prop sito de minimizar o alto n vel de ambival ncia suscitado pela inefic cia do tratamento m dico Eduarda relativizou o significado do si
339. tavam condicionadas ao nascimento do filho Pode se notar forte influ ncia social como fortalecedora dos desejos e comportamentos destas mulheres O significado da maternidade e das fun es filiais eram fortemente idealizados e mobilizadores de muitas expectativas Volkmer Covas Franco amp Costa 2006 Os resultados deste estudo e a experi ncia profissional no Ambulat rio de Abortamento de Repeti o forneceram as bases para o trabalho empreendido posteriormente no mestrado que consistiu em um estudo qualitativo e explorat rio que visava a analisar tanto os significados de maternidade para mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes 15 quanto as diferentes posi es de Eu observadas ao longo das suas trajet rias reprodutivas Vinculado linha de pesquisa Inf ncia e Contextos Culturais do Programa de P s gradua o da Universidade Federal da Bahia UFBA contou com a orienta o da Professora Dra Ana Cec lia de Sousa Bastos As dez participantes do estudo eram provenientes de camadas populares e usu rias de uma maternidade p blica na cidade do Salvador BA Entre os resultados encontrados pode se destacar que o sistema de significados pessoais relacionados maternidade se desenvolveu e se modificou ao longo da hist ria de gesta es e perdas e do processo relacional e dial gico estabelecido com as outras pessoas Assim no in cio das suas hist rias reprodutivas a gesta o equivalia a um evento naturali
340. te esperados isto 0 casar e o ter filhos Por m a experi ncia das repetidas perdas gestacionais com todo o sofrimento associado coloca em quest o esse desejo o que leva Joana a aventar a possibilidade de n o tentar mais ter o seu pr prio filho Afinal a gravidez ap s a experi ncia de perdas gestacionais ganha a conota o de um s mbolo multivalente associado com significados e afetos tanto positivos quanto negativos criando um embara o semi tico semiotic rub entre ideias e afetos concorrentes Abbey 2004 Emerge ent o a ambival ncia entre o querer e o n o querer tornar se m e entre o continuar e o n o continuar a tentar ter um filho biol gico entre a esperan a de conseguir e a desesperan a de n o conseguir obter xito gestacional Com isto o senso relativamente est vel de ser m e que caracterizava o in cio da sua hist ria reprodutiva transforma se ao longo do fluxo temporal levando a uma amplia o do n vel de incerteza em rela o ao tornar se m e incerteza que se intensifica com o surgimento de alguns conflitos e tens es entre as vozes de pessoas significativas da sua rede familiar e social Deste modo quando Joana engravidou pela primeira vez os signos gravidez e maternidade suscitavam um n vel m nimo ou leve de ambival ncia ou seja consistiam em experi ncias que eram esperadas acontecer pessoal e socialmente e significavam dar continuidade ao curso de vida Por m com a sucess o
341. tes a n veis hier rquicos mais elevados de regula o semi tica como aqueles relacionados aos afetos aos valores pessoais Ou seja faz se necess rio recorrer a um controle din mico crescente na regula o semi tica a fim de conseguir integrar a experi ncia passada perda gestacional e seguir em dire o ao futuro Afinal a restaura o da conex o dos fragmentos torna se cada vez mais dif cil Pois o impacto de uma nova ruptura na trajet ria pode implicar no reaparecimento de antigas fissuras exigindo novas repara es a fim de restabelecer a continuidade Assim um novo signo reparador precisa ser constru do inventado pelo self um signo poderoso hipergeneralizado carregado de afeto Conclus o O self dial gico pode ser entendido como regulando o processo de a o cont nua das pessoas na experi ncia imediata criando sentido pessoal geral s ntese do tipo o que que est acontecendo na situa o contexto aqui e agora Valsiner 2002 Assim quando uma mulher experiencia uma perda gestacional involunt ria entendida enquanto ruptura significativa daquilo que era esperado acontecer faz se necess rio que algum significado generalizado ainda que provis rio seja constru do Tal s ntese ou sentido pessoal geral atribu do ruptura consiste em um subproduto do processo de regula o semi tica cont nua Valsiner 2002 Assim cada evento disruptivo no fluxo da experi ncia implica na emer
