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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

1. o tempo da mem ria se distingue da temporalidade hist rica haja visto que sua constru o est associada ao vivido ae Em rela o aos conceitos trabalhados neste cap tulo al m de continuar apoiada na proposta foucaultiana de discurso e de poder utilizo para pensar alguns relatos o conceito de estrat gia de Michel de Certeau Para este autor as estrat gias s o a es que gra as ao postulado de um lugar de poder elaboram lugares te ricos capazes de articular um conjunto de lugares f sicos onde as for as se distribuem A estrat gia caracteriza um lugar pr prio ou autorizado desse modo para Certeau ele n o est vinculado fala de quem anuncia tampouco se localiza no sujeito da fala mas nas pr ticas dos que agem intermediados por meio de um lugar Entretanto reconhecendo que a fala dos homens e mulheres que comp em o presente trabalho dizem muito sobre suas pr ticas e que as pr ticas analisadas neste cap tulo est o ligadas a institui o utilizo este conceito para pensar as estrat gias discursivas de alguns atores que comp em as experi ncias nele discutidas Contudo este conceito n o representa um bloco fechado que enquadra todos os relatos em uma nica categoria a de estrategistas mas trata se de casos espec ficos portanto n o constitui uma armadura conceitual que serviria para proteger defender toda a discuss o Por fim no quarto cap tulo intitulado Os atores
2. 138 Entrevista n 06 142 n mero de habitantes Sendo assim Florianita afirma que torna se insustent vel ter que manter o funcionamento dos novos servi os condicionados a este profissional Ainda conforme o relato de Florianita o psic logo o terapeuta o assistente social tamb m s o capazes de avaliar e estudar medica o esse condicionamento ao m dico psiquiatra uma das formas mais dif ceis em se tratar a loucura pois a quest o n o est no fato de estes profissionais ocuparem o lugar do m dico psiquiatra mas sim de discutir e de planejar variadas formas de tratamento estando todos inseridos em uma rede mais harmoniosa Florianita afirma tamb m que estas discuss es est o sendo postas nas Confer ncias de Sa de Mental que ocorrem uma vez por ano pois segundo ela n o se pode ter CAPS amarrado a psiquiatra A nica sa da seria propor forma o em psicotr picos a outros m dicos para que eles possam discutir a medica o e assim tamb m atuar na sa de mental De acordo com Fernando Kinker h uma grande dificuldade de se conseguir psiquiatras para trabalhar em CAPS e fica muito dif cil conseguir abrir um CAPS sem um psiquiatra o que gera depend ncia Ent o segundo ele essa ideia de que os psiquiatras n o s o valorizados uma falsa verdade porque eles t m um papel fundamental na reforma como pode ser visto na regulamenta o dos novos servi os que exige a presen a de ao menos um m di
3. 5 PORTELLI 2010 p 20 NIETZSCHE apud CORAZZA 2002 p 106 35 CAP TULO I DAS RUAS AO HOSP CIO penetrado de um profundo niilismo intelectual foi que penetrei no hosp cio pela primeira vez e o grosso espet culo doloroso da loucura mais arraigou no esp rito essa concep o de um mundo brumoso quase mergulhado nas trevas sendo unicamente percept vel o sofrimento a dor a mis ria e a tristeza a envolver tudo tristeza que nada pode espancar ou reduzir Lima Barreto O Cemit rio dos Vivos Mudinho Lucas Gusm o Rainha Joana Joel e tantos outros atores hist ricos da loucura habitaram as ruas de Campina Grande redesenhando com o seu estar no mundo as cal adas desta cidade Estes personagens marcaram poca e se fizeram hist ria para os memorialistas na d cada de 1940 e 1950 Vidas errantes de personagens sofredores que faziam das ruas o seu lar que criaram rela o de parentesco com aqueles que lhes davam uma ajuda ou um afago Sujeitos n mades que apenas possu am a fidelidade da sua mais ntima companheira a loucura poss vel que para esses atores as ruas pudessem se constituir como esse mundo brumoso do qual fala Lima Barreto quando do recordar de sua primeira entrada no hosp cio As ruas podem ser comparadas a um manic mio a c u aberto onde a exclus o era poss vel de ser vista existindo apenas uma falsa harmonia j que nos discursos que circulavam em torno da loucura estes
4. E continuava o seu discurso afirmando que bastava pagar decentemente aos trabalhadores da psiquiatria que eles ir o prestar um servi o decente a popula o Targino ao defender a manuten o do hospital psiqui trico passava a ideia de que a aus ncia desta institui o na cidade tornava se sin nimo de periculosidade Al m disso o problema por ele localizado em torno daquela institui o dizia respeito ao sal rio pago pelo governo aos funcion rios da psiquiatria Sendo assim de acordo com sua exposi o um bom sal rio seria a sa da para que os problemas encontrados em torno do tratamento oferecido dentro daquela institui o mudassem Entretanto mesmo diante de sua defesa em manter o hospital em funcionamento ele alertava que a sua presen a naquela plen ria n o era pra defender uma assist ncia m dica desumana De acordo com seu pronunciamento n o se tratava de defender o sofrimento e os maus tratos aos pacientes como se fossem prisioneiros de guerra porque o que se encontrava no Hospital Jo o Ribeiro naquele momento era realmente um campo de concentra o 7 Entre os discursos favor veis manuten o do hospital e os que defendiam o seu fechamento existia algo em comum o fato de que aquela institui o oferecia um tratamento desumano para os homens mulheres crian as e idosos que l se encontravam Falta de roupas no corpo colch es materiais de higiene pessoal alimenta o eram fatores
5. destinada ao tratamento de doen as nervosas e mentais passou a fornecer servi os psiqui tricos a homens mulheres crian as e idosos nomeados de loucos e que por serem diagnosticados assim necessitam de acompanhamento m dico psiqui trico Texto de autoria de Vit ria Maria Barbosa ent o coordenadora de sa de mental do munic pio Ata da 9 sess o especial intitulada Sess o em homenagem ao dia da luta antimanicomial dia 24 de maio de 2002 C mara dos Vereadores da cidade de Campina Grande O texto foi proferido pela acad mica de medicina Fl via Fernando pois segundo Vit ria que tamb m estava presente na sess o essa estudante abra ou a causa da reforma psiqui trica na cidade e como possu a habilidades art sticas ela leu o texto ao mesmo tempo em que o encenava Ao inv s do nome oficial Instituto Campinense de Neuropsiquiatria e Reabilita o Funcional ICANERF optei por fazer uso neste texto da nomea o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro ou Hospital Jo o Ribeiro como comumente conhecido pois penso que assim esta escrita poder se aproximar um pouco mais da vida dos personagens hist ricos que comp e esse trabalho al m disso estar mais pr ximo dos leitores campinenses para os quais esse nome t o significativo Vit ria Maria Barbosa atuou na Secretaria de Sa de do munic pio de 1997 a 2006 Foi coordenadora de sa de mental no per odo 2000 a 2005 Coordenou a implan
6. n o poss vel para quem os amores desfolhados tamb m qualidade de vida e dignidade Porque segundo ele s o pessoas que n o t m colch o alimenta o adequada e convivem o dia inteiro com piolhos com sarnas e desnutri o Ent o esta era a oportunidade de levar para eles a possibilidade que essa aurora volte a existir e para que o amanh volte a ser poss vel para essas pessoas BI Medeiros aponta para a possibilidade de uma vida melhor para aqueles homens mulheres crian as e idosos que n o tinham por direito sen o a segrega o e uma assist ncia desumana Sua proposta era a de levar queles pacientes qualidade de vida e dignidade levar a aurora ali onde a esperan a nem a manh s o poss veis De acordo com os pronunciamentos vistos at aqui pode se observar que aquela institui o que tinha suas pr ticas silenciadas passou a receber contornos com sentidos de verdade produzidos pelos in meros discursos que contr rios ou favor veis ao seu fechamento contestavam e desautorizavam o exerc cio da medicina psiqui trica e dos funcion rios da sa de mental que se instalavam em suas alas e corredores Torna se importante ressaltar ainda a participa o na plen ria da ent o coordenadora de sa de mental do munic pio Vit ria Maria Barbosa Ela afirmava naquela ocasi o falar a partir do clamor que todo mundo negava e que a sociedade dava as costas ou seja de quem 86 Frederico Garcia Lorca p
7. o desses centros pioneiros no interior do estado iria proporcionar atendimento qualificado aos pacientes em seus pr prios munic pios Al m disso a mat ria afirmava que os CAPS t m realizado um trabalho visando reinser o social do paciente por meio de tratamento psiqui trico e psicol gico momento em que uma equipe multidisciplinar promove oficinas diversificadas estimulando inclusive o ingresso desses pacientes no mercado de trabalho Em um CAPS o paciente al m do tratamento m dico e de receber medicamentos gratuitamente poder participar de oficinas que incluem desde atividades manuais como pinturas desenhos e bordados aulas de dan a e curso de capacita o profissional S o a es que comp em um projeto inovador em substitui o aos atendimentos tradicionais geralmente restritos s interna es e prescri o de medicamentos Por meio desse discurso observa se a constru o de uma outra linguagem em torno do tratamento em sa de mental Trata se de um novo modelo de assist ncia em oposi o ao tradicional modelo prestado dentro dos hospitais psiqui tricos A proposta de trazer aqueles pacientes que ficaram longos anos internados em institui es hospitalares para o conv vio social humanizar suas pr ticas e torn los capazes de exercer atividades no mercado de trabalho ou seja toda uma discursividade que passa a construir o louco como um sujeito capaz de estar na sociedade Com a chegada de
8. o resistem cada um a seu modo Eduardo que para n o se tratar no CAPS vai sozinho se internar no hospital Kleyton que faz exig ncias para ser transportado de carro at o CAPS mas se recusa a entrar no carro para n o ir e Andr que viu na agress o a nica forma de dizer que n o queria estar ali S o vidas errantes de personagens desacreditados em que a nica resposta para suas atitudes est localizada na doen a Entretanto s o sobretudo atores desejantes que tentam resistir a essa nova forma de tratamento e mesmo sendo nomeados loucos eles se imp e e mostram que s o sujeitos de desejo Contudo essas resist ncias n o acontecem apenas por parte dos pr prios internos Neuza Duarte m e do paciente Marcelo Duarte tamb m se posiciona contr ria a essa nova forma de tratamento chegando a ser categ rica ao afirmar S sei que eu n o gosto do CAPS porque Marcelo ia pra l e quando sa a de l ia andar pra aquelas bandas das Malvinas se danando pra aquelas bandas do Cachimbo Apagado do jeito que perigoso aquilo ali no Monte Santo a eu disse sabe quantas vezes Marcelo vai mais pra o CAPS Nenhuma E eu tava aqui no dia que fizeram uma entrevista aqui e eu espalhei os p s n o lembro direito nem o que foi que eu disse foi no tempo que tava aquela cachorrada aqui deles querendo fechar mas parece que eu disse assim porque eles n o pega os pacientes e leva pra casa deles a ficaram tudo olhando pra
9. o desse projeto demandou algumas dificuldades porque na sua primeira edi o alguns vizinhos temiam que aqueles pacientes ficassem soltos pela rua Neste sentido percept vel o medo que a loucura despertava nas pessoas Estar solto nas ruas junto com as pessoas nomeadas normais instaurava um verdadeiro sentimento de terror de que algo muito ruim pudesse acontecer a qualquer momento Mas segundo L via esse pavor da loucura foi se diluindo aos poucos j que nas edi es subsequentes do projeto Domingo no CAPS os vizinhos se apresentavam bem mais tranquilos e gradativamente foram aceitando esses sujeitos Ela lembra que chegou a ouvir de algumas pessoas algo assim como aqui bom a gente n o sabe que portador de transtorno mental e quem n o A gente n o consegue perceber O estere tipo da loucura 82 Entrevista n 10 83 Entrevista n 10 169 para aquela vizinhan a parece ter de dissolvido de tal modo que n o era poss vel de ser identificado no corpo de seus portadores al m disso conseguiram entender que nem todo doente mental sai s ruas batendo gritando e fazendo coisas absurdas e bizarras Al m dessa caracter stica de agressividade que atribu da aos pacientes psiqui tricos a identidade que frequentemente se cola vida desses atores hist ricos a de assassino Falar em paciente psiqui trico termina por emitir signos de negatividade no sentido de que boa parte deles para n o
10. refor ada pela reportagem do jornal Correio da Para ba que apoiada na exposi o da equipe de interven o os compara a elefantes de circo e em outro momento traz o seguinte t tulo doentes mentais s o tratados como animais em hospital Neste sentido a constru o do Hospital Jo o Ribeiro elaborada a partir da dicotomia homem animal sendo assim era necess rio humanizar a loucura civilizar aqueles pacientes que de humanos pareciam n o possuir mais nada Para acentuar a constru o dessa verdade do descaso sobre o Hospital Jo o Ribeiro o relato do secret rio de sa de do munic pio na poca da interven o Geraldo Medeiros J nior tamb m significativo De acordo com ele v rias reuni es foram feitas com a equipe de interven o com o Minist rio P blico e com as inst ncias de sa de do munic pio e do estado esse foi o momento em que ele ficou sabendo do que estava ocorrendo no hospital mas foi na oportunidade de uma visita feita aquela casa hospitalar que ele p de constatar o que estava sendo posto Em um dado momento da entrevista ele come a a relatar o que mais o marcou naquela visita O que mais me marcou foi o que eu vi na verdade o que mais marca aquilo que a pessoa v e ver aquelas pessoas nuas dentro do hospital ver as condi es dos banheiros as condi es dos quartos ent o isso me chocou muito isso uma coisa que mexeu muito comigo e se eu j estava propenso a aderir ao processo
11. 10 216 2001 e Lei federal n 10 406 2002 e Lei federal n 10 708 2003 e Projeto de lei federal n 3 657 1989 e Parecer federal n 8 1991 substitutivo do projeto de lei n 3 657 de 1989 e Parecer federal n 43 1999 substitutivo do projeto de lei n 3 657 de 1989 e Decreto n 3298 1999 e Lei Italiana n 180 1978 e Lei estadual n 7 639 2004 e Lei municipal n 4 068 2002 e Lei municipal n 362 1953 e Portaria GM n 106 2000 e Portaria GM n 1 220 2000 e Portaria GM n 336 2002 e Portaria GM n 2 077 2003 Peri dicos e Jornal da Para ba e Jornal Di rio da Borborema e Jornal Correio da Para ba e Jornal Brasil Novo e Jornal O campina Grande Acervos consultados e Arquivo do Museu Hist rico de Campina Grande e Arquivo da C mara dos Vereadores da cidade de Campina Grande 187 Relatos orais Entrevista n 01 realizada com Geraldo Medeiros J nior 05 de outubro de 2010 Entrevista n 02 realizada com Jo o Virg nio Ribeiro 02 de setembro de 2009 Entrevista n 03 realizada com Tereza Valen a Nome fict cio j que a entrevista preferiu que a sua identidade fosse preservada 03 de fevereiro de 2010 Entrevista n 04 realizada com Eliane Dantas 30 de mar o de 2010 Entrevista n 05 realizada com Ivone Feitosa 01 de setembro de 2009 Entrevista n 06 realizada com Edmundo Gaud ncio 15 de abril de 2010 Entrevista n 07 realizada com Fernando Sfair Kinker 14 de outu
12. 141 NEGR O 1994 pp 33 35 142 Grifo meu 143 MARSIGLIA 2004 p 62 144 Esta express o estava presente nas leis civis e criminais vigentes durante o Imp rio Ela foi retirada do C digo Penal de 1890 mas mantida no C digo Civil de 1916 145 ENGEL 2001 p 85 95 Ainda de acordo com Engel v rias cr ticas foram formuladas por legistas alienistas e Juristas contra o significado restrito em torno de categorias como loucura ou dem ncia Estas categorias deixavam de lado os m ltiplos e variados tipos de aliena o mental conferindo portanto um car ter extremamente r gido legisla o Os debates suscitados em torno dessa conceitua o presente no C digo Civil de 1916 fizeram com que os deputados Antonio Austreg silo e Gumercindo Ribas apresentassem um projeto de lei ao Congresso Nacional pedindo a reformula o dos artigos 5 e 446 substituindo a express o loucos de todo g nero neles contidos por afetados de graves anomalias ps quicas Por m segundo Engel este projeto esbarrou em posicionamentos contr rios e n o logrou xito ii Havia uma prefer ncia segundo ela pela palavra alienado bem mais abrangente do ponto de vista psiqui trico do que a palavra louco O psiquiatra Franco da Rocha sugeria que no lugar da express o loucos de todo g nero o texto legal especificasse alienados de todo g nero e todos os casos de rebaixamento do n vel mental seja adquirido por doen a s
13. A lei Paulo Delgado juntamente com as in meras portarias que regulamentam a rede de assist ncia psiqui trica no Brasil estabelece a diferen a pois trata a doen a mental como caso excepcional necessitando portanto de tratamento regimento e linguagem espec ficos 21 Grifo meu Lei italiana n 180 de 13 de maio de 1978 a Hospital Provincial Psiqui trico de Gorizia cidade do Norte da It lia onde Franco Basaglia em 1961 assumiu a dire o e instaurou um processo de desinstitucionaliza o Sobre a experi ncia de reforma em Gorizia Cf PASSOS 2009 2 Cf AMARANTE 1996 p 20 25 Nome pelo qual ficou conhecida a lei n 180 na It lia 26 Cf PASSOS 2009 p 132 Os conceitos de normal e patol gico s o desconstru dos por Georges Canguilhem 2009 p 77 Segundo este autor interessante observar que os psiquiatras contempor neos operaram na sua pr pria disciplina uma retifica o e uma atualiza o destes dois conceitos da qual os fisiologistas n o parecem ter tirado nenhum proveito Desse modo tais conceitos trazem uma especificidade para a psiquiatria na medida em que esquadrinha os comportamentos estabelecendo o normal e o a normal patol gico 66 Assim se fortalece ainda mais a separa o entre os que s o nomeados de normais e portanto fazem parte da legisla o geral do Minist rio da Sa de e os que rasuram a normalidade fazendo parte de decretos espec ficos para a rea da sa de m
14. Doente mental mata a m e com golpes de faca no Alto Sert o Doente mental empurra a m e do canal e agride pai com pedradas Loucos dividem cela com preso comum em Patos Deficiente mental morto a pedradas Doente mental mata anci o esquartejado e fere o vizinho de 23 anos em Bananeiras Paciente agride outra com socos Doente mental morto por asfixia em Campina Grande Agricultor mata av s a golpe de facas e acaba preso PASSOS 2009 p 125 FOUCAULT 2009 p 46 Jornal Di rio da Borborema 28 de fevereiro de 2001 58 Jornal di rio da Borborema 25 de abril de 2001 Jornal Correio da Para ba dia 08 de julho de 2003 Jornal da Para ba dia 10 de junho de 2003 Jornal da Para ba dia 11 de mar o de 2003 2 Jornal da Para ba dia 12 de fevereiro de 2003 amp Jornal Di rio da Borborema dia 17 de maio de 2003 Jornal da Para ba dia 20 de maio de 2003 65 Jornal Correio da Para ba dia 8 de setembro de 2004 Jornal Di rio da Borborema dia 18 de setembro de 2004 165 cuia 67 68 pela pol cia Homem joga neta de 4 anos em fogueira no Cear Homem matou e aim 69 70 q tentou comer v tima 90 dos assassinos s o doentes mentais Filho mata o pai e 71 72 fere a m e com 12 golpes de faca Doente mental tenta matar comerciante Os recortes citados acima s o t tulos de reportagens veiculadas pelos jornais em 73 adere Campina Grande Todas essas
15. Essas s o as irregularidades descritas por Edmundo embora ele lembre que diante da sua experi ncia dentro do hospital poss vel afirmar que do ponto de vista de uma assist ncia psiqui trica aqueles pacientes estavam sendo assistidos adequadamente pois diferente da experi ncia de Eliane Edmundo afirma que n o faltavam medica es a ser prescritas e usadas pelos pacientes no dia a dia Outro relato que d mais for a aos contornos que come am a se instaurar em torno do Hospital Jo o Ribeiro o de Antonio Maia diretor da Cl nica Psiqui trica Dr Maia que lamenta o fato de uma institui o destas ter sido fechada na cidade Antonio participou de algumas fiscaliza es nas depend ncias do Hospital Jo o Ribeiro Embora seja cauteloso na narrativa de suas lembran as e prefira n o se aprofundar em detalhes ele lembra que em uma das fiscaliza es do Programa Nacional de Avalia o do Sistema Hospitalar PNASH visualizou que as coisas naquele hospital n o funcionavam adequadamente e que o que ele tinha presenciado era bastante complicado impossibilitando tamb m que o hospital se 51 Entrevista n 04 Entrevista n 03 Entrevista n 06 118 mantivesse aberto Desse modo mesmo com tanta cautela ao falar sobre o Hospital Jo o Ribeiro Antonio passa algumas vagas informa es que terminam por denunciar que as condi es de funcionamento daquele hospital eram inadequadas Por m o Hospital Jo o Ribeiro
16. professora Regina Beatriz Guimar es Neto pela presen a na banca e pelas sugest es e cr ticas direcionadas ao meu texto pois foi por meio desses deslocamentos que pude amadurecer a minha escrita Meus agradecimentos se direcionam a algumas pessoas que n o mediram esfor os para me ajudar ao longo desta pesquisa A Vit ria Maria Barbosa que mesmo distante me ajudou com dicas sugerindo possibilidades de fontes e partilhando suas ideias A L via Sales Cirilo pelos direcionamentos dos encontros ocorridos em torno da reforma psiqui trica em Campina Grande Ao ex secret rio de sa de do munic pio Geraldo Medeiros J nior pela do ura e leveza com que contribuiu para esta pesquisa A Giscard Farias Agra por disponibilizar algumas fontes de sua pesquisa e pelas sugest es bibliogr ficas Acrescento ainda meus agradecimentos s contribui es de Fernando Sfair Kinker e Florianita Campos Ao Dr Edmundo Gaud ncio pelas suas coloca es m dico filos ficas e a sua esposa M rcia Gaud ncio pela do ura simplicidade e simpatia com que me recebeu Ao Dr Jo o Bosco por ter se disponibilizado em passar horas a fio conversando de maneira apaixonante sobre a hist ria da medicina Ao Dr Adhemar Dantas por relatar a sua longa trajet ria dentro do Hospital Jo o Ribeiro Dra Eliane Dantas pois mesmo doente n o relutou em ajudar A toda a equipe de funcion rios da Cl nica Dr Maia que abriram as portas da institui o e me rece
17. 1 A Nau dos Loucos abre suas portas Campina Grande C mara dos Vereadores Casa F lix Ara jo 24 de maio de 2002 Foi numa tarde de maio uma visita a um hospital psiqui trico aqui mesmo em Campina Grande Durante o caminho o motorista perguntou me se eu trabalhava l com resposta negativa ele passou a narrar uma visita feita a um amigo que se internara naquela institui o muito triste disse ele quer dizer triste pra n s porque para eles tanto faz s o loucos mesmo Esta concep o causou me espanto afinal ser que todos pensavam assim tamb m O louco n o existe como sujeito Nada percebe Nada sente Quem poder ent o ouvi lo Foi cheia de interroga es que l entrei O primeiro contato um choro mais profundo que barulhento Uma senhora de idade com soro no bra o chama me como se estivesse pedindo socorro Dentro do seu choro solta baixinho e com sofreguid o a sua voz a comida daqui eu n o aguento pe a pra mudar eu n o aguento Verdade ou loucura Continuo Paredes frias ar f tido gritos grades Nas roupas de alguns funcion rios est escrito SEGURAN A Atr s das grades eles pressentem apesar da loucura que tem ali pessoas novas e gritam e pedem tentam conversar um cigarro um real uma fala hoje o anivers rio de minha filha Ela tem dezesseis anos eu tenho uma filha Homens jovens homens velhos homens nus homens atr s das gr
18. 163 Entretanto do casamento da psiquiatria com a justi a que emerge a mais perversa no o sobre a loucura nasce a ideia de periculosidade Resulta da a equa o doente mental perigo social que desde a instaura o dos hosp cios d o formas sentidos e rostidade a esses atores A institui o hospitalar que passou a abrigar os pacientes nomeados loucos fundamenta se inicialmente na no o de doen a e na necessidade de classificar separar medicar e curar Posteriormente o enclausuramento deixa de exercer apenas a pretens o da cura e passa a fundar se na quest o da periculosidade que explicada pela dissemina o da doen a e em seguida pelo medo da criminalidade praticada por esses pacientes institu dos como loucos Sendo assim o louco faz seu aparecimento como um perigo em potencial e como atentado moral p blica e seguran a A loucura perigo a ser evitado das ruas da cidade Como afirma Roberto Machado liberdade e loucura s o ant nimos Diante disso coube medicina social a tarefa de isolar preventivamente o louco com o objetivo de reduzir o perigo e impossibilitar o efeito destrutivo que ela viu caracterizada em sua doen a Assim nasce no Brasil nos meados do s culo XIX n o uma psiquiatria preventiva mas a psiquiatria como instrumento de preven o Apoiada nessa no o de periculosidade da loucura a arquitetura e o urbanismo acabaram por transformar a face da cidade erguendo mon
19. al m de comprometer a sua pr pria integridade esses personagens ganham lugar nas mem rias das pessoas que de algum modo presenciaram e partilharam essas hist rias de vida Enfim essas s o algumas viv ncias dos atores hist ricos que por anos habitaram os corredores e os leitos do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro S o esses atores que como p de ser visto em alguns relatos burlaram a ordem do que lhes foi imposto pela reforma psiqui trica por m n o tiveram as suas falas e suas a es legitimadas A nica verdade que se produz e torno de seus corpos vem do exterior pois a sua linguagem desacreditada e negativizada pelos signos da loucura Sobre essas vidas n mades h sempre uma linguagem a ditar regras e espa os de pertencimentos E nisso que residem a a es da reforma psiqui trica em Campina Grande 1g Oligofrenia designa a gama de casos em que h d ficit de intelig ncia podendo ser composta pela tr ade oligofr nica debilidade imbecilidade e idiotia Cf http pt wikipedia org wiki Oligofrenia consultado em 01 de mar o de 2011 10 Entrevista n 08 176 CONSIDERA ES 2 chegada a hora de concluir esta trajet ria Encerrar um trabalho um movimento desconfort vel isso porque assim como a pr pria pesquisa a escrita n o se fecha n o se acaba tampouco se conclui Ela est situada num campo aberto de possibilidades de acr scimos e reinven es Portanto n o nomeio as ltimas
20. as pol ticas n o apenas pol tica no sentido geral mas pol tica de enfrentamento partid rio Neste sentido poss vel que estas rela es existentes no Hospital Jo o Ribeiro tenham feito com que as pr ticas existentes dentro de suas depend ncias estivessem protegidas da verbaliza o de v rias inst ncias como a m dia os familiares a Secretaria de Sa de do Munic pio e os pr prios rg os de inspe o sanit ria A fam lia Ribeiro exerceu durante muito tempo e ainda continua exercendo posi es pol ticas bastante importantes na cidade de Campina Grande Enivaldo Ribeiro irm o de Jo o Ribeiro foi deputado estadual pela Alian a Renovadora Nacional ARENA de 1975 a 1977 Em seguida foi eleito prefeito da cidade de 1977 a 1983 o que contabiliza um per odo de seis anos ininterruptos Um dos maiores per odos de tempo que um administrador ficou continuamente e sem reelei o a frente do munic pio Enivaldo Ribeiro enquanto prefeito estava filiado ao Partido democr tico Social PDS e fazia oposi o a Ronaldo Jos da Cunha Lima candidato filiado ao Partido do Movimento Democr tico Brasileiro PMDB que o sucedeu nas elei es de 1982 A partir de ent o as Entrevista n 07 t SANTOS 2008 p 77 125 disputas pol ticas entre os Cunha Lima e os Ribeiro tornou se algo conhecido na cidade Desde esta derrota em 1982 Enivaldo n o conseguiu se reeleger como prefeito mas n o desistiu e continuou t
21. bastante tempo inclusive antes mesmo de se falar em reforma psiqui trica as fiscaliza es dentro desta institui o j se constitu am como algo comum Diante disso uma pergunta se instaura ora ENGEL 2001 p 200 2 0 espa o aqui entendido ao modo de Michel de Certeau 1994 para quem h uma distin o entre espa o e lugar O lugar a ordem segundo a qual se distribuem elementos nas rela es de coexist ncia Nele impera a lei do pr prio os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros cada um situado num lugar pr prio e distinto que implica portanto uma indica o de estabilidade O espa o por sua vez um cruzamento de m veis e animado pelo conjunto dos movimentos que a se desdobram O espa o o efeito produzido pelas a es que o orientam o circunstanciam o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais Em suma o espa o um lugar praticado 0 Programa Nacional de Avalia o dos Servi os Hospitalares PNASH Psiquiatria foi institu do em 2002 por normaliza o do Minist rio da Sa de visando atuar como um instrumento de avalia o e diagn stico da qualidade de assist ncia dos hospitais psiqui tricos p blicos ou conveniados ao Sistema nico de Sa de SUS Cf BRASIL 2005 p 14 Entrevista n 03 124 se j havia fiscaliza es dentro do Hospital Jo o Ribeiro h algum tempo a partir
22. denominado de hist ria do tempo presente Por m esta perspectiva tornou se alvo de in meras cr ticas em especial quelas direcionadas ao fato de que o historiador est envolto em seu objeto de pesquisa al m de estar inserido na temporalidade abordada Ou seja n o mant m a dist ncia necess ria que o faria melhor problematizar seu objeto Entretanto como afirma Ren R mond a an lise do tempo presente faz varrer da vis o da hist ria os ltimos vest gios do positivismo pois o historiador sabe o quanto sua objetividade fr gil e que seu papel n o a de uma chapa fotogr fica que se contenta em observar os fatos mas ele contribui para constru los Neste sentido penso que fazer uma hist ria do tempo presente por meio de uma maquinaria discursiva e n o discursiva significa desnaturalizar tanto o passado como o pr prio presente pois o que o presente sen o um lugar de corte de rasuras e acima de tudo de coloniza o O que fazem os historiadores ao analisarem um objeto sen o colocar as marcas e impress es do presente nas idas e vindas de suas an lises Partilho com a perspectiva de Koselleck quando ele afirma que a ideia de que quanto mais o tempo avan a mais compreens vel se torna o passado um produto da filosofia do progresso pr revolucion ria Ainda de acordo com Koselleck o conceito de hist ria do tempo presente pode parecer um conceito claro mas carrega em si v
23. dico psiqui trico esta capacidade fica comprometida pois no geral a fam lia diante de um surto psic tico providencia a aposentadoria invalidando portanto as atividades que aquela pessoa poderia vir a exercer Como exemplo desses casos ela citava a seguinte experi ncia Eu tenho um paciente esquizofr nico por exemplo que ele pedreiro e ele foi aposentado quase que a revelia Ele teve um surto psic tico e a fam lia o aposentou ent o ele ganha dinheiro mas ele chega no meu consult rio e diz que est passando o dia inteiro sem fazer nada precisando de uma atividade Ele pode e est comprovado que ele tem uma atividade um bom pedreiro mas ningu m d chance e ele n o pode inclusive com medo de perder a aposentadoria e vir a ter um problema maior depois Existem ent o v rios problemas ao lado da psiquiatria problemas sociais que concorrem para uma cronifica o da doen a mental di Observa se neste relato que os transtornos mentais muitos deles apesar de n o serem permanentes marcam o corpo mais do que a pr pria invalidez f sica Um exemplo disso pode ser observado na lei n 7 853 de 24 de outubro de 1989 que ao dispor sobre o apoio s pessoas portadoras de defici ncia e sua integra o social n o inclui os portadores de transtornos mentais Com a aprova o desta lei entrava em vigor a inser o dos homens e mulheres nomeados de deficientes para o mercado de trabalho mas por outro lado
24. ele dava apoio a todas as quest es que eram levadas para ele Ent o de acordo com Geraldo n o houve muito trabalho pol tico porque os apoios estavam estabelecidos Mas as rela es n o param por a Ainda de acordo com Geraldo o que estava acontecendo em Campina Grande teve a atua o da Secretaria de Sa de do Estado o que possibilitou uma coes o com o munic pio Ent o em um momento de muito acirramento pol tico entre prefeitura e governo do estado que eram de partidos diferentes a equipe de interven o tinha uma sintonia grande com a Coordena o de Sa de Mental do Estado possibilitando dessa forma que se trabalhasse com o apoio do governo me Neste sentido a interven o aconteceu em um momento em que as linhas de for as pol ticas atuantes no estado e no munic pio se interligaram em torno de uma nica quest o desativar o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro que n o estava funcionando a contento das normas estabelecidas pelo Minist rio da Sa de importante ressaltar que no mesmo per odo em que o Programa Nacional de Avalia o do Sistema Hospitalar PNASH reprovou o Hospital Jo o Ribeiro outros hospitais no nordeste tamb m foram reprovados e precisaram 104 Entrevista n 07 105 Entrevista n 01 106 Entrevista n 01 130 passar por interven es a exemplo do hospital psiqui trico de Caic no Rio Grande do Norte e do hospital de Camaragibe em Pernambuco Ambos receberam notas insatisfa
25. esmola invocando o nome de Jesus acol um ceguinho atacado de amarelid o mostrando uma pequena bacia para receber um bulo em um batente sentada uma pobre mo a jogada na rua por algum desalmado p lida sifil tica abandonada pela municipalidade em outra esquina de p um outro espectro parecido com um homem escondendo com um len o imundo o c ncer que lhe corr i o mento esmolando porque n o pode trabalhar A chaga que o infelicita torna o repelente e se lhe d o uma esmola fazem no de longe com m do do contacto porque um canceroso com a ferida a mostra n o causa s piedade causa tamb m horror PIMENTEL 1956 p 155 PIMENTEL 1956 p 155 37 Essa constru o feita por Pimentel significativa pois ela d a ver um recorte das hist rias de vida desses sujeitos ordin rios que habitavam as ruas da cidade e que assim desenhavam com as cores do seu estar no mundo as imagens dessas ruas o que busca construir este memorialista por meio dos signos de sofrimento e do abandono De acordo com essa produ o as autoridades municipais pareciam n o empenhar nenhum esfor o para amenizar a condi o de dor desses infelizes abandonados pela sorte e entregues ao acaso de uma vida n made pelas ruas da cidade Observa se que este autor busca elaborar uma mem ria da vida desses personagens que transitavam por Campina Grande Mem ria entrecortada por signos de sofrimento dor e abandono Por m torna
26. lises num ricas e diagn sticos m dicos de exclus o a exemplo da sociologia e da psiquiatria Pois entendo que trazer estes atores hist ricos nomeados de loucos e a institui o que os det m para a historiografia permite lan ar sobre estes um olhar de estranhamento e assim desnaturaliz los Portanto a proposta neste trabalho a de tornar vis vel a historicidade destas vidas que foram marcadas pela loucura dentro daquela institui o mostrando sobretudo as tramas discursivas e n o discursivas e as conting ncias pr prias do tecido hist rico A temporalidade deste trabalho corresponde aos anos que v o de 2001 a 2005 Este o recorte que privilegiei para pesquisa local em acervos como os arquivos de jornais as atas da C mara dos Vereadores entre outros O ano de 2001 julgo relevante na medida em que foi efetivada a lei da reforma psiqui trica n 10 216 e instaurou se uma nova ordem de fiscaliza es nas institui es psiqui tricas Quanto a 2005 este foi o per odo em que a equipe de interven o atuou no Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro e a partir de ent o passou a ser constru da uma mem ria ou v rias mem rias em torno deste hospital Neste intervalo busquei por meio da documenta o levantada perceber quais eram os discursos que se faziam presentes em torno daquela institui o Entretanto a temporalidade aqui destacada n o se limita a este recorte pois compreendendo que a reforma em Campina Gra
27. mal ditos da loucura transitam pelos espa os abertos da cidade viso mostrar os discurso em torno da nova assist ncia proposta pela reforma psiqui trica e como as novas institui es a exemplo dos Centro de Aten o Psicossocial CAPS e das Resid ncias Terap uticas terminam instaurando um discurso manique sta em rela o a antiga forma de tratamento prestada dentro do Hospital Jo o Ribeiro Al m disso a minha proposta a de problematizar os discursos em torno dos pacientes que estavam saindo daquele hospital Como eles passaram a ser produzidos pela sociedade Os atores hist ricos elegidos para a composi o deste cap tulo s o mais uma vez os ex funcion rios m dicos psiquiatras e cl nico gestores da reforma em Campina Grande funcion rios dos rg os fiscalizadores familiares e o relato de um paciente Trata se da experi ncia de homens e mulheres que foram afetados por este processo e produziram seus pr prios significados em torno daquela institui o rabiscando a rasurando a e lhe atribuindo outros sentidos Al m dos relatos orais estar o sendo problematizadas as fontes jornal sticas MONTENEGRO 2007 p 20 53 CERTEAU 1994 p 102 33 que tamb m exercem uma grande import ncia na constru o desses novos servi os bem como dos pacientes que estavam saindo do Hospital Jo o Ribeiro Os relatos dos familiares ganham uma maior nfase neste cap tulo S o relatos de pessoas que em nome do sa
28. mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 6 5 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 7 87 pessoa com dificuldades mentais entre os grupos mais rejeitados 16 Ainda segundo este autor de acordo com algumas pesquisas realizadas em outros pa ses a exemplo dos Estados Unidos constatou se que dentre 21 grupos de diversos deficientes os doentes mentais eram os menos aceitos prevalecendo essa n o aceita o mesmo quando comparados com ex presidi rios e alco latras A reforma psiqui trica pauta se em dados como estes que retiram a loucura das viv ncias sociais existentes fora dos hospitais psiqui tricos Assim os discursos tramados na C mara dos Vereadores em Campina Grande naquela manh questionavam o valor as pr ticas e a necessidade de se manter as duas institui es psiqui tricas localizadas na cidade Como exemplo desta discuss o tem se o relato do poeta Manoel Monteiro que convidado pela ent o coordenadora de sa de mental Vit ria Maria Barbosa produziu alguns escritos sobre a reforma psiqui trica Naquela manh ele afirmava que em conversa com Dr Vit ria ela teria mostrado um horizonte novo sobre aquelas pessoas que sofrem com problemas mentais relatando um detalhe aparentemente jur dico mas que segundo ele envolve outras quest es sociais tratava se do seguinte exemplo Quando um sujeito comete um crime absurdo pelas leis br
29. nada se falava sobre o que vinha sendo praticado no Hospital Jo o Ribeiro Desde o ano de 2002 visitas eram feitas pelas equipes de sa de mental do munic pio por m diante da C mara a institui o em quest o repousava no mais profundo sil ncio Em sua fala Kinker apresenta uma den ncia do que vinha sendo praticado dentro daquela institui o O seu discurso possui o poder de emitir signos negativos em torno das pr ticas que se instauravam por entre aqueles muros Um olhar de estranheza que se surpreende com o que at ent o n o passava de pr ticas comuns e das quais nada se falava Por m o seu discurso n o se encontra isolado ele faz parte de uma rede discursiva na qual se encontram psic logos soci logos assistentes sociais entre outros que emerge em meados da d cada de 19702 Tal rede discursiva contribuiu para a instaura o da reforma psiqui trica Trata se de um regime de verdade como diria Michel Foucault Um regime que permite em um determinado momento e em uma dada sociedade separar o falso do verdadeiro o aceit vel do n o aceit vel compreendendo entretanto que a verdade hist rica e mortal sendo assim ela surge de acordo com as normas e exig ncias dos atores sociais que constituem seu regime de possibilidade Neste sentido o discurso exerce por meio da den ncia o poder de construir desconstruindo uma ordem existente Como exemplo disso Roberto Machado analisa um relat rio da primeira me
30. ncias podem servir de apoio a usu rios de outros servi os de sa de mental que n o encontram suporte familiar e social suficientes para garantir um espa o adequado de moradia Os Centros de Aten o Psicossocial por sua vez tem como proposta os cuidados aos portadores de transtornos mentais na comunidade A din mica dessa institui o visa a dar assist ncia ao paciente em um ou dois per odos diurnos e em seguida devolv lo ao conv vio familiar apenas nos caso mais graves da doen a o paciente poder ser internado atingindo um prazo m ximo de sete dias ininterruptos Essas novas institui es come am a ocupar alguns espa os na cidade espa os esses que n o se constituem apenas como uma representa o geogr fica mas uma constru o discursiva 3 SARAMAGO 2005 p 137 BRASIL 2004 p 5 5 Cf Portaria n 336 GM em 19 de fevereiro de 2002 148 que passa a tomar corpo na m dia por meio da fala dos agentes reformadores e entre os familiares dos pacientes psiqui tricos Em 14 de mar o de 2003 dois anos antes de ocorrer a interven o que poria fim ao funcionamento do Hospital Jo o Ribeiro o jornal Di rio da Borborema veiculava uma reportagem intitulada CAPS em 34 munic pios Nela a informa o de que at o final daquele ano a Secretaria Estadual de Sa de iria instalar Centros de Aten o Psicossocial nas principais cidades do estado da Para ba De acordo com o texto jornal stico a constru
31. novas institui es tidas pelo Minist rio da Sa de como modelos em assist ncia psiqui trica tais como os CAPS e as Resid ncias Terap uticas Desdobrando em 2005 sua atua o sobre o Hospital Jo o Ribeiro a reforma psiqui trica deu a ver na cidade a produ o de uma mem ria em torno desta institui o As pr ticas m dicas existentes dentro desse hospital as quais at ent o n o eram poss veis de serem localizadas na m dia nas discuss es das pol ticas locais ou entre os familiares dos pacientes ali internados come aram a ser produzidas e a ganhar sentidos de verdades A partir da essa casa hospitalar que emergiu na cidade na d cada de 1960 como o lugar contornado por signos de desenvolvimento progresso e moderniza o e portanto o espa o adequado 177 para se tratar a loucura com a atua o da reforma psiqui trica teve as suas pr ticas assistenciais retiradas do sil ncio as quais passaram a ser produzidas por meio dos discursos reformistas a partir de imagens que aproxima essa institui o a um campo de concentra o Por meio deste trabalho espero ter conseguido realizar a tarefa de sacudir o lugar em que as pr ticas assistenciais em torno dos pacientes diagnosticados e nomeados loucos repousam N o se trata apenas do esfor o de retirar estas antigas pr ticas do sil ncio mas espero tamb m ter balan ado o terreno onde repousa as pr ticas da reforma psiqui trica Desejei por meio deste t
32. o a carne de m qualidade tinha pouco tempero e quase n o era vista em meio a um prato invariavelmente com feij o e arroz No jantar era servida uma sopa rala com macarr o e osso que sobravam da prepara o do almo o Entre uma refei o e outra vinha o sono da noite ou do dia no ch o ou em camas duras apenas com as t buas que deveriam dar suporte ao colch o Al m disso o mau cheiro de fezes e de urina produzidos durante a noite era insuport vel Para completar essas informa es a reportagem trazia imagens do interior da institui o As fotografias foram feitas por Antonio Ronaldo um fot grafo da equipe jornal stica que havia sido convidado pela pr pria equipe de interven o para realizar o trabalho As imagens das depend ncias do hospital d o conta de pacientes nus descal os deitados pelo ch o dos corredores e p tios Em uma dessas imagens a legenda logo abaixo grafada em destaque trazia o seguinte doentes mentais s o tratados como animais em hospital gt Em outra imagem presente na capa do jornal e com maior destaque devido ao espa o que ocupava naquela edi o podiam ser encontrados in meros pacientes dentre os quais mulheres com os seios mostra homens igualmente despidos tomando banho de mangueira 2 Jornal Correio da Para ba dia 28 de abril de 2005 24 Jornal Correio da Para ba dia 28 de abril de 2005 25 Ver anexo 5 104 numa esp cie de p tio Al m disso estava prese