342. ti o das rupturas ao longo do tempo irrevers vel Pode se refletir sobre a dimens o da ruptura e da inevit vel constru o de significado no que tange ocorr ncia de cada um dos abortos espont neos Assim como ilustrado atrav s do caso Eduarda pode se dizer que a experi ncia do primeiro aborto espont neo implica em descontinuidades em rela o s expectativas e planos mais imediatos momento presente futuro pr ximo isto de ter aquele beb de vivenciar a maternidade naquele momento conforme havia sido planejada pelo casal Neste sentido poss vel que a posi o Eu m e potencialmente futura e altamente relevante para o sistema do self n o seja ainda percebida como realmente amea ada mas apenas temporariamente adiada Afinal sustentando esse significado est o discurso m dico que atribui ao primeiro aborto espont neo um car ter de normalidade isto estatisticamente frequente entre os casais saud veis em idade reprodutiva Deste modo n o h necessariamente a confronta o com uma redefini o da identidade que inclua a possibilidade desse Eu m e n o se realizar ou pelo menos n o se realizar conforme planejado de um filho biol gico Por m a repeti o das perdas gestacionais torna essa reflex o necess ria isto a mulher pode vir a n o se tornar m e E isto consiste em uma ruptura mais profunda e de longo prazo que afeta a perspectiva de futuro dessa mulher bem como
343. ticamente ao longo do s culo XX Tomando como refer ncia a Am rica do Norte argumenta que no come o do s culo o aborto espont neo era representado como uma causa de dano f sico para as mulheres Na metade do s culo era representado como boa sorte para aquelas que n o queriam estar gr vidas e vivenciavam a gravidez com afli o J no fim do s culo o aborto espont neo era representado como uma fonte de devasta o emocional uma trag dia pessoal um sofrimento eminentemente feminino Esta mudan a ideol gica que se efetivou durante a d cada de 80 sofreu a influ ncia de muitos fatores como a de um novo movimento social surgido na Europa e nos Estados Unidos que imprimiu ao aborto espont neo novos significados como a equival ncia deste evento perda de uma crian a exigindo se a viv ncia do sofrimento materno assim como do luto pela perda Seguindo nessa mesma dire o Jutel 2006 baseado no contexto sociocultural da Nova Zel ndia chama a aten o para a variedade de termos utilizados por diferentes comunidades para descrever uma gravidez que n o resulta no nascimento de uma crian a com vida Entre esses termos destacam se o aborto espont neo e o natimorto De acordo com esse autor esses termos s o mais do que meras palavras na medida em que carregam consigo uma gama de significados e consequ ncias sociais Ou seja s o parte de um contexto cultural e pol tico mais amplo expressam valores sociais e a
344. tigos e li es moralistas Deste modo ao inv s desses profissionais atuarem no sentido de acolh las e ajud las a elaborar a dor do luto promovendo a sa de e protegendo as de danos f sicos e ps quicos ainda maiores conforme previsto pela Pol tica Nacional de Humaniza o do Minist rio da Sa de e o C digo de tica M dica que refor am os direitos dos pacientes e condenam os casos de discrimina o agravaram ainda mais as marcas do sofrimento do desamparo e da profunda tristeza que j vinham carregando Algumas maternidades assim achavam que abortou por abortar a tinha aquela certa frieza assim Alguns falavam que eu abortava porque eu queria s porque eu quis a crian a morreu que eu estava tentando E n o foi N o tive muita ruim ficar internada l n o sei o que eu morro de medo de ficar internada Eu n o gosto Sei l Ser discriminada Quando a pessoa provoca um aborto eu acho que proibido n o 81 sei Maus tratos pirra a n o sei Porque errado uma pessoa abortar uma crian a Manuela 26 anos cinco perdas gestacionais Uma m dica disse eu perdi eu senti muitas dores ela apertava a minha barriga e quando eu me queixei ela disse isso pra voc tomar vergonha e n o provocar mais aborto ficou marcado porque eu n o esqueci tem coisas que acontece que a gente n o esquece Eu n o tinha feito o aborto e fui acusada e na hora n o consegui
345. to s mulheres com abortamento recorrente Desde ent o com a sua devida autoriza o realizei nesse contexto observa es dos atendimentos m dicos com casais com hist ria de perdas gestacionais recorrentes que buscavam investigar e tratar as causas das perdas espont neas experienciadas bem como a observa o de exames de ultrassonografia com gestantes Durante o per odo de observa o dos exames de ultrassonografia pude presenciar o momento da descoberta diagn stica de um aborto espont neo ou bito fetal de algumas pacientes Ap s aproximadamente seis meses de 48 observa o comecei a realizar avalia es psicol gicas com os casais com hist ria de perdas recorrentes momento da observa o participante no contexto privado A partir desse primeiro contato algumas mulheres foram convidadas a participar do estudo empreendido no doutorado atrav s da realiza o de entrevistas narrativas Vale ressaltar por m que os contextos de pesquisa n o foram somente definidos pela facilidade de acesso ao campo para a pesquisadora mas tamb m devido ao fato de as duas institui es aqui referidas serem refer ncia na investiga o e tratamento de casos de abortamento recorrente no estado da Bahia Participantes Participaram deste estudo dez mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes oriundas de diferentes contextos sociais da cidade do Salvador BA Entre os crit rios de inclus o das participantes de
346. tos espont neos recorrentes variam de 2 a 4 entre casais em idade reprodutiva Cavalcanti amp Barini 2009 Soma se a isso o fato de que o risco de uma pr xima gesta o terminar em perda aumenta de forma gradativa quando o aborto se repete Os determinantes para este tipo de ocorr ncia no entanto s o muitos e nem sempre poss veis de identifica o Barini Couto Santos Leiber amp Batista 2000 Apenas em torno de 50 dos casos poss vel identificar uma etiologia definida como aquelas relacionadas a fatores gen ticos anat micos end crinos infecciosos hematol gicos imunol gicos ambientais e nutricionais Cavalcanti amp Barini 2009 14 Inseridas nesse contexto encontram se muitas mulheres usu rias de servi os de sa de que nem sempre disp em de profissionais habilitados e programas eficientes para acolh las e ajud las e que vivenciam ao longo de sua experi ncia uma s rie de consequ ncias psicol gicas e sociais negativamente valoradas Apesar disto muitas persistem na tentativa de tornar se m e engravidando novamente a despeito dos riscos de uma poss vel nova perda O interesse por tal problem tica surgiu a partir da minha experi ncia como estagi ria de psicologia e posteriormente como psic loga em um ambulat rio de abortamento recorrente de uma maternidade p blica na cidade do Salvador BA A inser o da equipe de psicologia nesse cen rio ocorreu como uma tentativa de responder a uma dif
347. tos representam destinos comuns em contextos culturais e sociais embora os indiv duos possam seguir v rios caminhos para alcan ar os seus objetivos O TEM origina se da necessidade te rica da ci ncia contempor nea de conciliar dois aspectos centrais em seus esquemas anal ticos o tempo e a transforma o das potencialidades em realidades elementos essenciais para o estudo do desenvolvimento humano Baseia se na vis o sist mica da psicologia que considera os seres humanos como sistemas abertos e leva em considera o a no o do tempo irrevers vel isto o fluxo de tempo de um passado infinito em dire o a um futuro infinito Sato Hidaka amp Fukuda 2009 Valsiner 2010 Conforme Sato amp Valsiner 2010 o tempo est dentro de cada evento biol gico psicol gico e social insepar vel de todos os sistemas em crescimento Neste sentido a transforma o que implica em uma mudan a de forma ou seja alguma forma de tipo pr vio se transforma em uma nova forma um conceito de tempo inclusivo Envolve o mover se em dire o ao futuro com base na rede de trajet rias reais e potenciais do futuro Conforme Valsiner 2010 o desenvolvimento humano s poss vel no caso dos sistemas abertos que existem devido as suas rela es de troca com o ambiente Deste modo o processo desenvolvimental potencialmente aberto para m ltiplas trajet rias processo multilinear apesar de se realizar em apenas uma
348. tro pode ser uma pessoa real uma constru o pessoal de outros sociais reais ou imagin rios outros sociais no dom nio intrapsicol gico ou ainda a cria o de vozes dos outros Valsiner 2007 Assim a primeira gesta o de Ana configurou se em um evento n o planejado e alvo de uma s rie de sugest es sociais contradit rias entre si Entre as sugest es sociais mais significativas destaca se a voz do namorado que sugeriu a indu o do aborto se eu quisesse ele me dava rem dio pra tirar Tal sugest o levou Ana a cogitar essa trajet ria no campo de possibilidades de a o futuras eu tava na d vida se eu ia deixar ou se eu ia tirar Por m outra voz significativa convidada a se expressar a voz materna que se mostra irrevogavelmente contr ria a essa possibilidade e hierarquicamente superior s demais vozes no mbito do self visto que Ana decide seguir a orienta o materna ela disse que n o era 121 pra tirar que eu j tinha feito muito por ela e que tava na hora dela fazer por mim a isso me deu uma for a muito grande Nessa situa o em particular pode se notar o processo de autorregula o da cultura pessoal de Ana ver Figura 6 na medida em que ela criou simultaneamente possibilidades ao refletir sobre a trajet ria potencial de induzir o aborto e meios para garantir que tal possibilidade n o pudesse se realizar ao indagar sua pr pria m e
349. u solicitado pelas participantes estas ltimas seriam encaminhadas a algum servi o de psicologia de refer ncia na cidade do Salvador Al m disso as participantes tamb m teriam livre acesso pesquisadora tamb m psic loga nos respectivos servi os de sa de nos quais s o usu rias caso houvesse qualquer necessidade Estrat gias de coleta de dados Para o presente estudo foram utilizadas algumas t cnicas espec ficas de coleta de dados a observa o participante nos dois contextos de sa de p blico e privado com a sua descri o detalhada em di rios de campo a entrevista narrativa e a coleta de dados em documentos escritos prontu rios m dicos No que tange t cnica de observa o esta pode ser definida como o ato de perceber as atividades e os inter relacionamentos das pessoas no cen rio de campo atrav s dos cinco sentidos do pesquisador Angrosino 2009 p 56 Este ato de perceber um fen meno acompanhado do seu registro com prop sitos cient ficos Conforme Laplantine 2005 a observa o n o s concerne ao fato de ver e compreender aquilo que visto atividade de percep o mas tamb m ao fato de dar a ver aos outros atrav s das palavras atividade de nomea o A etnografia deste modo precisamente a elabora o a transforma o pela escrita desta experi ncia a organiza o textual do vis vel A descri o etnogr fica configura se assim na elabora o lingu sti