33. o psiqui trica A simples atitude de cantar mais alto o que para muitos sin nimo de alegria e distra o quando exercida por um ex interno de um hospital psiqui trico revela para muitos que est o em sua volta um surto psic tico e a necessidade de uma nova interna o Como afirma Gildaz trata se de um r tulo que quando colado ao corpo das pessoas torna se uma ess ncia transformando toda e qualquer a o em atitudes suspeitas Ainda de acordo com as coloca es deste m dico observa se que a palavra doente mental j nasce da necessidade de uma exclus o ou separa o ela obra do saber psiqui trico que atribui loucura sentidos patol gicos Segundo Mageli Engel no Brasil o uso dessa palavra nos discursos m dicos localizado a partir dos anos 30 do s culo XIX Sendo portanto empregada antes mesmo do decreto de 18 de Julho de 1841 que determinava a cria o do Hosp cio de Pedro II Desse modo por meio deste termo a psiquiatria cava o terreno onde s o erguidos os lugares de exclus o daquilo que at ent o se entendia por loucura Sendo assim quando este m dico afirma que o doente mental sempre foi exclu do observa se que o doente j nasce de uma exclus o Tatuado com o estigma que o coloca do outro lado do que nomeado de normalidade este ator hist rico passou a ser institu do como o outro o estranho o anormal o perigo o doente incur vel etc Os r tulos que lhe envolvem impregnam lhe o
34. o Virg nio lembra se de casos em que o paciente havia matado o pai e que a m e n o o queria dentro de casa Esse recorte de sua mem ria me possibilita uni lo experi ncia vivenciada por N zia Ara jo m e do paciente Andr Ara jo N zia tem uma ntima rela o com a loucura pois o seu marido e dois de seus filhos desenvolveram transtornos mentais Ela relata que Andr cometeu um delito na sua casa ao matar o pr prio pai experi ncia que ela traz de suas lembran as e a reconstr i da seguinte forma 86 Entrevista n 02 87 Entrevista n 13 88 Entrevista n 13 171 o pai disse a ele de noite que era pra ele tomar rem dio porque ele passou o dia todinho inquieto inquieto e nada a quando foi de noite a o pai disse a ele tu toma o rem dio a eu tava arrumando a cozinha entrei no meu quarto sai do meu quarto voltei pra sala liguei a televis o e s passava neg cio de carnaval n Foi na segunda feira de carnaval a eu ficava sentada depois voltei pra minha cama e me deitei quando penso que n o que eu me deitei por causa desse neg cio o pai j deitava num quarto separado mais ele sabe Porque todos dois doente a eles dormiam em quarto separado Estava eu sozinha com a minha filha e eles dois a eu escutei ele mexendo na gaveta do arm rio da cozinha ele tava procurando alguma faca a quando ele saiu pra fora na porta da cozinha tinha uma t boa pra escorar a porta a ele pegou
35. o m dico deveria ressaltar as a es de periculosidade fossem elas evidentes ou presum veis e n o bastava constatar podia se supor que a interna o j era em si justificada pois fundada na no o de jrrecuperabilidade da doen a mental 73 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 16 74 Esta ideia de periculosidade da loucura poder ser vista nos cap tulos seguintes 75 FOUCAULT 2009 p 48 19 Lei n 24 559 de 3 de julho de 1934 7 AMARANTE 1996 p 81 77 Esta ideia de periculosidade da loucura recebeu forte influ ncia do modelo europeu de assist ncia ao doente mental Segundo Rotelli todas as leis europ ias at alguns anos atr s se fundavam na cust dia e na periculosidade as institui es psiqui tricas e a psiquiatria eram organizadas em fun o do perigo da loucura Segundo Amarante a doen a mental para a psiquiatria ainda determinada predominantemente pelo conceito de periculosidade que justifica al m do isolamento a viol ncia coercitiva e destrutiva da institui o asilar Desse modo o discurso de Targino encontra se numa encruzilhada com os discursos psicopatol gicos e os da criminalidade Assim ele convidava a sociedade de Campina Grande a pensar sobre o perigo que se constituiria com o fechamento daquela institui o Para ele O governo federal deveria baixar a m scara e deixar de hipocrisia
36. orais constituem uma rica fonte para o problema da mem ria com suas limita es falhas e distor es Entretanto James alerta que o trabalho com fontes orais complexo e problem tico pois estes s o constru es culturais que muitas vezes recorrem a um discurso p blico estruturado por conven es de classe e de g nero Desse modo ele afirma que devemos aprender a ler estes relatos como textos repletos de signos sem querer fazer deles um reflexo verdadeiro de um per odo ou encontrar neles certa coer ncia de uma vida repleta de complexidades Neste sentido o testemunho oral n o pode ser entendido como vidro transparente atrav s do qual se v o passado mas enquanto uma constru o ao mesmo tempo subjetiva social e ideol gica sobre o passado Outro pensador que ajuda a problematizar os relatos orais que est o presentes neste trabalho Marcel Proust Em sua obra O tempo redescoberto Proust brinca com as palavras e possibilita desconfiar da linguagem Para ele as palavras emitem efeitos de verdade ou sentidos de verdade estando deste modo num cont nuo movimento e em constante fluxo de significa es Uma das quest es levantadas por este autor diz respeito ao sujeito para ele o sujeito constitui uma multiplicidade de eus que se apresenta de v rias maneiras e percebido pelos outros tamb m de diversas formas Neste sentido Proust rompe com a ideia do sujeito enquanto unidade coer ncia ou es
37. os conceitos de discurso e o de poder est o permanentemente interligados pois apesar do poder n o constituir a origem do discurso ele n o se localiza em seu exterior O poder algo que funciona atrav s do discurso porque o discurso ele mesmo um elemento em um dispositivo estrat gico de rela es de poder Quanto ao terceiro cap tulo intitulado Relatos orais enredando os espa os para a loucura na cidade este como o pr prio t tulo anuncia estar composto de relatos orais pois certa de que as experi ncias dos atores hist ricos constituem uma importante fonte para este trabalho busquei colet las por meio de entrevistas que privilegiassem as hist rias de vida associadas a algumas quest es em torno da assist ncia psiqui trica em Campina Grande Trata se de um m todo que possibilita ter acesso s marcas e impress es que homens e mulheres constroem e relatam acerca da sua experi ncia com a loucura buscando enfatizar as suas impress es diante da reforma psiqui trica instaurada nesta cidade Os atores hist ricos que elegi para a composi o deste cap tulo s o ex funcion rios m dicos psiquiatras e cl nico gestores da reforma em Campina Grande funcion rios dos rg os fiscalizadores familiares e o relato de um paciente Enfim uma rede de atores que por meio de suas experi ncias de vida em torno daquela institui o e estimulados pelos discursos reformistas passaram a relatar as pr ticas cotidi
38. p 15 37 31 ser af usado aqui no sentido empregado por Martin Heidegger no qual ser a significa ser do mundo no mundo sendo sempre finito Desse modo o ser a ou Dasein como tamb m nomeado por este fil sofo trata de uma quest o existencial Cf VATTIMO 1987 DUBOIS 2004 32 Al m dessa outras obras deste autor que abordam esta tem tica est o em constante di logo com este trabalho s o elas FOUCAULT 1984 2006a 2006b 2006c e 2007 23 a loucura e seus atores como estando envoltos numa trama hist rico discursiva articulada por meio de rela es de saber poder que os tornam question veis Al m disso essa obra me possibilitou pensar que as rela es de exclus o tamb m s o rela es hist ricas Sendo assim o surgimento do hosp cio no cen rio urbano est localizado numa articula o espa o temporal que lhe d sentido de verdade tornando o n o s poss veis mas necess rio Como afirma Foucault A no o de loucura tal como existe no s culo XIX formou se no interior de uma consci ncia hist rica Desse modo partilho com este autor a ideia de que a loucura s existe em uma sociedade ela n o existe fora das normas de sensibilidade que a isolam e das formas de repulsa que a excluem ou capturam Outro pensador que estuda a loucura numa perspectiva hist rica o fil sofo Isaias Pessoti Este autor se distancia da an lise hist rica foucaultiana da loucura mas torna se importante para este
39. paulodelgado com br Consultado em 28 de junho de 2010 e Terminologia bastante empregada pelo discurso da reforma psiqui trica em substitui o ao termo doente mental 1 De acordo com Paulo Amarante a no o de desinstitucionaliza o surge nos Estados Unidos em decorr ncia do Plano de Sa de Mental proposto pelo Governo Kennedy entendida basicamente como um conjunto de medidas de desospitaliza o culminando na redu o de custos Por m segundo este autor a maneira como este termo empregado pela reforma psiqui trica no Brasil tem como postura uma assist ncia extra hospitalar e n o apenas a desospitaliza o Cf AMARANTE 1996 29 A Portaria que regulamenta os CAPS e suas fun es a de n 336 GM de 19 de fevereiro de 2002 2 Este programa regulamentado pela a Lei n 10 708 de 31 de julho de 2003 e a Portaria GM n 2 077 de 31 de outubro de 2003 17 5 l PVO E Al m deste programa conta se ainda com a implanta o das Resid ncias Terap uticas que s o casas onde pacientes que foram abandonados pela fam lia em hospitais psiqui tricos passam a ser abrigados Seu modelo consiste em fornecer suporte a estes pacientes como um lar com livre tr nsito e n o como um ambiente fechado t pico dos hospitais psiqui tricos Sendo assim estes programas visam manter estes homens e mulheres em contato com seu universo familiar e ou comunit rio Feito este percurso pela reforma psiqui trica posso ent o afirmar q
40. qualquer que seja a especificidade foi bastante utilizada pela psiquiatria para significar particularmente hospital psiqui trico Este termo que por meio dos discursos e pr ticas psiqui tricas foi sendo historicamente revestido de significados de exclus o marca a exist ncia daqueles atores hist ricos que de algum Como p de ser visto a primeira institui o psiqui trica do estado da Para ba foi a Col nia Juliano Moreira fundada em 23 de junho de 1928 At hoje apenas tr s cidades do Estado possuem esse tipo de institui o sendo elas respectivamente Jo o Pessoa 1928 Campina Grande 1963 e 1966 e Cajazeiras 1977 Jornal Di rio da Borborema 7 de setembro de 1963 Jornal Di rio da Borborema 7 de setembro de 1963 57 modo necessitavam de tratamento psiqui trico e habitavam os leitos e corredores daquela institui o Pautado na especializa o neuropsiqui trica este hospital n o tinha apenas por fun o reabilitar os pacientes com problemas neurol gicos mas sobretudo reabilitar aqueles que na reportagem s o nomeados de d beis ou seja que possu am a mente debilitada e de acordo com aquela vis o necessitavam de um lugar adequado para o seu tratamento Desse modo no texto jornal stico o discurso veiculado constr i o Hospital Jo o Ribeiro como um espa o indispens vel para a popula o desta cidade a qual naquele momento era parabenizada por estar sendo presenteada com um l
41. rias imbrica es bastante dif ceis Tal conceito pode indicar um ponto de interse o entre as outras duas dimens es temporais passado e futuro estando desse modo condenado a desaparecer Por outro lado este autor R MOND 2006 p 208 28 KOSELLECK 2006 p 174 21 afirma que todo tempo presente em sentido pr prio pois s h futuro como futuro presente e passado como passado presente Mas essa rela o entre as temporalidades n o acontece de m o nica ou seja n o apenas o passado e o futuro que se atualizam no presente mas esse pr prio presente s poss vel em rela o a essas outras duas dimens es temporais pois ele se executa imbricado nessa rela o Assim as tr s dimens es do tempo se encontram no presente e na exist ncia humana De acordo com a maneira deste autor pensar a hist ria e o tempo pode se afirmar que todas as hist rias s o hist rias do tempo presente Ou que toda a hist ria se refere a um presente que inclui todas as dimens es podendo ser entendida em rela o ao passado e ao futuro neste movimento que o presente se dissolve Neste sentido contar uma hist ria da atua o da reforma psiqui trica no Hospital Jo o Ribeiro como fazendo parte de um tempo presente implica lidar com um tempo que n o se fixa mas que se desprega e escorre continuamente dado que um tempo que est em constantes movimentos Assim por meio das fontes localizadas nesta temporalidade
42. s trata se da Casa de Sa de Anchieta na cidade de Santos no estado de S o Paulo Esse evento ficou conhecido como o marco dos movimentos dos reformadores da sa de mental no pa s o qual durou cerca de oito anos de interven o e de constru o de uma nova rede de assist ncia para os portadores de transtornos mentais Desde ent o Kinker vem participando de v rios outros processos de desinstitucionaliza o como o caso do que ocorreu em Campina Grande Nesta cidade Kinker vivenciou uma experi ncia segundo ele marcante em muitos sentidos principalmente pelas condi es oferecidas dentro do Hospital Jo o Ribeiro Suas primeiras impress es em torno da institui o s o narradas da seguinte forma fizemos uma primeira entrada no hospital de fato a minha primeira impress o foi que se tratava de um lugar de um contexto de muita destrui o n Desde fora a gente j sentia o cheiro de urina de fezes assim que exalava de l de dentro porque o hospital como outros o corredor de fora era bonito como esse aqui brilhante e tal o que ali s foi uma briga durante algum tempo convencer o pessoal da limpeza de que eles tinham que parar de limpar o corredor de fora que a quest o era limpar 28 Jornal da Para ba dia 19 de abril de 2005 106 dentro o que precisava ser limpo era dentro n De fato teve algumas cenas que me emocionaram bastante mesmo No p tio eu ia visitar o p tio do hospital por exemplo n
43. vel interven o ocorrida naquela institui o No que diz respeito ao outro peri dico de circula o na cidade o Jornal da Para ba este n o veiculou nada sobre aquela sess o possivelmente porque n o quisesse se posicionar frente aquelas discuss es ou n o apoiasse o que ali estava em debate pois na ata desta sess o h a informa o de que toda a imprensa local havia sido convidada Al m disso a reportagem sugestiva na medida em que utiliza a palavra manic mio Esta palavra bastante utilizada pela reforma psiqui trica com o intuito de negativizar aqueles espa os de tratamento que se caracteriza pela segrega o e descaso para com os internos 42 Jornal Di rio da Borborema 25 de maio de 2005 71 Segundo Izabel Passos o uso desta palavra significa n o fazer infer ncia a qualquer termo como cl nica ou hospital psiqui trico que para os militantes da reforma camuflam uma realidade de exclus o e de manicomializa o Sendo assim a reportagem veicula algo al m de uma simples informa o em torno do hospital ela transmite a vis o dos reformadores da sa de mental nesta cidade O uso da palavra manic mio como estrat gia das pol ticas reformistas pode ser encontrado no parecer n 8 de 1991 que reajusta o texto do projeto de lei n 3 657 de 1989 o qual culminou na lei da reforma psiqui trica A palavra manic mio usada de forma expressiva O trecho que abre o parecer afirma q
44. 86 87 50 A partir da d cada de 1920 a medicina em Campina Grande come a a se fortalecer com a presen a de seu principal personagem o m dico Tornava se necess rio atrair para a cidade jovens m dicos rec m formados nas faculdades do Rio de Janeiro da Bahia e de Pernambuco Neste momento predominava a presen a desses jovens vindos de outros estados para exercer as pr ticas m dicas na cidade pois os jovens campinenses que optaram por seguir essa carreira ainda encontravam se em forma o Com o retorno desses filhos da terra formados e doutorados neste saber a medicina dita cient fica come ou a se consolidar na cidade acionando novas pr ticas e outros discursos em torno dos corpos doentes Por m para que esse saber ganhasse mais for a e sentido de verdade em detrimento das antigas pr ticas de curandeirismo tornava se necess rio a constru o de um espa o pr prio onde as pr ticas m dicas poderiam ser exercidas e legitimadas Emergia portanto em 7 de setembro de 1932 a primeira institui o que daria suporte e legitima o s pr ticas m dicas o Hospital Pedro I Representando a consolida o do saber m dico cient fico o Hospital Pedro I redefiniria a pr pria imagem do m dico que deixava de socorrer o doente em sua pr pria casa para prestar a assist ncia dentro do ambiente fechado do hospital A implanta o desta institui o reelaborou inclusive o espa o urbano que a partir de ent o passou a
45. DISSERTA O DA ALUNA F TIMA SAIOMARA LEANDRO BRITO s 4h do dia 20 vinte de junho de 2011 dote mi e onzej no Corro de Mestrado do Programa de P s gradua o em Hist rias da Universidade Feder de Pernambuco munkss a Domaio Eyad fara O julgamento da defpsa de Disscrin o para obten o do grau de Mesie apresentada pala aluna F tima Sal nara Laandro Hrita inl uiada ANDAN AS QUE CORTAM OS CAMINHOS DA RAZ O AS VIV NCIAS INSANAS E A ATUA O D REFORMA PSIQUM TEICA EM CAMPINA GRANDE PE em ato p blico ap s amli o feta de acordo com o Regimento do referido Curso decd conceder o mesma o conceito APROVADA em regulado atritui o dos conceitos dos prolessores doutores Antonio Torres Morntanegro orientador Regina Beatriz Guimarhes Meto Durval Muniz de Albuquengos J nior e dlarcon Aga do A validado deste gra de Mesie est gomininada samaga da vers o nal da digseria o no prazo da aid 50 moventa dias a contar a parir da presenta dala conforma par grafo 2 pagundo do artigo guarana e quatro da resolu o N TODOS de 17 dezessete de julho de 2008 dios mil e dito Assinar a prog nta aia ga prolafagres aupraciados o Coordenador Prot Dr Marcus Josquim Maciel de Camano e a Secret ria da P s gradas o om Hist ria Gandra Regina Albuquerque para pe devidos clefios legais Racie 20 de junho de 2011 Pro Det Regins Bestiz Guim fi Neto Prot Dr Dred fina de Abadie J nio
46. Hospital Jo o Ribeiro at o momento em que se inicia o processo de interven o 127 algum tempo trabalhando na Secretaria de Sa de e n o lembra de ter ouvido falar em coordenador de sa de mental e que apenas passou a ouvir algo a partir de Vit ria Barbosa Ele ainda afirma o seguinte No tempo em que eu fiquei no Conselho Municipal de Sa de a sa de mental nunca foi uma preocupa o Eu n o lembro de nenhuma reuni o anterior interven o do Jo o Ribeiro e de nenhuma reuni o para discutir especificamente sa de mental nenhuma visita que foi feita a nenhum servi o de sa de mental O relato de Geraldo fortalece essa ideia de que existia um sil ncio em torno das pr ticas da sa de mental no munic pio o qual passou a ser rompido com a atua o de Vit ria Barbosa Diante desse breve hist rico das rela es pol ticas em Campina Grande torna se poss vel falar sobre as atua es pol ticas em torno das quest es de sa de no munic pio e assim como a exposi o de Fernando Kinker sobre as poss veis disputas que se davam em torno do Hospital Jo o Ribeiro outros relatos tamb m sinalizam a exist ncia desses embates atuantes no processo de interven o Tal o caso de Jo o Virg nio Ribeiro o qual afirma de maneira enf tica que no processo de interven o ocorrido no hospital houve muita persegui o pol tica uma persegui o pol tica por parte primeiro do governador Ent o assim n s sempre v
47. ICANERF popularmente conhecido pelo nome do seu propriet rio o Dr Jo o Ribeiro Foi com o surgimento desta institui o na cidade que a loucura come ou a ter o seu espa o pr prio Se antes ela teria de ser levada para a capital Jo o Pessoa ou para a cidade do Recife agora o seu deslocamento acontecia dentro da pr pria cidade Mais uma vez o dia 7 de setembro se constitui como uma data importante para a hist ria da medicina em Campina Grande pois nesta data se deu a inaugura o do primeiro hospital da cidade o Pedro I e agora em 1963 esta mesma data festejava a inaugura o do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Esta institui o surge no cen rio urbano como um lugar especializado em tratamentos neurol gicos representando o avan o da medicina na cidade pois at ent o s havia esse tipo de servi o na capital do estado Tratava se de um servi o que 45 Cf LEIT O 2005 46 SILVA FILHO 2005 p 250 53 foi apresentado envolto em um discurso de inova o e moderniza o para uma cidade em que o progresso e o desenvolvimento cient fico se constitu am como as palavras de ordem O Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro funcionou na cidade de Campina Grande durante quarenta e quatro anos oferecendo servi os ao complexo da regi o da Borborema Seus compartimentos abrigavam cerca de duzentos pacientes dos quais a maioria era assistido pelo Sistema nico de Sa de SUS Essa institui o de car ter
48. Janeiro que no seu relato s o apresentados da seguinte forma z eu vi o hospital de Camaragibe que enorme quando eu fui l ele era bem maior que o Jo o Ribeiro l eles tinham mil pacientes internos aqui tinha duzentos mas ele tinha comida direito para as pessoas tinha v rias enfermarias tinha enfermaria de terminal que h muito tempo eu n o via que um horror porque terminal pra hospital vai pra outros cuidados e n o ficar num lugar daquele Era um horror mas tinha essa coisa que eu estou falando que m nima L tinha um alto ndice de morte em Camaragibe as pessoas morriam muito mas por causa disso n o tinham os cuidados que requeriam de sa de fora Outro hospital o Paracambi RJ que outro horr vel em termos f sicos e de constru o parece baia Paracambi um hospital privado que chegou a ter acho que uns tr s mil internos numa poca atr s e ele constru do igual baia de cavalo assim ele assim tem uma rua de casas a tem um negocinho assim fundinho e tem outra rua que como um mata burro lembra do mata burro Ent o essas casas n o t m portas nem janelas n o era bem uma casa muito engra ada que n o tinha porta n o tinha nada n o bem isso mas assim porque tem um corte grande que a porta e l em cima tem um corte pequeno que a janela bem alta igual baia pra guardar cavalo era gente que morava l e tinha uma casa linda arrumadinha e tal que
49. Jo o Ribeiro Florianita tem algumas impress es bastante cr ticas Ela afirma que tentou colocar desde o in cio que a equipe de interven o n o iria se envolver nas quest es pol ticas Ela lembra que o secret rio de sa de da antiga prefeita havia dado bastante apoio contudo j existia um laudo do PNASH que reprovava o hospital e que cabia prefeitura tomar algumas provid ncias mas eles ficaram no poder por muito tempo e nada havia sido feito Ent o ela relata que n o sabe at que ponto apoio at que ponto dificuldade e continua afirmando que esse tipo de ina o n o acontecia apenas em Campina Grande mas em todo lugar que a equipe de interven o chegava e existia 107 O Hospital Alberto Maia no munic pio de Camaragibe em Pernambuco foi desaprovado pelo Programa Nacional de Avalia o do Sistema Hospitalar PNASH em 2003 2004 quando naquela ocasi o contava com 840 pacientes internos Mesmo diante da desaprova o do PNASH em 2006 o processo de interven o ainda tramitava na justi a sendo negado em v rias inst ncias Cf BRASIL 2007 p 29 108 De acordo com o relat rio de gest o em sa de mental 2003 2006 a Casa de Sa de Milton Marinho em Caic no Rio Grande do Norte em 2005 entrou em processo de interven o estadual pela Secretaria de Sa de do estado importante lembrar que este hospital j estava desaprovado pelo Programa Nacional de Avalia o do Sistema Hospitalar
50. Jo o Ribeiro em 30 de junho de 2005 ocasi o em que todos os pacientes foram provisoriamente transferidos para as instala es de um antigo hospital no centro da cidade espa o esse nomeado pelo Di rio da Borborema como refer ncia em sa de mental se instaura toda uma discursividade produtora de sentidos de verdade sobre essas novas institui es pois s o elas que passar o a abrigar esses personagens assim elas s o constru das como o oposto do Hospital Jo o Ribeiro Em continuidade a essa produ o em 20 de agosto de 2005 o Di rio da Borborema noticiava uma reportagem intitulada Prefeitura implanta mais CAPS e tr s resid ncias Nela a informa o de que o Coordenador Nacional de Sa de Mental Pedro Gabriel Delgado e representantes de 50 munic pios do compartimento da Borborema estiveram reunidos em Campina Grande para avaliar o novo modelo de assist ncia em sa de mental implantados h menos de seis meses A reportagem ainda dava conta de que no dia anterior havia sido inaugurada mais uma Resid ncia Terap utica e que at o final daquele m s mais dois Centros de Aten o Psicossocial estariam sendo inaugurados na cidade O prefeito Veneziano Vital do R go deixava registrado o seu apoio afirmando que era prioridade de seu governo promover amplas condi es para que a sa de mental fosse considerada de forma que os pacientes tivessem um tratamento humanizado e respeitoso S o in meras as reportagens
51. Lucas Gusm o j n o andava com bom estado mental A mol stia foi lhe tomando conta do c rebro e ao mesmo tempo nas janelas da alma entrava Apolo Lucas pensador meio louco meio fil sofo que dizia se entendido em medicina e em qu mica tinha um comportamento inusitado com pretens o intelectualidade Para algumas das doen as que assolavam o corpo humano ele indicava um rem dio Por m Pimentel afirma que Ningu m acreditava claro nas suas receitas Assim poss vel afirmar que a loucura era desacreditada e tinha sua fala anulada ou negativizada a pr pria fala deste memorialista expressa essa ideia ao afirmar que era claro que ningu m acreditava nas suas receitas Este personagem da loucura descrito por Pimentel da seguinte forma Lucas viveu muito tempo atormentado entre a dor de uma vida moral sem calma e outra f sica sem conforto Fazia d v lo de barba e cabelo sem cortes metido em 5 PIMENTEL 1956 p 164 16 PIMENTEL 1956 p 164 17 PIMENTEL 2001 p 65 42 todas as suas roupas com uma apar ncia de gigante Da a alcunha que lhe botaram os moleques de Guarda Roupa Alcunha que lhe magoava mas n o lhe enfurecia Gra as a sua ndole de louco inofensivo Lucas mais um dos personagens inusitados que transitavam pelas ruas de Campina Grande na d cada de 1950 Os aspectos descritos por Pimentel desenham e contornam sua imagem quase que de maneira folc
52. O espa o que foi naturalizado historicamente para esses atores n o passava dos intramuros do mundo asilar De acordo com os pronunciamentos neste espa o de reclus o que estes pacientes recebem sua identidade eterna a de doente mental Segundo Paulo Amarante para transformar esta realidade de nega o necess rio sair do territ rio exclusivamente psiqui trico e construir na sociedade fora do hospital as 106 A defici ncia neste decreto descrita como Toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou fun o psicol gica fisiol gica ou anat mica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padr o considerado normal para o ser humano Cf Art 3 par grafo 1 do decreto n 3 298 de 20 de dezembro de 1999 107 Decreto n 3 298 de 20 de dezembro de 1999 108 Grifo meu 10 Cf Art 4 do Decreto n 3 298 de 20 de dezembro de 1999 110 Cf Art 4 par grafo IV do Decreto n 3 298 de 20 de dezembro de 1999 1 Como p de ser visto no cap tulo anterior os problemas psiqui tricos s o aqueles que se apresentam na mente humana tal como a esquizofrenia a depress o os transtornos bipolares entre outros Quanto aos neurol gicos s o aqueles que fazem parte do c rebro da medula ou dos nervos a exemplo de dores de cabe a dist rbios do sono doen a de Parkinson entre outros Cabe ressaltar que tanto nos problemas neurol gicos como nos psiqui tricos n o existe um per odo espec fico da vida no
53. a verdade do tratamento que vinha sendo oferecido popula o de Campina Grande por meio daquela institui o Portanto sua escrita aciona uma historicidade na medida em que faz parte de um novo regime o da reforma psiqui trica e remete tamb m para uma a o ret rica na medida em que seus argumentos buscam co mover o p blico Al m disso sua escrita faz parte de uma a o pol tica pois exerce uma fun o de den ncia das condi es desumanas que segundo ela existiam dentro daquela institui o Vit ria elabora por meio de sua escrita um plano que visava sensibilizar quelas pessoas que estavam presentes na sess o em homenagem ao dia da luta antimanicomial ocorrida na C mara dos Vereadores no dia 24 de maio de 2002 Seus argumentos est o atrelados ideia de sofrimento e emitem signos de dor descaso abandono maus tratos Ela fala dos gritos do choro dos pedidos de ajuda e descreve um ambiente no qual o sofrimento parece ultrapassar aquelas exist ncias e se encontra instalado nas paredes e nas grades da institui o Uma descri o dantesca que buscava impressionar e co mover ao p blico naquela sess o que tinha como prop sito discutir a luta contra o modelo de tratamento da loucura em ambientes hospitalares Desse modo o olhar desta personagem da sa de mental em Campina um olhar sens vel mas tamb m um olhar cultural pois as novas pol ticas de tratamento em torno da loucura a fizeram ver ali ond
54. abandonados sorte Ao contr rio esse movimento segundo ele visa sobretudo o tratamento desses pacientes na comunidade na viv ncia com a fam lia e com a vizinhan a por meio de uma assist ncia extra hospitalar Aquela plen ria contou ainda com a contribui o do ent o secret rio de sa de do munic pio Andr Luiz Bonif cio que colocava em sua fala as preocupa es em torno da assist ncia que vinha sendo prestada aos portadores de transtornos psiqui tricos na cidade Ele afirmava naquela ocasi o que n o podemos fugir dessa situa o n o podemos fazer uma cerca em torno de n s porque muitos podem at ter o privil gio de fazer uma cerca mas at quando essa cerca vai durar At quando podemos estar nos separando da sociedade fechados em nossas casas em nossos consult rios e em nossos escrit rios Porque n o partimos para uma discuss o justa e honesta para esse processo 6 Em meio a tantas interroga es Andr Luiz pedia a ajuda de todos ali presentes buscando faz los repensar sobre a participa o de cada um naquele processo a responsabilidade que cada um tinha diante daquelas vidas internas sendo tratadas segundo ele de forma desumana em ambientes que ao inv s de fornecer assist ncia ofereciam sofrimento e maus tratos Diante disso ele lan ava outros questionamentos N o quer dizer que vai se derrubar o hospital ou destruir hospital n o agora o que n o pode ser feito deixar que as
55. ato jur dico que seja praticado por loucos ser nulo Art 177 Os loucos que tiverem comportamentos inconvenientes poder o ser f 142 143 recolhidos a estabelecimentos especiais Os homens e mulheres nomeados de loucos n o possuem o direito de fala seus argumentos s o desautorizados n o podendo exercer os direitos de testemunhar e de mover a es jur dicas Com base nesta lei lhes s o negados os direitos que a um cidad o institu do como normal s o conferidos A quest o n o era apenas anular qualquer ato jur dico praticado por estes atores da loucura mas tratava se de anular suas pr prias vidas seus desejos e atua o nas decis es sociais apagando seu estar no mundo e seus direitos perante a justi a O nico direito que lhes restam nesta legisla o o de ser recolhido a estabelecimentos especiais A palavra louco usada no C digo Civil de maneira incisiva caracterizando a 33144 diferen a Segundo Engel o emprego da express o loucos de todo g nero parece indicar que o legislador pretendia conferir a maior abrang ncia poss vel abarcando toda e qualquer manifesta o de loucura Entretanto segundo a autora a palavra louco acabaria por tornar esta express o restritiva j que esta defini o encontrava se estreitamente vinculada no o aet E nao 14 de visibilidade o que requeria portanto uma manifesta o vis vel da loucura 140 Grifo meu
56. atores na medida em que cava para esses personagens um lugar espec fico em suas reportagens Seguiremos portanto os fios dessa constru o hist rica dada no tempo da mem ria que como afirma Saramago n o poss vel de medir n a n mas por meio de uma superf cie 2 2 Esp 7 3 obl qua e ondulante que s a mem ria capaz de fazer mover e aproximar 4 1 Novas institui es emergem no cen rio urbano A reformula o dos servi os de sa de mental no Brasil tem instaurado uma batalha contra o modelo hospitaloc ntrico de assist ncia aos pacientes psiqui tricos No lugar dos hospitais a proposta realizar o tratamento em espa os ambulatoriais onde os pacientes possam receber a assist ncia e voltar para casa em seguida ou ainda em resid ncias onde aqueles pacientes que foram abandonados pela fam lia tenham a oportunidade de viver longe do enclausuramento dos hosp cios Baseados nessa proposta os reformadores fizeram emergir em Campina Grande algumas dessas novas institui es contabilizando um n mero de sete Centros de Aten o Psicossocial CAPS e um total de seis Resid ncias Terap uticas RT s Mas afinal que novas institui es s o estas Quais os impactos causados por elas nas diversas inst ncias da sociedade As Resid ncias Terap uticas constituem se como alternativas de moradia para um grande contingente de pessoas que est o internadas h anos em hospitais psiqui tricos Al m disso essas resid
57. caso deste descoberto antes dos dezoitos anos para que tais transtornos possam se fazer presentes 86 condi es para que ela como espa o real da vida humana reintegre estas vidas compreendendo que a doen a n o a condi o nica do doente mas o aspecto negativo que produzido em torno dele por meio da sociedade que o rejeita e pela psiquiatria que o gere e Assim com base nesta exclus o que Ligia buscava naquela plen ria desmistificar a imagem da loucura que rondava o senso comum Segundo ela os transtornos psiqui tricos podem ser mais comuns do que imaginamos casos de envolvimento com drogas lcool e a pr pria depress o est o associados a diagn sticos psiqui tricos e n s convivemos cotidianamente com essas pessoas nas ruas na vizinhan a no trabalho e na pr pria fam lia Dados apontados por ela indicavam que 20 das pessoas teriam depress o ao longo da vida 25 teriam algum tipo de transtorno ansioso a exemplo do nervosismo isso sem falar no percentual dos dependentes de subst ncias qu micas ne poss vel que o discurso desta agente da reforma psiqui trica em Campina Grande tivesse como prop sito mostrar que os transtornos psiqui tricos comumente nomeados de loucura est o do nosso lado e que a sua manifesta o nem sempre furiosa e avassaladora como se imagina Sua fala buscava construir uma imagem da loucura que pudesse ser aceita ganhando espa o nas representa es sociais institu
58. conjunto indicando inclusive uma certa harmonia para o bem estar dos sujeitos pois qualquer problema constitui um indicador para um poss vel transtorno psiqui trico Trata se de ampliar a atua o do saber psiqui trico para as demais reas cl nicas na tentativa de prevenir a doen a mental diluindo desse modo o pr prio poder at ent o centrado nas m os do m dico psiquiatra Como pode ser observado as discuss es que s o produzidas por meio dos fios que comp em o tecido multiforme da reforma psiqui trica em Campina Grande acionam signos como os de bem estar inclus o cidadania tratamento digno conv vio social que se encontram situados na ordem das leis Estes signos agenciam uma nova ordem para a loucura deslegitimando o modelo at ent o empregado negando sobretudo a pr tica da segrega o social De acordo com os discursos postos n o cabe mais o enclausuramento o abandono os maus tratos e a desumanidade Assim era transmitido ao p blico que os pacientes que tinham suas vidas marcadas a ferro pelo estigma da psiquiatria passavam a partir daquele momento a ter a lei como sua principal aliada Pois como afirma Andr Luiz 128 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 pp 8 9 91 Isto lei isto direito isto inclus o isto mudan a de postura isso fazer valer o direito do cidad o e a gente n o pode ser contra isso ser contra i
59. conta se a senhora n o tomar a fam lia toma conta dele por que aqui ele n o pode ficar tem que ir pra l pra a senhora tomar conta porque se a senhora n o tomar conta dele a gente vai jogar um processo em cima da senhora Isso quem disse foi o diretor de l do manic mio judici rio Depois que N zia foi obrigada a trazer o seu filho de volta para o conv vio do lar e tendo o Hospital Jo o Ribeiro fechado ela tentou lev lo para fazer tratamento no CAPS Mas n o deu certo pois de acordo com ela Andr estava ficando mais agressivo inclusive chegando a agredir uma das funcion rias Diante disso ela passou a intern lo na Cl nica Dr 2 Jornal Di rio da Borborema dia 28 de fevereiro de 2001 Entrevista n 14 173 Maia mas afirma que para o problema que seu filho portador n o h cura pois fica um tempo internado mas quando volta para casa fica agressivo e inquieto novamente Ele t aqui em tratamento mas eu n o acho melhora ele passa o m s todinho agui mas quando chega em casa do mesmo jeito de noite n o deixa eu dormir e de dia n o deixa ningu m fazer nada quando 9 horas da manh j quer t almo ando inquieto inquieto a gente abre o port o um pouquinho ele sai porque ele fica na grade sabe No quarto dele trancado porque eu n o confio n o confio depois desse neg cio eu n o confio nele de jeito nenhum Por meio do relato de N zia poss vel observar com
60. da interven o depois do que eu vi eu fiquei decidido mesmo A sua vis o parece constituir se como o visor tico da sua mem ria E por meio desse sentido que Geraldo exprime as marcas deixadas em suas lembran as em torno daquela visita 46 Waleska Barbosa irm de Vit ria Maria Barbosa ex coordenadora de sa de mental do munic pio Jornal da Para ba dia 05 de maio de 2005 48 Entrevista n 01 114 feita ao Hospital Jo o Ribeiro Para ele o que mais marca uma pessoa aquilo que pode ser visto Sua fala expressa um conhecido dito popular que diz o seguinte aquilo que os olhos n o veem o cora o n o sente Sendo assim a sua vis o a prova de que realmente tudo o que estava sendo posto nas reuni es p de ser constatado Mais a frente ele continua descrevendo o seu campo de visibilidade e afirma eu vi coisas escritas nas paredes dos banheiros e que eu vi que eram escritas com fezes nos quartos n o tinha colch o as pessoas dormiam no cimento e vi pessoas com problemas de pele os mais diversos problemas de pele vi pessoas que n o tinham condi es de 3350 2 dialogar A vis o de Geraldo o que o possibilita gravar em sua mem ria o que era imposs vel de acreditar apenas pelos relatos que estavam sendo colocados nas reuni es Geraldo parece ter fotografado na mem ria tudo o que os seus olhos puderam ou quiseram enxergar Ele afirma que se deparou com pessoas que andavam nu
61. das viv ncias que de algum modo partilham seus espa os com a loucura A periculosidade da loucura sin nimo da negatividade que desde a emerg ncia dos hosp cios encontra se intimamente atrelada a seus atores parece continuar colada aos seus corpos No tecido social 146 come a a se firmar a ideia de que o louco perigoso e portanto amea ador da ordem da vida e da integridade f sica das demais pessoas Sendo assim diante da proposta da reforma psiqui trica de retirar esses sujeitos do enclausuramento dos hosp cios e traz los de volta ao conv vio social fora de seus muros como a popula o encara esse desafio Que novas institui es s o essas que passaram a compor o cen rio m dico campinense Teria a sociedade resignificado essa no o de periculosidade da loucura Estariam prontos para conviver harmoniosamente Qual a imagem constru da pela sociedade em torno dos pacientes que sa ram do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro a partir dos relatos orais de mem ria que essa trama em torno da periculosidade da loucura e da produ o discursiva em torno do Hospital Jo o Ribeiro poss vel de ser tecida Uma trama dada na mem ria e como tal pass vel de embates e de conflitos pr prios do exerc cio de rememorar de cada ator hist rico Sendo assim como afirma Antonio Montenegro n o se pode pensar a mem ria ou a percep o como reflexo ou c pia do mundo mas como atividade como trabalho ininterrupto de re
62. das quais eram constatadas in meras irregularidades por que nada era feito permitindo que o hospital repousasse no c modo sil ncio de suas pr ticas De acordo com o relato do interventor Fernando Kinker nas cidades m dias em especial m dias e pequenas os hospitais psiqui tricos t m uma presen a importante politicamente Isso se d segundo ele porque geralmente eles s o grandes empregadores por isso acabam tendo uma inser o pol tica local bastante forte muitas vezes seus pr prios donos t m uma influ ncia na cidade e at mesmo na pol tica partid ria acabam exercendo alguns cargos Essa quest o pol tica em torno dos hospitais psiqui tricos terminou por estimular in meras discuss es nas reuni es feitas pelo Minist rio da Sa de que antecederam o processo de interven o Kinker afirma que a sua vinda para Campina Grande como interventor foi bastante discutida junto ao pessoal do Minist rio pois eles temiam que isso pudesse trazer algum risco tendo em vista que se tratava de algu m de fora da cidade que viria atuar numa situa o delicada em que se implicavam quest es de enfrentamento pol tico que de acordo com sua fala n o eram de interesse do Minist rio nem de nenhum deles se envolver O relato de Kinker sinaliza para uma discuss o importante que pode ajudar a responder a quest o levantada anteriormente Ela diz respeito ao fato de serem exercidas em torno do Hospital Jo o Ribeiro algumas for
63. de sofrimento mental sem discrimina o de qualquer tipo que impe a ou dificulte o cor 62 63 usufruto desses direitos PASSOS 2009 p 225 gt DELEUZE amp GUATTARI 1995 PASSOS 2009 p 154 7 Os termos doen a mental aparece nos artigos 2 3 e 6 da lei italiana n 180 de 13 de maio de 1978 8 Grifo meu 5 importante frisar que transtornos mentais a express o de ordem da Classifica o Internacional de Doen as psiquiatria e neurologia conhecida como CID 10 Cf Classifica o Estat stica Internacional de Doen as e Problemas Relacionados Sa de Psiquiatria e Neurologia CID 10 Vol 1 S o Paulo Edusp 2008 Grifo meu Lei federal n 10 216 de 06 de abril de 2001 S2 Grifo meu Lei municipal n 4 068 de 30 de dezembro de 2002 74 Observa se que o termo sofrimento mental usado em substitui o a conceitos psicopatol gicos que poderiam legitimar a interna o e segrega o de homens e mulheres tidos e nomeados como doentes mentais Uma nova imagem da loucura passa a ser produzida e come a a tomar corpo por meio dos discursos reformistas O poder da linguagem passa a exercer uma importante fun o nesta reconstru o na medida em que aciona outros sentidos de verdades para os homens e mulheres que vivenciam a experi ncia da loucura sentidos estes que n o est o mais pautados na segrega o mas no conv vio social fora da institui o psiqui
64. de investiga o f sica da doen a mental Para ele a aus ncia de estigma f sico n o implicaria necessariamente aus ncia de degenera o Sua investiga o que influenciou a corrente do alienismo no in cio do s culo passado no Brasil inclu a segundo Engel deformidades cranianas estrabismos dentes e orelhas defeituosos deforma es sseas feminismo membro viril excessivamente grande ou pequeno cegueira gaguez surdo mudez e a pr pria fealdade poderia ser considerada como estigma f sico de degenera o Cf ENGEL 2001 p 121 138 139 e 163 Sobre degeneresc ncia ver ainda AMARANTE 1996 p 56 COSTA 2007 94 Art 5 S o absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil II Os loucos de todo g nero Art 12 Ser o inscritos em registro p blico II A interdi o dos loucos dos surdos mudos e dos pr digos 140 141 Dito de outra forma de acordo com esta lei os sujeitos nomeados de loucos n o possuem capacidade de realizar seus desejos e menos ainda os direitos que s o postos a todo e qualquer cidad o que n o tenham passado pelo estigma do diagn stico psiqui trico Desse modo aliada justi a a psiquiatria ganha legitimidade de exclus o e segrega o Segundo Marsiglia o C digo Civil limitava ainda mais as a es e direitos destes cidad os ao afirmar nos artigos seguintes que Art 142 Os loucos n o podem ser testemunhas Art 145 Qualquer