350. ue resultaram invariavelmente nas perdas Descreve detalhadamente os aspectos negativos destas experi ncias em geral vivenciadas sem o apoio da sua rede social tendo como cen rio o itiner rio percorrido nos servi os p blicos de sa de marcado por neglig ncias e omiss es A sua primeira gesta o n o planejada e ocorrida aos 21 anos de idade foi marcada por enjoos que eram amenizados apenas quando ingeria alimentos com sal e por edemas generalizados no corpo Em raz o desse ltimo sintoma recebeu o apelido de barriga de elefante atribu do por algumas pessoas da sua rede social pr xima Ana realizava o acompanhamento pr natal na rede p blica de sa de sendo acompanhada por um m dico obstetra e uma nutricionista Todo m s auferia a press o arterial no posto de sa de Refere incompreens o entre o fato de estar sendo acompanhada por profissionais de sa de e mesmo assim ter desencadeado uma pr eclampsia na gravidez Agora o que eu n o entendi que eu estava fazendo o pr natal todo m s que ele m dico verificava a minha press o todo m s porque eu inchei tanto Al m de eu estar sendo acompanhada pelo obstetra eu estava sendo acompanhada pela nutricionista e a nutricionista n o me explicou que eu n o podia comer sal 115 Ana relata que na poca tinha um relacionamento atribulado com o namorado Ele n o concordou com a gravidez e sugeriu que ela provocasse o aborto ele falou q
351. ue se eu quisesse ele me dava rem dio pra tirar Ana chegou a cogitar a possibilidade de interromper a gesta o mas ap s conversar com a sua m e decidiu dar prosseguimento gravidez Eu liguei pra minha m e porque eu tava na d vida se eu ia deixar ou se eu ia tirar a ela disse que n o era pra tirar que eu j tinha feito muito por ela e que tava na hora dela fazer por mim A isso me deu uma for a muito grande entendeu pelo fato de eu saber que eu podia contar com a minha m e com os meus irm os No s timo m s de gesta o no entanto em decorr ncia de sintomas como o edema generalizado no corpo vis o borrada e press o arterial elevada o m dico que acompanhava no posto de sa de recomendou lhe que buscasse uma maternidade No entanto Ana relata dificuldade para conseguir atendimento m dico em uma das maternidades p blicas existentes na cidade do Salvador sendo a principal raz o a aus ncia de leitos dispon veis Relata que essa situa o lhe trouxe ansiedade repercutindo na eleva o da sua press o arterial Eu n o consegui ser atendida logo no dia que o m dico mandou a no outro dia de manh cedo eu fui l pra Cajazeiras acho que Albert Einstein o nome da maternidade a chegou l n o tinha vaga a eu fiquei ansiosa fiquei nervosa a press o aumentou mais ainda A foi l que eles decretaram o pr eclampsia A me botaram na ambul ncia e me levaram pro Roberto Santos a chega
352. uma eleva o da sua press o arterial e a um ato desesperado de trancar se no banheiro da ala onde tinha sido internada quando ent o o parto por via vaginal aconteceu espontaneamente Ap s a viv ncia da perda Joana relata ter decidido que n o voltaria a engravidar novamente apesar do intenso desejo do parceiro para ter um filho N o queria mais n o porque ele parceiro sempre quis ter um filho Eu tamb m quero ter filho s que a gente que passa pelo problema pelo processo acho que vai esfriando mais s que renova quando a 101 gente fica gr vida n Claro que renova Mas quando falava de gravidez comigo eu pensava que eu podia esquecer um dia eu podia esquecer tudo fiquei com aquela psicose n o quero mais saber de gravidez Por m outro evento transformaria os planos de Joana Afinal a sua terceira gesta o ocorreu quando fazia uso de contraceptivos E a viv ncia dessa gesta o consistiu em uma lembran a que no momento da entrevista Joana teve dificuldade para recordar muito prov vel que esse esquecimento se explique pelos momentos muito dif ceis que cercaram essa gravidez ocorrida aos 27 anos de idade a pior gesta o que teve foi essa eu acho que foi a pior que teve Mais uma vez a gesta o seguia sem intercorr ncias Estava realizando o acompanhamento pr natal sem que nenhuma altera o fosse detectada No entanto no s timo m s de gesta o teve um intenso