65. de setembro de 2002 103 Entrevista n 07 129 Kinker busca se despir de sua identidade para personificar a legitimidade do Minist rio da Sa de A ideia era mostrar para a sociedade que o que vinha acontecendo n o estava ligado a uma atua o pol tico partid ria mas que se tratava de uma quest o mais ampla a n vel federal e n o local Entretanto importante ressaltar que mesmo n o se constituindo como uma disputa local os apoios foram se formando principalmente por quem estava na administra o do munic pio Primeiro a prefeita Cozeta Barbosa pertencente ao grupo Cunha Lima depois o prefeito Veneziano Vital do R go que assumiu o cargo em 2005 e tamb m se apresentava como oposi o fam lia Ribeiro Ainda de acordo com Kinker a pessoa da equipe que fez os contatos em 2004 quando ainda governava a prefeita Cozete Barbosa foi Florianita Campos Quando ele chegou para a interven o quem estava no cargo era o prefeito Veneziano que mesmo sendo de um partido oposto ao da antiga prefeita estabeleceu uma interlocu o muito boa com o Minist rio O prefeito ajudou a equipe fornecendo alguns itens de necessidades b sicas como alimenta o colch es len is e disponibilizando alguns funcion rios da prefeitura para trabalharem no hospital Geraldo Medeiros tamb m se recorda da import ncia do apoio do prefeito Segundo ele naquele momento a equipe procurava o prefeito Veneziano para esclarecer a situa o e
66. dele era no chiqueiro do porco era o canto que ele dormia mas a fam lia dizia n o porque ele gosta de dormir a a voc quer que uma pessoa dessa melhore como Essas s o as marcas deixadas nas lembran as de Tereza em torno dessas visitas A falta de condi es m nimas de moradia e alimenta o para esse ator da loucura que n o tendo a quem recorrer restava lhe se igualar aos porcos e dormir junto a eles Ainda de acordo com as lembran as de Tereza no CAPS duas ou tr s vezes por semana acontecia um verdadeiro banquete Havia iorgute pizza lasanha bolacha recheada doces maravilhosos confeitados para os doentes mentais que segundo ela eram acostumados a passar fome Ela lembra que era um momento de muita alegria pois os pacientes e seus familiares se alimentavam mas isso para ela gerava um problema ainda maior pois alguns pacientes chegavam em casa e queriam comer as mesmas coisas que eram Entrevista n 03 30 Entrevista n 03 31 Entrevista n 03 156 oferecidas no CAPS mas o fato que em casa n o existia a mesma refei o o que os motivava agress o As cr ticas lan adas por Tereza a esses novos servi os n o s o direcionadas apenas aos CAPS De acordo com ela existem casas em Campina Grande onde moram esses pacientes as quais disp em apenas de um vigia para tomar conta deles noite um vigia quem toma conta deles de noite o que que voc acha Qual a
67. do Monte Santo onde iria aguardar o pronunciamento da Justi a a Ao ser encaminhado para o pres dio e n o para um hospital psiqui trico onde deveria ser realizado o procedimento m dico Andr colado ao perfil de criminoso e n o ao de um louco que em surto psic tico havia cometido um crime Observa se portanto que a fronteira entre a loucura e a criminalidade se desfaz de modo que resta apenas um sujeito n made transitando entre as duas categorias ao mesmo tempo em que n o se prende a nenhuma delas Assim Andr n o se constitui como uma vida una e coerente mas uma vida composta por m ltiplas identidades m veis Segundo N zia Andr ficou no pres dio em torno de quinze dias e em seguida foi encaminhado para o manic mio judici rio na capital Jo o Pessoa onde ficou em tratamento durante anos Ela lembra que ia visit lo apenas uma vez por m s pois n o tinha condi es de ir toda semana At que um dia a reforma psiqui trica instaura uma rasura em sua vida ao exigir que ela trouxesse o seu filho de volta para casa alegando que a partir de ent o a fam lia era quem deveria cuidar dele N zia se recorda que ficou muito preocupada diante dessa situa o eu disse meu Jesus como que eu vou levar essa criatura pra casa Que eu moro sozinha n o tenho condi es meus filhos s o casados mora tudo longe de mim como que eu vou levar ele pra casa A senhora vai levar ele pra a fam lia tomar
68. do manic mio relato da experi ncia de desconstru o de um hospital psiqui trico no interior do Nordeste Disserta o apresentada ao Programa de P s Gradua o em Ci ncias Sociais para a obten o do t tulo de mestre pela Pontif cia Universidade Cat lica de S o Paulo PUC S o Paulo 2007 KOSELLECK Reinhart Futuro passado contribui o sem ntica dos tempos hist ricos Rio de Janeiro Editora PUC Rio 2006 Continuidad e cambio em toda historia del tiempo presente obsevaciones hist rico conceituales In Los estratos del tiempo estudios sobre a historia Barcelona Buenos Aires M xico Ediciones Paid s I C E da Universidad Aut noma de Barcelona 2000 JAMES Daniel Do a Mar a hist ria de vida mem ria e identidad pol tica Buenos Aires Manantial 2004 LEIT O Fabiana Oliveira Quando o m dico abandona sua criatura mudan a no saber m dico em campina Grande 1920 1950 Monografia apresentada ao curso de hist ria da Universidade Estadual da Para ba UEPB Campina Grande 2005 LOUGON Mauricio Psiquiatria institucional do hosp cio reforma psiqui trica Rio de Janeiro Fiocruz 2006 MACHADO Roberto et al Dana o da norma a medicina social e constitui o da psiquiatria no Brasil Rio de Janeiro Edi es Graal 1978 183 MARSIGLIA Regina Maria et al Sa de mental e cidadania S o Paulo Edi es Mandacar 1987 In BRITTO Renata Corr a A intern
69. dos rg os fiscalizadores dos servi os hospitalares Entrevista n 04 realizada com Eliane Dantas em 30 de mar o de 2010 A entrevistada m dica psiquiatra e ex funcion ria do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro atualmente trabalha na Cl nica Psiqui trica Dr Maia e atende em um CAPS na cidade de Sol nea Entrevista n 05 realizada com Ivone Feitosa em 01 de setembro de 2009 A entrevistada faturista e trabalha no Hospital Jo o Ribeiro desde 1978 ela continua exercendo a fun o j que o hospital est funcionando em n vel de consultas e emiss o de documentos Entrevista n 06 realizada com Edmundo Gaud ncio em 15 de abril de 2010 O entrevistado m dico psiquiatra e ex funcion rio do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro atualmente ele ministra aulas no curso de psicologia na Universidade Estadual da Para ba e no curso de medicina na Universidade Federal de Campina Grande al m de ser apresentador de um programa na TV local chamado Caf poesia e Filosofia 7 Entrevista n 07 realizada com Fernando Sfair Kinker em 14 de outubro de 2010 O entrevistado representante do Minist rio da Sa de e atuou no Hospital Jo o Ribeiro como interventor quando foi instaurada a interven o no ano de 2005 8 Entrevista n 08 realizada com Adhemar Dantas em 13 de abril de 2010 O entrevistado m dico cl nico e ex funcion rio do Hospital Jo o Ribeiro onde atuou na fun o durante 30 anos 100 ratazan
70. e a fala Uma clara rela o de poder se instaura nesse encontro cada um portador de for as importantes que ao se cruzarem possibilitam um momento singular Uma entrevista mesmo que fale sobre um evento tantas vezes dito pelo entrevistado ela sempre in dita isso acontece porque as lembran as por mais organizadas que estejam elas se fazem de um momento e depende do ambiente de onde se fala para quem se fala em que momento da vida o entrevistado est falando A entrevista depende das quest es dos olhares das posturas do humor da leveza enfim de uma infinidade de fatores que a possibilita acontecer De acordo com Alessandro Portelli a narra o oral da hist ria toma forma em um encontro pessoal causado pela pesquisa de campo sendo assim os conte dos da mem ria s o evocados e organizados verbalmente no di logo interativo entre entrevistado e entrevistador Em suma pode se dizer que a entrevista uma fabrica o 54 PORTELLI 2010 p 19 34 Ainda de acordo com este autor na historia oral o relato da hist ria n o o fim em si mesmo A ideia de que existe um observado e um observador uma ilus o positivista Durante todo tempo os personagens est o a se olharem a fim de entender quem e o que quer e de modelar seu pr prio discurso a partir dessas percep es A entre vista afinal uma troca de olhares E bem mais do que outras formas de arte verbal a hist ria oral um g ne
71. e a imagem do m dico psiquiatra faz parte desse novo modelo proposto pelo governo O CAPS I no seu quadro de funcion rios a exig ncia de que tenha ao menos um m dico com forma o em sa de mental No modelo de assist ncia proposto para o CAPS 12 deve compor a equipe ao menos um m dico psiquiatra no CAPS II a exig ncia de dois m dicos psiquiatras no CAPS i a equipe dever possuir um m dico psiquiatra ou neurologista ou pediatra com forma o em sa de mental e por fim no CAPS ad gt tamb m dever contar com a presen a de um m dico psiquiatra Diante da exposi o de Eliane e da regulamenta o posta pelo Minist rio da Sa de poss vel que Campina Grande que conta com uma rede de sete CAPS compostos por servi os como CAPS I II III i e ad tenha deixado de fora o m dico psiquiatra assim como tamb m poss vel que estes profissionais n o estejam interessados em trabalhar nessa nova rede de assist ncia mental pois como afirma a pr pria Eliane que tamb m trabalha em um CAPS na cidade de Sol nea munic pio vizinho a Campina Grande tanto ela como v rios colegas trabalham em CAPS nos munic pios circunvizinhos mas ningu m quer trabalhar em Campina Grande porque a remunera o n o justa 9 O m dico Edmundo Gaud ncio tamb m partilha dessa ideia de que a psiquiatria tem perdido o seu lugar de atua o e que nessa nova proposta de assist ncia o saber psiqui trico tem sido alijado
72. e empenharam todas as for as para que o hospital Jo o Ribeiro fosse desativado e substitu do por uma nova rede de assist ncia em sa de mental Eles partilham ide rios de vida e por isso seus relatos se cruzam em pontos comuns como o caso Conferir anexo 7 50 o Entrevista n 01 l Jornal Di rio da Borborema dia 22 de mar o de 2005 115 das condi es de funcionamento daquela casa hospitalar S o relatos produtores de significados que foram fundamentais na reformula o da sa de mental no munic pio Entretanto n o s o apenas os agentes da reforma psiqui trica que instauram a E EP 52 2 significados negativos em torno daquela institui o Tereza Valen a que atuou por v rios anos como sanitarista nos rg os fiscalizadores dos servi os hospitalares e que mesmo se posicionando contr ria nova forma de assist ncia psiqui trica proposta pela reforma afirma que quando fiscalizava o Jo o Ribeiro numa poca anterior ao surgimento da reforma psiqui trica ela constatava que tinha uma rea l onde os pacientes passeavam como se fosse uma rea de laser passeavam ali tinha capim tinha entulhos tinha terra tinha plantas rvores e tal e casas de formigas Aquelas formigas bem grandes e os pacientes tudo cheio de les es nas pernas porque as formigas pegavam eles o que tinha de les o os pobrezinhos cheio de feridas nas pernas e as casas de formigas de voc pisar e atolar o p
73. e fazer do p o um corpo Apenas com o aparecimento da Psican lise que a voz da loucura passou a emitir outros signos mas esses signos apenas s o pass veis de leitura quando emitidos sob a m gica do div e no espa o fechado do consult rio Neste sentido poss vel que Eduardo reconhecesse os limites de seu discurso pois a loucura a linguagem exclu da aquela que contra o c digo da l ngua pronuncia palavras sem significa o Assim ao inv s de pronunciar o seu desejo ele preferia pratic lo indo sozinho rumo interna o no Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Entretanto Eduardo n o o nico que instaura esta linha de fuga Segundo Hosana Marques m e do paciente Kleyton Marques muita gente gostava do Hospital Jo o Ribeiro inclusive Kleyton Ela lembra que ele ficou tanto tempo internado l que quando o hospital fechou tiveram que ir deix lo em casa Nessa poca ele teria de ficar fazendo tratamento no CAPS mas se recusou Segundo Hosana ele foi encaminhado para o CAPS mas n o quis ir de jeito nenhum afirmando que s iria se fosse num carro ent o conseguiram um carro para lev lo mas ele permaneceu na recusa Assim pode se observar que Kleyton tal qual Eduardo preferia interna o no ambiente hospitalar e se negava a fazer qualquer tratamento no CAPS Uma institui o total pode ser definida como um local de resid ncia e trabalho na qual um grande n mero de indiv duos com si
74. era apenas um m dico dono do hospital mas quando a equipe de interven o interditou descobriu que ele tinha fazendas que ele foi prefeito ou candidato a prefeito que era irm o de n o sei quem que era prefeito que apoiou o partido de n o sei quem Ent o essas coisas tinham uma import ncia e eu imagino que enquanto ficou com o munic pio que era a sede dele e sede eleitoral do irm o porque a dele era em Massaranduba Ent o assim eu acho que enquanto ficava com o munic pio era mais dif cil sair disso porque estava sempre em negocia es essa era a quest o Eu acho assim porque o PNASH era de 2003 e nada foi feito nem o munic pio nem o estado e os dois tinham autoridade pra fazer porque o PNASH feito junto n o s pelo munic pio ou s pelo estado ou s pelo federal ele feito com os tr s nacionalmente isso feito uma vez por ano mas quem executa as coisas o munic pio e o estado e o que a gente sabe que n o se executava isso o que n s sabemos As lembran as de Florianita s o sugestivas no sentido de sinalizar que a situa o do Hospital Jo o Ribeiro havia atingido aquele n vel de irregularidades porque a prefeitura e o estado n o haviam tomado qualquer atitude De acordo com o seu relato poss vel que isso estivesse acontecendo por causa das rela es pol ticas que eram estabelecidas por parte do Dr Jo o Ribeiro e do seu irm o Enivaldo apesar de que como p de ser
75. era as freirinhas t o religiosas e pactuavam com aquilo a As lembran as de Florianita s o ricas em detalhes que terminam por montar uma imagem quase que fotogr fica dos ambientes hospitalares visitados por ela os quais s o trazidos para sua narrativa na tentativa de fazer uma compara o com o Hospital Jo o Ribeiro O hospital de Camaragibe descrito como um espa o enorme muito maior que o Jo o Ribeiro O Paracamb outro hospital que marca suas lembran as em termos de dimens o nele eram internados cerca de tr s mil pacientes Este tamb m ocupa sua mem ria como um lugar horr vel em termos f sicos chegando a compar lo com uma baia de cavalos e 37 Entrevista n 09 110 38 ae 5 E com um mata burro Toda essa descri o feita por Florianita no sentido de mostrar que mesmo com todos os aspectos horr veis presentes nessas grandes institui es ainda assim o caso do Jo o Ribeiro foi o que mais marcou suas lembran as Como ela mesma afirma nele CARR didi a30 as condi es s o quase indescrit veis Neste sentido mesmo diante de tantas irregularidades presenciadas por ela em outras institui es estas ainda se constitu am como lugares melhores do que o Hospital Jo o Ribeiro Segundo ela esses hospitais eram horrorosos mas possu am comida ou seja o m nimo mas aqui uma coisa horr vel tinha um cercado que ficavam as pessoas ditas mais perigosas mais
76. es mais aproximadas Conhecido como Psiquiatria Democr tica o modelo italiano instaurou uma luta contra os aces N i a a Mo a Dea is 15 manic mios Visando o fim destas institui es o psiquiatra Franco Basaglia passou a problematizar a maneira como o poder m dico atuava e como se legitimava em nome da ci ncia dentro do ambiente hospitalar Diante de suas problematiza es elaborou a lei n 180 aprovada em 13 de maio de 1978 com a perspectiva de p r fim a tais institui es na It lia V rias interven es nos hospitais naquele pa s marcaram o processo de reforma psiqui trica tornando se mais conhecidos os casos das cidades de Gorizia e Trieste 14 O uso da palavra manic mio estrat gico na luta da reforma psiqui trica Por meio deste termo busca se fazer infer ncia a um ambiente de descaso e desumanidade para com os pacientes Os termos cl nica ou hospital psiqui trico para os militantes da reforma uma tentativa de camuflar a exclus o e a segrega o de tais pacientes Sobre estes modelos de reformula o Cf PASSOS 2009 15 Franco Basaglia foi m dico psiquiatra e professor da Universidade de Parma que ao assumir a dire o do Hospital Provincial Psiqui trico de Gorizia cidade do Norte da It lia promoveu in meras mudan as instaurando atrav s da lei n 180 a reforma psiqui trica naquele pa s Cf PASSOS 2009 Ainda sobre Franco Basaglia Cf AMARANTE 1996 Segundo Izabel P
77. este afirma que O documento pois n o mais para a hist ria essa mat ria inerte atrav s da qual ela tenta reconstituir o que os homens fizeram ou disseram ela procura definir no pr prio tecido documental unidades l gs ava a o conjuntos s ries rela es 4 FOUCAULT 2009 p 7 29 Para analisar estas fontes conto com a contribui o de Michel Foucault por meio do conceito de discurso Conceito este que ajuda a pensar e problematizar o que est presente nas leis ou seja n o se trata de analisar o que s o estas leis mais o que elas fazem ou o conjunto de signos que elas estabelecem em um determinado momento hist rico S o as estrat gias discursivas de forma o de uma ordem psiqui trica que interessa discutir nestas fontes a exemplo dos discursos eug nicos os de degeneresc ncia e sobretudo os discursos reformistas que est o imbricados na produ o de ordena o numa determinada sociedade Ao lado deste conceito existe outro que julgo de grande import ncia para este trabalho Trata se do conceito de poder que se insere na vida cotidiana dos sujeitos por meio das rela es Entretanto o conceito foucaultiano de poder n o se caracteriza como um bloco monol tico tampouco uma estrada de m o nica ou como um sujeito aut nomo O poder existe para impor ordena o e com ela estimular outras estrat gias que o rasuram burlam contornam atravessam e incitam s o os micro poderes Al m disso
78. evolu o que pode ter um paciente desses E se um paciente desses tem uma crise l Como que vai se responder A refer ncia aqui queles profissionais nomeados de cuidadores os quais Tereza chama de vigia e que segundo ela muito dif cil um paciente de psiquiatria ter sucesso dessa forma sendo cuidado por um vigia As cr ticas direcionadas a esses novos servi os se estendem por outros relatos A m dica e ex funcion ria do Hospital Jo o Ribeiro Eliane Dantas afirma que os CAPS t m uma postura agressiva em rela o aos hospitais pois de acordo com o regulamento da reforma psiqui trica deveriam encaminhar os pacientes em estado grave da doen a para a hospitaliza o m as se recusam a fazer isso Segundo ela uma parcela dos pacientes que s o atendidos nos CAPS tem uma boa resposta no tratamento mas existe aquele paciente que cometeu um delito ou que tenha risco de suic dio de homic dio esses pacientes necessitam ser contidos separados e nos CAPS n o poss vel de se fazer isso De acordo com as lembran as de Eliane logo no in cio quando apareceram essas institui es na cidade aconteceu de ela estar de plant o na Cl nica Dr Maia e um paciente que havia sido internado pela manh ser retirado tarde pois os funcion rios do CAPS convenceram a fam lia de tirar o paciente da interna o mas o problema que depois o paciente necessitou voltar Ent o segundo seu relato tais funcion rios t
79. h algum tempo antes mesmo de se falar em reforma ou de ter surgido a lei 10 216 que legitima a reforma psiqui trica no pa s Ela fala de experi ncias em hospitais como o Juquery e o CAIS grandes hospitais que j haviam sido lepros rios e que pelas suas dimens es podiam ser comparados a uma cidade Entretanto s o as condi es do Hospital Jo o Ribeiro que a deixam chocada Ela afirma que quando chegou naquela institui o ficou muito assustada pois as condi es eram quase indescrit veis Assim era ratazana coc um p tio que n s n o sab amos se era um caixa d gua fediam as carnes estragadas dep sito de ossos ent o olha Era uma coisa que eu n o via h anos ali s assim esse n vel de deteriora o de comida eu nunca nem tinha visto Ent o assim pessoas nuas fazendo xixi coc junto ali eu j tinha visto agora ao trat las n o oferecer nem um p o direito Ent o o p o era duro ou mofado era uma coisa imposs vel indescrit vel esse impacto foi muito grande em mim era muito limpinho ali o consult rio m dico a sala do m dico ali a frente era limpinho s que assim era um limpinho esquisito porque n o tinha papel higi nico nos banheiros dos funcion rios n o tinha sabonete quer dizer higiene m nima pra gente Por exemplo no primeiro dia que eu visitei o hospital isso antes de oficialmente sair a interven o eles serviram pra gente uns salgadinhos e eu tava ali mo
80. interno em um hospital psiqui trico pelo seu pai quando adolescente porque fazia uso de drogas O autor foi a primeira pessoa no Brasil a mover uma a o indenizat ria contra m dicos psiquiatras por erros de diagn stico tratamentos torturantes e crimes Por m foi condenado pelo Tribunal de Justi a do Paran a pagar aos m dicos psiquiatras e seus familiares 60 mil reais de indeniza o por danos morais devido s cr ticas contidas em seu livro Uma segunda a o por parte das fam lias dos m dicos mencionados em seu livro conseguiu que o Canto dos malditos fosse retirado de circula o das lojas e livrarias de todo o pa s Foi a primeira obra a ser censurada no pa s desde a ditadura militar Entretanto a decis o pela proibi o foi revista e a circula o novamente permitida Ver anexo 2 Cf http pt wikipedia org wiki Austreg C3 A9silo Carrano Bueno consultado em 8 de junho de 2010 81 quando eu dou alta a um paciente s vezes eu digo que ele v pra casa tome a medica o e fique de boca calada Porque quando a pessoa recebe um r tulo de doente mental basta ele cantar mais alto que j est o querendo levar ele de volta pra o hospital A recomenda o do m dico ao seu paciente para que ao receber alta v pra casa tome a medica o e fique de boca calada aponta para a seguinte quest o o que institui a loucura s o as pr ticas cotidianas ou o fato de o sujeito ter sido submetido a uma interna
81. linhas desse trabalho de considera es finais mas apenas considera es Levando em conta a trajet ria dos movimentos da reforma psiqui trica no Brasil busquei trazer para esta escrita a historicidade que lhe envolve na tentativa de mostrar que esta foi agenciada por fios que se interligaram por meio da legisla o brasileira sobre a assist ncia psiqui trica Foram as leis e os decretos que contornaram o campo da psiquiatria construindo uma linguagem pr pria e ordenando as a es m dicas e sociais em torno da loucura instaurando verdades e produzindo os espa os na tentativa de apreend la na teia da justi a Enredada por uma longa batalha contra o modelo de assist ncia m dica existente dentro dos hosp cios a lei da reforma psiqui trica tamb m conhecida como lei Paulo Delgado promulgada em abril de 2001 acabou por produzir um deslocamento tanto discursivo como pr tico em torno do tratamento direcionado aos pacientes nomeados loucos A partir de ent o a loucura que h anos estava silenciada por entre os muros dos hospitais psiqui tricos reaparece enquanto problema e passa a ser agenciada por meio de outras formas de dizer e de fazer m dicos Neste sentido a import ncia da reforma psiqui trica em Campina Grande acontece a partir da reformula o da assist ncia m dica direcionada queles personagens institu dos e nomeados como loucos a partir de ent o que no cen rio urbano come am a emergir as
82. lo Ali onde ao longo de tantos anos os pacientes foram classificados nas 1 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 pp 9 10 a Segundo Michel Foucault o saber psiqui trico emerge no s culo XIX e com ele a loucura se transforma em doen a mental passando a partir desse momento a habitar o espa o cl nico do asilamento Cf FOUCAULT 2005b 14 As discuss es em torno dos embates entre essas reas do saber ser o tratadas no pr ximo cap tulo 63 mais variadas s ndromes e transtornos psic ticos um diagn stico se instaurava tornando o quadro daquela institui o irrevers vel e anunciando sua morte Ramalho anunciava a morte do Hospital Jo o Ribeiro fazendo alus o ao livro de Gabriel Garc a M rquez intitulado Cr nica de uma morte anunciada Inspirado nesta trama ele apontava n o apenas a morte daquela institui o como tamb m o seu sepultamento Sua impress o de que o governo federal tem feito uma campanha com o prop sito de sufocar os hospitais psiqui tricos e junto com esses a psiquiatria Desse modo em seu relato ele parecia querer passar para aquela plen ria um discurso que sensibilizasse o p blico em torno do que o governo vinha fazendo contra esta rea da sa de p blica Trata se portanto de um representante m dico que lutava pelo o seu espa o dentro dos hospitais psiqui tricos Como ele afirma sua preocupa o de como sobreviver
83. m essa postura radical de n o aceitar o tratamento hospitalar Eliane afirma que se os CAPS funcionassem adequadamente n o existia uma grande demanda de pacientes procurando o hospital Ela fala que sente d ao ver pessoas muito humildes irem ao hospital pagarem o valor de 175 00 Reais por uma consulta e ainda sair de l com uma prescri o para comprar a medica o Diante disso questiona por que ser que os familiares fazem isso Por que preferem pagar se eles t m um servi o gratuito no CAPS Jo o Virg nio Ribeiro tamb m direciona sua cr tica nesse sentido Segundo ele quando o Hospital Jo o Ribeiro foi descredenciado em 2005 seu pai continuou atendendo aos 3 Entrevista n 03 33 Entrevista n 03 34 Entrevista n 04 35 Entrevista n 04 157 2 pacientes Isto os pacientes iam l e como j n o havia o conv nio com o SUS os familiares pagavam para que eles ficassem internados Ent o ele questiona o CAPS estava a a disposi o o servi o era oferecido gratuitamente por que eles n o foram para 14 Em seguida ele afirma n s n o colocamos arma na cabe a de ningu m e dissemos v internar seu filho no hospital eles vinham porque queriam porque gostavam e precisavam E Por meio dos relatos de Eliane e Jo o Virg nio poss vel perceber que os familiares dos pacientes instauraram algumas linhas de for a contra o novo modelo de assist ncia que estava sendo prestado por essa
84. manique sta do bom e do ruim 9 do velho e do novo do humano e do desumano Em seguida poder o ser vistos os discursos que circundam e d o forma s vidas desses sujeitos an nimos da loucura 4 2 Corram Os loucos est o nas ruas As pessoas nomeadas loucas n o s o significadas apenas pelo discurso m dico cient fico Apesar de contornados pela nosografia psiqui trica esses sujeitos caminham sob um territ rio movedi o no qual v rias inst ncias da sociedade emitem signos em torno dos seus corpos Algumas religi es v m por meio do sobrenatural instaurar um significado m stico para esses atores tirando deles a responsabilidade de seus atos e os atribuindo a uma for a que n o pertence a esse mundo mas ao mundo da cren a e da explica o divina Por outro lado as ci ncias da rea psi elaboram uma linguagem espec fica em torno desses sujeitos que se fundam ora por meio da organiza o comportamental como o caso da psicologia ora por meio da mem ria e da linguagem como o caso da psican lise Os conceitos de bom ruim bem e mal usados nesse trabalho n o podem ser pensados como categorias atemporais fixas e imut veis Depois de Frederich Nietzsche n o poss vel mencionar esses conceitos a partir de um lugar naturalizado pois eles deixaram sua eternidade quando este autor quebrou o territ rio da moral crist sobre o qual eles repousavam propondo uma invers o de seus valores
85. minha cara e eu tenho medo de dizer E eu tenho medo de governo Eu n o sou empregada de governo a eu ia ficar calada Eu ia mentir Neuza traz de suas mem rias um sentido negativo em torno dos CAPS Ela lembra que quando seu filho fazia tratamento l ao t rmino ele fugia para outros bairros distantes do Entrevista n 14 Entrevista n 15 161 centro como as Malvinas e a comunidade do Cachimbo Apagado localizado no bairro do Monte Santo Neste sentido interessante lembrar que Marcelo tamb m cria linhas de fuga e resist ncias pois quando sa a do CAPS ele fugia para outros lugares Neuza se recorda que um dia falou em uma entrevista sobre o que ela achava em rela o aos CAPS Suas lembran as j n o recobravam o que ela havia dito mas lembra que seu posicionamento foi contr rio s novas institui es A reportagem a que Neuza colaborou foi veiculada no Jornal da Para ba no dia 10 de abril de 2005 intitulada Parentes s o contra o fechamento de hospitais Nela Neuza afirmava que era contr ria ao fechamento de hospitais psiqui tricos porque quando a situa o fica dif cil o nico lugar que os familiares podem recorrer pois ningu m quer ficar com doente mental em casa quando ele est em crise Ela afirma ainda que quando Marcelo est em casa ela sempre dorme com a porta do quarto trancada Para o governo f cil incentivar a fam lia a ficar com o doente mas preciso ver tamb m o la
86. nesse per odo de crise preocupa o esta que aponta principalmente para o poder do m dico psiquiatra e seu lugar de atua o os quais vinham sendo contestados Sendo assim a fala deste ex funcion rio do Hospital Jo o Ribeiro como diria M rquez um peda o da mem ria alheia que comp e os relatos que anunciam uma morte A morte do Hospital Jo o Ribeiro tamb m havia sido anunciada por meio de uma s rie de mudan as que vinham ocorrendo no Brasil A lei n 10 216 da reforma psiqui trica estimulou a n vel local a produ o de sua pr pria legisla o referente assist ncia psiqui trica Assim inspiradas neste novo regimento as pol ticas de sa de mental em Campina Grande estabeleciam uma nova ordem quando no dia 30 de dezembro de 2002 foi sancionada pela ent o prefeita Cozete Barbosa a primeira lei do estado que trata da assist ncia aos portadores de transtornos mentais A lei de n 4 068 fixa diretrizes para a sa de mental no munic pio e disp e sobre a promo o da sa de e a reintegra o social dos portadores de sofrimento mental No artigo 24 par grafo nico coloca que est proibido ao Munic pio de Campina Grande por sua administra o direta funda es autarquias empresas p blicas sociedades de economia mista das quais tenham participa o acion ria construir ampliar contratar ou financiar novos estabelecimentos institui es privadas ou filantr picas que caracterizem hospi
87. o desses atores hist ricos nomeados loucos refor ada porque existe uma resson ncia de nega o do ponto de vista social que termina por aumentar a barreira do normal e do patol gico do socialmente aceit vel e do socialmente exclu do Os pacientes segundo Edmundo n o eram apanhados for a nas ruas pelos interesses do governo ou pelos interesses de particulares e arremessados no interior de manic mios revelia de sua vontade Na verdade eles eram exclu dos pelos pr prios familiares que em geral procediam dessa forma notadamente por conta da aus ncia de informa es adequadas acerca da loucura e por conta da inexist ncia de outras formas mais humanit rias e menos segregantes de abordagem acolhimento e tratamento das pessoas portadoras dessa modalidade de dist rbio Ent o o que mais lhe chamou a aten o quanto ao fechamento do Hospital Jo o Ribeiro foi quando pessoas das mais diversas classes sociais pessoas das mais diversas x x categorias profissionais em entrevistas m dia local faziam refer ncia ideia de que uma vez fechado o Instituto Campinense de Neuropsiquiatria e Reabilita o Funcional esta a denomina o oficial do hospital Dr Jo o Ribeiro afirmavam x ent o os populares que os pacientes seriam jogados rua e que gra as a uma suposta e imagin ria agressividade ou viol ncia por parte desses pacientes Campina Grande ent o estaria supostamente entregue a
88. o grande t o grande que tirou o psiquiatra da hist ria Ent o o que n s temos hoje n s t nhamos um NAPS N cleo de Aten o Psicossocial que funcionava no HU Hospital Universit rio t nhamos dois hospitais e os consult rios Ent o com essa hist ria dessa reforma psiqui trica foram criados v rios CAPS Centro de aten o Psicossocial e atualmente o munic pio conta com 7 CAPS e tem mais foi uma reforma t o grande que nos sete CAPS s tem um psiquiatra e na emerg ncia temos outro colega trabalhando ent o uma reforma bem consider vel n A anula o da psiquiatria em Campina Grande a Para Eliane a reformula o da assist ncia psiqui trica em Campina Grande tomou dimens es t o grandiosas que acabou por excluir o pr prio psiquiatra De acordo com ela os CAPS est o funcionando sem a presen a do profissional respons vel pela condu o do tratamento direcionado ao paciente portador de transtornos mentais O fato de os CAPS estarem funcionando sem a assist ncia de um m dico psiquiatra algo que infringe a pr pria regulamenta o do novo modelo de atendimento em sa de mental De acordo com a portaria do Minist rio da Sa de que disp e sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo de assist ncia em sa de 128 Entrevista n 04 12 Entrevista n 04 140 130 mental em cada unidade dever ter uma equipe t cnica composta por diversos profissionais
89. o in cio dos anos de 1900 Campina come ava a se destacar na regi o e atrair pessoas interessadas em construir rela es de neg cio e a comercializar produtos que iam desde artigos de primeira necessidade a outros produtos como bem destacou C mara Ressalto que o processo de moderniza o ocorrido nesta cidade n o se deu de maneira homog nea em todos os cantos e recantos da cidade mas ocorreu de forma dispersa e irregular Aqui estou dando nfase a alguns signos desse processo de moderniza o mas n o minha pretens o abarc los em todos os n veis e inst ncias dessa sociedade CAVALCANTI 2000 p 66 C MARA 1998 p 135 3 C MARA 1998 p 135 47 Segundo a historiadora Sil de Cavalcanti todo esse crescimento salta aos olhos quando s o instaladas entre as d cadas de 1920 e 1950 in meras empresas de compra beneficiamento e exporta o de algod o bem como f bricas de leo e de sab o A funda o do Banco do Com rcio e a abertura do Banco do Brasil j em 1920 refletem a dimens o desse crescimento Outras institui es passaram a fazer parte da cidade nesse momento o Hospital Ma nico Pedro I e a escola Pio XI demonstrando que a sa de e a educa o cresciam junto ao com rcio As rela es conflituosas existentes em torno dessa nova forma de viver s o ressaltadas pelo historiador Giscard Agra quando afirma que o mundo moderno inventou categorias de operacionaliza o do cotidiano q
90. p blica e sobretudo do saber m dico Segundo ele das rela es entre estas inst ncias que 33 FOUCAULT 2005b p 375 34 Cf PESSOTTI 1994 1996 e 1999 35 Cf GOFFMAN 2008 24 se criam as condi es de possibilidade da loucura Desse modo torna se importante o di logo com esta obra Outra contribui o a de Georges Canguilhem e sua obra O normal e o patol gico Este autor instaura um combate aos conceitos de normal e de patol gico diluindo por meio de sua escrita a naturalidade neles existente Para Canguilhem n o existe fato que seja normal ou patol gico em si pois A anomalia e a muta o n o s o em si mesmas patol gicas Elas exprimem outras normas de vida poss veis Do mesmo modo o patol gico n o a aus ncia de norma biol gica mas constitui uma norma diferente As problematiza es feitas por este autor fizeram com que a utiliza o destes conceitos neste trabalho fossem problematizadas Outro di logo poss vel se d com Roberto Machado na medida em que por meio de sua obra Dana o da norma medicina social e a constitui o da psiquiatria no Brasil ele mostra como a medicina social se instaura na sociedade atrelada a uma pol tica de controle e como a psiquiatria caracter stica dessa mesma l gica Segundo Machado foi a partir desta alian a entre medicina social e psiquiatria que esta ltima passou a patologizar o comportamento de homens e mulheres nomeados de lou
91. passou a ser dito por meio de outros adjetivos Beethoven Chopin mas apenas quando estava s pois as pessoas dizem que m sica de vel rio Algumas vezes ele me presenteava com livrinhos de evangeliza o que os mission rios levavam para os pacientes 3 Chave de bra o um golpe comum nas artes marciais que consiste em imobilizar o oponente com o bra o envolto no pesco o 6 Entrevista n 17 TEDESCHI 2009 88 estrat gia aqui entendida ao modo de Michel de Certeau 1994 para quem a estrat gia o c lculo das rela es de for as que se torna poss vel a partir do momento em que um sujeito de querer e poder isol vel de um ambiente Ela postula um lugar capaz de ser circunscrito como um pr prio e portanto capaz de servir de base a uma gest o de suas rela es com uma exterioridade distinta Segundo Certeau 1994 a nacionalidade pol tica econ mica ou cient fica foi constru da de acordo com esse modelo estrat gico Sendo assim o discurso estrat gico parte de um lugar que lhe confere autoridade 123 8 89 e teve durante o O hosp cio que representou o avan o das luzes e da civiliza o s culo XIX e boa parte do s culo XX no Brasil a fun o de colocar se como o lugar da cientificidade m dica constituindo se como uma alternativa para as fam lias que quisessem se livrar desse nus que a loucura agora diante do discurso reformista j n o representa mais a civilidad
92. pessoas sejam tratadas como est o sendo porque se fosse o modelo correto j teria dado resultado por que n o discutir a mudan a desse processo Por que proibido falar nisso Por que se faz terrorismo com pessoas dizendo que vai se fechar hospitais Qual o interesse disso Eu acho que a gente tem que discutir isso honestamente Nota se por meio de sua exposi o que a preocupa o de uma parcela da sociedade era em rela o ao fechamento dos hospitais psiqui tricos poss vel que estes discursos reformistas tenham atormentado por um lado os familiares de pacientes que necessitavam de assist ncia psiqui trica e por outro aqueles que dependiam do funcionamento destas institui es para a sua sobreviv ncia a exemplo dos funcion rios que h anos trabalhavam ali Assim os seus questionamentos remetem a pensar sobre o pavor que possivelmente se instaurava com a possibilidade de se fechar o Hospital Jo o Ribeiro 125 Cf AMARANTE 1996 126 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 8 127 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 8 90 Seu posicionamento naquela plen ria lan ava esfor os na tentativa de mostrar que um novo modelo de assist ncia era poss vel Assim sua estrat gia discursiva colocava a responsabilidade em cada um questionando a posi o que cada pessoa estava exercendo na socie
93. por m para se tornarem livres das grades que os aprisionavam Liberdade aspeada pois estes atores permanecem atrelados ao poder da linguagem que os nomeia determina o que certo ou o que errado instaura lugares de pertencimento tratamento e elabora verdades que se inscrevem em seus corpos e em suas vidas 2 Percursos Te rico metodol gicos Como foi dito constitui se como objeto de pesquisa para este trabalho os discursos produzidos pela reforma psiqui trica e ou estimulados por ela e sua atua o no Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro na cidade de Campina Grande em 2005 As motiva es que possibilitaram esta pesquisa partem de inquieta es pessoais Partilho da ideia de que nossas escolhas te ricas metodol gicas tem ticas e nossas quest es s o poss veis na medida em que a realidade posta nos move co move nos tira do lugar e nos permite desconfiar Deleuze em seu livro Proust e os signos afirma que a decep o um momento fundamental da busca e do aprendizado num primeiro momento tendemos a nos decepcionar com algo e em seguida o transformamos ou o reconhecemos como signos neste movimento que reside o exerc cio do aprendizado Neste sentido poss vel que uma decep o tenha se instaurado em mim ao ponto de me deslocar para esta pesquisa No per odo em que cursava a gradua o na Universidade Estadual da Para ba UEPB a caminho da universidade passava todos os dias em frente quela
94. portadoras de 5518 de i aai transtornos mentais ganham nfase os processos de desinstitucionaliza es E hospitalar Este processo tem como proposta por fim as institui es com caracter sticas asilares ou seja aquelas que n o proporcionam um tratamento considerado pelos reformistas da sa de mental como sendo adequado aos pacientes a exemplo de uma assist ncia integral incluindo servi os m dicos de assist ncia social psicol gico ocupacional de lazer dentre outros al m da inser o social do paciente no seio da comunidade junto fam lia Neste sentido para dar suporte ao processo de desinstitucionaliza o hospitalar emerge enquanto institui o modelo o Centro de Aten o Psicossocial CAPS Esta institui o tem por fun o dar assist ncia aos pacientes sob um car ter n o asilar n o permitindo interna es por um per odo superior a sete dias ininterruptos ou dez dias intercalados ao m s Juntamente com os CAPS outros projetos come aram a tomar corpo a exemplo do Programa de Volta 5521 Pra Casa que um aux lio reabilita o do Governo Federal no valor de duzentos e quarenta reais mensais pago aos pacientes egressos de longas interna es 17 Al m de soci logo e cientista pol tico Paulo Gabriel Godinho Delgado deputado federal por Minas Gerais desde 1987 exercendo por meio do Partido dos Trabalhadores PT o seu sexto mandato ininterrupto Cf http www
95. pr prio exemplo de paci ncia diante do sofrimento Outro escritor que tamb m se comoveu e relatou os casos de loucura que habitavam as ruas da cidade foi Antonio Morais que assim como Pimentel se prop s a escrever suas mem rias Segundo ele em Campina Grande assim como em toda cidade de maior porte registraram se casos de pessoas alienadas e de lun ticos O louco descrito por este autor 18 PIMENTEL 2001 p 66 Ruy Barbosa de Oliveira 1849 1923 foi jurista diplomata pol tico escritor fil logo e orador considerado um importante intelectual brasileiro Cf http pt wikipedia org wiki Ruy Barbosa Consultado em 16 de janeiro de 2011 2 PIMENTEL 2001 p 67 43 como aquele que perde totalmente o racioc nio e devido insensatez fica marginalizado servindo de mofa queles pobres de esp rito e desumanos que para se divertirem insultam e fazem zombaria ao d bil mental que foi marcado pelo destino Ainda de acordo com Morais existem os lun ticos que s o meio loucos man acos vision rios e que se imaginam oradores ou pol ticos ou ent o um gal preferido pelas mulheres Antonio Morais registra que Cristino Pimentel escreveu em suas obras v rias dessas hist rias de infelizes os quais causavam risos e compaix o pelas ruas da cidade Mas ele acrescenta outras dessas hist rias de personagens da loucura que divertiam as pessoas com sua insanidade Uma delas a de Joel Barbosa que era artist
96. privado tamb m era custeada por recursos p blicos e apoiada pelo Minist rio da Sa de prestava assist ncia a esse munic pio e s regi es circunvizinhas Em funcionamento desde 1961 este hospital possu a tamanho significado para as expectativas dos representantes pol ticos desta cidade que em 1960 foi reconhecido como sendo de utilidade p blica antes mesmo de suas atividades entrarem em vigor Entretanto foi com a conclus o da obra em 1963 momento em que se deu a inaugura o que a popula o de Campina Grande p de ter um maior acesso aos servi os ali prestados Dias antes da inaugura o numa manh de quarta feira dia 4 de setembro de 1963 o jornal Di rio da Borborema reservou em meio s suas not cias um espa o que imprimia a expectativa que existia em torno da inaugura o do Instituto de Neuropsiquiatria e Reabilita o Funcional Na primeira p gina daquela edi o o leitor p de se deparar com uma Posteriormente como ser tratado neste trabalho o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro ir instaurar um deslocamento sobre seus servi os passando de um lugar de reabilita o neurol gica e psiqui trica para o espa o pr prio da loucura 8 Existem duas possibilidades para a abrang ncia do atendimento do Hospital Jo o Ribeiro A primeira a de que atendesse regi o do Planalto da Borborema tamb m conhecido como Serra da Borborema que de norte a sul vai de Alagoas passando por Perna
97. psiquiatria 6 O dia da luta antimanicomial comemorado no Brasil no dia 18 de maio Esta data remete ao dia em que o Movimento dos Trabalhadores em Sa de Mental MTSM realizou em 1987 o congresso na cidade de Bauru no estado de S o Paulo para discutir a assist ncia psiqui trica que vinha sendo oferecida no Brasil Naquela ocasi o adotou se o lema por uma sociedade sem manic mio inaugurando uma nova trajet ria na reforma psiqui trica no pa s propondo instaurar mudan as n o apenas no modelo de assist ncia mas principalmente questionar o estigma e exclus o que socialmente e culturalmente foi estabelecido para aqueles que vivenciam os transtornos mentais Cf AMARANTE 1994 p 81 SUE importante ressaltar que Maria Lopes Barbosa m e da agente da reforma psiqui trica no munic pio e ent o coordenadora de sa de mental Vit ria Maria Barbosa 8 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande Casa F lix Ara jo intitulada Sess o em homenagem ao dia da luta antimanicomial realizada em 24 de maio de 2002 p 1 83 Naquela ocasi o as discuss es que se enredavam propunham uma assist ncia pautada no tratamento do paciente fora da institui o psiqui trica De acordo com os debates ali tramados tratava se da necessidade de desmontar o paradigma assistencial at ent o vigente que colocava do outro lado da sociedade aqueles pacientes que n o tinham lugar sen o p
98. que busco problematizar os discursos existentes a exemplo dos jornais Di rio da Borborema e Jornal da Para ba veiculados em Campina Grande bem como uma extensa reportagem veiculada no Jornal Correio da Para ba de circula o na capital do estado Jornais estes que por meio de suas not cias alargaram as tessituras discursivas em torno do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Al m das fontes jornal sticas busquei trabalhar com os discursos pol ticos presentes nas atas das sess es da C mara dos Vereadores Procurei me ater ainda a outras fontes importantes para este trabalho s o os relatos orais de mem ria de pacientes e familiares al m de profissionais diretamente ligados rea da sa de mental do munic pio e ou ao processo de interven o ocorrido na institui o Utilizo ainda como fonte as diversas leis que foram elaboradas para a rea de sa de mental Trata se de uma lei do munic pio de uma lei do estado e de algumas leis federais que regulamentam a assist ncia aos pacientes psiqui tricos Diante das an lises destas fontes tornou se poss vel elaborar o problema central deste trabalho Questiono como o Hospital Jo o Ribeiro que tinha suas pr ticas assistenciais submersas no sil ncio emerge por meio dos discursos produzidos estimulados e legitimados pela reforma psiqui trica Interessa escrita deste texto a constru o da mem ria desta institui o Tratarei dos intertextos fugas rasuras e dos fios qu
99. que estavam presentes nos discursos articulados naquela sess o e que igualavam aquela institui o a um 78 ROTELLI 1994 p 151 Esta ideia de periculosidade da loucura recebeu grande contribui o do m dico e criminologista Cesare Lombroso 1935 1909 com sua descri o de criminoso nato portador de sinais morfol gicos e hereditariedade indel vel que o destinava ao crime Cf PASSOS 2009 p 125 8 AMARANTE 1996 p 90 8 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 16 82 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 17 78 campo de concentra o Assim os argumentos desenhavam uma imagem aterrorizante em torno daquele ambiente hospitalar e de seus internos A situa o de uma parcela da popula o naquele momento era de inseguran a principalmente para alguns familiares e para aqueles cidad os que n o conheciam a loucura sen o por meio das representa es sociais que foram historicamente constru das em torno dela Fechar as portas da maior institui o psiqui trica da cidade n o era um processo f cil A retirada dos pacientes que foram ao longo de tantos anos rejeitados do conv vio social era algo question vel O ent o diretor do Hospital Universit rio Alcides Carneiro HUAC o doutor Evaldo N brega que n o p de comparecer sess o enviou um texto no qual se mostrava favor vel no
100. reafirmava a exclus o dos que tinham suas limita es diagnosticadas pelo saber psiqui trico Nos artigos desta lei n o consegui verificar nenhuma pol tica de inclus o dos portadores de transtornos mentais Apenas afirmava que Ao Poder P blico e seus rg os cabe assegurar s pessoas portadoras de defici ncia o pleno exerc cio de seus direitos b sicos inclusive dos direitos A RNA A PET 104 105 educa o sa de ao trabalho ao lazer previd ncia social Quanto defici ncia mental como s o nomeados os transtornos mentais esta passa a ser inserida no hall das demais defici ncias por meio do decreto n 3 298 de 20 de dezembro de 1999 o qual regulamenta a lei anteriormente citada apenas a partir de ent o que os 10 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 6 102 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 3 103 Lei 7 853 de 24 de outubro de 1989 104 a Grifo meu 105 Lei 7 853 de 24 de outubro de 1989 85 RE 106 portadores de defici ncia mental podem exercer as atividades laborativas dentro das EEES 107 Qz limita es que o grau da doen a lhes coloca S o portanto considerados portadores de defici ncia os que se enquadram nas seguintes categorias defici ncia f sica auditiva visual 24 1108 10 mental e m ltipla
101. reportagens envolvem casos de viol ncia com doentes mentais em que na maioria eles s o os pr prios autores dessas a es E poss vel identificar a partir desses textos jornal sticos que o espa o ocupado pelos sujeitos nomeados loucos nos z jornais o da criminalidade Como afirma o t tulo da reportagem veiculada pelo jornal 9974 Correio da Para ba 90 dos assassinos s o doentes mentais E a partir dessa constru o identit ria em torno da loucura que a sociedade rejeita esses personagens ditos anormais perigosos e amea adores Neste sentido algumas quest es podem ser colocadas como reinserir os pacientes do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro no conv vio social fora de seus muros Qual foi a rea o da popula o mediante o retorno desses sujeitos t o marginalizados animalizados e que na sociedade s o tidos como os causadores de males Sobre essa receptividade social em rela o aos pacientes que estavam saindo do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro o m dico Edmundo Gaud ncio relata que em Campina Grande a sociedade civil quase como um todo rejeitou a sa da dos pacientes de dentro daquela institui o Conforme suas palavras essa postura da popula o em rela o aos pacientes serve para desconstruir a ideia de que os hospitais psiqui tricos foram instalados na cidade apenas pela vontade dos governantes ou por vontade exclusiva de seus propriet rios Diante disso ele afirma que toda
102. restam algumas abordagens em outras reas a exemplo da sociologia e da enfermagem a saber uma disserta o de mestrado em Sa de Coletiva intitulada Novos tempos sa de mental CAPS e cidadania no discurso de usu rios e familiares de L via Sales Cirilo Estudar essa autora me possibilitou o contato com outras fontes n o usais ao historiador al m de relatar a experi ncia de funda o da rede substitutiva de institui es extra hospitalares a exemplo do primeiro CAPS na cidade do qual ela foi coordenadora al m da implanta o das Resid ncias Terap uticas Conto ainda com o trabalho de Priscilla Maria de Castro Silva intitulado A reforma psiqui trica no munic pio de Campina Grande PB luz da hist ria oral tem tica trata se de uma monografia de conclus o do curso de enfermagem na qual a autora tamb m fornece outras possibilidades de fontes por m no que diz respeito aos relatos orais estes 4 Cf AMARANTE 2003 e 1996 LOUGON 2006 PASSOS 2009 BASAGLIA 2005 BIRMAN 1994 ROTELLI 1994 COOPER 1977 Cf CIRILO 2006 42 Cf SILVA 2007 26 recebem o m todo de transcria o que em seguida passa por uma an lise meramente descritiva Entretanto reconhe o que este trabalho faz parte de um outro campo de saber portanto como diria Michel de Certeau ele foi escrito para seus pares Outro trabalho que julgo importante o de Fernando Sfair Kinker intitulado O lugar do manic mio relato d
103. se impressionou quando viu o quadro comovedor de seis caix es funer rios e come ou a definhar impressionado com medo da morte A partir de ent o segundo relata Pimentel o Mudinho perguntava por meio de acenos aos pais e aos conhecidos se iria morrer voando Mudo e doente do ju zo o menino n o p de ouvir o apito do trem Assim n o foi um avi o quem o matou foi um trem de ferro conduzido por um maquinista sem cora o que n o teve coragem de parar o comboio para salvar o Mudinho louco em iminente perigo Nota se que naquele momento ainda n o se inscrevia no corpo desses personagens da loucura os signos da periculosidade signos estes que ir contribuir para que estes atores sejam rejeitados pelo restante da sociedade e repelidos para dentro de hosp cios como condenados pelo crime da loucura Entretanto o relato de Pimentel j sinalizava para a necessidade de tratamento m dico em institui es psiqui tricas como o caso da Col nia Juliano Moreira onde havia sido internado o Mudinho A loucura parecia impactar profundamente Cristino Pimentel em outra obra intitulada Mais um mergulho na hist ria campinense ele torna a escrever relatos de casos de loucos que lhe chamavam aten o Tal o caso do poeta Lucas Gusm o campinense nascido em 10 de outubro de 1892 tendo falecido em 16 de setembro de 1958 na Col nia Juliano Moreira Segundo Pimentel quando despertou para a centelha da poesia
104. senhor que desentupia vasos isso possivelmente fez com que Kinker visse nas suas reivindica es uma esp cie de loucura A viv ncia de Kinker dentro do Hospital Jo o Ribeiro marca seu estar no mundo S o suas as marcas e impress es que come am a contornar aquela casa hospitalar e a dar lhe for a e sentido de verdade Assim s o essas marcas que ganham relevo neste texto pois retomando Portelli a hist ria oral principalmente um modo de deixar a pol tica e as condi es sociais vivas e tang veis evidenciando seu impacto sobre a vida de determinadas pessoas Observa se que o relato desse personagem da reforma psiqui trica em Campina Grande d ao Hospital Jo o Ribeiro rostidade Trata se de uma articula o discursiva que passa a construir uma verdade e por meio de narrativas como essa que a institui o come a a ganhar sentido de real 31 Grifo meu Entrevista n 07 33 PORTELLI 2010 p 27 108 Tamb m faz parte do emaranhado de discursos que constr i ou reconstr i esse ambiente hospitalar a narrativa de Florianita Campos psic loga engajada nas a es reformistas no Brasil encaminhada pelo Minist rio da Sa de para a cidade para fiscalizar o hospital e planejar uma equipe para iniciar os primeiros passos de desinstitucionaliza o Florianita afirma que desde 1979 o seu primeiro emprego foi num grande confinamento Desse modo suas viv ncias em hospitais psiqui tricos de grande porte acontecem j
105. ser composto por outros signos da modernidade e do progresso Assim a constru o do Pedro I propiciou a espacializa o desse novo poder que buscava se legitimar perante a sociedade fortalecendo pouco a pouco a atua o do saber m dico Esta institui o portanto nasce como espa o privilegiado para observa o esquadrinhamento disciplinariza o e interven o dos corpos doentes e das vidas das pessoas Por m o aparecimento de um hospital como este na cidade significava apenas uma das medidas que deveriam ser tomadas rumo ao progresso Tornava se necess rio continuar a rdua luta em prol da moderniza o Assim as autoridades municipais continuavam intervindo na vida dos atores sociais como p de ser visto anteriormente Personagens institu dos como loucos a exemplo de Camillo o Mudinho e Lucas Gusm o j despertavam o desejo de que alguma medida de tratamento e cura pudesse ser tomada em torno de seus corpos por isso a necessidade de lev los para institui es como a col nia Juliano Moreira na capital do estado e o Hosp cio de Visita o de Santa Isabel na cidade do Recife 2 importante ressaltar que a emerg ncia desta institui o na cidade n o trouxe de imediato a confian a dos atores sociais nas pr ticas m dicas e cient ficas tendo em vista que as pessoas continuavam exercendo pr ticas de curandeirismo antes bastante utilizadas Al m disso o pr prio hospital nascia como um misto de espa o de s
106. sua pr pria liberdade Retratada nas pinturas e na escrita de Brant Brueghel Bosch D rer e Erasmo esta nau atracou e permaneceu im vel desde o s culo XVII 3324 com a Grande Interna o Nela a loucura s tinha mobilidade na imobilidade das paredes que a cercavam ou da linguagem que a aprisionava Banhada pelas guas do saber psiqui trico a nau dos loucos recebeu um novo nome passou a ser chamada de hosp cio 22 As Resid ncias Terap uticas s o regulamentadas por meio da Portaria GM n 106 de 11 de fevereiro de 2000 e a da Portaria GM n 1 220 de 7 de novembro de 2000 2 FOUCAULT 2005b p 12 4 Segundo Foucault A Grande Interna o se instala na segunda metade do s culo XVII momento em que h uma esp cie de varredura das cidades europ ias Neste momento a loucura passou a dividir o espa o nos asilos com doentes ven reos devassos dissipadores homossexuais blasfemadores alquimistas libertinos toda uma popula o matizada se v repentinamente rejeitada Cf FOUCAULT 2005b 18 Agora outros ventos parecem agitar as guas que circundam a nau desprendendo a do territ rio seguro no qual repousou por longos anos Por meio da reforma psiqui trica estas barcas abrem suas portas e os homens mulheres crian as e idosos nomeados de loucos que habitavam seus corredores passam a ocupar outros lugares Saem destas barcas com mais frequ ncia mas n o para serem levados de um aqu m para um al m
107. sua vida gerindo sua exist ncia impondo uma norma de conduta a um comportamento desregrado E 124 ENGEL 2001 p 194 125 MACHADO 1978 p 376 138 Did te 1126 permeado por esse poder que emerge a psiquiatria no Brasil Toda a popula o torna se alvo do seu ator o m dico psiquiatra O poder do psiquiatra passa a ditar o que ou n o normal quem pode ou n o permanecer livre no corpo social quem dever ou n o ser analisado e medicado Ele transforma as pessoas em suspeitos Todos podem ser vistos como um poss vel doente mental Os signos da loucura se instauram a partir do olhar m dico psiqui trico em todos os lugares do corpo no formato das orelhas na arqueadura do olhar e das sobrancelhas na postura corporal na estrutura dent ria nos seus antepassados tudo pode ser lido como sin nimo de loucura Eis o poder da disciplina e do controle social A psiquiatria pretende se tornar um saber onipresente n o se localizando apenas dentro do hosp cio mas correndo os mais rec nditos lugares da cidade e da vida privada das pessoas contra esse poder centralizador que outras reas como a psicologia e a psican lise v m reivindicar o seu espa o e o seu poder de tamb m dizer algo sobre a loucura Uma disputa de poder entre os saberes que possuem o prefixo psi se instaura Para que a psiquiatria seja deslegitimada ou que tenha o seu poder sobre a loucura partilhado entre as demais reas torna se necess rio que
108. trabalho na medida em que por meio de suas obras a exemplo de A loucura e as pocas O s culo dos manic mios e Os nomes da loucura E ele questiona a loucura mostrando suas muta es ao longo das pocas e as varia es conceituais pelas quais ela passou Sendo assim este autor constitui um referencial importante para o presente trabalho O soci logo Erving Goffman tamb m contribui para a escrita deste trabalho por meio de sua obra intitulada Manic mios pris es e conventos Este autor faz uma an lise aos espa os segregadores nomeando os de institui es totais construindo uma cr tica onde buscou mostrar como as segrega es nelas atuantes agiam sobre a vida dos indiv duos a exemplo dos manic mios onde o comportamento dos pacientes diz respeito muito mais a sua condi o de interno do que propriamente a sua condi o de doente Entretanto Goffman aborda al m da institui o uma esp cie de decifra o do eu Neste sentido o conceito de institui o total e as rela es estabelecidas dentro destas institui es fechadas o que importa para este trabalho e n o o seu interesse de chegar a uma vers o sociol gica da estrutura do eu Instaura se ainda neste trabalho um di logo com Robert Castel por meio de sua obra A ordem psiqui trica a idade de ouro do alienismo Para este autor a loucura produto de um entrecruzamento de v rias inst ncias a exemplo da fam lia da justi a da administra o
109. tratamento Tereza se posiciona contr ria a essa nova forma de tratamento segundo ela n o existe tratamento psiqui trico sem interna o ou seja ela n o acredita que um paciente que passa o dia num lugar em tratamento e volta para casa noite possa se recuperar Assim afirma eu acho que ningu m se trata nesses CAPS porque n o t m compromisso com o tratamento t m compromisso s com fuxico com coisas sup rfluas essa a minha verdade a respeito desses CAPS Sua verdade que parte de sua experi ncia de trabalho nessas novas institui es caminha na contram o do que estava sendo posto no discurso jornal stico vis vel seu posicionamento em favor das institui es hospitalares mesmo n o sendo favor vel ao modelo do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro pois enquanto sanitarista ela presenciou as irregularidades ali existentes No entanto para ela s existe tratamento psiqui trico pautado na interna o As reuni es representam para Tereza algo f til que n o diz respeito real condi o e necessidade de um portador de transtornos mentais Ela acredita que existem coisas mais volumosas em torno dos cuidados com o paciente Com estas palavras poss vel que 2 Entrevista n 03 28 Entrevista n 03 155 estivesse se referindo administra o medicamentosa e ou a alguns cuidados mais espec ficos da doen a e n o apenas do cotidiano do portador Ela se recorda que Quando foi um d
110. trica O mesmo acontece com a lei que disp e sobre a reforma psiqui trica no estado da Para ba A lei n 7 639 sancionada pouco mais de um ano e meio depois da aprova o da lei campinense lan a m o de uma nova linguagem em torno da loucura buscando desautorizar a necessidade de segrega o dos pacientes psiqui tricos Em seu artigo 1 est posto que Ningu m sofrer limita o em sua condi o de cidad os e sujeitos de direitos nem ser submetido a interna es de qualquer natureza ou outras formas de priva o de liberdade com 645 65 1 fundamento em transtorno da sa de menta Neste sentido a condi o dos portadores de transtornos mentais j n o legitima a priva o da liberdade que em outro momento era autorizado e justificado por meio de diagn sticos da doen a que ordenavam tratamentos e lugares espec ficos de aprisionamento para estes pacientes Em continuidade aos pronunciamentos na C mara aquela sess o contou ainda com a participa o do vereador Ol mpio Oliveira autor da propositura que tinha como objetivo reafirmar a necessidade de se dar um basta viol ncia institucional que condenava e S Grifo meu Lei estadual n 7 639 de 23 de julho de 2004 importante ressaltar que a presente lei teve o par grafo nico do artigo 2 e o par grafo 1 do artigo 4 vetados No primeiro caso a raz o do veto se d pelo fato de que tendo em vista que h uma reorienta o do m
111. trica como um valor universal pois para admitir sua extens o a todo tecido social necess rio antes ampliar e diversificar o pr prio conceito de cidadania no sentido de admitir a pluralidade dos sujeitos com suas diversidades e diferen as num mesmo patamar de sociabilidade ao Assim as discuss es colocadas na C mara naquela manh pautavam se na proposta de igualdade de direitos entre as pessoas fossem elas portadoras de transtornos mentais ou n o De acordo com uma das palestrantes daquela sess o a Dr Andrea Ligia a luta antimanicomial vem exatamente para que todos possam repensar as dificuldades e dar um tratamento digno e diferenciado para os que necessitam assegurando a igualdade e n o a exclus o do paciente na sociedade Ainda segundo ela importante que o poder p blico tenha a no o de que deve manter esse pessoal fora do hospital porque o fato da pessoa ter uma doen a mental n o significa que ela precisa ser internada que ela n o seja inteligente PINSKY amp PINSKY 2003 p 9 100 AMARANTE 1996 p 115 84 que ela n o seja competente ela mesmo que tenha limita es Ela cita como exemplo o caso dos portadores de outras doen as como o diabetes que pode at limitar seus portadores mas permite que vivam do nosso lado Em seu discurso Ligia tamb m alertava para a quest o da capacidade laborativa dos portadores de transtornos mentais Para ela diante de um diagn stico m
112. v ndalos que destitu dos de raz o amea ariam ent o a seguran a p blica e a integridade das pessoas Eram estas as preocupa es e a repercuss o na sociedade em torno do fechamento do Hospital Jo o Ribeiro De acordo com Edmundo esse momento gerou um estado de grita social que caso fosse levada a s rio seria muito prov vel que os reformadores n o tivessem conseguido dar o primeiro passo rumo a desinstitucionaliza o dos pacientes daquele hospital Ent o como pode ser visto com o poss vel fechamento do hospital o medo da viol ncia que provavelmente poderia ser causado pelos pacientes se tornou a t nica dos argumentos da popula o para que o hospital pudesse continuar em funcionamento Para Edmundo h a necessidade de uma reeduca o de massa no sentido de construir uma nova representa o social do louco Passado o grande temor que teve lugar no munic pio quando do fechamento do Hospital Jo o Ribeiro e tendo a sociedade verificado que de fato os loucos n o sa ram s ruas apedrejando ou pondo em risco seguran a p blica era necess rio um esclarecimento p blico por meio de campanhas publicit rias acerca da ideia de que a 76 Entrevista n 06 7 Entrevista n 06 18 Entrevista n 06 167 doen a mental uma doen a como outra qualquer e que o seu portador n o est automaticamente investido de uma certa periculosidade que muito mais imaginada do que real Edmundo lan a uma cr
113. vez que tomava banho com aquilo que fazia espuma O texto Jornal Correio da Para ba dia 28 de abril de 2005 2 Jornal Correio da Para ba dia 28 de abril de 2005 2 Grifo do jornal 103 enfatizava ainda que diante dessa cena n o s o interventor mas toda a equipe de interven o ficou emocionada Al m disso segundo a reportagem no primeiro dia de inspe o Kinker avaliava que aquele era mais um local de segrega o do que de tratamento as condi es segundo ele eram p ssimas No pr dio havia um p tio em que se misturavam todos quase sempre deitados ao ch o escaldados pelo sol ou sob chuvas A escrita jornal stica dava conta de ambientes sem luz e sem banheiros ou quando tinha banheiros esses estavam sujos sem gua e n o tinha os elementos necess rios ao m nimo de higiene Segundo a equipe de interven o muitos pacientes ficavam nesses locais sem roupas e convivendo com as pr prias fezes e urina alguns deles bebendo a pr pria urina como foi presenciado pelo fot grafo da equipe jornal stica Kinker afirmava naquela ocasi o que a situa o de Campina Grande era a mais cr tica que j vivenciou em toda a sua vida na sa de mental desde 1989 destacando outro problema encontrado por ele que diz respeito alimenta o Segundo foi relatado n o importava se era domingo feriado ou o dia de anivers rio de algum dos pacientes o caf da manh era base de caf com p em excesso e cuscuz No almo
114. vidas e j n o possu a conta em nenhum lugar ele afirma A dieta descrita a partir de suas lembran as era base de arroz ou macarr o misturado com restos de bois de osso e um pouco da carne que sobrava Kinker ainda afirma que al m desses problemas existia uma quest o de destrui o dos usu rios e uma infra estrutura precar ssima 0 Observa se que a narrativa de Kinker constr i uma imagem para o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro por meio dos contornos dessa imagem reformista como p de ser visto nas reportagens dos jornais citadas anteriormente que a popula o de Campina Grande passou a ter acesso ao interior dessa institui o Este hospital sobre o qual pouco ou nada se ouvia falar e que os visitantes tinham acesso apenas ao corredor de entrada que segundo Kinker eram bonito e brilhante passou a ter cores cheiros aspectos parece ter ganhado vida e movimentos no cen rio urbano Para Kinker havia muitas coisas que chamavam sua aten o entre elas 2 Entrevista n 07 30 Entrevista n 07 107 tinha um senhorzinho super baixinho que trabalhava no hospital desde o seu come o e que ele vinha andando a p da casa dele Sabe um senhorzinho bem de idade assim e ele a fun o dele era desentupir os vasos sanit rios e ele h muito tempo n o tinha o desentupidor ele usava pl stico pra enfiar o bra o l e desentupir Ele sempre ficava naquela loucura quando eu entrava no hospital e tal e tinha
115. visto anteriormente as rela es entre a fam lia Ribeiro e a administra o do munic pio exercida pelo grupo Cunha Lima n o eram nada amig veis Neste sentido uma quest o se apresenta que rela es eram 1 Entrevista n 09 2 Florianita se refere avalia o do PNASH no Hospital Jo o Ribeiro como tendo sido em 2003 mas de acordo com o relat rio t cnico do Minist rio da Sa de a avalia o do PNASH nesta institui o foi realizada em 2002 Cf BRASIL 2007 p 35 13 Entrevista n 09 132 essas tramadas pela fam lia Ribeiro que faziam com que o hospital repousasse no c modo sil ncio de suas pr ticas Esta uma quest o que as fontes levantadas nesta pesquisa n o permitem respond la de maneira satisfat ria Entretanto alguns fios se conectam ao Hospital Jo o Ribeiro que me permitem ousadamente interlig los para melhor compreender quais tipos de rela es se instauravam na din mica dessa institui o que possivelmente tiveram significados importantes para que ela permanecesse nesse sil ncio De acordo com Tereza Valen a ex funcion ria da Vigil ncia Sanit ria na poca em que ela inspecionava o Hospital Jo o Ribeiro os respons veis pela administra o nunca atendiam s exig ncias que eram postas As fiscaliza es eram feitas por agentes que quando voltavam l no ano seguinte constatavam que a situa o estava pior do que no ano anterior Muitas vezes era entregue um alvar de func
116. 0 2 Percursos te rico metodol gicos sssesseessessseesseeessseessresseesseesseessseessressreest 18 So Cargerana do trabalho ss E AO Ra 26 CAP TULO I DAS RUAS AO HOSP CIO mar 35 LA Vidas errantes as o A a E E re aaa 36 1 2 A moderniza o da cidade e a reinven o do espa o urbano 45 CAP TULO II A LOUCURA NA ORDEM DAS LEIS 58 2 1 Hospital Jo o Ribeiro a cr nica de uma morte anunciada 60 2 2 Fechem as portas dos asilos abram as do cora o 82 CAP TULO III RELATOS ORAIS ENREDANDO OS ESPA OS PARA A LOUCURA N CIDADE nea Murer secas n Bisa gana e IS feia DEI Spa dna adaga 99 3 1 Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro como se constr i esse lugar 102 3 2 O Sil ncio das pr ticas em torno da loucura no Hospital Jo o Ribeiro 123 3 3 Disputas de poder na rea Pta stars ania asa ear Sof ARS SRP 135 CAP TULO IV OS ATORES MAL DITOS DA LOUCURA TRANSITAM PELOS ESPA OS ABERTOS DA CIDADE 145 4 1 Novas institui es emergem no cen rio urbano ie 147 4 2 Corram Os loucos est o NAS TUAS ssieia sap cn ing Tide d a SEIS Og SD da 162 CONSIDERA ES assar Des LS paia id 176 REFERENCIAS onomea E a 179 CATALOGO DAS FONTES susana ca AD dO 186 ANEXOS onenen dia a EA Toda dera SS as diabo dado 189 10 INTRODU O
117. 1 p 309 138 A eugenia um termo criado pelo fisiologista ingl s Francis Galton 1822 1911 para designar o estudo dos fatores socialmente control veis Assim como a profilaxia a eugenia est situada nos discursos psiqui tricos brasileiro nos anos 20 do s culo passado Seu fundamento estava pautado na necessidade de branqueamento da ra a sob o prop sito de constru o de uma na o civilizada e moderna Sob esta proposta a psiquiatria brasileira mobilizou estrat gias de combate e controle da doen a mental com intuito de que n o houvesse a Jun o daqueles que eram nomeados de civilizados e portanto normais com os ditos degenerados e portanto anormais evitando desse modo a hereditariedade m rbida Cf ENGEL 2001 pp 173 175 Ainda sobre a discuss o de eugenia conferir tamb m COSTA 2007 139 A teoria da degeneresc ncia foi formulada por Auguste Morel 1809 1873 em meados do s culo XIX De acordo com Engel Morel afirmava que a as degeneresc ncias constitu am desvios doentios em rela o ao tipo normal da humanidade transmitidas hereditariamente Desse modo passando a ser concebidas como as principais causas da loucura Esta perspectiva rompe com a concep o de Philippe Pinel 1745 1826 que definia a loucura como um desvio da raz o por meio de uma an lise m dico filos fica Morel coloca a loucura numa investiga o organicista ampliando o m todo an tomo cl nico
118. A defici ncia mental definida neste decreto como funcionamento intelectual significativamente inferior m dia com manifesta o antes dos dezoito anos e limita es amp X m 4 110 e EA associadas a duas ou mais reas de habilidades adaptativas A defici ncia a descrita PTSS as TE 111 4 aproxima se dos problemas neurol gicos e n o dos transtornos psiqui tricos j que os problemas neurol gicos podem limitar o processo de aprendizado de seus portadores afetando assim o funcionamento intelectual o que n o se constata com boa parte dos problemas psiqui tricos Desse modo com base nesta exclus o que o portador de qualquer transtorno mental n o tem lugar no mercado de trabalho Tal o caso do pedreiro citado por Ligia que sofria por n o ter mais a oportunidade de trabalhar pois se por um lado as pessoas n o lhes davam a oportunidade de voltar a exercer sua atividade retirando lhe a capacidade laborativa por outro a garantia de sua aposentadoria por ser um amparo social ao deficiente mental dependia da ociosidade do beneficiado A reintegra o social do doente mental proposta pelos discursos presentes naquela sess o n o constitu a uma tarefa f cil Tais discursos transmitiam a ideia de que os homens e mulheres portadores desse mal eram rejeitados pela fam lia e pela vizinhan a sendo negados e negativados por meio de toda e qualquer a o que pudessem vir a exercer
119. ASIL Minist rio da Sa de Resid ncias Terap uticas o que s o para que servem Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de Departamento de A es Program ticas Estrat gicas Bras lia Minist rio da Sa de 2004 Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de DAPE Coordena o Geral de Sa de Mental Reforma Psiqui trica e Pol tica de Sa de Mental no Brasil Documento apresentado Confer ncia Regional de Reforma dos Servi os de Sa de Mental 15 anos depois de Caracas OPAS Bras lia novembro de 2005 Minist rio da Sa de Manual t cnico operacional do sistema de informa o hospitalar Minist rio da Sa de Bras lia junho de 2009 Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de DAPE Sa de mental no SUS acesso ao tratamento e mudan a do modelo de aten o Relat rio de Gest o 2003 2006 Minist rio da Sa de Bras lia janeiro de 2007 180 Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de Relat rio de Gest o 2003 2006 sa de mental no SUS acesso ao tratamento e mudan a no modelo de aten o Bras lia Editora do Minist rio da Sa de 2007 BRITO F tima Saionara Leandro Nas travessias da mem ria as cores do comunismo Hist ria Oral Revista da Associa o Brasileira de Hist ria Oral v 12 n 1 2 jan dez 2009 Rio de Janeiro ABHO 2009 CALVINO talo A palavra escrita e a n o escrita In FERREIRA Marieta de Moraes AMADO Jana n
120. GO 2001 p 142 148 ENGEL 2001 pp 142 143 149 Grifo meu 5 TOLEDO 2005 p 165 96 poss vel que a influ ncia dos movimentos de reforma psiqui trica e a pr pria lei 10 216 sancionada no ano anterior tenham impulsionado a presente reformula o Como pode ser observado no C digo Civil atual no lugar de loucos de todo g nero a express o que toma corpo enfermidade ou defici ncia mental que por sua vez s o igualmente delimitadoras na medida em que enquadram na categoria de incapazes a conting ncia da loucura De acordo com Passos a no o de defici ncia mais perversa que o estigma da doen a pois esta ltima s em casos muito extremos torna se um acontecimento cr nico A doen a como estado patol gico pode ser tratada e at curada ao passo que a defici ncia uma categoria fixa na medida em que define um estado permanente e definitivo Desse modo segundo a autora o termo defici ncia uma categoria que de fato esconde desigualdades sociais Neste sentido mudam se os termos e express es mas continuam latentes a exclus o e a anula o dos direitos daqueles que passaram a representar o avesso da norma social Sendo assim estes atores da loucura continuam a ser estigmatizados e rejeitados na sociedade Sem direito de fala estes sujeitos t m a sua rostidade apagada em nome da lei Outra mudan a conceitual que deve ser assinalada agui se refere ao deslocamento do conceito d
121. Grat o e a Maria do Socorro de Oliveira Soares por terem me ajudado a realizar o sonho de cursar o mestrado na Universidade Federal de Pernambuco Minha gratid o tamb m se direciona ao meu orientador Antonio Torres Montenegro que com a sua vis o te rico metodol gica apontou cortou rabiscou e sugeriu novas sa das para a minha escrita sempre com a fina aten o e dedica o que apenas um orientador com sua sensibilidade e experi ncia poderia t las Aproveito para agradecer tamb m a forma como as suas aulas reinventaram as minhas ideias me tirando dos lugares c modos nos quais repousavam as minhas certezas Ao professor Durval Muniz de Albuquerque Junior deixo aqui n o apenas a minha gratid o mas expresso tamb m a minha felicidade porque um dia a vida proporcionou o nosso encontro Obrigada por ter me fornecido asas quando as minhas pernas n o podiam sustentar o meu corpo momento em que passei a questionar assim como a pintora Frida Kahlo p s para que te quero se tenho asas para voar Agrade o pela disponibilidade e aten o em ler os meus textos e sugerir sa das para os meus impasses Ao professor Alarcon Agra do gostaria de agradecer as sugest es e a sua presen a desde a banca de qualifica o Agrade o ainda pelos nossos encontros na Universidade Federal de Campina Grande e os incont veis mini cursos nos quais fazia quest o de estar presente para aprender com suas enriquecedoras aulas Agrade o tamb m
122. Instituto de Neuropsiquiatria dirigido pelo dr Jo o Ribeiro O redator do texto jornal stico acrescentava que a aquela institui o que havia sido constru da h pouco mais de um ano no bairro da Liberdade ao lado da Igreja das Gra as seria inaugurada no dia 7 de setembro de 1963 O pr dio j estava em funcionamento desde alguns meses prestando servi os inestim veis popula o mas ainda n o havia sido entregue ao povo de Campina Grande por meio de uma inaugura o solene o que possivelmente s poderia ocorrer depois que outras partes da obra fossem conclu das A data da inaugura o segundo a reportagem coincidia com a data m xima de nossa P tria Brasileira o dia da Independ ncia Al m disso o jornalista conclu a seu texto apontando para a import ncia dos servi os que j estavam sendo prestados naquela institui o afirmando que diversas s o as pessoas ali internas como in meras t m sido os que saem dali completamente restabelecidos Crian as com paralisia adultos inutilizados gra as aos eficientes m todos adotados pelo facultativo o qual desde que saiu da faculdade tem sido movido por um nico desejo o de recuperar o organismo humano nas suas faculdades f sicas prestando por outro lado aos enfraquecidos das faculdades mentais servi os de real valor e Algumas p ginas mais frente aquela edi o dava continuidade reportagem apontando para a magnitude das ins
123. Kleyton 76 77 2 Magno Segundo Hosana o atendimento no hospital era bom e era f cil de conseguir 7 De acordo com o prontu rio de Eduardo o progn stico m dico referente F 10 2 o que equivale segundo a Classifica o Internacional das Doen as a Transtorno mental e comportamental devido ao uso de lcool Cf Classifica o Estat stica Internacional de Doen as e Problemas Relacionados Sa de Psiquiatria e Neurologia CID 10 Vol 1 S o Paulo Edusp 2008 7 Eduardo esteve por v rias vezes interno na Cl nica Dr Maia institui o onde realizei boa parte da pesquisa oral Ele se apresenta como sujeito bastante carism tico e divertido que fazia quest o me receber com um beijo na testa carinho na m o e me chamava pelo nome de doutora 7 Entrevista n 12 De acordo com o prontu rio de Marcelo o progn stico m dico referente F 10 6 o que equivale segundo a Classifica o Internacional das Doen as a Esquizofrenia Simples Cf Classifica o Estat stica Internacional de Doen as e Problemas Relacionados Sa de Psiquiatria e Neurologia CID 10 Vol 1 S o Paulo Edusp 2008 74 Marcelo esteve interno por v rias vezes na Clinica Dr Maia e se apresentava como um sujeito calmo e t mido Segundo sua m e ele passou no vestibular para o curso de Hist ria quando j havia desenvolvido a doen a mas em virtude do agravo do transtorno teve que abandonar o curso no ltimo ano 75 Ent
124. Na experi ncia de reformula o da assist ncia 26 MACHADO 1978 p 447 127 PASSOS 2009 p 56 139 2 m dico psiqui trica ocorrida em Campina Grande essa rela o conflituosa a t nica do processo Os relatos orais mais uma vez trazem uma importante contribui o para esse trabalho pois por meio deles poss vel tecer uma hist ria em torno desta experi ncia conflituosa Um dos relatos que sinaliza para essa discuss o o da m dica e ex funcion ria do Hospital Jo o Ribeiro Eliane Dantas Eliane afirma que possui uma grande cr tica em rela o reforma psiqui trica em Campina Grande Segundo ela o grande problema a aus ncia de psiquiatras no processo mas n o apenas no processo de reformula o e implementa o das novas institui es mas quando essa nova rede de assist ncia j est em funcionamento na cidade o m dico psiquiatra continua sendo exclu do Ainda de acordo com ela os reformadores buscam passar a impress o de que est faltando profissionais no mercado de trabalho e isso n o verdade pois ela lembra que na Cl nica Psiqui trica Dr Maia todo semestre h uma grande procura por est gios feita por estudantes de medicina que optam pela rea da psiquiatria assim n o se trata de uma especialidade perdida Neste sentido suas impress es sobre o papel do psiquiatra na reforma campinense s o relatadas da seguinte forma A reforma psiqui trica em Campina Grande foi uma reforma t
125. PNASH desde 2002 e apenas em 2005 que come ou o processo de interven o Ainda de acordo com este relat rio em 2006 o processo de interven o ainda n o havia sido conclu do Cf BRASIL 2007 p 28 10 Entrevista n 09 110 O Secret rio de Sa de referido Andr Luiz Bonif cio que antecedeu Geraldo Medeiros 131 uma institui o poderosa como o Jo o Ribeiro referindo se institui o como sendo a personifica o do pr prio Dr Jo o Ribeiro porque segundo ela a institui o de concreto mesmo se encontrava toda deteriorada De acordo com o relato de Florianita as rela es de apoios e parcerias estabelecidas em Campina Grande aconteceram apenas quando a justi a j havia decretado a interven o e a equipe do Minist rio da Sa de j estava atuando na cidade Antes disso como p de ser visto mesmo com o relat rio do PNASH que reprovava o funcionamento do Hospital Jo o Ribeiro a prefeitura e as inst ncias respons veis pela sa de no munic pio foram omissas Florianita afirma ainda que o Dr Jo o Ribeiro se constitu a como uma institui o poderosa inclusive mais poderosa que a pr pria institui o que ele pr prio administrava Essa afirmativa possibilita pens lo enquanto um personagem que estabelece rela es de poder bem acentuadas na cidade e instaura linhas de for a que o coloca em posi es privilegiadas Segundo Florianita quando chegou aqui ela achava que o Dr Jo o Ribeiro
126. Sistema nico de Sa de SUS Para isso uma intensa fiscaliza o estava sendo realizada em todas as institui es psiqui tricas existentes no pa s fiscaliza o essa que faz parte do Programa Nacional de Avalia o dos Servi os Hospitalares PNASH Psiquiatria o qual avalia o tratamento dado aos pacientes as condi es f sicas e de higiene dos hospitais al m do programa terap utico adotado por cada institui o O Minist rio alertava que aquelas institui es que n o estivessem cumprindo os requisitos m nimos deveriam ser punidas com o descredenciamento do SUS Neste sentido pode se observar que por meio da m dia come a a ser elaborada toda uma imag tica dessas institui es Confrontavam se de um lado os hospitais psiqui tricos que estavam passando por inspe es por parte do Minist rio da Sa de a fim de serem detectadas irregularidades e consequentemente o descredenciamento pelo SUS e de outro as novas institui es tidas como modelo em atendimento psiqui trico que se prop em a oferecer uma assist ncia mais humanit ria e pautada na ressocializa o da loucura Esses dois opostos do tratamento psiqui trico podem ser visualizados numa reportagem veiculada em 19 de abril de 2005 pelo Jornal da Para ba Intitulada Paciente abandonado por fam lia desafia o novo sistema manicomial essa reportagem dava conta de que no Hospital Jo o Ribeiro a situa o era preocupante pois dos 176 doentes mentais inte
127. Tratava se do novo e do velho convivendo na ardorosa batalha manique sta O ritmo de vida das pessoas andava a largos passos as a es do cotidiano que antes podiam ser executadas de maneira lenta agora se tornavam fugazes tal a rapidez exigida nesse novo modo de viver As transforma es das ruas as novas constru es e o aparecimento de incont veis personagens nunca vistos antes pelas ruas da cidade tamb m seguiam esse ritmo veloz do tempo moderno Epaminondas C mara afirma que na d cada de 1940 o com rcio dilatou suas atividades e na cidade foram instalados armaz ns por atacado de tecidos ferragens miudezas lou as e material de saneamento Apareceram f bricas de gelo mosaico arame estopa tecidos grossos e sacaria latic nios m veis cal ados etc a A economia seguia a velocidade dessa vida moderna e cada vez mais a cartografia da cidade era rasurada pelo com rcio C mara acrescenta inclusive que pondo margem os agiotas os bancos fomentaram o cr dito regional influindo de forma decisiva na vida econ mica do estado Autom veis e caminh es invadiram as ruas e as rodovias diminuindo crescentemente a presen a dos burros de carga e as casas de rancho tornando a cidade o mais movimentado centro de caminh es do Norte do Brasil Todo esse crescimento est intimamente ligado ao fato de Campina Grande ter sido um polo importante na produ o e comercializa o do algod o Assim desde
128. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CI NCIAS HUMANAS PROGRAMA DE P S GRADUA O EM HIST RIA MESTRADO EM HIST RIA F TIMA SAIONARA LEANDRO BRITO ORIENTADOR Professor Dr Antonio Torres Montenegro ANDAN AS QUE CORTAM OS CAMINHOS DA RAZ O AS VIV NCIAS INSANAS E A ATUA O DA REFORMA PSIQUI TRICA EM CAMPINA GRANDE PB RECIFE 2011 CENTRO DE FILOSOFIA E CI NCIAS HUMANAS PROGRAMA DE P S GRADUA O EM HIST RIA MESTRADO EM HIST RIA ANDAN AS QUE CORTAM OS CAMINHOS DA RAZ O AS VIV NCIAS INSANAS E A ATUA O DA REFORMA PSIQUI TRICA EM CAMPINA GRANDE PB F tima Saionara Leandro Brito Orientador Professor Dr Antonio Torres Montenegro Disserta o apresentada ao Programa de P s Gradua o em Hist ria da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para a obten o do grau de Mestre em Hist ria RECIFE 2011 Cataloga o na fonte Bibliotec ria Maria do Carmo de Paiva CRB 4 1291 B862a Brito F tima Saionara Leandro Andan as que cortam os caminhos da raz o as viv ncias insanas e a atua o da reforma psiqui trica em Campina Grande PB F tima Saionara Leandro Brito Recife O autor 2011 198 f il 30 cm Orientador Prof Dr Antonio Torres Montenegro Disserta o Mestrado Universidade Federal de Pernambuco CFCH Programa de P s Gradua o em Hist ria 2011 Inclui bibliografia e anexos EM HISTOR ERERRALEA ATA DA DEFESA DE
129. a o psiqui trica involunt ria e a lei 10 216 01 Reflex es acerca da garantia de prote o aos direitos da pessoa com transtorno mental Disserta o apresentada a Escola Nacional de Sa de P blica Sub rea Pol ticas P blicas e Sa de Rio de Janeiro Funda o Oswaldo Cruz 2004 MARQUEZ Gabriel Garcia Cr nica de uma morte anunciada 41 Ed Rio de Janeiro Record 2010 MEDEIROS T cito Psiquiatria e Nordeste um olhar sobre a hist ria Revista Brasileira de Psiquiatria online Julho Setembro 1999 vol 21 n 03 MONTEIRO Manoel Novos tempos para o doente mental cuidar sim excluir n o Literatura de Cordel 2 ed Campina Grande maio de 2004 MONTENEGRO Antonio Torres Hist ria oral e mem ria a cultura popular revisitada S o Paulo Contexto 2007 Hist ria metodologia mem ria S o Paulo Contexto 2010 MORAIS Antonio Pereira de Vi ouvi senti cr nicas da vida campinense e outras narrativas Campina Grande 1985 NALLI Marcos Foucault e a fenomenologia S o Paulo Edi es Loyola 2006 NEGR O Theotonio C digo Civil e legisla o civil em vigor 13 Ed S o Paulo Malheiros Editores 1994 PASSOS Izabel C Friche Reforma psiqui trica as experi ncias francesa e italiana Rio de janeiro Editora Fiocruz 2009 PESSOTTI Isaias A loucura e as pocas Rio de Janeiro Editora 34 1994 O s culo dos manic mios Rio de Janeiro Editora 34 1996 Os nomes da l