353. umentar porque t preso ele n o circula normal isso o m dico me explicou tamb m Conforme Valsiner 2007 cada interpreta o carregada de valor e prescritiva quanto a o E assim as informa es m dicas internalizadas de forma particular por Beatriz circunscrevem a gama de possibilidades futuras influenciando no momento presente na medida em que a empoderam para a tomada de decis o e subsequente a o Ou seja voltar a engravidar ap s realizar tratamento m dico ver Figuras 17 e 18 Figura 17 Gama de trajet rias futuras poss veis N o a Gravidez A A P A lt cz Perda gestacional A b a e g d Gravidez AG gt Perda da s ae ee ra i pr pria vida Sa a e a a p Perda da saude vf q N o perda ter um filho ser m e i PRESENTE FUTURO 180 Figura 18 Trajet rias futuras circunscritas por signos provenientes da esfera m dica N o a Gravidez A Ed A f ilista cz Perda gestacional x e A b gt 1 ii k ico o d Gravidez Agi gt Perdada s D 88 gs a k N pr pria vida a a RR e a os e k Perda da sa de Ne N o perda ter um filho ser m e gt gt gt PRESENTE FUTURO Media o semi tica estrat gias para a constru o de continuidade O luto n o realizado O processo de constru o de significados se desenvolve a partir da necessidade de pr
354. uns comportamentos por exemplo tentar mudar o foco da sua aten o da maternidade para a vida profissional a fim de reduzir a ansiedade 155 Apos tr s anos sem conseguir engravidar Eduarda foi surpreendida por uma experi ncia significativa na sua trajet ria que consistiu no evento de cura ou interven o divina Nesta uma irm da igreja relata ter visto um anjo tocando o seu ventre A partir desse evento a ambival ncia p de ser reduzida ampliando a expectativa de uma gesta o bem sucedida futuro subjetivamente antecipado em decorr ncia do processo de media o semi tica Em outras palavras a experi ncia religiosa de cura possibilitou a constru o de dispositivos semi ticos que embora imprecisos atenderam tarefa de reduzir a incerteza que Eduarda enfrentava na situa o presente Quinze dias depois dessa experi ncia Eduarda soube que estava gr vida Por m o signo constru do a partir da imagem de um anjo tocando o seu ventre foi fortemente abalado pela ocorr ncia de mais um aborto espont neo O questionamento do signo entretanto ocorreu apenas no n vel do significado O autodi logo de Eduarda ilustra a decad ncia do significado atribu do ao signo constru do e a amplia o do n vel de ambival ncia eu n o entendi eu disse meu Deus a irm viu um anjo tocar o meu ventre a gravidez confirmou depois de quinze dias por que meu Deus a fiquei sem entender A fim de integrar essa
355. upo gasta esses recursos A parcela mais pobre da popula o tem mais despesas com medicamentos enquanto que a parcela mais abastada tem mais despesas com planos e seguros de sa de privados Deste modo o sistema nacional brasileiro fundado como sistema nacional de sa de desde a Constitui o Federal de 1988 de acesso universal e integral apresenta uma estrutura fortemente moldada na participa o do setor p blico e privado herdada do modelo anterior Santos Ug amp Porto 2008 Isto antes da regulamenta o do SUS o cen rio da sa de no 68 Brasil era caracterizado por um forte sistema privado tanto no campo da presta o de servi o como no que tange ao asseguramento privado Conforme sinaliza Bahia 2009 a Constitui o de 1988 estabeleceu que a assist ncia sa de aberta iniciativa privada E seguindo os esfor os para a sua regulamenta o a legisla o tribut ria foi alterada para autorizar a dedu o do imposto de renda das despesas m dicas e seguros privados de sa de Desde ent o pol ticas de est mulo aquisi o de planos e seguros privados de sa de bem como oferta privada de servi os de sa de foram emitidas em contradi o aos esfor os de implementa o do SUS Deste modo apesar da maioria das unidades de aten o b sica e as de emerg ncia ser p blicas os hospitais ambulat rios e servi os de apoio diagn stico e terap uticos s o privados Paim et al 2011 De acordo c
356. ura e natureza J com rela o an lise dos dados foi apresentado e discutido o Modelo de Equifinalidade de Trajet rias Neste cap tulo tamb m s o apresentados os casos analisados com a caracteriza o das participantes do estudo Na terceira parte o cap tulo III trata da apresenta o e discuss o dos dados etnogr ficos extra dos atrav s da observa o participante de entrevistas narrativas e de registros em di rios de campo nos dois contextos de assist ncia sa de investigados p blico e privado Os cap tulos IV e V apresentam a an lise de dois casos de mulheres usu rias da assist ncia p blica de sa de enquanto que os cap tulos VI e VII apresentam a an lise de dois 19 casos de mulheres usu rias da assist ncia privada de sa de O capitulo VIII apresenta a an lise de um caso de uma mulher que transitou ao longo da sua trajet ria reprodutiva do contexto p blico de assist ncia sa de para o privado O cap tulo IX discute as estrat gias psicol gicas de repara o semi tica com a finalidade de manter um senso de continuidade no Self apesar da experi ncia de rupturas recorrentes Por fim no cap tulo X s o apresentadas as considera es finais sobre a investiga o realizada 20 CAP TULO I A experi ncia de perdas gestacionais involunt rias marcadores da transi o desenvolvimental Na literatura vem crescendo o n mero de estudos que abordam os aspectos subjetivos da experi ncia