130. a Org Usos e abusos da hist ria oral Rio de Janeiro FGV 2006 C MARA Epaminondas Datas campinenses Campina Grande PB Caravela 1998 CAMARGO R Loucos de todo g nero crit rio de incapacidade mental no direito civil Rio de Janeiro Editora Jacintho dos Santos 1921 Apud ENGEL Magali Gouveia Os del rios da raz o M dicos Loucos e Hosp cios Rio de Janeiro 1830 1930 Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2001 CANGUILHEM Georges O normal e o patol gico 6 ed Rio de Janeiro Forense Universit ria 2009 CAPONI Sandra Da compaix o solidariedade uma genealogia da assist ncia m dica Rio de Janeiro FIOCRUZ 2000 CASTRO Edgardo Vocabul rio de Foucault um percurso pelos temas conceitos e autores Belo Horizonte Aut ntica 2009 CASTEL Robert A ordem psiqui trica a idade de ouro do alienismo Rio de Janeiro Graal 1978 CAVALCANTI Sil de Leila Oliveira Campina Grande De fl vorada por forasteiros a passagem de Campina patriarcal a campina burguesa In GURJ O Eliete de Queiroz org Imagens multifacetadas da hist ria de Campina Grande Campina Grande PB Prefeitura Municipal de Campina Grande Secretaria de Educa o 2000 CERTEAU Michel A inven o do cotidiano artes de fazer Rio de Janeiro Vozes 1994 Classifica o Estat stica Internacional de Doen as e Problemas Relacionados Sa de Psiquiatria e Neurologia CID 10 Vol 1 S o Paulo Edusp 2008 CIRILO L
131. a coc fediam as carnes estragadas dep sito de ossos Pessoas sem roupas pessoas mal alimentadas pessoas presas Pra mim foi um processo muito traum tico em fun o de saber que um hospital desses tava sendo fechado O que mais me marcava l era a forma de tratamento pois eles faziam umas coisas de trancar a pessoa junto com pacientes agitados As recorda es de l s o boas o atendimento era bom era f cil conseguir vaga N o achei l muito bom n o porque era muito cheio de gente e ele ficava trancado l L era muito bom o povo diz que tinha esse neg cio de maltrato mas eu n o vi isso l n o Eu mesma n o gostava de l eu colocava ele l porque eu me via obrigada Desumanidade maus tratos a alimenta o era p ssima era lavagem um p ssimo hospital 4 Os recortes citados acima fazem parte das mem rias de pessoas que tiveram ou t m suas vidas cada uma a seu modo ligadas reforma psiqui trica na cidade de Campina Grande Trata se de relatos que comp em um mosaico de significados em torno do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Nessa institui o se instaurou o acontecimento chave para a atua o dos reformadores da sa de mental na cidade e em torno dela que estes relatos constroem os m ltiplos sentidos de verdades que ora se confrontam ora se harmonizam Aqui e ali se unem em outros lugares se distanciam Algumas vezes se colam outras vezes se despregam e assim v o for
132. a de para doentes mentais eles desistiam de alugar L via afirma que eram feitas perguntas do tipo voc s querem alugar essa casa para qu e a equipe falava que era para funcionar um centro de sa de mas n o podia especificar que tipo de servi o era esse Ela lembra que houve uma experi ncia de encontrar uma casa adequada para funcionar o CAPS e s faltava assinar o contrato quando o propriet rio soube que era para funcionar um servi o de atendimento a doente mental acabou desfazendo o neg cio Por meio do relato de L via poss vel entender que os pacientes que estavam saindo do Hospital Jo o Ribeiro n o tinham lugar no espa o aberto da cidade O medo de que esses atores pudessem fazer algo de mal e prejudicar a sociedade dita normal configurava se em situa es como o pavor em se trabalhar com esses pacientes ou mesmo de alugar uma casa onde funcionaria alguma assist ncia direcionada ao seu tratamento O primeiro CAPS instaurado na cidade funcionou na rua Get lio Vargas que uma das principais vias do centro de Campina Grande Nele como p de ser visto foi implantado um projeto chamado Domingo no CAPS no qual aconteciam atividades culturais como a exposi o de objetos produzidos pelos pacientes vendas de artigos no brech oficina de beleza bazar entre outras atividades que tinham como proposta reunir os pacientes os familiares os funcion rios e a popula o em geral Conforme L via a instaura
133. a n o encontra um projeto de vida mas um progn stico Cf AMARANTE 1996 p 104 l Termo usado em alus o ao livro p stumo de Michel Foucault intitulado O poder psiqui trico o qual re ne as aulas proferidas no Coll ge de France entre os anos 1973 1974 Para Foucault o poder n o se restringe apenas figura do m dico porque no asilo como em toda parte o poder nunca aquilo que algu m det m tampouco o que emana de algu m O poder n o pertence nem a algu m nem ali s a um grupo s h poder porque h dispers o intermedia es redes apoios rec procos diferen as de potencial defasagens etc Cf FOUCAULT 20060 p 7 2 PASSOS 2009 p 152 5 A proposta de Franco Basaglia a de colocar a doen a entre par nteses o que n o significa segundo ele a nega o da doen a mental mas uma recusa positividade do saber psiqui trico em explicar e compreender a loucura Cf AMARANTE 1996 p 80 73 Passos inscrevendo se no mbito desmedicalizado das rela es e viv ncias do indiv duo A redefini o te rica em torno do conceito de doen a tornou se importante na luta da reforma psiqui trica na medida em que instaura agenciamentos de pr ticas que visam sobretudo retirar os pacientes de dentro dos hospitais psiqui tricos Uma outra remontagem conceitual proposta pelos italianos a substitui o do conceito de cura por emancipa o terap utica Apesar da le
134. a trabalhava de pedreiro era casado e tinha um filho Joel fora atacado de s filis no c rebro e foi submetido a um tratamento especializado que n o teve cura ficando marginalizado para o resto da vida Devido insanidade ele respondia coisas desconexas em cujos disparates se percebia a inoc ncia No entanto em muitas ocasi es se ouviam respostas inteligentes distintamente vis veis por meio da loucura Morais se recorda das perip cias de Joel e as narra da seguinte maneira um certo dia Joel estava no bilhar de seu Miranda que ficava na esquina das ruas Marqu s do Herval com a Monsenhor Sales Jogavam uma partida de sinuca o Dr Pl nio Lemos com Eduardo Lobo quando o telefone tocou e Joel que estava sentado ao lado do telefone o atende respondendo t n o aqui tem um bando de vaca velha largando o telefone em seguida Tratava se de uma liga o do Dr Ot vio Amorim que minutos depois adentrou o estabelecimento tomando satisfa es e perguntando quem foi o imbecil que atendeu ao telefone Todos apontaram para Joel e a irrita o logo se transformara em risos Nathanael Belo chamado por Joel de compadre Natal gostava de ajud lo dando lhe cigarros e pagando na barbearia do conhecido Ch Preto a retirada da barba de Joel duas vezes por semana Natal gostava de contar hist rias para Joel que fazia quest o de estar em sua presen a Outros personagens da cidade tamb m gostavam de Joel a exem
135. a come aram a ganhar for a a partir da d cada de 1980 no Brasil produzindo in meras rasuras na hist ria da psiquiatria Assim o hosp cio e a psiquiatria tidos como detentores da loucura come aram a ser contestados por outras reas do saber tais como a psicologia e a psican lise V rios embates foram se instaurando em torno dos sujeitos nomeados de loucos at que em 2001 foi promulgada a lei 10 216 da reforma psiqui trica que legitima as a es dos reformadores em sa de mental Diante disso o presente trabalho narra uma hist ria da reforma psiqui trica instaurada em Campina Grande e sua atua o no Hospital Jo o Ribeiro Trata se do processo de interven o ocorrido nessa institui o no ano de 2005 o qual culminou no seu descredenciamento e desativa o por parte do Minist rio da Sa de A proposta analisar e discutir os enunciados da reforma psiqui trica que retiraram do sil ncio as pr ticas assistenciais presentes dentro daquela casa hospitalar e estimularam a produ o da mem ria desta institui o por meio da m dia dos profissionais da rea da sa de mental e dos familiares Para a constru o dessa hist ria elegi fontes como alguns textos de memorialistas que abordam o tema da loucura as atas da C mara dos Vereadores onde algumas discuss es foram travadas acerca desse processo os jornais locais a legisla o brasileira que versa sobre a assist ncia psiqui trica a historiografia local e os relatos orai
136. a ent o coordenadora de sa de mental Vit ria Barbosa Vereadora por quase tr s d cadas Maria Barbosa ocupou o cargo no legislativo por sete mandatos quando em 2004 n o conseguiu se reeleger importante ressaltar que a sua trajet ria pol tica foi banhada pelo apoio do grupo Cunha Lima sendo assim poss vel que as linhas de for as atuantes na pol tica campinense tenham influenciado o interesse pelo Hospital Jo o Ribeiro Entretanto essa institui o passa a ser percebida a partir das a es reformistas de Vit ria Barbosa que sobretudo uma militante pela reforma psiqui trica na cidade De acordo com o secret rio de sa de Geraldo Medeiros nas quest es de sa de do munic pio a sa de mental n o se constitu a como meta Sobre isso ele afirma que passou importante ressaltar que este silenciamento em torno do Hospital Jo o Ribeiro n o se dava apenas nas discuss es pol ticas na C mara dos Vereadores Diante da pesquisa realizada nos jornais locais pude perceber que at o momento da interven o nada era dito sobre suas pr ticas exceto em algumas poucas reportagens sobre a diminui o das verbas fornecidas pelo SUS e algumas notas falando sobre os festejos de datas comemorativas Diante da pesquisa feita na C mara dos Vereadores constatei que o texto de Vit ria na sess o do dia 24 de maio de 2002 proferido em homenagem ao dia da luta antimanicomial o nico texto que fala sobre as pr ticas do
137. a experi ncia de desconstru o de um hospital psiqui trico no interior do Nordeste Kinker foi nomeado pelo Minist rio da Sa de como interventor do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Seu trabalho uma disserta o apresentada ao programa de P s Gradua o em Ci ncias Sociais da PUC de S o Paulo em 2007 Nele Kinker elabora um relato de sua experi ncia dentro da institui o psiqui trica o qual ele chama de di rio de bordo da interven o Ele n o nomeia a institui o os atores tampouco a cidade mas por meio dos eventos descritos pude constatar que se trata do processo de interven o ocorrido em Campina Grande Portanto este trabalho n o serve apenas como apoio bibliogr fico mas constitui uma importante fonte na medida em que nele est contido o relato da experi ncia de um profissional que estava frente deste processo 3 Cartografia do trabalho Em face do exposto escolhi como trilha a produ o de uma cartografia das fontes por meio dos cap tulos No primeiro cap tulo intitulado Das ruas ao hosp cio procuro construir uma hist ria de como viviam os atores da loucura em Campina Grande antes do aparecimento no cen rio urbano da primeira institui o psiqui trica o Hospital Jo o Ribeiro visando analisar o que diziam os memorialistas a exemplo de Cristino Pimentel em torno dessas vidas errantes que viviam perambulando pelas ruas da cidade A proposta a de dar a ver as rela e
138. a gente fazia as reuni es no CAPS pra falar sobre as oficinas tinha t cnico que dizia assim e eu Eu vou ficar sozinho com os usu rios na oficina Aquele pavor a falava assim Eu ah n o Eu at fa o essa oficina mas sozinho n o d tem que ter algu m comigo l pra me proteger eu preciso de s 81 seguran a vai que acontece alguma coisa comigo Nota se que o medo da loucura n o atormentava apenas sociedade dita comum ou seja aquela parte da popula o que desconhecia o comportamento e o tratamento do doente mental Os pr prios t cnicos desses novos servi os n o sabiam lidar com a loucura desenclausurada e reivindicavam formas de seguran a na tentativa de se proteger contra esse perigo em potencial chamado loucura Esse preconceito foi segundo L via uma das principais dificuldades de se instaurar um servi o inovador na cidade a exemplo do primeiro CAPS que se constitu a como um servi o in dito e oposto ao modelo hospitalar Entrevista n 06 80 Entrevista n 06 8l Entrevista n 10 168 Outro impacto vivenciado por L via foi quando da necessidade de alugar a casa onde deveria funcionar o primeiro CAPS De acordo com ela as pessoas n o conseguiam entender que na vizinhan a iria funcionar um tipo de servi o no qual os portadores de transtornos mentais frequentariam cotidianamente Quando os propriet rios da casa que estava sendo alugada descobriam que ali funcionaria um servi o de s
139. a igualava aos outros grandes centros urbanos do pa s O pr prio nome da cidade aciona essa necessidade de crescimento progresso e moderniza o Desse modo n o se tratava apenas de uma institui o com perfeitas instala es ou de um pr dio magn fico tamanha as suas dimens es mas significava o Jornal Di rio da Borborema 4 de setembro de 1963 7 No momento em que houve a interven o federal no ano de 2005 nesta institui o constatou se que havia pacientes internos h 30 anos naquelas instala es os quais foram considerados moradores do hospital Cf BRASIL 2007 p 85 58 Jornal Di rio da Borborema 4 de setembro de 1963 56 aperfei oamento e especializa o do saber m dico que poria esta cidade em concorr ncia com a capital Jo o Pessoa j que at ent o como foi visto institui o deste tipo no estado s existia naquela cidade Desse modo uma institui o como o Hospital Jo o Ribeiro traria para Campina Grande signos de modernidade moderniza o tanto arquitet nicos quanto de servi os m dicos especializados para aqueles homens e mulheres nomeados e reconhecidos como loucos Uma institui o exemplar um espa o no qual n o poderia restar d vidas de que se tratava de uma conquista para a popula o campinense Assim era tecida e veiculada pelos notici rios a imagem daquela casa hospitalar Um ambiente ideal onde o sacerd cio da psiquiatria exerceria de forma religiosa
140. a institui o que fundamenta o seu poder seja demolida e que a loucura seja despatologizada pois sobre esse dois suportes hosp cio e doen a que a psiquiatria assenta o seu poder de verdade e de atua o A reforma psiqui trica no Brasil representa o combate existente entre esses campos de saber Os reformadores s o em grande medida psic logos e psicanalistas que lutam contra a atua o da psiquiatria presente no espa o fechado do hosp cio Em alguns pa ses como It lia Fran a Inglaterra e Estados Unidos a reforma iniciada e fortalecida cada uma ao seu n vel de particularidade por psiquiatras que militaram por um novo modelo de assist ncia para os portadores de transtornos mentais Neste sentido trata se de uma reformula o que surge no interior da pr pria rea m dica No Brasil apesar de a reforma ter sido tamb m liderada por psiquiatras politicamente militantes n o se pode falar de reforma psiqui trica sem refer ncia s bases profissionais aliadas a muitos outros atores sociais cuja for a se encontra em seu conte do de contesta o e de luta pol tica contra um poder psiqui trico constitu do a Os combates existentes dentro da rea psi que abarcam as rela es conflituosas e as disputas pelo poder e autoridade sobre a loucura acontecem principalmente entre a psiquiatria a psicologia e a psican lise S o esses tr s campos de saber que travar o uma luta na tentativa de se apossarem da loucura
141. a psiqui trica Em sua fala Manuel Monteiro afirmava que n o se tratava de fechar as portas dos hospitais que buscavam dar assist ncia aos doentes psiqui tricos mas convidava a fechar as portas dos asilos que s o pris es fechem as portas da maldade de faturar em cima de um doente mental e deix lo nu sem nenhuma assist ncia e isolado de toda expectativa de vida Ou seja o poeta aciona por meio de suas coloca es uma discuss o bastante presente nos debates reformistas da sa de mental Trata se da quest o da desinstitucionaliza o que visa a retirada dos internos das institui es psiqui tricas de car ter segregador para traz los de volta ao conv vio social existente fora de seus muros Algumas cr ticas s o lan adas a esta proposta da reforma pois a grande quest o como ir o sobreviver esses pacientes sem assist ncia hospitalar De acordo com Amarante a 2 MONTEIRO 2004 p 15 12 Este verso se tornou lema para a reforma psiqui trica em Campina Grande Servindo inclusive como tema de um evento beneficente para os pacientes do Hospital Jo o Ribeiro em 2005 Ver anexo 3 123 Ver anexo 4 124 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 13 89 desinstitucionaliza o n o representa desospitaliza o ou desassist ncia Neste sentido n o se trata apenas de retirar os doentes de dentro de uma institui o psiqui trica e jog los
142. a quando aconteceu de Andr mat lo a pauladas O jornal Di rio da Borborema noticiava o fato com o seguinte t tulo Viol ncia em Campina Grande Filho mata o pai a pauladas discuss o entre v tima e acusado acaba em morte no bairro da ramadinha No texto jornal stico a informa o era de que o doente mental Andr Ara jo Ferreira 25 anos havia matado na noite da ltima segunda feira o pr prio pai o aposentado Jos Florentino Ferreira Filho 57 anos fato que ocorreu ap s uma discuss o De acordo com a reportagem os familiares haviam passado a informa o de que Andr costumava ficar muito violento em casa principalmente quando queria fazer algo que algu m n o deixava Na noite do crime n o foi diferente os dois come aram a discutir e em um 8 Entrevista n 14 Entrevista n 14 l Jornal Di rio da Borborema dia 28 de fevereiro de 2001 172 determinado momento o acusado armou se com um peda o de pau e come ou a agredir a v tima com muita viol ncia Quando Florentino estava no ch o agonizando o acusado aproveitou a oportunidade e fugiu para uma localidade chamada Capim Grande Neste momento a policia foi acionada e saiu em persegui o Andr foi localizado e recebeu voz de pris o sob a qual n o esbo ou qualquer tipo de rea o Levado para a Central de Pol cia ele foi autuado em flagrante pelo delegado de plant o Oscar Am ncio da Silva ocasi o em que foi encaminhado para o Pres dio
143. a que consta na pedra de funda o da institui o informando que a partir de ent o deu se in cio o seu funcionamento A sua constru o foi conclu da apenas no dia 7 de setembro de 1963 quando foi comemorada a sua inaugura o Momento em que o prefeito Severino Cabral sanciona a lei n 66 de 27 de abril de 1960 a qual reconhece como sendo de utilidade p blica o Instituto de Neuro Psiquiatria e Reabilita o Funcional ICANERF Conhecido pelo nome de Hospital Jo o Ribeiro 2 Cabe ressaltar que at o ano de 1972 quando fundado o Jornal da Para ba quem detinha o monop lio da informa o impressa e a exclusividade das not cias em Campina Grande era o Jornal Di rio da Borborema que desde 1957 veiculava not cias diariamente Cf SANTOS 2008 p 57 RAMOS 2009 p 28 54 imagem bastante sugestiva a maior dentre as outras que compunham a capa daquele peri dico Tratava se de uma fotografia que parecia querer falar por si s pois n o possu a t tulo apenas uma legenda logo abaixo em letras pequenas afirmando que a foto trazia aspectos de uma visita feita pela equipe de reportagem ao hospital do dr Jo o Ribeiro A imagem era da sala de recupera o motora da institui o que em breve seria inaugurada Os leitores mais atentos podem ter encontrado num canto bem recuado do lado direito da p gina com letras menos sugestivas que a imagem o seguinte an ncio Inaugura o no pr ximo s bado do
144. a ver uma nova forma de se tratar a loucura Desse modo essa verdade emerge das rela es pois como diria Michel Foucault A verdade deste mundo ela produzida nele gra as a m ltiplas coer es e nele produz efeitos regulamentados de poder Dos desdobramentos dessas rela es pode se observar que assim como a psiquiatria a psican lise e a psicologia tamb m estabelecem t cnicas de controle Pois cada uma cria ao seu modo personagens espec ficos dos quais pretendem extrair uma verdade impor um saber ditar regras estabelecer normas e sobre o qual estrutura toda uma linguagem atribuindo significados em torno de seus corpos Nasce da como poder ser visto no pr ximo cap tulo um sujeito multifacetado contornado por discursos variados a partir dos quais produzido um novo espa o de pertencimento 145 CAPONI 2000 p 18 146 FOUCAULT 1979 p 12 145 CAP TULO IV OS ATORES MAL DITOS DA LOUCURA TRANSITAM PELOS ESPA OS ABERTOS DA CIDADE Foi ontem o mesmo que dizermos foi h mil anos o tempo n o uma corda que se possa medir n a n o tempo uma superf cie obl qua e ondulante que s a mem ria capaz de fazer mover e aproximar Jos Saramago O evangelho Segundo Jesus Cristo Desde a d cada de 1970 no Brasil as pol ticas de sa de p blica vinculadas rea da sa de mental t m instaurado um combate contra o modelo de assist ncia prestado ao portador de tr
145. ace ou do corpo S o essas ditas anomalias que os m dicos e criminologistas passam a investigar nos corpos dos atores hist ricos nomeados loucos A partir de ent o esses atores n o precisavam praticar um crime para que seu corpo fosse crivado por signos negativos que os enquadrassem na categoria de perigosos A suspeita torna se a palavra de ordem para a preven o tanto desses pr prios sujeitos quanto do restante da sociedade que precisava ser protegida do perigo da loucura Segundo Michel Foucault se antes a loucura era cuidadosamente destacada da conduta criminosa depois do s culo XIX a criminalidade torna se ela pr pria uma forma de desvio aparentada loucura Sendo assim O louco e o criminoso tornam se um s sujeito as fronteiras que os separavam j n o eram claras e definidas Nasce uma institui o que representa a dilui o dessas duas identidades emerge na cartografia das cidades o manic mio judici rio Esse parentesco entre loucura e criminalidade poss vel de ser encontrado em Campina Grande por meio da linguagem jornal stica Antes do discurso da reforma psiqui trica se impregnar pela cidade e tomar corpo nas p ginas dos jornais a loucura apenas fazia sua apari o no discurso jornal stico em um lugar bastante espec fico ou seja as p ginas policiais como pode ser visto a seguir Filho mata pai a pauladas Mulher crava prego no peito Doente mental internada ap s comer os dedos das m os
146. ades Verdade ou loucura Ala dos contidos amarrados pelos bra os e pernas soro nas veias alguns sem roupa num sono de morte Na pele de alguns d pra perceber as feridas de uma poss vel tentativa de liberdade Almas amarradas ou loucura Atr s de outras grades mulheres Nos quartos nada nem arm rios nem televis o nem enfeites Nada al m de alguns peda os de espuma e alguns projetos de cama que elas rasgam tudo mas ningu m dorme no ch o De noite n s trazemos o colch o N o tem nada aqui porque elas quebram nos informa uma funcion ria Num desses conjuntos de parede uma mulher co ava com voracidade a cabe a Talvez os seus piolhos fossem os nicos a atestar que ela ainda estava viva Nas paredes alguns rabiscos alguns desenhos Alguma tentativa de afirmar a exist ncia ali onde o sujeito nada tem que o identifique alguns destes rabiscos feitos com as pr prias fezes Verdade ou loucura Na ala das mulheres sem grades uma carrega no colo uma boneca e me diz cheia de orgulho eu tenho uma boneca o nome dela mimada Outra chora chora alto e com desespero Um choro cru um choro pela condi o miser vel do existir e que n o somente dela E de cada um de n s pois quem poder garantir a nossa raz o E se perdermos quem 11 poder garantir que tenhamos dignidade O que ali era loucura e o que era verdade Aquela verdade n o era a pr pria loucura Somada a tantas interroga es sai de
147. ades que antes era limitada rela o com o doente ou a um simples consultor da administra o em tempos de peste a partir do s culo XIX adquire o poder sobre a cidade tornando se uma autoridade respons vel por tudo que na sociedade diz 122 respeito sa de Desse modo a medicina torna se um poder especializado que deveria assumir a responsabilidade dos indiv duos e da popula o atuando sobre as condi es sociais e naturais da cidade Neste sentido segundo Machado se instaura um deslocamento no objeto da medicina A aten o sai da patologia e volta se para a sa de a partir dessa nova no o que nasce a ideia de preven o e de controle da periculosidade da doen a Com este deslocamento o m dico se apresenta por meio de uma outra performance ele come a a se inserir em todos os lugares assim cada canto e recanto da cidade passou a ser vigiado pelo seu olhar O m dico torna se cientista social integrando sua l gica a estat stica a geografia a demografia a topografia a hist ria torna se planejador urbano as grandes transforma es da cidade estiveram a partir de ent o ligadas quest o da sa de torna se enfim analista de institui es transforma o hospital antes rg o de assist ncia aos pobres em m quina de curar cria o hosp cio como enclausuramento disciplinar do louco tornando o doente mental inaugura o espa o da cl nica condenando formas alternativas de cura ofe
148. ado e barulhento o lugar da desumanidade Um novo discurso se instaura sobre a loucura necess rio humanizar n o s o louco mas as pr ticas que circundam seu corpo Sendo assim torna se necess ria a articula o de um discurso manique sta que disp e de um lado o hospital psiqui trico como sin nimo do mal onde todas as arbitrariedades eram poss veis de serem exercidas e do outro lado a reforma psiqui trica como o bem a bondade e a compaix o que veio salvar todos aqueles pacientes inumanos e torn los seres humanizados e civilizados A maquinaria destes discursos reformistas exerce uma for a importante nessa constru o Os atores passam a significar o Hospital Jo o Ribeiro ao mesmo tempo em que se auto significam pois como afirma Losandro Tedeschi citando Foucault O sujeito da linguagem n o um sujeito em si idealizado essencial ele ao mesmo tempo falante e 9387 falado porque atrav s dele outros ditos se dizem Esses sujeitos ditos reformadores falam de um lugar de poder que legitima suas a es um lugar autorizado que elabora estrat gias discursivas emergidas de rela es conflituosas que desde a d cada de 1980 come ou a ganhar espa o e for a nas discuss es da rea da sa de mental no Brasil Esse lugar o da reforma psiqui trica que instaura uma nova verdade sobre a loucura e seus atores a partir desse lugar nascido dos embates que o hospital Jo o Ribeiro recebeu outra hist ria e
149. ados pelos personagens que agenciam significados em torno daquela institui o Pode se dizer que esses agenciamentos compartilhados pelas narrativas orais ou pelos posicionamentos postos naquela sess o fizeram com que o Hospital Jo o Ribeiro passasse a ter uma verdade em torno de sua hist ria 4 PORTELLI 1996 p 67 112 uma verdade que quanto mais compartilhada entre os diversos grupos mais for a e sentido de real ela ganha Observa se que esta institui o come a a fazer parte de uma produ o discursiva que lan a m o de significados negativos em torno de sua assist ncia Isso n o significa dizer que a assist ncia ali prestada era de qualidade e que com o discurso da reforma ela se tornou inadequada mas que a import ncia da reforma justamente o fato de algo come ar a ser dito em torno daquela institui o e do tratamento ali oferecido Entretanto n o apenas a institui o que reconstru da mas os pacientes que habitavam suas depend ncias tamb m passaram a ganhar outros significados A loucura come a a ser humanizada o que antes estava mais pr ximo da animalidade agora passa a ser contestado justamente por serem tratados como animais Nesse sentido a mem ria do Hospital Jo o Ribeiro passa a ser ressignificada principalmente pelos agentes da reforma psiqui trica tal o caso de L via Sales Cirilo psic loga que coordenou o primeiro CAPS instaurado na cidade Ela tamb m se impacta com o tipo de a
150. agressivas tinha lugar l de cela forte de trancar mesmo uma pessoa eles falavam que n o usavam j h muito tempo mas tinha fezes tinha coisas bem recentes bem frescas N o tinha gua em lugar nenhum desses quartos mas tinha banheiro porque um dia foi su te um quarto com tantas camas e uma suitezinha ent o as pessoas continuavam usando e l entulhando e s vezes as pessoas levavam gua na garrafa pet ou num balde que era de tinta que servia pra tudo pra beber pra lavar olha Era uma coisa Em outro momento ela continua O estado era assim deplor vel n O pessoal tomava banho de mangueira igual a gente j viu filme de campo de concentra o num j Que jogava assim agora eles passavam sab o um no outro sab o de pedra mesmo n o tinha bucha jogava assim e tal roupa n o tinha n o tinha n o tinha nada individualidade divertimento n o tinha nada Nas lembran as de Florianita um novo instrumento aparece na cena do banho coletivo que de certa forma pode ser confrontado com a reportagem do jornal Correio da Para ba citada anteriormente Trata se do sab o que era compartilhado entre os pacientes para a higieniza o corporal Na narrativa jornal stica os argumentos comparavam os pacientes a elefantes de circo com uma nica diferen a no banho dos elefantes usado gua escova e sab o enquanto que no caso do Jo o Ribeiro os pacientes dispunham apenas de gua e um peda o de pano
151. am quest es que n o antecederam s entrevistas mas surgiram dos encontros dos olhares e da minha rela o com os entrevistados Por meio desses questionamentos busco mostrar a atua o da reforma psiqui trica nesta institui o e os discursos que emergiram sobre suas pr ticas al m de mostrar que as verdades que come am a se instaurar em torno desta institui o encontram se atreladas s rela es pol ticas e s disputas de saber poder existentes entre as reas que buscam tratar a loucura 18 CALVINO 2006 p 143 1 FRAN OIS 2006 p 13 102 Far o parte ainda deste cap tulo algumas reportagens veiculadas em jornais locais e que no di logo com as fontes orais ajudaram a construir o mosaico dessa hist ria Vejamos ent o como se deu essa fabrica o 3 1 Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro como se constr i esse lugar Em 28 de abril de 2005 um dos principais jornais em circula o da capital do estado o Correio da Para ba trazia na capa a seguinte manchete Doentes nus e abandonados levam o Minist rio da Sa de a intervir no Hospital Jo o Ribeiro Logo em seguida afirmava que no dia anterior os interventores do hospital haviam encontrado caos no lugar com doentes mentais abandonados e que diante daquela situa o o Minist rio da Sa de havia prometido mudan a radical Desde o dia 18 daquele m s o hospital estava em processo de interven o A equipe organizada pelo Minist rio
152. anas que se faziam presentes naquele ambiente hospitalar rompendo portanto o sil ncio que pairava sobre suas pr ticas 4 Foucault define o discurso como um conjunto de enunciados que prov m de um mesmo sistema de forma o assim se poderia falar de discurso cl nico discurso econ mico discurso da hist ria natural discurso psiqui trico Cf CASTRO 2009 p 217 FOUCAULT apud CASTRO 2009 p 120 30 A proposta deste cap tulo a de construir uma hist ria a partir da produ o discursiva estimulada pela reforma psiqui trica em torno do Hospital Jo o Ribeiro analisando o que passou a ser dito em torno desta institui o dos funcion rios e de seus pacientes Busco analisar como este hospital que tinha suas pr ticas silenciadas rompe esse sil ncio na m dia local e nos relatos orais e come a ser produzido por meio de outras hist rias Al m disso trago para esta escrita os embates pol ticos existentes na cidade e em torno desta institui o bem como os conflitos atuantes entre as reas do saber como a psiquiatria a psicologia e a psican lise Os relatos orais exercem uma importante contribui o na constru o dessa trama hist rica Para Daniel James o testemunho oral pode proporcionar acesso a informa es emp ricas b sicas imposs veis de serem obtidas em outras fontes mais tradicionais como os di rios os arquivos municipais e os registros de companhias Segundo este autor os relatos
153. ando em 1995 diante de algumas fiscaliza es feitas em suas depend ncias foram constatadas v rias irregularidades e instaurada uma interven o que resultou na transforma o de suas instala es em Resid ncias Terap uticas CAPS e servi os ambulatoriais Sobre o CAIS Cf www fafich ufmg br CONTEXTO 20HIST RIA 20E 20POL TICA 20DE 20IMPLANTA O 20D A consultado em 20 de janeiro de 2011 36 Entrevista n 09 109 piores condi es de funcionamento no seu interior A alimenta o os odores as fezes a urina os aspectos f sicos da institui o fazem parte de uma mem ria compartilhada entre esses personagens A descri o feita por Florianita traz de suas lembran as o medo ou qui o asco que ela sentiu ao serem lhe oferecidos alguns salgadinhos Diante do cen rio que ela acabava de presenciar a fome que ela sentia n o foi o suficiente para faz la comer algo que viesse ali de dentro Suas recorda es parecem precisar de um sentido de verdade ainda maior do que ela descreveu anteriormente Para realizar esse movimento em busca da verdade do descaso do Hospital Jo o Ribeiro ela o compara a outros hospitais de grande porte Como se n o bastasse citar hospitais bastante conhecidos e tidos na hist ria da psiquiatria no Brasil como lugares de segrega o e desumanidade a exemplo do Juquery e o CAIS suas lembran as trazem a descri o de hospitais como o de Camaragibe em Pernambuco e o Paracambi no Rio de
154. anstornos mentais dentro do espa o fechado dos hospitais psiqui tricos A proposta a de trazer esses atores da loucura para as vias abertas da cidade trat lo por meio de servi os ambulatoriais nos quais o paciente tenha contato cotidiano com a fam lia e com o meio social que o cerca Trata se de despatologizar a loucura e instituir sobre ela uma nova identidade a de cidad o comum que precisa e deve viver as diversas rela es sociais existentes para al m dos muros dos hosp cios Pautando se nessa proposta a reforma psiqui trica tem feito emergir no cen rio urbano as novas institui es tidas pelo Minist rio da Sa de como modelo em tratamento aos portadores de transtornos mentais Emerge portanto as duas principais institui es para dar suporte a essa nova assist ncia s o elas os Centros de Aten o Psicossocial CAPS e as Resid ncias Terap uticas RT s Diante da emerg ncia dessas institui es o Hospital Jo o Ribeiro passa a ser produzido discursivamente como o seu contr rio Al m disso ao se instaurar essas novas institui es os pacientes ganham espa o no ambiente aberto da cidade passam a transitar pelas vias p blicas e a se relacionar com outros personagens que por n o serem crivados pelo diagn stico psiqui trico s o ditos normais Por m com o reaparecimento desse rosto nas ruas da cidade um novo sentimento come a a fazer parte da vida daqueles sujeitos nomeados normais O medo torna se a t nica
155. ante da loucura esta lei de 1903 representa o marco fundamental no processo de consolida o da psiquiatria brasileira como um campo de produ o e difus o de saberes e pr ticas especializadas que passaram a ser legitimamente aceitas e respeitadas Entretanto no decreto n 24 559 de 3 de julho de 1934 termos estritamente patol gicos procuravam estabelecer o reinado cient fico da psiquiatria sobre a loucura Termos como BI De acordo com Engel 2001 p 260 a lei de 1903 consolidaria a vit ria do argumento que legitimava a interven o direta ou indireta dos poderes p blicos na organiza o e regulamenta o da assist ncia aos alienados Assim todos os estabelecimentos de tratamento aos alienados p blicos ou particulares existentes no pa s passariam a ficar submetidos inspe o do rg o da justi a respons vel o Minist rio da Justi a e Neg cios Interiores Esta lei estabelecia ainda de forma detalhada as condi es para a cria o e o funcionamento de hosp cios asilos ou casas de sa de destinadas a acolher enfermos de mol stia mental Ainda sobre este decreto e a participa o do psiquiatra Juliano Moreira Cf AMARANTE 1994 p 77 132 Lei federal n 1 132 de 22 de dezembro de 1903 133 CASTEL 1978 p 137 134 O conto de Machado de Assis intitulada O alienista expressivo nesta discuss o Nele o personagem Dr Sim o Bacamarte que utilizando se de uma passagem de S o Paulo aos Cor nt
156. ara os internos Na oportunidade seria realizado um almo o com distribui o de brindes e sorteio de cinco cestas b sicas entre os familiares ali presentes Al m das recorda es de Jo o Virg nio o Hospital Jo o Ribeiro tamb m ganha outras tonalidades e movimentos na mem ria de Ivone Feitosa Funcion ria da institui o desde 1978 Ivone afirma que ali havia muitos internos e entre eles havia uma parte que fazia artesanato participava de jogos festejos juninos comemora es de natal Al m disso Ivone relata que o tratamento m dico era muito bom pois o hospital possu a uma ala de alcoolismo que era maravilhosa com um tratamento excelente de psic logos e psiquiatras No exerc cio dessa rememora o Ivone foi pega de s bito por uma mem ria que a fez brilhar os olhos a partir de ent o ela passou a narrar um casamento que houve dentro do hospital que ela descreve da seguinte forma A gente chegou at a fazer um casamento com um casal de pacientes Eles se conheceram durante os festejos a terminou a gente fazendo o casamento casamento mesmo a gente chamou o padre aqui tinha missas cultos evang licos pra eles toda semana tinha a missa o padre vinha celebrar a missa aqui toda semana a inclusive o casamento foi feito aqui casamento mesmo a gente conseguiu trazer o padre conseguiu trazer o juiz e tudo Na narrativa de Ivone um casamento dentro de uma institui o psiqui trica entre pacientes
157. arna l e acrescenta que foi muito dif cil de acabar com a coceira que ele tinha Al m disso suas recorda es trazem a sonoridade que ecoava l dentro era povo gritando chorando pedindo para sair era aquela zoada Entretanto as lembran as de Maria Jos n o trazem apenas signos negativos em torno desta institui o Ela lembra que uma vez seu filho ficou internado l durante uns tr s meses e que quando saiu ele ficou bastante tempo sem ter problemas ele teve um tratamento bom ela afirma P Nessa teia discursiva em torno do Hospital Jo o Ribeiro significativo o relato do 83 84 paciente Miguel Andrade Segundo ele aquele hospital era uma tristeza pois os Kleyton esteve v rias vezes interno na Cl nica Dr Maia Ele se apresentava como um sujeito anti social e calado n o se aproximava das pessoas na hora da visita De acordo com sua m e ele desenvolveu esquizofrenia em virtude do uso excessivo de drogas 78 Entrevista n 13 De acordo com o prontu rio de Walmir o progn stico m dico referente F 20 3 o que equivale segundo a Classifica o Internacional das Doen as a Esquizofrenia Indiferenciada Cf Classifica o Estat stica Internacional de Doen as e Problemas Relacionados Sa de Psiquiatria e Neurologia CID 10 Vol 1 S o Paulo Edusp 2008 Walmir esteve interno na Cl nica Dr Maia por diversas vezes Ele se apresentava como sujeito bastante cari
158. as lia novembro de 2005 BRASIL Minist rio da Sa de Manual t cnico operacional do sistema de informa o hospitalar Minist rio da Sa de Bras lia junho de 2009 188 e BRASIL Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de DAPE Sa de mental no SUS acesso ao tratamento e mudan a do modelo de aten o Relat rio de Gest o 2003 2006 Minist rio da Sa de Bras lia janeiro de 2007 e BRASIL Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de Relat rio de Gest o 2003 2006 sa de mental no SUS acesso ao tratamento e mudan a no modelo de aten o Bras lia Editora do Minist rio da Sa de 2007 ANEXOS 190 ANEXO 1 Fotografia da Rainha Joana 191 ANEXO 2 Capa do livro Canto dos malditos produzida artesanalmente pelo pr prio Austreg silo Carrano Esta imagem tamb m foi tema em 2009 do II Pr mio Carrano de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos criado em seu nome com o intuito de dar continuidade luta pela mudan a nas condi es de tratamento das pessoas portadoras de sofrimento mental 192 ANEXO 3 FECHEM as portas do HOSP CIO ABRAM as do CORA O Cartaz do evento beneficente realizado no Hospital Jo o Ribeiro em 2005 193 ANEXO 4 Novos Tempos para o Doente Mental CUIDAR SIM EXCLUIR N O Autor LITERATURA DE Mancel Monteiro a 4 Mt pe e N Xilo RS Ii de Or s Campina Grande Para ba Brasi
159. as reuni es participavam membros da equipe como assistente social psiquiatra psic logo enfermeiros ficando de fora apenas os serventes e a auxiliar administrativa As discuss es eram sobre a evolu o de cada paciente e Tereza chega a se irritar ao lembrar se de como eram essas reuni es descrevendo as da seguinte forma eu n o acredito nesse tipo de tratamento ent o aquelas reuni es imbecis fulano de tal olhou vamos supor tinha um paciente chamado Roberto e uma paciente chamada In cia olhe como era a mesa redonda a conversa hoje eu vi Roberto olhando pra In cia meio enviesado a outro dizia assim mas possa ser que ele olhou enviesado porque In cia tinha comido alguma coisa da comida dele a outro n o eu acho que ele olhou enviesado porque ontem quando ele foi se acordando ela quis cuspir nele olhe Era cada uma Uma hora numa besteira dessa entendeu como eles diziam o paciente tal ontem ele subiu tr s degraus na escadaria X hoje ele s subiu dois todo mundo psic logo psiquiatra todo mundo preocupado porque o paciente hoje s subiu dois degraus Tenha paci ncia A reuni o era s em volta desta besteira Um dia um psiquiatra pegou maior confus o e quase sa a nas tapas com a chefe do setor porque ele achava muito imbecil perder tempo com coisas t o f teis quando tinha tantas coisas volumosas pra cuidar de um paciente pra chegar a um denominador comum a um
160. as Exmas Fam lias pedem nos para abrirmos uma subscrip o em favor do louco Camillo muito conhecido nesta cidade A import ncia arrecadada servir para as despesas com a conduc o do mesmo louco at o Azilo de alienados no Recife As pessoas que quizerem concorrer para este acto de caridade podem remetter nossa Reda o qualquer quantia que iremos publicando Subscrip o em favor do louco Camillo Red d O Campina Grande Neste sentido observa se que a loucura que vivia solta pelas ruas da cidade no in cio daquele s culo despertava algumas vezes o sentimento de compaix o e solidariedade ou seria uma tentativa de retirar esse inc modo das ruas A institui o psiqui trica que ainda n o fazia parte dos cen rios urbanos das cidades paraibanas j era naquele momento acionadas fora do estado Um m s ap s essa nota o jornal publicava a participa o de quarenta e seis pessoas que contribu ram com esse ato de caridade em favor do louco Camillo Retomando as lembran as de Pimentel a segunda loucura vivenciada pelo Mudinho se deu na ocasi o em que este presenciou os cad veres de toda uma fam lia que havia morrido em um desastre de avia o os quais foram trazidos para Campina Grande para serem velados 2 Cf MEDEIROS 1999 13 Jornal O campina Grande Anno II n 18 21 de fevereiro de 1909 14 Jornal O campina Grande Anno II n 22 21 de mar o de 1909 41 na igreja O pobrezinho
161. as e ambientes alagados Sendo assim poss vel afirmar que de acordo com o seu relato era preciso humanizar Humaniza o da loucura essa constitui a palavra chave em sua narrativa Para ilustrar essa ideia um texto intitulado O bicho homem 45 Entrevista n 10 113 no Hospital Jo o Ribeiro de autoria da jornalista Waleska Barbosa foi publicado no Jornal da Para ba no dia 5 de maio de 2005 e trazia o seguinte A realidade do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro j fazia parte da realidade de Campina Grande h quatro d cadas e pelo mesmo per odo fez tamb m parte e mudou a realidade de centenas e milhares de pacientes Ali as portas velhas e carcomidas emperraram e negaram a abertura s mudan as Ali a dignidade a cidadania os valores os direitos a higiene o respeito os cuidados a alimenta o tudo isso havia recebido prefixos de nega o de contr rio de usurpa o Pessoas nuas com os cabelos desgrenhados famintos habitando espa os f tidos dormindo sobre espumas igualmente f tidas e sujas Era dif cil manter se humano ali mas vez ou outra algu m conseguia Penso que se o poeta Manoel Bandeira pudesse fazer um contraponto com outras tintas diria O bicho n o era um c o n o era um gato n o era um rato O bicho meu Deus era um homem De acordo com o relato de L via e o texto de Waleska os pacientes daquele hospital haviam se tornado animais Essa ideia
162. as pelo hospital com pacientes que moravam naquelas depend ncias h trinta anos Constata ainda que n o havia camas nem colch es nos quartos ou vasos sanit rios nos banheiros eram segundo ele condi es inadequadas As impress es dessa visita feita por Geraldo ganharam corpo nas p ginas do jornal Di rio da Borborema Em declara o a esse jornal ele afirmava que No Jo o Ribeiro existem pessoas morando h mais de 22 anos 49 internos nesta condi o vivendo em Ala de Pelados sem nenhuma perspectiva de recupera o acarretando somente gastos ao Estado Um outro problema a condi o de infra estrutura do hospital a qual est comprometida e fora dos par metros do Minist rio da Sa de Ala de Pelados assim que Geraldo nomeia os espa os onde estavam os pacientes O uso desse termo se refere ao fato de os pacientes andarem nus pelas depend ncias do hospital Um outro ponto presente na sua narrativa por meio do qual poss vel visualizar o impacto sentido por ele diz respeito aos pacientes moradores do hospital Ora ele afirma existir ali pacientes com trinta anos de interna o ora fala na ordem de vinte e dois anos Os n meros parecem n o se harmonizar mas d o for a ao impacto sentido por Geraldo ao se deparar com a realidade daquelas vidas que estavam internas ali h tanto tempo Fernando Florianita L via e Geraldo s o personagens que lutaram em prol da reforma psiqui trica em Campina Grande
163. asileiras ele condenado a no m ximo trinta anos de pris o j os doentes mentais t m deles com mais do que isso presos condenados sem nenhum julgamento De acordo com o poeta Manoel foram as informa es passadas por Vit ria que o possibilitou compor alguns versos sobre a reforma psiqui trica e as viv ncias daquelas pessoas que sofrem com problemas mentais Ele afirmava naquela oportunidade o seguinte como eu n o tenho nenhum compromisso tico que os m dicos t m por for a da profiss o eu disse e digo aquilo que eu achar que devo dizer Ent o o poeta tem a mania de colorir com tintas fortes as suas ideias e aquilo que ele imagina e aqui eu digo na ltima estrofe os Srs as podem observar eu digo fechem as portas dos asilos abram as do cora o A estrofe referida em sua argumenta o diz o seguinte Melhor do que choque el trico 116 TOUGON 2006 p 163 117 LOUGON 2006 p 163 118 Refiro me s duas institui es psiqui tricas existentes na cidade s o elas O Instituto de Neuropsiquiatria e Reabilita o Funcional Hospital Jo o Ribeiro e o Instituto Neuropsiqui trico de Campina Grande Cl nica Dr Maia 11 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 13 120 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 13 88 Calmante forte e pris o Deem aos nos
164. assos a influ ncia italiana sobre o processo brasileiro de reformula o foi tamanha que inicialmente adotou se esta data como comemorativa da Luta Antimanicomial Passando para o dia 18 de maio apenas em 1987 quando na oportunidade da I Confer ncia Nacional de Sa de Mental foi redigido o texto final que propunha a reformula o de assist ncia a sa de mental privilegiando o modelo extra hospitalar PASSOS 2009 p 132 16 Baseando se nesta proposta os reformistas das pol ticas de sa de mental no Brasil come aram a realizar in meros debates com intuito de desautorizar enfraquecer e por extens o erradicar o ent o modelo de tratamento psiqui trico existente Desse modo influenciado pelo paradigma italiano o deputado Paulo Delgado em 1989 elaborou o projeto de lei n 3 657 o qual tramitou no Congresso Nacional por cerca de doze anos passando por v rias transforma es como se ver ao longo deste trabalho at a aprova o da Lei n 10 216 datada de 6 de abril de 2001 Por meio da Lei Paulo Delgado como ficou conhecida estava sendo formalizada a reforma psiqui trica brasileira Neste sentido a partir de 2001 os processos de interven es em institui es psiqui tricas que haviam se iniciado com os debates reformistas desde a d cada de 1980 passaram a ter respaldo legal e cient fico e dessa maneira tornaram se mais efetivos Por meio desta lei que disp e sobre a prote o e os direitos das pessoas
165. ava em jogo nos debates da C mara a situa o do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro que em nome da reforma psiqui trica encontrava se em processo de interven o federal instaurado pelo Minist rio da Sa de Faziam se presentes naquela plen ria representantes do Minist rio secret rio de sa de do munic pio coordenadora de sa de mental estudantes profissionais da rea da psiquiatria pol ticos representantes de hospitais dentre outros Naquele debate os fios do poder se confrontavam entrela avam se partiam se mas tamb m emendavam se aliavam se e produziam uma trama rizom tica de m ltiplos significados em torno daquela institui o Os n s de significados que foram produzidos nas discuss es naquela sess o da C mara dos Vereadores fazem parte de uma ordem legislativa em que as leis contornam e legitimam os chamados direitos de cidadania de homens e mulheres que vivenciam a experi ncia da loucura Entretanto a exist ncia de leis que regem estes cidad os n o algo que nasceu com a reforma psiqui trica Ent o funcion rio do Hospital Universit rio Alcides Carneiro HUAC e diretor do Centro de Assist ncia Crian a Excepcional em Campina Grande O conceito de rizoma usado por F lix Guattari e Gilles Deleuze em oposi o ideia de que o poder localizado numa raiz centralizadora r gida e cont nua por meio da qual todas as outras inst ncias da sociedade estariam vinculadas Um rizoma reme
166. avia um cub culo talvez muito pr ximo de um est bulo de concreto onde os pacientes deviam urinar e defecar N o havia vasos sanit rios nem locais certos para isso o cub culo todo era um vaso plano feito de ch o O provedor da Santa Casa de Miseric rdia do Rio de Janeiro tinha raz o quando ao afirmar que a desgra a da loucura se acha qualificada de crime atroz pois punida com a pena da pris o que pela natureza do c rcere onde se executa se converte na de morte O espa o descrito na disserta o de Kinker aponta para um c rcere em que homens mulheres crian as e idosos eram jogados revelia De sua escrita escorre o sofrimento destas vidas errantes que por terem recebido ao longo da vida o sobrenome de loucos n o possu am mais o direito m nimo de sobreviv ncia como alimenta o higiene e cuidados espec ficos que de acordo a constitui o brasileira deveriam ser garantidos a um paciente seja qual for o transtorno em que se encontre acometido Diante do que Kinker exp e tanto por meio de seu pronunciamento quanto por meio da escrita de sua disserta o tem se a produ o de uma mem ria em torno daquele hospital e de seus pacientes Ele constr i uma imagem desses pacientes como sendo vidas infames que n o eram ouvidas j que a voz da loucura muda e desacreditada pela s bia racionalidade e pelo poder autorit rio da cientificidade m dica que v num pedido de ajuda um surto psic tico Ainda de aco
167. ber m dico cient fico instaurando uma rasura na vida desses atores ao fundar o espa o fechado para o tratamento da loucura 1 1 Vidas errantes Os atores nomeados por uma parcela da sociedade como mal ditos e que comp em o cen rio urbano s o em sua grande maioria mendigos crian as abandonadas enfermos loucos b bados Sujeitos n mades que n o t m outro lugar sen o as cal adas e as ruas da cidade Os memorialistas muito t m a falar sobre essas vidas errantes que viveram a compor a cartografia urbana Vidas estas que s o institu das pela ordem moderna e civilizada como causadoras da desordem De acordo com o memorialista Cristino Pimentel nenhuma cidade do interior do Brasil do norte ou do sul mostra quadros de mis ria t o comoventes como os que assistimos em Campina Grande Sua afirma o hiperb lica busca construir uma cidade entregue ao abandono das iniciativas p blicas Para tanto ele utiliza como refer ncia outras regi es brasileiras no intuito de dar sentido de verdade ao que segundo ele acontecia neste munic pio Cidade amargurada pela aus ncia de iniciativas p blicas que deem a ela o que 552 realmente necess rio para se mostrar civilizada Segundo Pimentel a impress o que se tem ao percorrer as ruas da cidade de que s o desprezados todos os que trazem consigo uma chaga ou vivem com ela mendigando Ali pousa um negro velho manco estirando a m o pedindo com hipocrisia uma
168. ber m dico cient fico n o obtiveram autoridade mas que vivenciaram este processo enquanto consumidores ou seja que aceitaram o discurso posto pela reforma mas produziram rasuras acrescentaram verbos meton mias met foras se contrapuseram concordaram puseram v rgulas onde existiam pontos S o as t ticas como diria Certeau de atores an nimos vidas errantes de homens e mulheres mal ditos falas mudas de personagens desacreditadas Enfim s o estas falas que ganham vida particularmente na primeira parte deste cap tulo pois por meio delas tem se acesso ao outro lado da reforma em Campina Grande Neste sentido os relatos orais mais uma vez se constituem enquanto uma importante fonte para este trabalho pois por meio deles poss vel construir uma hist ria da reforma psiqui trica em Campina Grande Uma hist ria que n o est apenas na m dia e nos documentos jur dicos em torno do processo de interven o ocorrido no Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Mas uma hist ria elaborada a partir das narrativas que as pessoas constroem em torno de suas viv ncias em face deste processo Trata se dos relatos de vida dos sentimentos dos medos e dos conflitos vivenciados por estes atores hist ricos importante destacar aqui a rela o dada no processo de coleta das entrevistas Trata se da rela o entre o historiador pesquisador que det m as perguntas o gravador o papel e o l pis na m o e o entrevistado que porta a mem ria
169. beram com carinho ao longo da pesquisa destaco especialmente Cristina Maia e Antonio Maia No Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro gostaria de agradecer a Jo o Virg nio Ribeiro e a Ivone Feitosa pela simpatia com que me receberam Aos professores do PPGH meus mais sinceros agradecimentos em especial Isabel Guillen e Ant nio Paulo Rezende por terem fissurado algumas formas cristalizadas de meu posicionamento te rico possibilitando assim outras reinven es acad micas Para os professores Luiz Teixeira e Cristina Fachinetti ambos da FIOCRUZ RJ e professora Magali Engel da UFF RJ gostaria de pontuar minha admira o e agradecimento por terem me fornecido textos al m de terem lido meu projeto sugerindo outras possibilidades Agrade o ainda a Augusto Rodrigo Ricardo Karuna Eudes Jo o Paulo e D borah ou seja a todos os alunos da turma do mestrado por terem tingido com cores vivas os meus dias em Recife especialmente a Carolina dos Anjos com quem a amizade se configurou com o mais sincero carinho e amor numa trajet ria em que sofremos juntas todas as etapas dessa ardorosa forma o A Secret ria do PPGH da UFPE Sandra Regina pela disposi o e leveza com que me ajudou ao longo do mestrado Outros amigos tamb m deixaram marcas nessa trajet ria especialmente Monique Vitorino com quem estabeleci a mais profunda rela o de amizade e que banhou os meus dias em Recife com a leveza de seu doce sorriso agrade o
170. bro de 2010 Entrevista n 08 realizada com Adhemar Dantas 13 de abril de 2010 Entrevista n 09 realizada com Florianita Campos 11 de junho de 2010 Entrevista n 10 realizada com L via Sales 30 de agosto de 2010 Entrevista n 11 realizada com Antonio Maia 25 de agosto de 2010 Entrevista n 12 realizada com Elena Medeiros Nome fict cio j que a entrevista preferiu que a sua identidade fosse preservada 14 de abril de 2010 Entrevista n 13 realizada com Hosana Marques 24 de mar o de 2010 Entrevista n 14 realizada com N zia Ara jo 24 de fevereiro de 2009 Entrevista n 15 realizada com Neuza Duarte 21 de fevereiro de 2010 Entrevista n 16 realizada com Maria Jos Santos 25 de fevereiro de 2010 Entrevista n 17 realizada com Miguel Andrade nome fict cio usado para preservar a identidade do entrevistado 24 de fevereiro de 2010 Documentos do Minist rio da Sa de BRASIL Minist rio da Sa de Resid ncias Terap uticas o que s o para que servem Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de Departamento de A es Program ticas Estrat gicas Bras lia Minist rio da Sa de 2004 BRASIL Minist rio da Sa de Secretaria de Aten o Sa de DAPE Coordena o Geral de Sa de Mental Reforma Psiqui trica e Pol tica de Sa de Mental no Brasil Documento apresentado Confer ncia Regional de Reforma dos Servi os de Sa de Mental 15 anos depois de Caracas OPAS Br
171. cada por in meras transforma es no mbito pol tico Com o fim da ditadura militar e o retorno da democracia no Brasil uma parcela da sociedade passou acreditar na possibilidade de uma na o que proporcionasse melhores condi es de vida trabalho estudo e direitos pol ticos para todos Os movimentos que neste per odo lutavam por um pa s menos desigual e clamavam redemocratiza o pareciam cojmoverem n o apenas os setores pol ticos partid rios mas convidavam outras inst ncias a lutarem pelos seus direitos Assim inseridos neste processo os integrantes da sa de mental abriam a possibilidade de reformula o da assist ncia psiqui trica Seguindo este caminho os movimentos da reforma psiqui trica emergentes no Brasil come avam a dialogar com outras pol ticas de sa de mental Pautando se nos modelos que se iniciavam em outros pa ses a exemplo da Fran a com a Psiquiatria de Setor da Inglaterra com as Comunidades Terap uticas e dos Estados Unidos que tamb m usava de servi os comunit rios Estes modelos n o buscavam o fim da institui o psiqui trica mas a sua reformula o por meio de novas t cnicas de socializa o visando sobretudo a transforma o da institui o psiqui trica num lugar de conviv ncia e reaprendizagem da vida coletiva Entretanto o modelo italiano de reforma psiqui trica que constitui aquele no qual o movimento reformista brasileiro ir se pautar e estabelecer discuss
172. cidade durante um nico mandato passando o cargo novamente para C ssio que ficou na prefeitura at 2002 quando renunciou para se candidatar ao governo do estado assumindo o cargo a vice prefeita Cozete Barbosa importante lembrar que em 2001 C ssio se desliga do PMDB e passa a fazer parte do Partido da Social Democracia Brasileira PSDB Apenas em 2005 que um grupo oposto fam lia Cunha Lima representado por Veneziano Vital do R go do PMDB passa a liderar a prefeitura de Campina Grande Tem se portanto uma esp cie de mapeamento das sucess es pol ticas ocorridas na cidade desde a d cada de 1970 Entretanto a interven o ocorrida no Hospital Jo o Ribeiro est situada a partir do segundo semestre de 2004 e o primeiro semestre de 20052 ou seja na transi o do final do mandato da prefeita Cozete Barbosa apoiada pelo grupo Cunha Lima e o novo prefeito Veneziano Vital do R go em oposi o Sendo assim pode se constatar que gt Estou me referindo ao processo de interven o propriamente dito pois algumas inspe es j haviam sido feitas pelo Programa Nacional de Avalia o do Servi os Hospitalar PNASH Psiquiatria desde 2002 quando foram constatadas algumas irregularidades 126 mesmo o grupo Cunha Lima estando no poder desde a d cada de 1980 e a fam lia Ribeiro travando fortes combates pol ticos na busca de ocupar a administra o do munic pio ainda assim o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro n o s
173. co psiquiatra em boa parte das unidades de sa de mental Esta luta pelo poder existente entre as reas do saber que buscam produzir uma verdade sobre a loucura em Campina Grande vinha sendo travada antes mesmo de se instaurar a interven o no Hospital Jo o Ribeiro Retomando o texto de Vit ria Barbosa proferido na C mara dos Vereadores em homenagem ao dia da luta antimanicomial pode se constatar que estavam presentes naquela sess o al m dos pol ticos alguns psic logos inclusive a pr pria Vit ria e L via Sales Na ata desta reuni o consta a presen a de apenas uma m dica psiquiatra a Dr Andr a L gia que foi convidada para ser palestrante Diante disto pode se perceber que os agentes da reforma psiqui trica na cidade s o principalmente psic logos que lutavam em busca de seu poder de atua o sobre aqueles personagens institu dos e nomeados loucos Alguns movimentos em torno dos embates entre essas reas do saber come aram a ganhar for a na cidade No dia 7 de agosto de 2004 estava sendo publicada uma reportagem 13 Entrevista n 09 140 Entrevista n 09 141 Entrevista n 07 143 veiculada pelo jornal Di rio da Borborema intitulada Psic logos definem a es contra lei federal nela a informa o de que alguns profissionais dentre eles psic logos farmac uticos e enfermeiros haviam se reunido para definir a es no intuito de barrar a aprova o no senado do projeto de lei n 25 2002 qu
174. corpo e passam a fazer parte de toda sua exist ncia por isso o conselho do m dico v pra casa tome a medica o e fique de boca calada Porque a palavra doente mental e a experi ncia de seus atores em institui es psiqui tricas os tornam inaceit veis para boa parte sociedade Mas a vida muda como muda a cor dos frutos esta mudan a que os reformistas da sa de mental em Campina Grande por meio de seus discursos propuseram naquela plen ria Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 15 di Segundo Magali Engel 2001 p 119 no Brasil foi a partir dos textos de Antonio L da Silva Peixoto 1837 e Luiz Vicente De Simoni 1839 que a qualifica o da loucura como doen a aparece de forma n tida 82 na C mara dos Vereadores Uma mudan a que tinha como prop sito dar a ver nas ruas desta cidade os pacientes que se encontravam internados no Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Assim observa se como os enunciados colocados naquela sess o eram confrontados debatidos e rasurados Trata se de pr ticas discursivas e n o discursivas que passam a construir a imagem daquela institui o como um espa o hospitalar onde n o deveriam mais ser mantidos aqueles pacientes Como foi discutido anteriormente mesmo aqueles que buscavam manter a institui o em funcionamento mostravam que as pr ticas m dicas ali presentes n o faziam mais sentido para o t
175. cos considerando os doentes e portanto anormais Al m disso ele mostra por meio de sua escrita o deslocamento existente da no o de doen a mental para a de sa de mental Deslocamento este importante para compreender as nomenclaturas os tratamentos e sobretudo os cuidados necess rios que foram tramados na tentativa de evitar este mal chamado loucura Assim como em Dana o na norma de Roberto Machado a obra Del rios da raz o m dico loucos e hosp cios de Magali Engel exerce um papel importante neste trabalho Esta obra permite ao leitor ter acesso s primeiras institui es brasileiras surgidas para tratar os homens e mulheres nomeados de loucos a exemplo do Hosp cio de Pedro II no Rio de Janeiro Al m disso a autora possibilita o encontro com as pr ticas e as rela es de exclus o existentes dentro e fora de seus muros a exemplo das pr ticas de profilaxia e controle da doen a mental Apresento portanto neste primeiro momento alguns te ricos que por meio de seus escritos deram suporte para pensar estes atores da loucura e as pr ticas de exclus o enquanto hist ricas e neste sentido localiz veis em um determinado tempo e espa o Al m disso influenciada por estes textos tornou se poss vel problematizar as pr ticas e os conceitos que Cf CASTEL 1978 37 CANGUILHEM 2009 p 103 38 Cf MACHADO 1978 3 Cf ENGEL 2001 25 delimitam os sujeitos hist ricos inseridos nas especificidades d
176. da Sa de havia promovido algumas fiscaliza es chegando conclus o de que o hospital n o estava atendendo popula o de acordo com as normas que regem atualmente o tratamento em sa de mental no Brasil Sendo assim instaurou se uma interven o que de acordo com o interventor Fernando Sfair Kinker iria resultar em mudan as radicais em todas as instala es Ainda segundo ele embora n o fosse privil gio de Campina Grande o caso do Jo o Ribeiro extrapolou os limites da toler ncia humana De acordo com o rep rter Carlos Magno aquela era a primeira vez que uma equipe de reportagem tinha acesso ao interior do pr dio e s ent o foi poss vel mostrar para a sociedade como era a rotina dos pacientes Os relatos da extensa reportagem presente no interior daquela edi o s o de pessoas que tomavam banhos juntas homens e mulheres numa esp cie de p tio a c u aberto cujo nico instrumento para a higiene era uma mangueira operada mecanicamente por um dos funcion rios Os pacientes foram comparados a elefantes de circo com uma nica diferen a destacava o texto jornal stico no banho dos elefantes usado gua escova e sab o enquanto que os pacientes dispunham apenas de gua e um peda o de pano que servia para enxugar a todos Sobre isso o interventor afirmava o seguinte Fiquei surpreso ao presenciar a alegria de um dos internos quando dei para ele um sabonete e ele me 5922 disse que era a primeira
177. da nesta reportagem o Secret rio de Sa de do munic pio Geraldo Medeiros afirmava que o objetivo era fazer com que esses pacientes recuperassem a auto estima e voltassem a conviver em sociedade j que haviam perdido por completo o contato com os familiares Segundo ele existiam casos de pacientes abandonados que estavam internados h muito tempo nos hospitais e agora necessitavam de ajuda para voltar a desenvolver atividades simples como tarefas dom sticas ou ir s ruas Ele alertava tamb m para os custos desse novo tratamento que s o bem menores que o necess rio para manter um doente internado num hospital psiqui trico e Nota se que a quest o econ mica entrava em jogo pois os custos com as verbas destinadas pelo SUS para manter um paciente internado envolviam pagamentos de sal rios altos a uma equipe composta por m dicos enfermeiros auxiliares de enfermagem psic logos servi os gerais entre outros enquanto que as Resid ncias Terap uticas precisavam apenas de um cuidador por turno com remunera o mensal de apenas um sal rio m nimo A equipe com os demais profissionais estariam atuando nos CAPS localizados pr ximo das Resid ncias para onde seriam levados os pacientes que eventualmente viessem a desenvolver um quadro de surto psic tico A quest o econ mica tamb m apontada pelo m dico e ex funcion rio do Hospital Jo o Ribeiro Edmundo Gaud ncio para quem essa quest o constitui um dos principais moti
178. da vida os mortos com os exclu dos sociais os delinquentes no centro da Lei municipal n 362 de 24 de mar o de 1953 T tulo IV Cap tulo II Se o II Art 30 T Lei municipal n 362 de 24 de mar o de 1953 T tulo V Cap tulo I Se o I Art 43 a 49 38 Lei municipal n 362 de 24 de mar o de 1953 T tulo V Cap tulo I Se o II Art 57 e 59 49 cidade Assim o cemit rio que estava localizado na parte central e comercial da cidade foi transferido para um bairro perif rico chamado Monte Santo o mesmo se deu com a cadeia tamb m localizada na rea central da cidade foi transferida para este mesmo bairro Assim o centro da cidade estava livre desses dejetos sociais que teimavam em emba ar a vis o moderna e o brio da nova urbe Segundo Agra agir racionalmente foi o que permitiu ao homem construir a civiliza o e o mundo moderno essa a o o fez lutar contra a natureza domin la e coloniz la fazendo o distanciar se dos seres despossu dos de racionalidade Agir irracionalmente por seu turno era o que levava o homem a regredir a negar a civiliza o e aproximar se cada vez mais de seu passado distante Assim aqueles que agiam atrelados natureza praticavam atos nomeados pelos enunciados modernizantes como n o racionais ou animalizados tais como os mendigos os loucos os criminosos etc A conviv ncia de humanos com animais fisicamente nos mesmos espa os de circula o ou simbolicamen
179. dade Ao que me parece seu discurso em torno do bem estar dos pacientes psiqui tricos indicava para o fato deque esta responsabilidade n o era apenas dos reformadores da sa de mental Segundo ele esta uma causa de todos e est em cada canto e recanto da sociedade nos familiares nos trabalhadores da psiquiatria e na pr pria forma o dos m dicos pois segundo ele N s temos que ir um pouco atr s e chegar nas universidades qual o modelo de forma o acad mica que se d nesse pa s para que estudantes de medicina tenham sensibilidade para tratar o ser humano e n o s a doen a mental qualquer situa o qualquer uma porque voc n o pode separar o peda o do f gado o pulm o o cora o e depois o sentimento Um problema que seja ortop dico pode gerar um problema mental porque voc pode se sentir exclu do um problema que seja respirat rio pode desencadear um problema mental porque a mente ela governa nosso corpo Sente se perto de um deprimido veja qual a representa o que ele faz de seu corpo perante a sociedade perante seu espa o Observa se por meio da fala de Andr Luiz que os problemas psiqui tricos percorrem toda a extens o do corpo Eles n o atuam isoladamente nem h uma bipolaridade no corpo humano na qual de um lado estariam os problemas da fun o org nica e do outro os da mente funcionando separadamente Por meio de seu discurso ambos se dissolvem em um nico corpo funcionando em
180. das de hospitais gerais instituir nos hospitais gerais 22 2 Trata se es psiqui tricas e utilizar como tais se es neurol gicas ou neuropsiqui tricas se de uma avers o ao modelo hospitalar at ent o existente e uma ades o s formas de tratamento fora dos muros da institui o asilar significando uma anula o proibi o das institui es psiqui tricas vigente no pa s Este modelo italiano de reforma da assist ncia em sa de mental tornou se o ponto de partida para as discuss es reformistas postas no Brasil O interesse por Basaglia era decorrente de muitos aspectos dentre os quais a repercuss o internacional quanto desativa o do hospital de Gorizia e sua participa o nos movimentos de reforma psiqui trica ocorridos naquele pa s Tamb m conhecida como psiquiatria democr tica a 552 reforma psiqui trica italiana fundamenta se na lei Basaglia que sobretudo uma lei sanitarista na qual se opera uma profilaxia no sentido de erradicar doen as infecciosas e aaa E da difusivas sendo a doen a mental um dos casos abordados e n o o caso espec fico J no que diz respeito ao caso brasileiro de reformula o da assist ncia aos portadores de transtornos mentais a lei 10 216 fortalece a distin o existente entre o normal e o rem ia o PSD i ao gra E patol gico na medida em que formula uma legisla o espec fica para os que necessitam de atendimento psiqui trico
181. das e nomeadas de normais Al m disso ela buscava desconstruir a imagem da loucura como sendo desprovida de intelig ncia afirmando que uma pessoa que tem uma doen a dessa n o necessariamente ela tem que ser lerdo ou leso a intelig ncia s vezes pode estar ntegra e s vezes ela pode ser at mais inteligente que muitos de n s Para L gia o mais importante e fundamental neste processo da reforma psiqui trica despir a sociedade de preconceitos Chega de dizer que voc que est ali do outro lado daquele muro diferente Trata se de despir as pessoas desse sentimento para que tenham solidariedade estejam do lado deem apoio e confiem Para ela nesse movimento que consiste a luta antimanicomial Seguindo esta mesma perspectiva de L gia o m dico psiquiatra Maur cio Lougon afirma que a aceita o na sociedade daqueles sujeitos diagnosticados como loucos e que tenham passado por uma interna o psiqui trica est envolta em muitas dificuldades A discrimina o contra ex pacientes faz com que estes n o obtenham emprego e isolados de qualquer fun o social produtiva tamb m n o consigam por exemplo alugar um im vel para residir pois n o podem comprovar renda formando um c rculo vicioso que coloca a 112 AMARANTE 1996 p 75 113 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 4 114 Ata da 9 sess o legislativa especial da C
182. de concentra o exclusivamente da loucura 2 Os problemas psiqui tricos s o aqueles que se apresentam na mente humana tal como a esquizofrenia a depress o os transtornos bipolares entre outros Quanto aos neurol gicos s o aqueles que fazem parte do c rebro da medula ou dos nervos a exemplo de dores de cabe a dist rbios do sono doen a de Parkinson entre outros amp Jornal Di rio da Borborema 7 de setembro de 1963 Como poder ser visto nos pr ximos cap tulos alguns relatos orais e o discurso jornal stico definem o Hospital Jo o Ribeiro como um campo de concentra o 58 CAP TULO Il A LOUCURA NA ORDEM DAS LEIS vamos lembrar gente que n o podemos acabar a loucura por decreto Seria muito se isso pudesse acontecer mas a loucura n o se acaba por decreto Jorge Ramalho As leis s o como as teias de aranha que prendem os francos e pequenos insetos mas s o rompidas pelos grandes e fortes Lima Barreto O Cemit rio dos Vivos Longos anos de assist ncia foram prestados pelo Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro abrigando e estigmatizando homens mulheres crian as e idosos que eram diagnosticados como sendo portadores de problemas psiqui tricos Entretanto os discursos da reforma psiqui trica e a sua lei sancionada em abril de 2001 objetos de pesquisa deste trabalho passou a desautorizar as pr ticas ali existentes expondo seus corredores seus leitos e seus habitante
183. de o s culo XIX reinava como detentor da loucura ou melhor da doen a mental passava a ser contestado Sua autoridade de falar excluir diagnosticar tratar segregar j n o acionava o poder de exclus o que lhe foi outorgado sendo assim come ava a perder sua principal fun o a de determinar qual o melhor caminho para aqueles pacientes que viviam aprisionados por entre os muros e grades do Hospital Jo o Ribeiro Outras reas do saber como a psicologia e a psican lise v m por meio da reforma psiqui trica apossar se da loucura estabelecendo um novo caminho para se tratar a doen a mental j que at ent o era apenas a psiquiatria que detinha essa fun o Estes saberes passam a articular outros movimentos n o mais o da exclus o e segrega o mas no lugar destes a liberdade e as rela es sociais existentes para al m daqueles muros Ao ler o relato de Ramalho a impress o de estar presenciando aquela institui o no leito de uma unidade de terapia intensiva em vias finais tal qual um paciente que necessita de aparelhos para se manter vivo como se o cora o daquele hospital o saber psiqui trico estivesse pulsando a duras penas e os demais rg os entrando em sofrimento lutando para resistir tamanha crise Para este representante da medicina n o era sequer poss vel falar em manter o hospital aberto pois parecia lamentavelmente um caso terminal e como m dico ele achava dif cil tentar ressuscit
184. de suas instala es O texto jornal stico fazia quest o de enfatizar que a constru o do t o magn fico pr dio teria se dado sem a ajuda de quem quer que seja a n o ser a de seu velho pai que em nenhum momento faltou com a necess ria e imprescind vel assist ncia possibilitando ao jovem m dico o dr Jo o Ribeiro o desempenho de suas fun es e especialidades Esta a imagem que come a a ser constru da e divulgada acerca do hospital e do seu propriet rio Uma institui o em que os servi os ali prestados significavam uma esp cie de salva o para aqueles homens e mulheres que nomeados de enfraquecidos mentais necessitavam de assist ncia e tratamento Neste sentido aquela institui o em nome do progresso e da moderniza o da cidade passava a significar um lugar pr prio para aqueles que o texto jornal stico nomeava de inutilizados das faculdades mentais Quanto ao seu propriet rio este passou a representar a imagem do m dico que traria o que havia de mais moderno na assist ncia neuropsiqui trica para Campina Grande Assim seria entregue popula o um lugar pr prio para aqueles pacientes que j n o cabiam mais nos espa os p blicos e qui privados dessa cidade Al m disso os signos emitidos na escrita do jornalista apontavam para o crescimento da cidade crescimento este que n o se dava apenas em termos de espacialidade mas na moderniza o de suas institui es o que
185. de todo processo Segundo ele isso acontece como uma esp cie de revanche em virtude do compromisso social que a psiquiatria teria assumido para com a sociedade civil j que agora ela estaria se posicionando contr ria aos interesses dos familiares e usu rios dos servi os psiqui tricos Neste processo ent o a psiquiatria est sendo desalojada do seu l cus de saber sobretudo por outros saberes representados pela psicologia e pela psican lise que de acordo com Edmundo em Campina Grande t m assumido as r deas da reforma ES 137 TS 3 E E gt a psiqui trica Sua posi o se distancia da de Eliane quando afirma que na rea m dica o 130 Portaria n 336 GM de 19 de fevereiro de 2002 8 O CAPS I constitui se como o servi o de aten o psicossocial com capacidade operacional para atendimento em munic pios com popula o entre 20 000 e 70 000 habitantes 132 O CAPS II constitui se como o servi o de aten o psicossocial com capacidade operacional para atendimento em munic pios com popula o entre 70 000 e 200 000 habitantes 133 O CAPS II constitui se como o servi o de aten o psicossocial com capacidade operacional para atendimento em munic pios com popula o acima de 200 000 habitantes 134 O CAPS i constitui se como o servi o de aten o psicossocial para atendimentos a crian as e adolescentes instalado numa popula o de cerca de 200 000 habitantes 135 O CAPS ad constitui se como o servi o de aten
186. dem humanizar esses atores No dia seguinte inaugura o o Jornal da Para ba trazia a informa o de que os internos do Hospital Jo o Ribeiro iriam receber uma assist ncia mais humanizada e aos poucos estariam sendo inseridos de volta sociedade Informava tamb m que esse era um trabalho pioneiro na Para ba desenvolvido pelo processo de reforma psiqui trica organizado pelo Minist rio da Sa de e que em breve mais quatro unidades seriam instaladas em Campina Grande Para o secret rio de sa de do munic pio Geraldo Medeiros a transfer ncia desses pacientes significava oferecer uma qualidade de vida para esses sujeitos que estavam praticamente abandonados e agora iriam ter mais conforto e carinho dos cuidadores Os pacientes a partir de ent o passariam a receber uma assist ncia mais humanizada e aos poucos estariam sendo inseridos sociedade Em continuidade a essa produ o discursiva em torno da humaniza o da loucura em 18 de maio de 2005 o jornal Di rio da Borborema noticiava a emerg ncia dessas institui es na cidade afirmando que os servi os de Resid ncias Terap uticas assim como os CAPS tamb m constituem uma modalidade assistencial substitutiva interna o psiqui trica prolongada com o compromisso de resgate da cidadania e reintegra o social Afirmava tamb m que esse programa do Minist rio da Sa de visava a disponibilizar moradias inseridas na sociedade destinadas a portadores de tra
187. dicina e sendo priorizado por cargos administrativos que terminavam por fragilizar a atua o das demais categorias Diante dessa proposta todos os outros profissionais estariam impossibilitados de gerenciar cl nicas ou qualquer unidade de sa de a exemplo do Programa de Sa de da Fam lia PSF e dos Centros de Aten o Psicossociais CAPS Neste sentido observa se que h uma rela o conflituosa entre as reas do saber que envolvem os cuidados da sa de mental A psicologia constituindo se como uma outra possibilidade de tratar a loucura passa a instaurar uma linguagem em torno dos corpos dos pacientes psiqui tricos produzindo um novo discurso na m dia e na C mara dos Vereadores possibilitando a emerg ncia de uma nova rede de assist ncia psiqui trica pautada na cidadaniza o da loucura e na humaniza o do tratamento Novos signos come am a ganhar 1 Jornal Di rio da Borborema dia 07 de agosto de 2004 Jornal Di rio da Borborema dia 07 de agosto de 2004 144 Jornal Di rio da Borborema dia 16 de setembro de 2004 144 for a e sentidos de verdade na reelabora o da atua o da psicologia Sandra Caponi ao fazer uma genealogia da assist ncia m dica busca analisar conceitos como o de humaniza o compaix o e solidariedade afirmando que por meio desses conceitos que Legitima se que compulsoriamente os sem teto sejam deslocados para abrigos p blicos reconhecidamente perigosos admiti s
188. dizer todos s o tidos como assassinos em potencial que a qualquer momento pode matar algu m ou por fim sua pr pria vida Essa caracter stica assassina p de ser vista nos t tulos das reportagens dos jornais de circula o em Campina Grande pois antes de se falar em reforma psiqui trica ou em descredenciamento do Hospital Jo o Ribeiro o lugar que pertencia a esses atores da loucura na linguagem jornal stica era a p gina policial estando na maioria das vezes envolvidos em casos de homic dios ou suic dios Essa percep o da loucura corroborada pelo relato de Tereza Valen a que al m de sanitarista trabalhou como enfermeira em alguns hospitais da cidade Como p de ser visto Tereza se posiciona desfavor vel a essa nova forma de assist ncia proposta pela reforma psiqui trica Ela afirma que muito tem se falado em carinho ternura afeto e assist ncia plena mas os agentes da reforma que falam isso n o sabem o que ter um paciente psiqui trico em casa principalmente quando ele esquizofr nico pois quando tem uma crise capaz de matar o primeiro que aparecer pela frente Acerca disso ela afirma o seguinte eu j recebi paciente que tinha acabado de matar a m e em uma crise esquizofr nica ou paciente que tinha acabado de matar outro paciente onde estava internado O relato de Jo o Virg nio tamb m traz signos que apontam nesse sentido da periculosidade da loucura Segundo ele quando o hospital e
189. do da fam lia Estes relatos s o significativos no sentido de mostrar que o discurso impregnado de positividade em torno dessas novas institui es discurso esse que circulou nos jornais locais n o teve uma boa receptividade por parte de alguns pacientes e familiares Como p de ser visto esses atores se posicionaram contr rios lutaram e resistiram a essa nova forma de tratamento A positividade em torno dessas novas institui es dilu da em negatividade quando uma reportagem intitulada Doente mental morre afogada na piscina do CAPS III veiculada pelo jornal Di rio da Borborema trazia a informa o de que a dona de casa Benigna Paulina da Costa 44 anos havia sido v tima de afogamento De acordo com a filha da v tima Alexandra da Costa ela sofria de transtornos mentais e havia sido levada para o CAPS depois de uma crise nervosa Alexandra tamb m afirmava naquela ocasi o que ela e seu irm o foram amea ados pelos funcion rios para ficarem calados Uma vizinha da institui o que n o quis se identificar afirmava que os pacientes costumavam ficar s margens da piscina sem a presen a de nenhum funcion rio al m disso a gua era suja e n o havia nenhuma prote o Nota se que todo aquele discurso de desassist ncia e irregularidades que os reformadores da sa de mental no munic pio come aram a fortalecer em torno do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro agora passa a se instalar nas depend ncias dessas no
190. e doen a mental para o de sa de mental Este deslocamento implica um reajuste nas a es terap uticas da psiquiatria na medida em que esta amplia o seu campo de atua o saindo do interior da institui o com o objetivo centrado no tratamento do indiv duo doente para o restante da sociedade objetivando a preven o da sa de coletiva Este deslocamento pode ser observado nos diversos nomes do rg o destinado a assist ncia psiqui trica p blica federal o qual inicialmente era chamado de Assist ncia M dico Legal a Alienados passando a ser nomeado de Assist ncia a Psychophatas depois Servi o Nacional de Doen as Mentais e posteriormente recebendo o nome de Divis o Nacional de Sa de Mental Atualmente o rg o respons vel a Coordena o Nacional de Sa de Mental Por meio destas re nomea es tem se acesso a uma mudan a pr tico conceitual no que diz respeito atua o do saber psiqui trico na sociedade De acordo com Birman amp Costa instaura se uma muta o radical no campo epistemol gico da medicina mental passando de 5 PASSOS 2009 p 120 152 Criado pelo Decreto n 508 de 21 de junho de 1890 Criado pelo Decreto n 17 805 de 23 de maio de 1927 154 Criado pelo Decreto n 3 171 de 02 de abril de 1941 155 Criado pelo Decreto n 66 623 de 22 de maio de 1970 97 instrumento de cientificidade sobre a doen a mental para pretender se definidor da sa de mental Observa s
191. e uma vez ele pegou uma pedra de m rmore que havia na mesinha de centro da sala e ia Jogando na cabe a dos sobrinhos dele de dois e quatro anos de idade foi quando ela resolveu pedir ajuda a um vereador para intern lo Ela afirma o seguinte Eu achei muito ruim porque fecharam o Hospital Jo o Ribeiro porque quando ele sa a da Cl nica Dr Maia ia pra l pois quando ele tinha alta quando era com tr s ou quatro dias ele come ava a quebrar as coisas dentro de casa a eu levava ele at a pol cia eu achava ruim levar ele para pol cia Teve uma vez que a pol cia teve que levar ele para o Jo o Ribeiro na mala do carro porque ele queria quebrar a viatura O medo que Hosana tinha de que seu filho pudesse matar seus netos al m da agressividade dele ao destruir as coisas dentro de casa retrata bem o que Jo o exp s em seu relato O perigo que Kleyton causava tinha uma dimens o muito forte para Hosana e a melhor solu o mesmo que n o gostasse era chamar a pol cia Desse modo parece que s a pol cia por meio da for a era capaz de combater a loucura de Kleyton Esse profissional que tem por exerc cio o combate ao crime e a periculosidade al m da manuten o da ordem p blica passava a ser para Hosana o nico poss vel de conter as violentas crises de Kleyton e conduzi lo ao lugar pr prio o hosp cio Assim ao ser contida pela pol cia a loucura se aproxima quase que de maneira indissoci vel da criminalidade Jo
192. e a exclus o era necess ria um campo de abandono e dor fazendo a enxergar o que as condi es de possibilidades a permitiam Olhar desconfiado de uma outra pol tica de uma nova ordem o da reforma psiqui trica Sendo assim constitui se como objeto de pesquisa para este trabalho os discursos produzidos pela reforma psiqui trica ou estimulados por ela em Campina Grande PB e a sua atua o no Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro nesta cidade Trata se de uma teia rizom tica 8 Optei por fazer uso do termo reforma psiqui trica neste texto grafado em letras min sculas pois n o tenho a pretens o que tinham os historiadores do s culo XIX de fazer uso da letra mai scula para evidenciar os grandes fatos Entendo que a reforma um acontecimento mais que est inserido numa trama hist rica em que no momento em que come ou a ser produzido outros tantos acontecimentos tamb m estavam em processo de elabora o DELEUZE amp GUATTARI 1995 14 de discursos variados que passaram a produzir algumas verdades sobre seus espa os suas pr ticas seus passantes e moradores Esta teia come ou a ser produzida com nfase nos discursos locais a partir de 2005 quando foi instaurada uma interven o federal por meio do Minist rio da Sa de Foi a partir de ent o que toda uma gama de discursos multifacetados deram a ver uma institui o que estava submersa no sil ncio N o se trata de um sil ncio homog neo que per
193. e aumenta o poder do m dico e restringe o exerc cio da medicina praticado por outros profissionais de sa de Durante os debates os representantes dos conselhos de psicologia enfatizaram que este projeto denominado Lei do Ato M dico tem entre suas principais consequ ncias a restri o s atividades desses profissionais tirando lhe atribui es garantidas por lei O projeto do senador e m dico Geraldo Althoff busca impedir por exemplo os psic logos e farmac uticos de darem prescri es terap uticas das doen as e transfere para os m dicos poderes para tomar as decis es relativas coordena o cargos de chefia dire o t cnica per cias auditorias supervis o e ensino de procedimentos m dicos Ee No dia 16 de setembro pouco mais de um m s ap s essa reuni o uma reportagem tamb m veiculada pelo Di rio da Borborema intitulada Profissionais e estudantes realizam o Ato M dico trazia a informa o de que na tarde do dia anterior esteve ocorrendo no centro de Campina Grande uma manifesta o contra o projeto de lei do Ato M dico o qual atribui poder para o m dico tanto nas prescri es terap uticas quanto na posi o administrativa nos hospitais que passaria a ser ocupada por exclusividade m dica Ainda de acordo com a reportagem essa manifesta o estava ocorrendo em todo o pa s e o maior inc modo dessas categorias fato de que o poder m dico estaria saindo do mbito puramente da me