357. ustram as mais variadas estrat gias de repara o semi tica demonstrando o expressivo empenho de cada uma das mulheres investigadas para enfrentar os elevados n veis de ambival ncia a percep o agudamente acentuada de incerteza em rela o ao seu futuro bem como as tens es entre as diferentes vozes de pessoas significativas Entretanto na medida em que o presente estudo abordou a experi ncia de rupturas recorrentes nos diferentes contextos assistenciais faz se importante analisar de que modo o acesso a diferentes recursos materiais servi os de sa de procedimentos m dicos e recursos tecnol gicos e a diferentes processos discursivos diferentes vozes influenciaram no funcionamento psicol gico das mulheres investigadas Assim sendo a an lise dos casos parece demonstrar que o acesso s tecnologias m dicas e informa o atrav s do di logo com o m dico e ou de pesquisas na Internet configurou se primeiramente em um campo de atividades culturalmente estruturadas que operaram no n vel mesogen tico e canalizaram e organizaram a experi ncia subjetiva mediante o estabelecimento de uma gama de possibilidades nas quais a experi ncia tomou forma Assim por exemplo a busca por um m dico especialista delineou quais seriam os pr ximos passos a serem dados na dire o da maternidade realizar determinados exames cl nicos e laboratoriais submeter se a determinado tratamento m dico para ent o engravidar novamente Tamb
358. utivas de mulheres com hist ria de perdas gestacionais recorrentes na medida em que havia o interesse em analisar os processos psicol gicos ocorridos no mbito do self em especial aqueles que se referiam repara o da ruptura Delimita es do estudo Contextos Os dois contextos selecionados para a coleta dos dados s o servi os de sa de voltados para a investiga o cl nica e tratamento de mulheres com hist ria de abortamento recorrente O primeiro contexto consiste no ambulat rio de aborto recorrente de uma maternidade p blica e federal unidade docente assistencial de refer ncia da Universidade Federal da Bahia UFBA de obstetr cia neonatologia e sa de perinatal Esta maternidade desenvolve atividades de assist ncia sa de reprodutiva e da crian a em regime de internamento e ambulat rio bem como de ensino e pesquisa Localiza se no bairro de Nazar bairro de classe m dia de Salvador e atende a um p blico de classe econ mica popular O segundo contexto por sua vez consiste em uma cl nica privada localizada no bairro da Garibaldi e destinada camada social m dia alta oferecendo investiga o e tratamento imunol gicos a casais com aborto recorrente perdas gestacionais repetidas ou falhas em ciclos de fertiliza o in vitro FIV A imunologia da reprodu o consiste em uma especialidade m dica relativamente recente na rea da reprodu o humana que estuda diagnostica e trata incompatibilidades imuno
359. utras coisas crises de ansiedade e s ndrome f bica a determinadas situa es essa ltima me machucou muito e o que me deixou com esse problema de de medo de engravidar de novo me deixou com medo de ver acidente medo de ver pessoas mortas A fim de engravidar novamente Ana recorreu a um atendimento m dico especializado em aborto de repeti o em uma maternidade p blica As din micas no mbito do self processos dial gicos envolvidos na autorregula o semi tica A trajet ria reprodutiva de Ana apresenta se marcada por perdas gestacionais tardias ocorridas em decorr ncia do desencadear de dist rbios hipertensivos na gravidez dos obst culos no acesso assist ncia prestada pelos servi os p blicos de sa de e na rela o monol gica estabelecida entre m dico paciente Ao longo desse percurso a posi o subjetiva de Ana caracterizou se pela subservi ncia diante das mensagens comunicativas provenientes do outro social internalizadas como hierarquicamente superiores aos seus pr prios pensamentos sentimentos e sensa es Do ponto de vista da teoria do self dial gico pode se afirmar que as posi es de Eu internas eram subjugadas pelo outro social que por sua vez exercia uma rela o de domin ncia no mbito do self Vale ressaltar que a din mica do self dial gico implica em variabilidade na constru o do outro social em diferentes n veis de abstra o e generaliza o esse ou
360. utro e a audi ncia interna Esse campo modela e organiza a consci ncia do momento presente espa o intrapessoal e o tipo de orienta o que uma pessoa pode ter em dire o a objetos e outras pessoas espa o interpessoal O self ent o a partir desta perspectiva de m ltiplas posi es e dinamicamente em movimento nunca est conclu do mas imerso em uma experi ncia de vir a ser de um constante devir Fogel et al 2002 Pode desta forma transformar se a partir da possibilidade de se mover de uma posi o para outra de acordo com as mudan as na situa o e no tempo a partir de di logos reais estabelecidos com outras pessoas ou em alguma forma de di logo interno Salgado amp Gon alves 2006 Por conseguinte a viv ncia de eventos onde ocorrem perdas como no caso do aborto espont neo ou a viv ncia da repeti o dessas perdas como no caso do aborto de repeti o espont neo repercute em mudan as significativas no eu Volkmer Covas Franco amp Costa 2006 Ou seja repercute nos significados e posicionamentos desta mulher que no lugar da maternidade ap s saber se gr vida vivencia a perda no lugar da vida vivencia a morte Assim sendo o fluxo do tempo e os di logos estabelecidos ao longo da trajet ria reprodutiva constantemente impelem a pessoa para uma nova posi o na qual o momento passado tem que ser resolvido em face de um futuro antecipado coconstru do Al m disso conforme afirmam Hermans e Herman
361. v o interferir assim para que n o aconte a nada de grave nem comigo nem com o beb A constru o de signos fortes Abbey amp Valsiner 2004 isto signos que estreitam demasiadamente o campo de significados ao mesmo tempo em que fornecem o caminho mais claro para a pessoa seguir em um determinado momento provenientes da esfera m dica tais como o signo gen rico tratamento s o internalizados de modo particular por Beatriz Tais signos parecem sustentar seu movimento em dire o maternidade na medida em que circunscreve o campo de possibilidades futuras incluindo apenas determinadas trajet rias como a do tornar se m e e ter um filho enquanto exclui outras possibilidades como a repeti o de perdas e o risco pr pria vida ver Figura 15 Deste modo esses signos permitem imaginar um futuro previs vel com a promessa de evitar ou reduzir danos em uma pr xima tentativa de gravidez reduzindo assim a ambival ncia A fabrica o de distin es atrav s de mecanismos de aten o seletiva e da percep o e sua organiza o semi tica trabalham no sentido de possibilitar a constru o de um mundo subjetivo que pare a relativamente est vel Valsiner 2007 Por m conforme apontam Abbey e Valsiner 2004 essa condi o de natureza enrijecedora do processo dial gico de constru o de significados negligenciando t o marcadamente a complexidade do fen meno e sendo funcional apenas tempora
362. vento no qual no mbito cultural consegue se apenas identificar o seu significado base grounded meaning isto atributos espec ficos elementos e atividades que cercam o evento mas pouco significado avaliativo valuation meaning relacionado import ncia associada com o significado base Conforme os pesquisadores consiste em uma tarefa dif cil para outras pessoas constru rem um significativo avaliativo para este tipo de perda provavelmente porque em geral essa perda n o aparente e muitas pessoas nem mesmo sabiam que a mulher estava gr vida Deste modo sem o significado avaliativo as outras pessoas disp em de recursos limitados para julgar o que dizer para uma mulher e portanto oferecem apenas um suporte m nimo durante este evento Assim sendo os pesquisadores concluem que o aborto espont neo configura se como uma ocorr ncia que possui um significado concreto para as outras pessoas mas pouco significado emocional As raz es para esta falta de significado emocional incluem o fato de que o aborto espont neo consiste em um evento que tratado no mbito cultural em sil ncio al m de possuir escassos marcadores f sicos que permitam a observa o de que uma perda ocorreu Hsu Tseng Banks e Kuo 2004 realizaram um estudo em Taiwan com o objetivo de explorar os significados atribu dos ao bito fetal por mulheres inseridas naquele contexto cultural Vale ressaltar que no contexto cultural
363. videz n eu cheguei em casa depois n o parecia aquela tristeza toda mas com o tempo depois que eu fui come ar a sentir e agora E ultimamente assim antes eu n o me sentia t o sens vel tem momentos que eu me sinto s vezes eu choro por bobagem alguma coisa assim eu posso ouvir uma m sica principalmente evang lica n s vezes d aquele vazio aquela perda aquela sensa o de perda n ent o assim sem mais nem menos eu come o a chorar J antes eu n o era desse jeito eu at era muito forte eu at me surpreendia n por tudo que eu passei e ta t o forte assim n s que ultimamente s vezes a gente n o aguenta risos Entre as rea es emocionais precipitadas pelo reconhecimento da perda destacam se um elevado n vel de ansiedade crises de choro sem motivo aparente irritabilidade agita o nervosismo e raiva geralmente dirigida ao marido eu fico t o irritada com ele s vezes eu falo coisas que n o devia s vezes sou ignorante s vezes com ele o marido Ent o essa raiva veio sem mais sem menos porque ele n o me fez nada o problema todo est em minha cabe a Conforme Parkes 1998 os tra os mais caracter sticos do processo de luto s o epis dios agudos de dor com muita ansiedade e dor ps quica Al m disso tanto a raiva quanto irritabilidade est o relacionadas fase inicial do luto Vale ressaltar que foram esses os sintomas que levaram Be