194. e constitu a como foco dos embates nem parecia ser interesse da fam lia Cunha Lima saber o que acontecia nas suas depend ncias Ali s a sa de mental n o parecia se constituir como interesse dos governantes como p de ser visto no cap tulo anterior as reuni es da C mara dos Vereadores quando abordavam a quest o da sa de no munic pio deixavam de fora a sa de mental e junto com ela os hospitais psiqui tricos salvo nas duas atas analisadas anteriormente sendo uma em homenagem ao dia da luta antimanicomial ocorrida em 2002 e a outra pronunciada no momento da interven o Foi apenas com Vit ria Maria Barbosa coordenadora de sa de mental que se iniciou uma mobiliza o em torno da sa de mental e especialmente em torno da assist ncia prestada pelo Hospital Jo o Ribeiro Como p de ser visto no in cio do presente trabalho o texto de Vit ria pronunciado na C mara dos Vereadores no dia 24 de maio de 2002 chama a aten o dos pol ticos ali presentes para as condi es de tratamento existentes dentro daquela casa hospitalar Seu texto aciona uma esp cie de den ncia do que vinha acontecendo na sa de mental em Campina Grande Desse modo a participa o de Vit ria foi de fundamental import ncia para que algo come asse a ser dito em torno das pr ticas de assist ncia do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro A autora da propositura desta sess o ocorrida no dia 24 de maio de 2002 foi Maria Lopes Babosa m e d
195. e nem as luzes mas como a for a de seus contr rios passa a ser dito e tido como o lugar da incivilidade e das trevas O Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro por meio dessa fabrica o discursiva constitui se como um espa o onde as rela es se entrela am estrategicamente de maneira movedi a e sobre o qual se inscrevem e reescrevem tal qual um palimpsesto os sentidos que fabricados pelos agentes da reforma psiqui trica o p em mostra o d o relevo e rostidade na cartografia de concreto que a cidade 3 2 O Sil ncio das pr ticas em torno da loucura no Hospital Jo o Ribeiro As fiscaliza es realizadas dentro do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro n o se constitu ram como algo in dito que apenas passaram a ser realizadas depois da aprova o da lei da reforma psiqui trica em abril de 2001 Alguns rg os fiscalizadores como a Ag ncia Nacional de Vigil ncia Sanit ria ANVISA no mbito nacional e a Ag ncia de Vigil ncia Sanit ria AGEVISA que compete ao estado s o rg os respons veis pelas fiscaliza es de v rios servi os institucionais dentre eles os de sa de a exemplo dos hospitais psiqui tricos Sendo assim n o foi apenas com o Programa Nacional de Avalia o do Sistema Hospitalar PNASH surgido juntamente com a reforma psiqui trica que o Hospital Jo o Ribeiro teve a sua din mica rasurada pelas fiscaliza es Como p de ser visto o relato de Tereza Valen a d conta de que j h
196. e os memorialistas aqui citados tratam apenas dos casos de loucura dos que andavam perambulando pelas ruas da cidade desse modo n o foi poss vel trazer para esta escrita aqueles casos que possivelmente viviam enclausurados dentro de suas pr prias resid ncias sob os cuidados da fam lia PIMENTEL 1956 p 156 8 Conferir a imagem da Rainha Joana anexo 1 PIMENTEL 1956 p 157 10 PIMENTEL 1956 p 159 39 Observa se por meio do discurso desse memorialista que loucura na d cada de 1940 e 1950 em Campina Grande se apresentava por meio de atores que viviam a habitar os espa os abertos da cidade tal o caso da Rainha Joana que convivia com os demais transeuntes nas ruas muitas vezes sendo marginalizada e at enxotada dos terra os das casas n o havendo ainda uma separa o institucional entre o seu corpo e corpo dos sujeitos nomeados de normais A Rainha Joana n o se constitu a como uma amea a em potencial vida dos outros transeuntes n o estavam colados ao seu corpo os signos da criminalidade e do perigo que hoje s o associados aos portadores de transtornos mentais Outra hist ria contada por Cristino Pimentel que traduz um pouco das viv ncias desses atores da loucura a do Mudinho que o trem matou Pimentel se recorda que no dia 11 de agosto de 1951 quando abria as portas de seu estabelecimento comercial entrou de s bito e esvaindo se em l grimas o senhor Severino Clemente pai do Mudin
197. e por meio do discurso produziram in meras verdades 2 Cf KOSELLECK 2000 22 sobre o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro N o apenas em torno da institui o mas em torno dos homens mulheres crian as e idosos que habitaram seus espa os Al m deste problema central outras quest es tornaram se poss veis por que esta preocupa o do governo em rela o a estes sujeitos nomeados de loucos Quais discursos possibilitaram emergir esse novo paradigma no qual n o s o mais aceit veis os hosp cios O objetivo que deriva destes questionamentos o de tornar vis vel a elabora o das mem rias desta institui o privilegiando suas liga es seus interst cios s rela es daqueles que falam bem como daqueles atores os quais s o enunciados por meio destas falas as liga es pol ticas as parcerias toda uma gama de rela es que se tornaram poss veis naquele momento Para tanto proponho ao modo de Foucault fazer uma hist ria geneal gica dos conceitos que contornam a loucura procurando desnaturaliz los para a partir de ent o tornar vis veis as descontinuidades que fizeram deste processo uma experi ncia singular Algumas dificuldades se fizeram presentes ao longo desta pesquisa uma delas se deu por parte da institui o estudada Penso que pelo fato do hospital ter sido submetido ao processo de interven o no qual foram localizadas in meras irregularidades este foi o motivo pelo o qual fui recebida com desc
198. e que por meio do termo Assist ncia M dico Legal a Alienados h uma ntima rela o da psiquiatria com a jurisprud ncia J o termo Assist ncia a Psychophatas nota se que h uma desvincula o ao menos nominal desse rg o do mbito jur dico predominando a inst ncia m dica por meio do termo psicopata Em seguida a terminologia Servi o Nacional de Doen as Mentais demonstra a for a na atua o do poder psiqui trico por meio da nosografia E No que diz respeito Divis o Nacional de Sa de Mental e Coordena o Nacional de Sa de Mental tais denomina es produzem dois deslocamentos O primeiro diz respeito necessidade de o saber psiqui trico atuar em todos os recantos da vida social sob a Justificativa da preven o a o esta que como foi dito anteriormente j estava presente desde os fundamentos eug nicos nos anos 20 do s culo passado O segundo deslocamento se d em rela o necessidade de se retirar o r tulo doentio da loucura mudando o foco da doen a para a sa de na tentativa de deslegitimar a segrega o em hospitais psiqui tricos e a negatividade existente em torno de termos psicopatol gicos Feito este breve percurso hist rico por meio dos conceitos presentes nas leis que regulamentam a assist ncia psiqui trica pode se compreender como os reformistas da sa de mental atuam por meio da re conceitua o das pr ticas do saber m dico psiqui trico A proposta a de instaurar uma nova
199. e que os ditos loucos sejam isolados em centros que indiscutivelmente n o s o espa os de reabilita o ou cura estimula se que os meninos de rua sejam recolhidos em asilos para esperar uma ado o sempre deferida interfere se piedosamente na dissolu o e separa o de fam lias carentes a piedade e a compaix o se revelam como uma piedosa e tem vel tecnologia de poder que no entanto insiste em aparecer sob a forma de um 145 desapaixonado e necess rio humanismo Assim por meio das an lises de Caponi o humanismo usado a partir de um ide rio utilitarista servindo aos interesses de um indiv duo ou de determinado grupo social Do outro lado desse novo discurso humanista proposto pela psicologia est a psiquiatria que busca lutar para continuar no seu lugar de poder o hospital psiqui trico defendendo o tratamento da loucura atrav s da interna o O fato que estas disputas t m feito emergir no cen rio urbano uma outra verdade em torno da loucura presente nas novas institui es de sa de mental Assim o hospital psiqui trico vem gradativamente perdendo o seu espa o Essa verdade produzida a partir de in meras estrat gias discursivas que deslocam o poder de um lugar para outro Nesse sentido o poder produzido por estas rela es conflituosas existentes na rea psi movedi o e n o se fixa em nenhum lugar mas por meio de seu movimento produz significados que t m dado
200. e rela es estabelecidas em Campina Grande Neste sentido passo a apontar alguns autores que se detiveram no estudo do tema da reforma psiqui trica no Brasil e ou na Europa e com os quais estabele o constantes di logos Autores estes que mostram por meio de seus escritos a rela o entre os chamados manic mios e as novas formas de tratamento extra hospitalares Partilham desta ideia e est o em relevo neste trabalho os seguintes autores Paulo Amarante Maur cio Lougon Izabel Friche Passos Franco Basaglia Joel Birma Franco Rotelli Jurandir Freire Costa e David Cooper Autores que possuem suas especificidades pois est o situados em lugares de saberes diferenciados mas que permitiram o acesso por meio de seus textos trajet ria de discuss es que permeia a reforma psiqui trica no Brasil Para estes autores os manic mios constituem se como modelos tradicionais de assist ncia e se baseiam na institui o como l cus de tratamento e na psiquiatria enquanto saber competente No que diz respeito ao tratamento fora destas institui es ou seja O modelo extra hospitalar este opera uma ruptura referente a um olhar cr tico voltado para os meandros do saber e da pr tica psiqui tricos buscando desautoriz los Ao n vel local poucos autores produziram algo sobre a reforma psiqui trica e como foi dito anteriormente na rea de hist ria em Campina Grande n o consegui ter acesso a nenhuma produ o sobre o tema Neste sentido
201. eados de loucos j n o mais reconhecido para os reformistas da sa de mental como sendo adequado dentro dos hospitais psiqui tricos Por que o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro teve as suas portas fechadas O que tornou poss vel esta ruptura importante frisar que a maneira como abordo esta historicidade do tratamento da loucura afasta se de uma hist ria cronol gica teleol gica consequencial e n o busca explicar os eventos nacionais para enfim apontar os acontecimentos em Campina Grande Para tanto optei por trabalhar algumas tem ticas presentes nas leis e nas atas da C mara a exemplo de tratamentos nomenclaturas assist ncias direitos dentre outros para que assim na medida em que estes temas apare am nesses documentos sejam convocados cruzados e intermediados com as produ es federais e a bibliografia com a qual estou a dialogar Neste sentido trata se da an lise dos discursos presentes nestas fontes e n o de uma an lise meramente cronol gica na qual Campina Grande seria resultado ltimo de um processo maior Ao contr rio busco rastrear as singularidades e os desvios atuantes nesta cidade Por meio da an lise destes documentos n o busco encontrar uma verdade nem as explica es que estes possam fornecer N o minha proposta revelar o que elas cont m de verdadeiro mas rastrear a sua elabora o os seus recortes as suas ordena es suas liga es e seus pertencimentos Compartilho com Foucault quando
202. eja Ana aon 147 por decad ncia senil seja cong nito Ainda de acordo com Engel para o psiquiatra Murilo Campos a express o alienados mentais de todo g nero cuja extens o englobaria at mesmo cg 4 em r 5 r os silv colas e os grandes ignorantes de regi es long nquas seria tamb m a mais adequada J o m dico Humberto Gotuzzo sugeriu a express o portadores de graves anomalias soia 148 ps quicas Observa se que toda uma constru o conceitual entrava em debate naquele momento A proposta era por meio da linguagem p r do outro lado da norma social e do mbito da justi a os homens e mulheres nomeados de loucos Entretanto somente em 2002 uma nova lei reformula a express o utilizada para denominar os incapazes substituindo no C digo Civil brasileiro o termo loucos de todo g nero Trata se da lei n 10 406 de 10 de janeiro de 2002 a qual coloca nos seguintes artigos que Art 3 S o absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil II Os que por enfermidade ou defici ncia mental n o tiverem o necess rio discernimento para a pr tica desses atos Art 4 S o incapazes relativamente a certos atos ou maneira de os exercer II Os brios habituais os viciados em t xicos e os que por defici ncia mental tenham o discernimento reduzido HI Os excepcionais sem desenvolvimento mental completo Ed 146 ENGEL 2001 p 144 147 CAMAR
203. ental Neste sentido foram imbu dos desses novos ordenamentos postos pela legisla o local e federal e pela influ ncia italiana de assist ncia psiqui trica que os pronunciamentos na C mara Municipal de Campina Grande naquela manh do dia 24 de maio de 2005 se entrela avam e atribu am sentidos de verdade sobre o Hospital Jo o Ribeiro O discurso do m dico George Ramalho n o era o nico que anunciava a morte daquela institui o Pronunciamentos como o de Fernando Sfair Kinker que fora nomeado interventor pelo Minist rio da Sa de e assumiu a dire o do hospital no lugar do at ent o diretor Jo o Ribeiro tamb m bastante significativo Segundo ele aquela institui o possu a um sistema de habita o e infra estrutura muito prec rio desde as instala es a falta de colch es medicamentos higiene roupas de cama e sobretudo de uma din mica que garantisse um di logo e um acompanhamento para o paciente ao inv s de pura vigil ncia que usa de muitas grades e pouco contato Para este agente da reforma psiqui trica o hospital encontrava se em situa o prec ria Ele afirmava que aquela era uma institui o muito deteriorada nas condi es f sicas e parecia uma situa o de muito dif cil resolu o Ainda segundo ele a partir do momento em que foi instaurada a interven o toda a equipe tratou de buscar apoio pra poder estabelecer mudan as urgentes e emergenciais para garantir alimenta o de q
204. epara o e espa o de cura ou seja ainda n o se constitu a enquanto um espa o especificamente de tratamento e cura Cf AGRA 2008 43 AGRA 2008 p 158 51 Neste sentido em janeiro de 1931 um ano antes de se instalar o Hospital Pedro I alguns discursos em torno dos corpos dos doentes j conclamavam a ajuda das autoridades municipais para que os enfermos n o andassem pelas ruas em desacordo com a nova ordem moderna que se instalava na cidade Tal o caso de uma crian a epil tica noticiada pelo jornal Brasil Novo nos sobeijamente conhecida nas ruas de Campina Grande uma crian a epil ptica que implora a caridade p blica Esta infeliz criatura quasi que diariamente acomettida do grande ataque nos lugares mais movimentados desta cidade e j de muito costumeiro passa indifferente aos olhos do nosso publico supinamente doloroso se registrar fato de tal ordem em uma cidade adoentada sem duvida um attestado revoltante de nossa civiliza o e de nosso sentimento de piedade para com os enfermos Espet culo b rbaro e humilhante para nossa bella cidade e que est em desacordo com os progressos scient ficos e sociaes mesmo o que aqui nos vemos A epilepsia est no quadro das doen as psychicas e para tal temos um hospital em Jo o pessoa Pergunta se por que continuamos a observar t o triste espet culo em nossa colossal cidade Seria muito louv vel que as nossas autoridades tomassem as prov
205. essoas incapazes utilizando para os pacientes diagnosticados de doentes mentais diferentes nomenclaturas produtoras de significados como consta na lei n 3 071 de 1916 e a sua mudan a na lei n 10 406 de 2002 Estas leis ser o cruzadas com as discuss es pol ticas sobre o tema em Campina Grande Neste sentido estar o presentes as discuss es das atas da C mara dos Vereadores que abordam o caso do Hospital Jo o Ribeiro Uma das atas tratou especificamente do caso numa sess o extraordin ria Al m disso ser problematizada a lei municipal n 4 068 de 30 de dezembro de 2002 bem como uma lei estadual n 7 639 de 23 de julho de 2004 que regulamentam o tratamento psiqui trico 28 Estas leis s o problematizadas em suas regulamenta es pois por meio delas que os homens e mulheres nomeados de loucos receberam um lugar pr prio ou o n o lugar Tais leis instauraram instauram com seus discursos verdades sobre a loucura aprisionando seus atores e estabelecendo a diferen a A import ncia destas fontes se d nesta escrita na medida em que estabele o por meio delas um di logo com a produ o reformista dos gestores pol ticos em Campina Grande bem como com a bibliografia que aborda o tema da reforma psiqui trica Viso por meio deste movimento articular uma historicidade do tratamento da loucura pois s a partir de ent o tornam se poss veis as seguintes indaga es Ora porque o tratamento de homens e mulheres nom
206. expressamente proibido existir no centro da cidade armaz ns de peles couros ou artigos que exalassem mau cheiro ou que de qualquer forma pudessem prejudicar a higiene e a sa de p blicas ficando igualmente proibida a produ o de qualquer coisa cujo mau cheiro incomodasse a popula o no per metro urbano As medidas de higiene e profilaxia impostas no espa o urbano visavam o controle das pr ticas cotidianas mas n o apenas aquelas que se instauravam nos espa os p blicos da cidade mas sobretudo nas vidas privadas das pessoas que deveria ser controlada na sua forma mais ntima e particular Perde se portanto a no o de ambiente privado do lar j que este espa o tamb m estava sob a mira das autoridades municipais A limpeza e a remodela o da fisionomia de Campina Grande nas d cadas de 1940 e 1950 fundavam se nos princ pios m dicos e higienistas de desinfec o do espa o urbano mas tamb m de moraliza o da vida dos atores hist ricos Novos odores pr dios ruas pra as e revitaliza es tomavam o lugar de becos ruelas casebres espa os polu dos e mal cheirosos Todos os ambientes passavam a ser vigiados e controlados pela municipalidade que tinha por desejo civilizar os campinenses rumo ao progresso e moderniza o Os espa os foram sendo reinventados ganhando outra rostidade na cartografia de concreto da cidade J n o era mais permitida a conviv ncia mesmo em espa os espec ficos dos exclu dos
207. forma de preservar a integridade das pessoas envolvidas no processo Entretanto por meio de uma an lise minuciosa dos eventos da descri o do ambiente hospitalar e das fotografias utilizadas em 35 MACHADO 1978 p 427 3 Sobre a cria o do Hosp cio de Pedro II Cf tamb m ENGEL 2001 AMARANTE 1994 MACHADO 1978 37 Kinker participou em 1989 do processo que resultou na desinstitucionaliza o da Casa de Sa de Anchieta na cidade de Santos em S o Paulo processo este que passou a ser considerado um dos marcos da reforma psiqui trica no Brasil 38 KINKER 2007 3 Tais fotografias encontravam se presentes nos jornais locais que veiculavam not cias de maus tratos no Hospital Jo o Ribeiro 69 seu trabalho pude chegar conclus o de que se trata do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro A institui o descrita em seu texto caracterizada da seguinte forma Al m de despojados da condi o de sujeitos os pacientes tamb m estavam despojados de colch es em algumas enfermarias n o havia sequer camas de gua nos banheiros de ilumina o nos quartos de banheiro nos p tios de roupas nos corpos de sabonetes para o banho de comida decente Estavam apoderados de fome sarna e piolhos Sua higiene era prec ria s tomavam banhos coletivos de mangueira comiam arroz e carne com osso no almo o sopa de macarr o com osso no jantar O cheiro de urina e fezes dominava o espa o de reclus o No p tio h
208. gente vai tentar consertar L eu n o percebia eu n o sei o que eles diziam aqui eu sei os detalhes da visita l eu nunca soube sei que existia mas nunca soube o que era cobrado Se Jo o Ribeiro fazia por onde obedecer s recomenda es da ANVISA ou n o eu n o sei Sei que aqui se disser que esse livro aqui t rasgado no outro dia a dire o vai providenciar outro livro Eu acho que tinha quest es pol ticas porque a vigil ncia olhava pra gente de um jeito e pra l a vigil ncia se olhava do mesmo 116 Entrevista n 03 134 Jeito Jo o Ribeiro n o percebeu o olhar Mas aqui eu acompanho as fiscaliza es l 5 z z Pza ti 117 n o ent o daqui eu posso falar l s a quest o do ouvi dizer entendeu Diante do relato de Eliane pode se perceber que as fiscaliza es realizadas pelo rg o de vigil ncia sanit ria n o eram uniformes ou seja n o se cumpria um padr o de exig ncias que deveria ser cobradas em todas as institui es psiqui tricas Eliane acredita que haviam quest es pol ticas envolvidas nessas fiscaliza es o que fazia com que as exig ncias no Hospital Jo o Ribeiro fossem mais brandas do que na Cl nica Psiqui trica Dr Maia Entretanto mesmo afirmando que o rg o fiscalizador tinha dois pesos e duas medidas Eliane deixa a quest o em aberto quando afirma que n o sabia se o que acontecia era falta de exig ncia da vigil ncia para com o Jo o Ribeiro ou se era o J
209. gna de roupas de televisor de arm rios causava lhe indigna es a presen a de grades seguran as e o contato com o sofrimento que ao longo do tempo foi sendo permitido dentro daquela institui o Frente a este cen rio uma quest o posta verdade ou loucura Dentre as interpreta es poss veis para este questionamento aponto duas abordagens uma de car ter hist rico e outra de cunho ret rico Para a primeira pergunto o que se entende por verdade ou loucura Os termos verdade e loucura s o conceitos e sendo assim foram historicamente constru dos O que at ent o constitu a a verdade da loucura o enclausuramento e o sofrimento agora se tornava a pr pria loucura As pr ticas m dicas que cercavam aqueles pacientes passavam a ser desprovida de autoridade e n o mais legitimada por entre as grades Assim o que os olhos de Vit ria buscavam alcan ar a fizeram inverter a ordem e ver que aquela verdade do enclausuramento que se descortinava por entre muros constitu a a pr pria loucura Quanto segunda abordagem a quest o de Vit ria tem uma entona o ret rica na medida em que remete para o par real fic o Ou seja ser que o sofrimento a dor as condi es desumanas que ela estava presenciando eram mesmo reais Ou era um filme de terror no qual aqueles pacientes n o passavam de int rpretes de uma hist ria ficcional e o ambiente hospitalar apenas um cen rio onde se operacionalizava o enredo da l
210. gnificados ora construindo um ambiente de terror e desumanidade ora quando se fala com certa nostalgia dos servi os ali oferecidos apontando para a necessidade de continuar ativa prestando atendimento popula o de Campina Grande Como exemplo de movimentos que tecem a mem ria daquela institui o tem se o pronunciamento do ent o presidente da C mara o vereador Romero Rodrigues Ele afirmava naquela ocasi o que esta cidade um p lo de sa de que se destaca em toda a regi o e que hospital como aquele se ver apenas na capital do estado Sendo assim ele fazia um apelo s autoridades para manter em funcionamento aquela casa hospitalar que como 5571 todo mundo sabe prestou relevantes servi os sociedade campinense Sua postura instaurava um combate perspectiva reformista pois se colocava favor vel a manuten o do hospital e alegava a import ncia de se manter em funcionamento os servi os ali prestados 2 Outro ator deste debate que se posicionava contr rio a reforma o presidente do Ruim fio do E 5 72 e 5 o sindicato dos hospitais o m dico Jos Targino que combatia naquela ocasi o as ideias SS Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 1 HALBWACHS 1993 p 74 7 Romero Rodrigues foi vereador por tr s legislaturas em Campina Grande e duas vezes presidente da C mara Municipal Seus interesses em rela o ao Ho
211. ho informando o incidente ocorrido com o seu filho Pimentel afirma ter acompanhado o crescimento do Mudinho e se recorda que todos os dias dava lhe p o e gua carinho que tamb m era transmitido pela sua esposa que compreendia lhe os acenos e acariciava o tratando o como se fosse um filho querido Segundo Pimentel a primeira loucura do Mudinho se manifestou em 1949 diante da qual ele mesmo providenciou sua interna o na Col nia Juliano Moreira na capital Jo o Pessoa Diante daquele fato ele se recorda e descreve que ficou com a alma comovida como se o seu corpo e o do Mudinho fossem um nico corpo e como se o sangue de ambos percorresse pelas mesmas veias Pimentel o descreve da seguinte forma Era uma crian a am vel de natureza e infeliz e que esp cie de infelicidade Muda e surda Descendia de pais tarados terrivelmente marcados pelo Destino Provinha o pobrezinho de uma fam lia em cujo seio os casos de loucura s o freq entes Pobre gente Sua nica ventura consistia em viver mas viver morrendo viver sofrendo viver crendo O discurso que contorna a loucura se instala na ideia de sofrimento e dor O Mudinho e sua fam lia s o descritos como infelizes e pobrezinhos que vivem pela vida a sofrer Os signos da degeneresc ncia ou seja da hereditariedade da loucura por meio da ra a e dos comportamentos sexuais degenerados s o atribu dos aos seus pais quando Pimentel os nomeia de tarados Esse perso
212. i italiana n 180 ainda fazer uso do conceito de doen a mental v se por meio dos movimentos da psiquiatria democr tica uma maquinaria discursiva que passa a tecer novos significados em torno da loucura acionando outros conceitos em seus discursos na tentativa de suavizar o peso negativo que lhe foi historicamente atribu do Desse modo os reformistas da sa de mental no Brasil t m substitu do o termo doen a que servia para nomear a diferen a e a anormalidade por outros termos como pode ser visto no texto de abertura da lei n 10 216 que Disp e sobre a prote o e os direitos das pessoas 58 59 Sigea gt 60 portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sa de mental 6l Assim termos como sa de mental e transtornos mentais ocupam o lugar antes destinado ao conceito de doen a exercendo um combate contra a patologiza o da loucura que em outro momento motivava e justificava o enclausuramento dos pacientes em institui es psiqui tricas Em Campina Grande a lei de assist ncia psiqui trica tamb m faz uso de uma linguagem que busca descaracterizar a loucura do sentido patol gico Em seu artigo 2 afirma Os poderes p blicos municipal de acordo com os princ pios constitucionais que regem os direitos individuais coletivos e sociais garantir o e implementar o a preven o a reabilita o e a inser o social plena de pessoas portadoras
213. ia chegou um paciente l quando chegou l a disseram voc tava onde Voc j comeu hoje O paciente dizia comi o que voc comeu hoje O paciente eu comi um prato de farinha foi O paciente foi tinha carne O paciente n o t certo O paciente voltava pra casa Entendeu como s pra dizer assim uma equipe multiprofissional mas pra o paciente n o sobrava nada eu n o acredito que o paciente melhore assim Diante dessa lembran a Tereza alerta que a quest o do tratamento mental deve atingir inst ncias mais amplas e profundas Ela prop e que deveria haver os cuidados para com o doente mental e ao mesmo tempo direcionado fam lia pois boa parte dos familiares miser vel e vive em condi es subumanas Para ela deveria haver uma a o da prefeitura no sentido de ir casa desses familiares fazer um relat rio e em seguida coloc los nesses programas de empregos para que essas pessoas possam ter um meio de adquirir uma renda assim quando o paciente voltasse para casa iria ter a m nima estrutura de alimenta o e moradia Tereza lembra que j visitou v rias fam lias de pacientes psiqui tricos e que em uma dessas visitas aconteceu um caso que a marcou muito a fam lia do paciente de psiquiatria a coisa mais penosa que voc pode ver a fome a sujeira o abandono um dia eu encontrei um paciente psiqui trico dormindo num chiqueiro de porco o cantinho
214. ibuto que frustra as expectativas da normalidade postas pela sociedade em que se encontra inserido Cf GOFFMAN 1988 2 O Instituto Neuropsiqui trico de Campina Grande conhecido pelo nome de Cl nica Dr Maia foi fundado tr s anos ap s a inaugura o do Hospital Jo o Ribeiro em 22 de outubro de 1966 59 desse processo que o fez passar de signo de progresso modernidade moderniza o a sin nimo de desumanidade e desassist ncia Na manh do dia 24 de maio de 2005 em pronunciamento na C mara dos Vereadores da cidade de Campina Grande o m dico George Ramalho ex funcion rio do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro apontava para a seguinte quest o seria a loucura sanada por meio das leis Na ep grafe que abre o presente cap tulo ele afirma que n o podemos acabar a loucura por decreto fazendo refer ncia lei 10 216 promulgada em 06 de abril de 2001 a qual versa sobre a reforma psiqui trica no Brasil Em sua fala Ramalho expressava certa inquieta o em rela o maneira como esta lei vinha sendo cumprida Segundo ele n o se pode negar a import ncia deste decreto na medida em que reduziu os leitos psiqui tricos atingindo os macro hospitais que constituem espa os de segrega o e tratamento desumano Entretanto de acordo com sua exposi o mesmo diante deste aspecto positivo n o se pode cair na ilus o de acreditar que esta nova lei colocaria fim exist ncia da loucura Naquela manh est
215. idencias que o caso exige fazendo remover o enfermo para aquelle estabelecimento Ora porque os textos jornal sticos passaram a construir uma discursividade em torno desses corpos atestando certa revolta em torno das condi es em que viviam esses personagens nas ruas de Campina Grande A escrita jornal stica citada acima sinaliza para a necessidade de instalar na cidade uma institui o que pudesse dar apoio a esses infelizes enfermos que andavam perambulando pelas ruas da cidade Nota se que passavam a ser constru dos signos de progresso civilidade cientificidade e desenvolvimento que em nada se harmonizavam com os espet culos de doen as que andavam a atrapalhar a ordem de uma cidade em processo de moderniza o Pouco mais de um ano ap s esta reportagem estava sendo inaugurado o Hospital Pedro I que passava a ajustar a desordem das doen as de acordo com as regras cient ficas modernas morais progressistas e civilizadas de uma cidade que se pretendia moderna A partir de ent o os discursos m dicos v o se fortalecendo e tomando corpo na cidade As pr ticas dos curandeiros barbeiros parteiras etc foram gradativamente sendo exorcizadas sob a alcunha de charlatanices sendo marginalizadas e destitu das de sua sabedoria popular Z que por anos acionava suas for as para ajudar e curar os que dela necessitavam E neste Jornal Brasil Novo dia 10 de Janeiro de 1931 52 sentido que o discurso m dico cie
216. igos desta lei n o verifiquei nenhuma proibi o exist ncia de hospitais psiqui tricos a exemplo do que consta na lei municipal As exig ncias s o de que estas institui es ofere am assist ncia digna aos pacientes que necessitam de tratamento ficando vetadas apenas as institui es com caracter sticas asilares Portanto a proposta do governo federal a de redu o dos leitos psiqui tricos e a sua substitui o por servi os extra hospitalares O modelo de assist ncia posto na lei municipal que pro be a constru o ou expans o de hospitais psiqui tricos tamb m podia ser encontrado no projeto de lei do deputado Paulo Delgado Tal projeto ao longo do per odo em que tramitou no congresso passou por v rias transforma es como a do parecer n 8 de 1991 que no seu artigo 1 afirmava estar proibido em todo territ rio nacional a constru o de novos hospitais psiqui tricos p blicos e a constru o ou financiamento pelo setor governamental de novos leitos ai No que diz respeito ao parecer n 43 de 1999 que tamb m imprime mudan as no projeto de lei inicial seu artigo 4 postulava que a constru o de novos hospitais psiqui tricos p blicos e a contrata o ou financiamento pelo poder p blico de novos leitos em hospitais psiqui tricos somente seria permitida nas regi es em que n o existisse estrutura assistencial adequada Desse modo a partir deste parecer pode se observar uma mudan a q
217. iliares e com os diferentes segmentos da sociedade civil uma outra maneira de compreender e tratar os pacientes psiqui tricos e assim obter um amplo apoio para a luta pela desmanicomializa o Desse modo como poder ser visto ao longo deste trabalho a reforma psiqui trica estabelece outros significados em torno da loucura 10 PED X E da B ar a Ressalto que o sil ncio aqui referido n o significa a mudez dos pacientes que estavam internados no Hospital Jo o Ribeiro mas o seu silenciamento Sons diversos eram emitidos por aqueles pacientes os quais eram inaud veis ou quando ouvidos eram silenciados pelas for as que o cercavam A reforma brasileira come a nesta d cada uma luta contra as institui es psiqui tricas quando em 1978 ocorre o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria em Combori SC o qual neste ano tem como principal debate a Reforma Psiqui trica No ano de 1979 ocorre o I Congresso do Movimento dos Trabalhadores em Sa de Mental em S o Paulo SP e o III Congresso Mineiro de Psiquiatria em Belo Horizonte MG todos atuando na luta contra o ent o modelo de assist ncia hospitalar aos pacientes psiqui tricos Cf PASSOS 2009 2 Sobre a Reforma Psiqui trica surgida na d cada de 1980 no Brasil Cf LOUGON 2006 13 AMARANTE 1994 p 81 15 Dentre as v rias leituras sobre a d cada de 1980 per odo em que o MTSM aponta para exist ncia de uma sociedade sem manic mio pode se dizer que esta foi mar
218. institu dos como loucos e portanto historicamente tidos como seres desprovidos de sentimentos desejos e lasc via parece ser algo inacredit vel por isso no seu relato a palavra que toma corpo o adjetivo mesmo usado como sin nimo de verdadeiro refor ando assim a prova de que realmente aquele casamento aconteceu Observa se que no relato de Jo o e no de Ivone o Hospital Jo o Ribeiro passa a ser constru do a partir de outros olhares N o o descaso e a desumanidade que constitui a t nica de suas narrativas mas s o as cores dos enfeites as festas as dan as as m sicas os eventos comemorativos o casamento os cultos religiosos que d o outras formas e outros movimentos a esta Institui o Neste sentido os lugares sociais que os diversos personagens aqui presentes ocupam tornam poss veis as suas mem rias Enquanto alguns reformadores militantes pela instaura o de uma nova pol tica de sa de mental na cidade descrevem aquele ambiente como o lugar da desordem da maldade e da desumanidade por excel ncia Jo o e Ivone preferem relatar amp Jornal Di rio da Borborema dia 17 de dezembro de 2004 Entrevista n 05 68 Grifo meu Entrevista n 05 120 apenas as coisas boas as cores alegres que faziam parte da din mica da institui o Jo o um dos propriet rios e Ivone funcion ria de confian a que trabalha desde 1978 at hoje para o Dr Jo o Ribeiro ilustram bem a afirma o de que os lugare
219. institui o e observava como os passageiros do nibus n o esbo avam nenhuma rea o nenhum olhar desconfiado ou assustado al m disso nenhuma palavra era balbuciada frente aquela muralha Comunica es diversas eram partilhadas naquele ve culo sobre futebol roupas da moda festas do dia anterior acidentes de tr nsito novelas amigos doentes trabalho estudo mas nada se falava sobre o hospital psiqui trico que estava logo ali menos ainda se falava sobre os 35 Cf DELEUZE 2006 2 O muro do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro possui uma grande extens o pois cerca uma rea de cinco hectares al m de ser bastante alto como caracter stico em institui es deste tipo para evitar as fugas dos internos 19 pacientes que l estavam Foi este sil ncio que me fez desconfiar foi ele que possibilitou um aprendizado e este sil ncio que busco romper por meio de minha escrita Diante disto procurei fazer um levantamento dentro da pr pria universidade com intuito de saber o que at ent o havia sido produzido no curso de hist ria sobre aquela institui o ou sobre os homens mulheres crian as e idosos nomeados de loucos que l estavam Mas a tamb m reinava o sil ncio a loucura n o parecia ser objeto de pesquisa hist rica nesta cidade Portanto justifica se a necessidade de pesquisar um tema t o silenciado pela historiografia local Busquei saquear este objeto daqueles campos de saber que o reduzem a an
220. institui o social somente surge se instala se concretiza e amadurece dentro de uma determinada sociedade quando aquela institui o vem a favor dos anseios de uma determinada sociedade ou seja em ltima inst ncia o que torna vi vel uma institui o qualquer que seja ela como o pr prio hospital psiqui trico decorre fundamentalmente da cria o de possibilidades sociais para a vig ncia da institui o em quest o Jornal da Para ba dia 07 de maio de 2005 Jornal Correio da Para ba dia 08 de novembro de 2005 Jornal Correio da Para ba dia 11 de maio de 2005 7 Jornal Correio da Para ba dia 11 de maio de 2005 Jornal Correio da Para ba dia 19 de abril de 2005 72 Jornal Di rio da Borborema dia 25 de fevereiro de 2005 7 Al m da pesquisa em torno da reforma psiqui trica em Campina Grande que realizei nos jornais de circula o local busquei paralelamente realizar outra pesquisa para identificar o que se falava sobre os pacientes psiqui tricos nas p ginas dos jornais antes da interven o da reforma Constatei ent o que o nico espa o ocupado por esses atores eram as p ginas policiais 74 Jornal Correio da Para ba dia 11 de maio de 2005 75 Entrevista n 06 166 O que Edmundo coloca que os pacientes s o exclu dos e enclausurados dentro dos muros dos hospitais psiqui tricos porque no seu exterior a sociedade os rejeita e os quer trancafiados Neste sentido a exclus
221. ionamento sob pend ncia mas n o adiantava pois continuava tudo do mesmo jeito Ainda de acordo com o seu relato isso acontecia porque a n vel local n o existia um poder que coibisse a a o do Jo o Ribeiro Ent o quando ele Jo o Ribeiro come ou a mexer com os grand es a fecharam enquanto vai s na vigilanciazinha sanit ria do munic pio tudo bem mas quando a vigil ncia sanit ria a do pa s que chegou nos poderes grandes a fechou Neste sentido a exposi o de Tereza aponta para o fato de que as rela es de poder existentes por parte do propriet rio Jo o Ribeiro inibiam a atua o dos rg os de inspe o local inclusive ela utiliza em sua fala o diminutivo vigilanciazinha com o intuito de mostrar que havia uma esp cie de submiss o desse rg o aos poderes locais o que possivelmente fazia com que n o fosse cobrado do hospital que ele se enquadrasse nas normas e par metros que regulamentam a assist ncia em institui es de sa de mental Ainda segundo Tereza Eles n o obedeciam nada a gente chegava l dizia o que tava errado anotava e falava com a dire o tudo mas continuava do mesmo jeito Eles tinham politicagem no meio com politicagem voc n o consegue porque eles t m costas largas e libera mesmo o alvar porque tem costa larga e a coisa continua terminou falindo porque as coisas eram erradas demais tinha tanta coisa absurda l O Jo o Ribeiro era um hospita
222. ios afirmava Se eu reconhecer quanto se pode saber e n o tiver caridade n o sou nada E seguia afirmando que o principal em sua obra da Casa Verde estudar profundamente a loucura os seus diversos graus classificar lhes os casos descobrir enfim a causa do fen meno e o rem dio universal Este o mist rio do meu cora o creio que com isto presto um bom servi o humanidade Esta constitu a a principal fun o de um alienista aprisionar a loucura para em seguida dissec la em nome da caridade humanidade Cf ASSIS 2008 p 19 13 ENGEL 2001 p 255 93 higiene mental psicopatas doen as mentais profilaxia afec o mental toxic manos cont gio mental cr nicos anormais e dist rbios mentais perpassam todos os artigos dessa lei que Disp e sobre a profilaxia mental a assist ncia e prote o pessoa e aos bens dos ATI re a aa sos aay136 psicopatas a fiscaliza o dos servi os psiqui tricos e d outras provid ncias Este decreto marca a legitima o do saber psiqui trico pautado na cientificidade m dica e a sua autoridade sobre a loucura na medida em que faz uso de todo um aparato de conceitos patol gicos que atribuem por meio do diagn stico a necessidade de enclausuramento daqueles que s o estigmatizados pelo poder psiqui trico A profilaxia juntamente com os discursos eug nicos representava naquele momento um dos marcos dos discursos psiqui tricos pois jus
223. ista n 14 realizada com Nizia Ara jo m e do paciente Andr Ara jo em 24 de fevereiro de 2009 5 Entrevista n 15 realizada com Neuza Duarte m e do paciente Marcelo Duarte em 21 de fevereiro de 2010 16 Entrevista n 16 realizada com Maria Jos Santos m e do paciente Walmir Santos em 25 de fevereiro de 2010 Entrevista n 17 realizada com Miguel Andrade nome fict cio usado para preservar a identidade do entrevistado em 24 de fevereiro de 2010 O entrevistado paciente psiqui trico e j esteve internado no Hospital Jo o Ribeiro 101 acontecimento barulhento disforme violento ele amea ador e combatente sob ele s o tra adas linhas repletas de curvas de tor es e liga es que se unem a outras linhas formando n s e em seguida tomando outras dire es Por fim o que nos apresentado uma hist ria aparentemente harmoniosa de tudo que se passou quando at mesmo esse tudo apenas uma parte uma ponta do iceberg que ficou a mostra Existe em nossa sociedade uma tend ncia a acomodar harmonizar e simplificar os eventos Essa tend ncia presente em boa parte das pessoas acontece pois como afirma talo Calvino em fun o de este mundo que vemos e que costumamos reconhecer como mundo se apresentar aos nossos olhos j definido rotulado e catalogado um mundo j conquistado colonizado por palavras um mundo com uma pesada crosta de discurso Os fatos de nossas vidas j est o classificado
224. it ria 2003 A ordem do discurso S o Paulo Edi es Loyola 2005a Hist ria da loucura na Idade Cl ssica 8 ed S o Paulo Perspectiva 2005b Microf sica do poder 21 Ed Rio de Janeiro Edi es Graal 2005c Problemaiza o do sujeito Psicologia Psiquiatria e Psican lise Cole o Ditos amp Escritos Vol I Rio de Janeiro Forense Universit ria 2006a O poder psiqui trico curso dado no Coll ge de France 1973 1974 S o Paulo Martins Fontes 2006b O nascimento da cl nica 5 ed Rio de janeiro Forense Universit ria 2006c Eu Pierre Rivi re que degolei minha m e minha irm e meu irm o 8 ed Rio de Janeiro Graal 2007 182 Arqueologia do saber Rio de Janeiro Forense universit ria 2009 FRAN OIS Etienne A fecundidade da hist ria oral In FERREIRA Marieta de Morais AMADO Jana na Org Usos amp abusos da hist ria oral Rio de Janeiro Funda o Get lio Vargas 2006 GOFFMAN Erving Manic mios pris es e conventos 8 Ed S o Paulo Perspectiva 2008 Estigma notas sobre a manipula o da identidade deteriorada 4 ed Rio de Janeiro LTC 1988 GULLAR Ferreira Uma lei errada Jornal Folha de S o Paulo Domingo 12 de abril de 2009 HALBWACHS Maurice A mem ria coletiva S o Paulo Centauro 1993 HUTCHENS Benjamin Justi a e lei In Compreender L vinas Rio de Janeiro Editora Vozes 2004 KINKER Fernando Esfair O lugar
225. itui es est o se transformando n o apenas numa modalidade de atendimento mas fundamentalmente tem se caracterizado como uma estrat gia de luta entre saberes e poderes Como foi dito anteriormente depois que se efetivou o descredenciamento do hospital o Dr Jo o Ribeiro continuou atendendo a n vel particular ele internava os pacientes de acordo Entrevista n 02 37 Entrevista n 11 38 Entrevista n 06 158 com as condi es de pagamento de cada um Elena Medeiros irm do paciente Eduardo Medeiros lembra que nesse per odo seu irm o ficou l um ano inteiro nessa poca ele gostava de l nessa poca n o tinha enfermeira chefe n o tinha assistente social n o tinha psic loga mas ele gostava de l porque assim tinha pouco paciente pouca gente e nos quartos tinha quatro pessoas n o Isso era na poca que era particular a ele gostava de l Ele ia pra casa a quando ele queria voltar ele voltava sozinho pra l a s vezes eu ia levar ele e s tinha as enfermeiras que medicavam e ele ficava l porque l n o ficava m dico de plant o direto por isso que houve a interven o Era assim todos os pacientes pagavam o valor variava sabe Tinha uns que era um sal rio m nimo tinha outros que era 800 outros 600 reais tinha at de 1 000 variava se ficasse num quarto s j era outro valor se ficasse com quatro era outro valor se ficasse com dois era outro valor no quarto