364. vo significativo carregado de valor em nossa cultura que traz repercuss es para as suas identidades Este estudo continuou privilegiando a an lise sist mica do fen meno singular juntamente com o seu contexto estrutural e temporal mas ampliando o seu enfoque a partir da narrativa de outras mulheres em outros contextos sociais Tais aspectos provavelmente influenciaram o campo afetivo no qual as narrativas s o constru das Isto porque a experi ncia emocional de mulheres que s o usu rias de servi os de sa de privados pode se configurar em sua trajet ria de modo distinto de como ocorreu com as mulheres participantes da pesquisa do mestrado e desta maneira regular de modo muito peculiar as 18 mudan as nas posi es de Eu no decorrer do tempo e da experi ncia e as mudan as na constru o dos significados pessoais acerca da maternidade Desta forma pretendo aprofundar o conhecimento sobre essa relevante tem tica contribuindo para a sua maior compreens o e para o aprimoramento da assist ncia sa de da mulher Tendo em vista esta problem tica optou se por trat la a partir do referencial te rico que no mbito da Psicologia Cultural reconhecido como Construtivismo Semi tico Cultural uma perspectiva te rico metodol gica que focaliza a constru o inter e intrapsicol gica da subjetividade humana individual Sim o 2007 De acordo com Valsiner 2007 assume se a cultura como aquela que ao mesmo tempo co
365. vras os signos s o no presente promotores de um leque de significados poss veis de serem fabricados no futuro Valsiner 2004 Esta fun o do signo promotor torna poss vel para o self dial gico tanto alterar quanto manter suas posi es de Eu como por exemplo sustentar a posi o Eu m e Outra importante fun o do signo promotor consiste na tradu o de experi ncias particulares no n vel microgen tico como a experi ncia de um aborto espont neo para o n vel ontogen tico Deste modo a fim de dar sustenta o a essa importante posi o de Eu Eu m e bem como possibilitar a constru o de significados que funcionem como uma ponte de sentidos 200 entre as experi ncias passadas e as experi ncias antecipadas no futuro dada a ruptura provocada pela experi ncia inesperada de uma perda gestacional a cria o de signos promotores torna se fundamental Um signo se torna promotor quando canaliza a es futuras e sobretudo quando se torna internalizado sob a forma de sentimentos Valsiner 2007 p 54 As pessoas conforme afirma Valsiner 2004 est o constantemente criando significado frente do seu tempo orientando a si mesmas em dire o a uma experi ncia antecipada no futuro preparando a si mesmas para essa experi ncia por exemplo engravidar novamente e experienciar a maternidade ou uma nova perda gestacional Os signos promotores como j abordado anteriormente s o promotores da
366. xist ncia de algum servi o m dico especializado que lhes oferecesse investiga o acerca das causas dos abortos bem como tratamento Esta busca em geral ocorreu por iniciativa da pr pria mulher que utilizou recursos externos como a Internet para pesquisar acerca deste tipo de servi o Conforme Vargas 2010 a difus o das informa es sobre o tema da reprodu o humana na Internet ilustra a nfase da perspectiva biom dica nos modos de divulga o de temas de sa de nos meios de comunica o Esses modos podem ser considerados como um acr scimo ao processo de 91 medicaliza o social constru do historicamente Ao mesmo tempo por m as possibilidades do uso da Internet podem servir como instrumento de a o de empoderamento constituindo a express o de ag ncia da mulher com dificuldade para levar a sua gesta o a termo Deste modo com o objetivo de transpor os muitos obst culos enfrentados na trajet ria reprodutiva e itiner rios terap uticos as mulheres usu rias da assist ncia privada recorrem Internet como estrat gia de coleta de informa es sobre tratamentos para subsidiar a es futuras como encontrar um m dico especialista e a partir disso poder estabelecer com ele um di logo de igual para igual De modo geral as usu rias da rede privada de assist ncia sa de apresentaram maior familiaridade com o discurso e tecnologias m dicos compreendendo melhor o fen meno das perdas gestacionais a parti
367. zado e percebido como inerente condi o feminina sendo socialmente esperado A maternidade por sua vez era percebida como uma condi o que n o despertava muita expectativa No entanto com a viv ncia das perdas gestacionais a maternidade passou a compreender uma condi o que para ocorrer exige cuidados e sacrif cios de modo que os demais mbitos da vida pessoal foram colocados em segundo plano cada vez mais valorizada a ponto de a pr pria vida ser colocada em risco com uma nova tentativa de gravidez Al m disso implica uma decis o de ordem pessoal a realiza o de um sonho bem como a oportunidade de n o mais se sentirem sozinhas pois ter um filho significa ter algo seu ter algu m capaz de lhes fornecer um suporte afetivo e solucionar os problemas at ent o vivenciados Volkmer 2009 Al m desses resultados um dos aspectos que despertou especialmente a minha aten o consistiu no cen rio prec rio de assist ncia p blica sa de descrito pelas mulheres ao longo das suas trajet rias reprodutivas De modo geral este cen rio foi caracterizado por defici ncias importantes no atendimento realizado por profissionais de sa de como a falta da escuta cl nica a desconsidera o das suas subjetividades e a express o de muitos preconceitos pela fragmenta o da assist ncia entre as unidades de sa de pelo n mero insuficiente de leitos para as pr prias mulheres ou para beb s nascidos prematuros em UTIs neona

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