226. iva a dire o do hospital estava realizando mais um carnaval fora de poca para seus pacientes Mais a frente o texto afirmava que al m da Micarande o hospital realizava a festa de S o Jo o para os internos mas de acordo com a diretora administrativa Ada Ribeiro apenas os pacientes que possu am comportamentos menos agressivos poderiam participar dos festejos Outra reportagem tamb m veiculada no Di rio da Borborema no dia 17 de dezembro de 2004 intitulada Hospitais realizam comemora es trazia a informa o de que o Jo o 2 Entrevista n 11 l O Encontro da Nova Consci ncia um evento anual realizado durante a poca de carnaval na cidade de Campina Grande desde o ano de 1991 Trata se de um encontro intelectual e espiritual no qual as pessoas das mais diversas religi es e reas do saber se re nem para trocar conhecimentos por meio de palestras confer ncias f rum semin rios e apresenta es art sticas A Micarande foi a primeira festa estilo micareta realizada fora da Bahia Durante muito tempo foi realizada em Campina Grande sendo considerada como o primeiro carnaval fora de poca ocorrido no Brasil A primeira edi o da festa datada de 21 de abril de 1989 amp Entrevista n 02 S Ada Ribeiro esposa de Dr Jo o Ribeiro e m e de Jo o Virg nio Ribeiro Jornal Di rio da Borborema dia 04 de abril de 2002 119 Ribeiro tamb m iria realizar os festejos natalinos p
227. ivemos no meio pol tico tamb m viv amos no meio pol tico meu tio era Deputado Federal meu pai era prefeito de uma cidadezinha aqui que fazia oposi o ao atual prefeito e ao atual governador Ent o no tempo como ele era o governador acredito que ele tamb m tornou a coisa invi vel economicamente falando que at ent o se tinha essas normas do PNASH e ele j tinha feito alguns cortes no teto financeiro Jo o se refere a uma poss vel persegui o pol tica por parte do ent o governador C ssio Cunha Lima que assumiu o estado em 2003 De acordo com ele o fato de sua fam lia estar envolvida no meio pol tico e fazer oposi o ao prefeito Veneziano Vital do R go e ao governador pode ter sido um dos motivos que levou o hospital a enfrentar o processo de interven o Ele afirma que C ssio tornou a situa o invi vel pois de acordo com as normas do Programa Nacional do Sistema Hospitalar PNASH alguns cortes j haviam sido feitos no teto financeiro do hospital Sobre esta redu o das verbas disponibilizadas pelo Sistema nico de Sa de SUS antes mesmo de C ssio assumir o governo do estado alguns cortes j vinham sendo 8 Geraldo atuou na secretaria de 1996 a 2005 2 Entrevista n 01 100 Entrevista n 02 11 importante ressaltar que a fam lia Cunha Lima e a fam lia Ribeiro unem se contra a fam lia Vital do R go nas elei es municipais de 2005 128 realizados no or amento do Hospital Jo
228. l 2 Edi o Maio de 2004 Capa do folheto de cordel de autoria de Manoel Monteiro 194 ANEXO 5 Imagem veiculada pelo jornal Correio da Para ba em 28 de Abril de 2005 195 ANEXO 6 Imagem veiculada na capa do jornal Correio da Para ba em 28 de abril de 2005 196 ANEXO 7 pcs a a ATER ka RS k re pes Rar pa ro RUA Mensagem escrita com fezes em uma das paredes do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro homem tem que ser homem 197 ANEXO 8 Imagem de Maria Aparecida internada em um dos leitos do Hospital Regional em Campina Grande
229. l com indigna es Sai de l com muitas dores Na alma na garganta Inicio esta introdu o com esta escrita que julgo exemplar pela forma como por meio da descri o de uma visita a um hospital psiqui trico a autora desnaturaliza a experi ncia provavelmente vivenciada por muitos que um dia realizaram visita semelhante O relato do motorista nesse sentido significativo na medida em que est imbu do da representa o que comumente se constr i acerca do estado e da dor daquelas pessoas Este texto comp e um dos v rios discursos que buscam produzir significados demarcar lugares e instaurar sentidos de verdade para homens mulheres crian as e idosos que vivenciaram a experi ncia da loucura no Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro na cidade de Campina Grande Trata se da fala de Vit ria Maria Barbosa ent o coordenadora de sa de mental do munic pio uma militante pela causa da reforma psiqui trica Ela transmite por meio de suas palavras a perplexidade diante do cen rio de sofrimento e dor materializados por entre as grades corredores e alas que comp em o interior daquela institui o O ambiente apresentado em seu texto por meio de adjetiva es e descri es do espa o hospitalar e dos pacientes produz uma imagem do Instituto Campinense de Neuropsiquiatria e Reabilita o Funcional ICANERF conhecido popularmente pelo nome de Hospital Psiqui trico Dr Jo o Ribeiro Inaugurado em 1963 esta institui o
230. l do quarto eu escutei quando o pai disse assim meu filho n o fa a isso n o a s escutei s a zoada e sai de camisola e descal a no meio da rua gritando o pessoal vieramveio mas ia fazer mais o qu Tiveram medo dele quando ele terminou pegou a sand lia do pai botou l no canto da porta da cozinha acendeu um cigarro e ficou l na frente no port o em p e o povo tudo se afastando com medo As lembran as de N zia externam a dor de ter perdido o companheiro assassinado pelo seu pr prio filho Seu relato demonstra que antes de ocorrer o crime ela temia que algo ruim pudesse acontecer pois havia separado os dois em um espa o recluso da casa Ao t rmino do ato cometido por Andr ela lembra que a vizinhan a ficou com medo dele que quieto fumava um cigarro na frente de casa Diante de um acontecimento desses como n o sentir medo da loucura N zia lembra que o seu marido havia sido internado v rias vezes e que na ltima interna o ele ficou por dois meses na Cl nica Dr Maia Quando saiu quem estava agressivo e inquieto em casa era Andr ent o ela procurou uma interna o para ele mas n o conseguiu Ela se recorda que falou assim olhe Eu queria que voc s no lugar do pai porque o pai j foi pra casa colocasse meu filho porque ele est muito agressivo Mas n o foi poss vel porque de acordo com seu relato n o havia mais vaga Assim fazia algumas semanas que seu esposo estava em cas
231. l rica Lucas possivelmente servia se divers o paras as crian as que o chamavam de Guarda Roupa pelo fato deste fazer uso de in meras vestes ao mesmo tempo Para Pimentel os cabelos desgrenhados e a barba grande de Lucas Gusm o lhe causavam d Neste sentido Lucas caminhava entre a zombaria e o sentimento de pena duas zonas fronteiri as que cercavam a loucura que habitava as ruas Esses personagens aparecem no relato de Pimentel sendo configurados como sujeitos inofensivos como o caso de Lucas a quem ele atribui este adjetivo Ainda de acordo com suas mem rias Lucas foi adoecendo sem apagar a chama da intelig ncia que o fazia versejar Quando morreu o poeta Ruy Barbosa ele sentiu o apagar se daquela luz e externou sua dor na seguinte quadrinha A morte de Ruy Barbosa Causou me pesadas penas N o era um s bio era um g nio N o morreu mudou se apenas Por meio desses versos recitados por Lucas Gusm o poss vel perceber a sua sensibilidade para a poesia al m disso ele acaba por traduzir o seu conhecimento em torno de grandes intelectuais brasileiros como o caso de Ruy Barbosa Pimentel chega a comparar Lucas ao fil sofo de Assim falou Zaratrusta Friedrich Nietzsche Segundo o memorialista n o se trata de coloc lo ao n vel desse grande fil sofo mas quem leu Nietzsche e conversou com Lucas Gusm o entende muito bem a compara o Pimentel conclui afirmando que Lucas nada edificou sen o o
232. l muito grande tinha muito paciente ele era metido na pol tica Segundo Tereza as rela es pol ticas terminavam por deixar com que a situa o permanecesse dentro das irregularidades Observa se que o rg o fiscalizador respons vel pela regulariza o da assist ncia prestada naquele hospital tinha sua atua o limitada Quando 114 Entrevista n 03 115 Entrevista n 03 133 os agentes chegavam l encontravam tudo errado mas a politicagem n o os deixava exercer a sua fun o isso o que ficou nas lembran as de Tereza quanto s fiscaliza es realizadas dentro do Hospital Jo o Ribeiro A pol tica uma coisa muito s rdida ela afirma De acordo com suas palavras quando se tem uma coisa muita grandiosa bem exagerada trata se de quest es pol ticas e quando acontece isso os funcion rios n o podem dizer nada tendo que ficar calados e trabalhar quietos Ainda segundo ela Voc chega l no Jo o Ribeiro pol tica porque ali era pol tica pura ent o voc chegava assim os pacientes tudo com aqueles len is velhos esmolambado abandono total a comida era uma mis ria tanto era que todos eram bem magrinhos voc colocava um paciente em Jo o Ribeiro com quinze dias era de estudar a anatomia dele de t o magrinho que ficava RR si Para ela o que havia dentro das depend ncias do hospital era pol tica pura e quem mais sofria com tudo isso eram os pacientes que n o tinham uma b
233. la Justi a Federal desde o dia 18 de abril Na tentativa de se eximir da responsabilidade do que acabara de afirmar o redator da reportagem explicava que isso pelo menos foi o que disse ontem na C mara Municipal de Campina Grande o representante do Minist rio da Sa de o interventor Fernando Kinker Ele foi o palestrante da sess o especial solicitada pelo vereador Ol mpio Oliveira para discutir a situa o em que se encontra o Hospital Jo o Ribeiro Em sua explana o Fernando Kinker lembrou que o hospital estava funcionando em condi es prec rias n o atendendo aos requisitos m nimos exigidos pelo Minist rio da Sa de Os debates postos na C mara em torno daquele hospital foram veiculados nesta reportagem intitulada sess o discute problemas encontrados em hospital O texto jornal stico apresenta uma institui o que se encontrava em condi es prec rias e que passava por uma interdi o por parte do Minist rio da Sa de Por meio da reportagem a popula o de Campina Grande teve acesso imagem daquele hospital constru da pelo representante da reforma psiqui trica o interventor Fernando Kinker O texto informava a seriedade dos problemas encontrados naquele espa o e apontava para um poss vel fechamento da institui o pois caso n o se adequasse s normas exigidas dificilmente voltaria a funcionar poss vel que o texto jornal stico tenha deixado transparecer a vis o do interventor por ser favor
234. lizasse o que acontecia nas depend ncias do 5 Entrevista n 03 5 Entrevista n 03 Entrevista n 03 116 Hospital Jo o Ribeiro Era preciso ver para acreditar A vis o exerce desse modo a fun o de com provar o que apenas a dimens o da linguagem n o era poss vel de abarcar Outro relato que convoca o sentido da vis o para verificar o que acontecia dentro daquele hospital o da m dica psiquiatra e ex funcion ria do hospital Eliane Dantas Segundo ela o hospital dispunha de uma boa assist ncia nunca faltavam m dicos havia sempre um num total de doze m dicos que faziam parte do quadro L havia alas maravilhosas com servi o de tratamento de alcoolismo que era um trabalho padr o em Campina Grande existia psic logo havia tamb m uma ala com pacientes idosos que fazia um trabalho muito bom tamb m Por m de acordo com suas lembran as existiam alas que dava vontade de chorar porque d i ver o sofrimento humano e n s v amos o seguinte n s v amos as condi es dos colch es os colch es mau cheirosos as vezes faltando colch o eu sei que eles rasgavam os colch es que 5555 urinavam nos colch es eu sei disso mas a obriga o do hospital de ter Eliane deixa transbordar de seu relato a dor que sentia ao ver o sofrimento dos pacientes Sua vis o constatava a realidade existente dentro daquele hospital ao mesmo tempo em que deixava marcas em sua mem ria A vis o tal
235. m contra o fechamento mas apenas para mostrar o fato de que um hospital que por quase cinquenta anos vinha Jornal Di rio da Borborema dia 07 de abril de 2001 10 Nome do deputado federal que elaborou o projeto de lei n 3 657 em 1989 l Esta enfermaria foi fundada pelo pr prio George Ramalho pautando se num modelo trazido de uma viagem sua a Porto Alegre Cf Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 9 62 prestando servi os popula o n o s desta cidade mas de todo o estado estava em via de sepultamento Ainda segundo ele n o era sequer poss vel falar em manter o hospital aberto porque aquele parecia lamentavelmente um caso terminal e como m dico ele achava dif cil tentar ressuscit lo Mais a frente ele afirmava o governo federal tem feito uma campanha de ir nos sufocando aos poucos E eu acho que o que est acontecendo com o Hospital Jo o Ribeiro como naquele livro de Gabriel Garcia Marquez para quem teve a oportunidade de ler cr nica de uma morte anunciada que pelo t tulo j diz Ent o uma cr nica de uma morte anunciada e acho que atr s dessas vir o outras a minha preocupa o que a gente possa nesse per odo de crise pensar como vamos sobreviver A sua exposi o bastante significativa pois de acordo com ele o saber psiqui trico nesta cidade enfrentava uma grave crise Este saber que des
236. mada pois a lei da reforma psiqui trica ao inv s de sanar a loucura trazia s rios problemas para a sociedade como pode ser visto por meio dos relatos que de algum modo contrapunham se nova forma de tratamento proposta pelo Minist rio da Sa de De acordo com relatos como o de Targino e o de N brega esta lei significava a vinda de s rios problemas para uma medicina que 83 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 Texto anexado ao in cio da ata 84 Grifo do autor 85 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 Texto anexado ao in cio da ata 19 demonstrava n o querer lidar com a loucura sen o por detr s dos muros e das grades dos hosp cios Neste Sentido not ria a produ o discursiva em torno da sa da desses pacientes daquele hospital como sendo algo negativo Portanto havia o interesse que partia principalmente dos profissionais da rea m dica em manter o Hospital Jo o Ribeiro em funcionamento Por m para algumas pessoas a reforma psiqui trica n o constitui amea a e n o significa trazer para as ruas da cidade o perigo Geraldo Medeiros ent o secret rio de sa de do munic pio fazendo alus o a um poema de Federico Garc a Lorca intitulado Aurora de Nova York afirmava que o que se tinha naquele momento era a possibilidade concreta de levar para aqueles cidad os para quem a aurora
237. mais faz que lembrar nos que a sociedade n o uma rede geometricamente uniforme como nos apresentada nas necess rias abstra es das ci ncias sociais L J Portelli ainda acrescenta que na mente das pessoas se apresentam diferentes destinos poss veis Ent o esta confronta o exposta aqui n o feita em busca de uma verdade em torno do evento do banho coletivo naquele hospital n o importa para esta escrita a constata o ou n o do sab o usado no banho mas este confronto de relatos feito apenas para mostrar que mesmo as mem rias que partilham de um mesmo evento e t m perspectivas em comum elas instauram sentidos de verdades multifacetados ou como diria Saramago tudo o que dissemos que foi Outro aspecto importante no relato de Florianita o momento em que ela compara o Hospital Jo o Ribeiro a um campo de concentra o No cap tulo anterior tamb m p de ser visto que alguns relatos presentes nas atas de reuni es da C mara de Vereadores do munic pio descreviam este hospital como um campo de concentra o Tal o caso do vereador Ol mpio Oliveira e do presidente do sindicato dos hospitais o m dico Jos Targino que na sess o do dia 25 de maio de 2005 elaboravam argumentos que desenhavam uma imagem aterrorizante em torno daquele ambiente hospitalar e de seus internos Desse modo pode se dizer que os discursos que constroem esse lugar como um lugar de abandono sofrimento e dor passam a ser compartilh
238. mando uma imagem ou v rias imagens daquela institui o Afirmar ao modo de Saramago que tudo o que dissemos que foi refor a a ideia de que o relato oral de mem ria se constitui como uma importante fonte para este trabalho A proposta empenhada aqui a de buscar a constru o dos acontecimentos que s poss vel por meio dos conflitos das contradi es e dos embates O acontecimento n o um documento assinado e carimbado pela verdade uniforme serena e silenciosa da qual ningu m duvida e em que todos os personagens t m a mesma verbaliza o posta sob um mesmo tom de voz O Entrevista n 09 realizada com Florianita Campos em 11 de junho de 2010 A entrevistada representante do Minist rio da Sa de e foi uma das respons veis por montar a equipe de interven o 10 Entrevista n 10 realizada com L via Sales em 30 de agosto de 2010 A entrevistada fez parte da equipe de interven o e foi coordenadora do primeiro CAPS instalado na cidade Entrevista n 11 realizada com Antonio Maia em 25 de agosto de 2010 O entrevistado diretor da Cl nica Psiqui trica Dr Maia 2 Entrevista n 12 realizada com Elena Medeiros Nome fict cio j que a entrevista preferiu que a sua identidade fosse preservada em 14 de abril de 2010 A entrevistada irm do paciente Eduardo Medeiros Nome fict cio 5 Entrevista n 13 realizada com Hosana Marques m e do paciente Kleyton Marques em 24 de mar o de 2010 14 Entrev
239. mbuco Para ba e chegando ao Rio Grande do Norte E a segunda a de que atendesse regi o denominada de Borborema que compreende uma das quatro mesorregi es do estado da Para ba composta por 44 munic pios A primeira possibilidade mais vi vel j que em suas depend ncias havia pacientes internos oriundos de cidades do estado de Pernambuco e do Rio Grande do Norte Cf http pt wikipedia org wiki MesorregiZC3 A30 da Borborema e http pt wikipedia org wiki Planalto da Borborema Consultados em 18 de julho de 2010 4 O Sistema nico de Sa de SUS foi criado pela Constitui o Federal de 1988 para que toda a popula o brasileira tivesse acesso ao atendimento p blico de sa de Anteriormente a assist ncia m dica estava a cargo do Instituto Nacional de Assist ncia M dica da Previd ncia Social INAMPS ficando restrita aos empregados que contribu ssem com aprevid ncia social os demais eram atendidos apenas em servi os filantr picos Do Sistema nico de Sa de fazem parte os centros e postos de sa de hospitais incluindo os universit rios laborat rios hemocentros bancos de sangue os servi os de Vigil ncia Sanit ria Vigil ncia Epidemiol gica Vigil ncia Ambiental al m de funda es e institutos de pesquisa como a FIOCRUZ Funda o Oswaldo Cruz e o Instituto Vital Brazil Cf http pt wikipedia org wiki Sistema_ C3 9Anico_de_Sa C3 BAde consultado em 15 de maio de 2011 5 29 de outubro de 1961 a dat
240. mil coisas ele sempre aparecia perguntando do desentupidor algumas cenas ficaram na minha cabe a As recorda es de Kinker sinalizam os impactos causados pela sua viv ncia no cotidiano daquela institui o poss vel que para ele fosse inimagin vel que algu m pudesse trabalhar desentupindo vasos sanit rios tendo como instrumento de trabalho apenas as m os e alguns sacos pl sticos que improvisados permitiam a m nima higiene diante da falta de um artefato adequado ao exerc cio daquela fun o Diante desse acontecimento Kinker parece n o se dar conta mas em seu relato a palavra que descreve a atitude desse senhorzinho o substantivo loucura apenas essa palavra que diante daquele caso t o inusitado pode dar conta do absurdo da insensatez e da extravag ncia daquele acontecimento A busca incessante pelo instrumento que poderia possibilitar melhores condi es de trabalho para este senhor seria a nica forma de reivindicar alguma melhoria para a sua fun o e para o seu corpo que possivelmente vivia se contorcendo em posi es que j n o condiziam com a sua idade tudo isso para dar conta de um trabalho t o desumano Neste sentido a desumanidade nesse ambiente n o parecia ser algo infligido apenas contra aqueles personagens institu dos como loucos e por isso desprovidos de fala e reivindica es mas ela ultrapassa os limites da loucura e se instala tamb m no cotidiano dos trabalhadores como o caso desse
241. movimento da linguagem na tentativa de devolver os pacientes nomeados de loucos para o conv vio social existente fora dos muros do hospital psiqui trico O conceito de doen a por sua vez legitimava o poder psiqui trico e justificava a necessidade de interna o Uma vez atribu do pela autoridade m dica aos pacientes que necessitavam de tratamento psiqui trico tal conceito estigmatizava os instituindo os enquanto sujeitos patol gico anormais Desse modo na experi ncia italiana este termo passou a ser substitu do por exist ncia sofrimento Esta articula o feita com o prop sito de desmontar os significados negativos at ent o atribu dos por meio dos diagn sticos A proposta a de desconstruir a doen a mental inscrita no mbito positivista da medicina utilizando al m do termo exist ncia sofrimento no es como mal estar priva o psicol gica e dist rbios mentais Essas ltimas segundo 48 Nome pelo qual s o chamados aqueles que aderem luta da reforma psiqui trica na It lia apoiados na perspectiva de Franco Basaglia PASSOS 2009 p 142 50 A cr tica ao conceito de doen a fundamenta o processo de desinstitucionaliza o tornando se o objeto pr tico te rico proposto pela reforma psiqui trica Segundo esta perspectiva a psiquiatria ao ocupar se da doen a n o encontra o sujeito doente mas um amontoado de sinais e sintomas n o encontra uma biografia mas uma hist ria pregress
242. n o se constitui como o lugar do descaso e da desumanidade por excel ncia para todos os personagens hist ricos que o vivenciaram Ele n o tido como um campo de concentra o de maneira uniforme para todas as mem rias Jo o Virg nio Ribeiro administrador da institui o filho do propriet rio e diretor o Dr Jo o Ribeiro descreve a institui o afirmando que gostava muito dali Segundo ele no hospital existia muita gente sempre tinha algu m fazendo alguma coisa ningu m ficava preso os pacientes tinham livre tr nsito at porque a estrutura f sica era enorme De acordo com a sua narrativa l eram organizados s quintas feiras e aos s bados jogos de futebol festas de S o Jo o com comidas t picas quadrilha trio de forr Existia tamb m o Encontro da Nova Consci ncia havia um mini teatro onde tinha bal e v rios outros eventos havia tamb m uma programa o na Micarande com banda musical e os pacientes ficavam passeando com essa banda como se fosse um trio de carnaval Nas lembran as de Jo o o hospital est em constante movimento os festejos parecem ser o que de melhor aquela institui o poderia oferecer aos seus internos Sua mem ria em torno dos eventos realizados no hospital corroborada pela nota publicada no jornal Di rio da Borborema veiculada no dia 04 de abril de 2002 intitulada No Jo o Ribeiro doentes os mentas brincam micarande Nela a informa o de que pela oitava vez consecut
243. nagem da loucura sequer chamado pelo nome pr prio mas nomeado por meio das faltas existentes em seu corpo A aus ncia da fala e da audi o produz sobre sua identidade o codinome de Mudinho 1 PIMENTEL 1956 p 164 40 Na descri o de Pimentel uma institui o se faz presente trata se da Col nia Psiqui trica Juliano Moreira fundada em 23 de junho de 1928 na capital do estado A presen a dessa institui o psiqui trica no relato de Pimentel se faz dada a aus ncia de uma institui o que pudesse dar assist ncia ao Mudinho dentro da pr pria cidade Naquele momento Campina Grande n o contava com nenhum servi o psiqui trico para comportar esses casos de loucura que se espalhavam pelas ruas da cidade Sendo assim a nica forma de tratamento seria deslocar os sujeitos acometidos pelos acessos de loucura para a nica institui o existente no estado A Col nia Juliano Moreira ou como tamb m conhecido o Hospital de Alienados Juliano Moreira naquele momento constitu a se como a primeira e nica institui o psiqui trica no estado da Para ba Antes dela recorria se cidade do Recife que j possu a desde 1864 o Hosp cio de Visita o de Santa Isabel posteriormente Hosp cio de Alienados da Tamarineira atual Hospital Ulysses Pernambucano Como exemplo dessa condu o da loucura para a cidade do Recife tem se o caso do louco Camillo publicado no Jornal O Campina Grande ACTO DE CARIDADE Algum
244. ncentra o Por isso a necessidade de verificar o que realmente acontecia naquela institui o Cf Ata da 25 sess o ordin ria intitulada Vota o dos Vetos do Poder Executivo realizada no dia 20 de abril de 2005 p 5 15 segregava dezenas de pessoas as quais n o possu am o direito sagrado de defesa encarceradas e tratadas como se estivessem num campo de concentra o amp Observa se que a situa o daquela institui o inspirava pavor por parte dos defensores da reforma psiqui trica O ent o vereador agenciava significados que aproximava o hospital a um campo de concentra o Termos como segrega o viol ncia condena o eram emitidos por meio de sua fala com o prop sito de chamar aten o do p blico naquela plen ria Trata se de um movimento por meio da linguagem que produz significados de dor e sofrimento construindo a mem ria daquela institui o como sendo um espa o inadequado para se tratar uma pessoa diagnosticada e nomeada de doente mental A mem ria vida ela est em constante movimento e cotidianamente significando se Compreendida assim ela se afasta da hist ria que se mortifica por meio dos registros Desse modo pode se dizer que a constru o da mem ria do Hospital Jo o Ribeiro acontece por meio de incessantes movimentos As articula es feitas por meio da linguagem exercem um papel fundamental na constru o da imagem daquela institui o na medida em que aciona m ltiplos si
245. ncia proposto pelo governo federal instalado em Campina Grande por meio das discuss es da reforma psiqui trica fruto de uma trajet ria na qual v rias outras leis que antecederam a lei 10 216 buscavam estabelecer uma ordem para a loucura criando novos tratamentos buscando ordenar os espa os de reclus o e propondo novos caminhos para a assist ncia psiqui trica Desse modo como vimos no t pico anterior a proposta da reforma psiqui trica tem como um de seus objetivos a remodela o dos conceitos em torno da assist ncia na tentativa de retirar a negatividade que historicamente foi constru da em torno da loucura Assim pode se observar agora como se deu essa reformula o conceitual em torno de algumas leis de assist ncia psiqui trica antes da aprova o da lei 10 216 O antigo aparato conceitual usado para explicar e justificar a segrega o pode ser visto na legaliza o da assist ncia psiqui trica brasileira no in cio do s culo passado Os conceitos utilizados estavam ligados ao diagn stico m dico psiqui trico que patologizava os atores da loucura e territorializava o lugar da psiquiatria alienista no cen rio cient fico 22 Ata da 9 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2002 p 10 130 FOUCAULT 2005a p 7 92 O decreto n 1 132 de 22 de dezembro de 1903 colocava em seu artigo 1 que O indiv duo que por mol stia mental cong nita ou adquirida comp
246. nde n o se deu de forma isolada e diante da necessidade de historicizar este evento busquei fazer um percurso pelas leis brasileiras que tratam da assist ncia a homens e mulheres nomeados de doentes mentais bem como abordar as produ es bibliogr ficas que discutem o tema em quest o Neste sentido ainda que diante deste retorno por meio das leis e da bibliografia a temporalidade presente neste trabalho se caracteriza por um tempo recente onde os eventos n o est o conclu dos e findados mas continuam a tecer outros significados na medida em 20 que est o em curso mas ser que os eventos hist ricos se finalizam E quem garante que eles se concluem O campo historiogr fico a partir do s culo XX buscou parceria em outros campos do saber a exemplo da filosofia da sociologia da lingu stica da antropologia entre outros que passaram a ser utilizados pelos historiadores A partir de ent o o objeto de pesquisa do historiador encontra se afastado daquele positivismo de outrora no qual apenas fazia parte da escrita historiogr fica os grandes fatos e seus principais personagens interessando se assim pelo real a verdade o sujeito e o par passado presente Neste sentido pulverizou se n o apenas a ideia de fonte hist rica mas a pr pria rela o do historiador com a temporalidade O encontro da historiografia com esses outros campos de saber possibilitou que se fizesse uma an lise do que
247. no daquela institui o Por meio destas fontes procuro descrever e analisar a produ o de discursos incentivados pelo processo de interven o Trata se de um movimento que consiste em problematizar o que cont m nestas fontes para em seguida quebrar a sua monumentalidade Para isso investigo as rela es os interst cios as parcerias que se estabelecem por meio destes discursos formadores de opini o p blica Sendo assim Koselleck me ajuda a pensar sobre este material quando afirma que toda fonte ou mais precisamente todo vest gio que se transforma em fonte por meio das interroga es remete a uma hist ria que sempre algo mais ou algo menos que o pr prio vest gio e sempre algo diferente dele assim Uma hist ria nunca id ntica fonte que dela d testemunho Se assim fosse toda fonte que jorra cristalina seria j a pr pria hist ria que se busca conhecer Sobre a jun o das diversas fontes com os relatos orais Antonio Torres Montenegro ao registrar e discutir os relatos orais de mem ria e por meio destes as impress es dos atores hist ricos em torno das d cadas de 1920 1930 e 1940 na cidade do Recife alerta que a dificuldade em aliar tais fontes se d em princ pio por serem constitutivamente fontes hist ricas distintas na dimens o do pr prio efeito que os fatos acontecimentos e situa es 5 PROUST 2004 l KOSELLECK 2006 p 186 32 desencadeiam Em seguida a temporalidade distinta
248. nsou em se casar seu peito se agitou e os sonhos do amor se agasalharam l dentro enchendo seu cora o de sonhos e esperan a Seu amor por m foi imposs vel pois ela apaixonou se por um mo o rico e de linhagem que lhe afagava os sonhos mas que se transformou em um amor inating vel Seu sonho foi o pesadelo que lhe trouxe a fraqueza mental Agora velha anda louca a dizer pelas ruas da cidade que rainha e que vai se casar com o rei afirma ainda que suas vestes s o mantos de ouro e que toda Campina Grande lhe pertence s o suas todas as lojas e acredita ter pal cios e lindas igrejas Pimentel afirma que alguns podem at se mostrarem indiferentes a tal loucura mas aquela vis o fica dentro da mente de cada um assim como ficam as impress es digitais nos documentos que a lei exige para prova Apossada pela loucura a Rainha Joana vive a cantarolar modinhas do tempo de mocidade e a recitar quadrinhas pelas ruas da cidade relembrando seu passado de mo a cortejada e sonhadora Ela recita ao mesmo tempo em que articula gestos engra ados os versos que a sua mem ria armazenou do tempo em que tanto desejava se casar Diante dessa vida n made Pimentel questiona Haver coisa mais dolorosa para uma mo a que sonhou com um lar cheio de carinho e de filhos com trancinhas loiras e ao inv s disto encontrou uma vida ao relento cheia de amargura e dor abandonada e sobretudo louca importante ressaltar qu
249. nstornos mentais egressos de longas interna es e que enfrentam problemas de reintegra o familiar Com moradia e reinser o social os pacientes poder o viver em contato com a sociedade realizando tarefas di rias como qualquer pessoa indo at o supermercado fazer compras destacava na ocasi o a psiquiatra da equipe de interven o enviada pelo Minist rio da Sa de Suzana Robortella Neste mesmo dia estava sendo realizada uma caminhada em homenagem ao dia da luta antimanicomial O movimento teve in cio na sede do CAPS II na rua Get lio Vargas no centro da cidade e seguiu em dire o Pir mide do Parque do Povo ponto central e tur stico da cidade Na ocasi o 350 pessoas estiveram presentes entre usu rios dos servi os de sa de mental funcion rios e familiares A proposta de acordo com L via Sales coordenadora do CAPS II era mostrar para a sociedade essa nova forma de tratamento dos pacientes de sa de mental j que os CAPS juntamente com as Resid ncias Terap uticas comp em uma rede Jornal da Para ba dia 18 de maio de 2005 1 Jornal da Para ba dia 19 de maio de 2005 20 Jornal Di rio da Borborema dia 18 de maio de 2005 2 Jornal Di rio da Borborema dia 19 de maio de 2005 153 que visa a prestar um atendimento acolhedor e cuidadoso aos portadores de transtornos mentais Estas institui es come am a fazer parte de Campina Grande e com o descredenciamento do Hospital Psiqui trico
250. nt fico se instala como o nico detentor da raz o e provido de autoridade para gerir a vida e a morte A cidade continuava a passos largos o seu projeto de desenvolvimento cient fico Os filhos da terra que haviam se deslocado para outros estados em busca de forma o m dica come am a retornar vidos por exercerem a profiss o Desse modo os la os da medicina em Campina Grande se fortaleceram ainda mais pois com estes jovens m dicos campinenses os arranjos pol ticos estabelecidos em torno das pr ticas m dicas na cidade se firmavam consolidando projetos como a instala o de uma sociedade m dica e de uma faculdade de medicina Diante de todas essas mudan as restava a consolida o na cidade de um novo ramo da medicina o qual como p de ser visto a sociedade j clamava o seu aparecimento trata se da psiquiatria Por meio do m dico psiquiatra uma nova ordem iria se instalar na cidade esta ordem diz respeito separa o dos sujeitos institu dos de loucos e os ditos normais O espet culo m dico campinense j havia constitu do alguns de seus personagens possu a uma linguagem pr pria e um palco onde os m dicos atuavam e ganhavam visibilidade Restava ser instaurado nessa cidade que se pretendia civilizada um espa o onde os tent culos da psiquiatria pudessem se apossar da loucura Assim nesse territ rio f rtil de transforma es emergia o Instituto Campinense de Neuropiquiatria e Reabilita o Funcional
251. nta choro estagnado revolta acompanhada de longo suspiro Ainda hoje anos depois a espera por demais agonizante Horas minutos segundos s o eternidade martirizantes N o come am hoje adormeceram h muito tempo a muito custo comigo Esta espera Oh Deus como nunca pagar o pecado original Ser condenado a morte v rias vezes Quem disse que s se morre uma vez Sentidos se misturam batidas card acas invadem a audi o Aspirada a respira o n o introchada Os nervos j n o tremem d o solavancos A espera est acabando Ou o barulho de rodinhas A todo custo quero entrar na parede Esconder me fazer parte do cimento do quarto Olhos na abertura da porta rodam a fechadura J n o sei quem e o que sou Acuado tento fuga alucinante Agarrado imobilizado escuto parte de meu gemido Quem disse que s se morre uma vez Durante o tratamento Carrano foi submetido a sess es de eletroconvulsoterapia conhecido como eletrochoque Este poema retrata as quatro horas em que esperava uma dessas sess es Cf http portalliteral terra com br artigos ii premio carrano de luta antimanicomial e direitos humanos Consultado em 5 de maio de 2010 a Austreg silo Carrano Bueno nasceu em Curitiba em 1957 Foi escritor ator e dramaturgo Autor de dois livros Canto dos malditos que originou o filme Bicho de sete cabe as e Textos teatro seis pe as para teatro Carrano foi
252. nte na imagem um funcion rio que controlava uma mangueira e vestia se de tal modo que mais parecia estar trabalhando em uma esp cie de frigor fico trajava cal a blusa e bon branco acompanhados de um par de botas brancas que iam at o meio da panturrilha Do lado esquerdo e inferior dessa mesma imagem outra imagem um pouco menor trazia pacientes deitados em lastros de camas sem colch es e amarrados pelos bra os e pernas Um dia antes em 27 de abril de 2005 o Jornal da Para ba publicava uma extensa reportagem intitulada Interventor encontra hospital sem energia gua e colch es a situa o do Jo o Ribeiro prec ria e pacientes s o atendidos no ch o Esta reportagem buscava construir a imagem do Hospital Jo o Ribeiro De acordo com a rep rter Ana Cl udia Papes o interventor Fernando Kinker enviado pelo Minist rio da Sa de estava no hospital h pouco mais de uma semana e havia dito que a situa o era ca tica e preocupante pois as dificuldades iam desde a estrutura f sica do hospital que era inadequada a exemplo de quartos sem energia el trica e banheiros que n o dispunham de gua at as enfermarias onde geralmente era percebido odor de fezes e urina Al m desses problemas os pacientes tinham que conviver com a falta de camas e colch es fazendo com que alguns deles fossem atendidos no ch o De acordo com a reportagem esse era um problema grave tendo em vista que praticamente 30 dos internos do h
253. nteressando portanto os micropoderes a atuantes pois como afirma Roberto Machado na introdu o do livro Microf sica do poder de Michel Foucault N o existe de um lado os que t m o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados Rigorosamente falando o poder n o existe existem sim pr ticas ou rela es de poder O que significa dizer que o poder algo que se exerce que se efetua que funciona E que funciona como uma maquinaria como uma maquina social que n o est situada em um lugar privilegiado ou exclusivo mas se dissemina por toda a estrutura social N o um objeto uma coisa mas uma rela o Partilho com estes autores a ideia de que o poder n o localiz vel mas que ele acontece nas rela es nos encontros Ele n o se concentra mas atua em dispers o pelo tecido social Portanto seria ingenuidade querer localiz lo Assim o que busquei fazer foi mostrar os seus meandros os seus cruzamentos e n o a sua origem Como diria Deleuze e Guatarri tratou se de trazer para essa discuss o o entre n o localiz vel pois as rela es de poder atuantes em torno do Hospital Jo o Ribeiro se constituem tal qual a imagem que esses autores tecem sobre o rizoma como um riacho sem in cio nem fim que r i suas duas margens e adquire velocidade no meio 3 3 Disputas de poder na rea Psi As institui es psiqui tricas nasceram da necessidade de uma afirma o cient fica da medicina Esse querer
254. nto da psiquiatria no pa s Sendo assim discurso e poder se entrela am e elaborados pelos agentes da fala acionam ordena es que possibilitam em um determinado momento hist rico a emerg ncia das institui es psiqui tricas como sendo o lugar que livraria os pacientes do sofrimento existente dentro das Santas Casas de Miseric rdia Pouco mais de um s culo e meio depois o regime muda e os discursos produzidos pelas autoridades voltam se contra as institui es psiqui tricas no sentido de impor uma nova ordem para a loucura em meio a esta nova ordena o que o relato de Kinker est localizado revestindo se de poder e significados A experi ncia na cidade de Campina Grande para esse representante do Minist rio da Sa de parece ter sido marcante em sua trajet ria de desinstitucionaliza es pelo Brasil Pois sua experi ncia no Hospital Jo o Ribeiro tornou se fonte para sua disserta o de mestrado apresentada ao Programa de P s Gradua o em Ci ncias Sociais da PUC de S o Paulo em 2007 Intitulada O lugar do manic mio relato da experi ncia de desconstru o de um hospital psiqui trico no interior do nordeste neste trabalho Kinker usa como fonte suas pr prias lembran as do processo de reforma ocorrido em Campina Grande ao que ele chama de di rio de bordo da interven o O nome dos personagens da institui o e a localiza o geogr fica s o omitidos em seu texto pois segundo ele esta uma
255. o o nico caso que marca a viv ncia de Adhemar dentro do Hospital Jo o Ribeiro Em outro momento sua mem ria relata a seguinte experi ncia 7 Entrevista n 08 38 Ver anexo 8 Jornal Di rio da Borborema dia 08 de julho de 2003 175 Olhe N o brincadeira n o E um mundo totalmente diferente do nosso que voc n o sabe Um rapaz que tava internado l arrancou os dois olhos do companheiro an enga ni 100 gt A tamb m internado oligofr nico eu falei mas rapaz como que voc faz um neg cio desse Ele disse eu olhei nele vi minha alma do lado de l dos olhos dele 101 e fui pegar a minha alma de volta No relato de Adhemar a loucura ganha um aspecto sobrenatural e inusitado A estranheza das a es dos pacientes marca a sua mem ria e mais uma vez os surtos psic ticos est o investidos de signos de periculosidade Diante desse acontecimento a descri o que melhor cabe para Adhemar afirmar que essa uma atitude que n o faz parte do nosso mundo Portanto a loucura desmundanizada e se ela pode ser explicada os signos que a desenham n o fazem parte desse mundo mas de um mundo no qual n o poss vel de ser decodificado pela linguagem da raz o Por meio desses relatos pode se observar como essas vidas errantes come am a ganhar formas Sendo institu dos como sujeitos perigosos e amea adores da ordem p blica e da integridade f sica das pessoas nomeadas normais
256. o o Ribeiro que n o seguia as normas exigidas para o seu funcionamento O importante que as suas lembran as em torno dessas fiscaliza es sinalizam para a possibilidade de haver quest es pol ticas atuantes nessa rela o entre o hospital e a vigil ncia De acordo com os relatos aqui expostos pode se afirmar que havia rela es pol ticas em torno desta institui o Rela es estas que em um dado momento permitiu que as suas pr ticas de tratamento fossem silenciadas emudecendo os meios de comunica o os familiares os pr prios rg os de fiscaliza es e de sa de do munic pio Em outro momento estas rela es parecem ter se fragilizado n o conseguindo mais dar sustenta o s pr ticas instauradas dentro das depend ncias dessa casa hospitalar rompendo assim com o sil ncio que h anos a circundava Neste sentido pode se falar na possibilidade de que os ventos pol ticos mudaram de dire o e os la os que fortaleciam o Hospital Jo o Ribeiro se romperam A partir de ent o um acontecimento barulhento emergiu na cidade trata se do processo de interven o ocorrido na institui o no ano de 2005 Uma teia rizom tica foi se tecendo ao longo dos anos em que esta institui o funcionou na cidade Um rizoma esta a imagem que melhor se encaixa quando se fala em rela es pol ticas em torno do Hospital Jo o Ribeiro Tal qual um rizoma que n o localiz vel as rela es que se instauravam dentro desta insti
257. o Ribeiro Como pode ser visto na reportagem intitulada Jo o Ribeiro reduzir pela metade pacientes e servidores veiculada pelo jornal Di rio da Borborema em 07 de setembro de 2002 a exatos 39 anos da inaugura o dessa casa hospitalar O texto jornal stico afirmava que este hospital tido como refer ncia no tratamento de doen as nervosas e mentais n o tinha muito o que comemorar nesta data pois na ocasi o estava atendendo a 262 pacientes em sistema de interna o De acordo com o m dico Adhemar Dantas coordenador do hospital caso as Autoriza es de Internamento Hospitalar ATHs fossem reduzidas de 148 para 96 conforme estava previsto a nica sa da seria dar alta a 100 pacientes bem como reduzir o quadro de funcion rios que era composto por 140 profissionais incluindo enfermeiros auxiliares chefes de enfermagem psic logos psiquiatras assistentes sociais bioqu micos e outros dos servi os gerais Assim as comemora es do anivers rio da institui o limitaram se celebra o de uma missa na tarde do dia anterior que contou com a presen a da dire o dos funcion rios e dos internos E Diante disto poss vel que a presen a de C ssio no governo do estado tenha facilitado o processo de interven o ou ainda prov vel que ele n o tenha empenhado nenhum esfor o para impedir o que estava acontecendo Entretanto o Hospital Jo o Ribeiro j vinha enfrentando v rios problemas inclusive financei
258. o a reforma psiqui trica se torna uma experi ncia dolorosa na vida de alguns familiares Ela se desespera diante da situa o de ter que trazer o filho diagnosticado de louco e assassino para dentro de casa Sem saber o que fazer ela recorre religi o clamando a Jesus uma sa da para o que estava acontecendo pois ela estava sendo amea ada de ser processada caso n o cumprisse com a ordem de traz lo para casa Mais uma vez o relato de N zia se cruza com o de Jo o Virg nio quando ele afirma que uma m e havia dito para ele que iria construir um quarto fora de casa com uma grade tal qual uma cela pra colocar o filho dentro e ficar dando s a comida N zia relata que depois do que aconteceu ela n o confia em Andr por isso colocou uma grade em seu quarto deixando o preso dentro da pr pria casa Ela ainda continua afirmando que quando ele est calmo ela abre a grade e ele d uma voltinha pela frente de casa mas quando retorna ela o prende novamente Outra experi ncia de vida que coloca a loucura no mbito da periculosidade a de Neuza Duarte m e do paciente Marcelo Duarte Segundo Neuza desde que seu filho desenvolveu esquizofrenia se tornou muito violento Quem o levava para o hospital era a pol cia ela afirma Novamente a pol cia passa a ordenar e controlar a periculosidade da loucura De acordo com Neuza que mora sozinha com Marcelo mesmo ele sendo muito agressivo nunca havia agredido a ela mas nos ltimos tem
259. o momento que eu fui visitar o p tio eu vi algumas pessoas nuas eu vi um rapaz nu que parecia sentir frio e que tinha muitas moscas em cima do rapaz A gente via uma situa o assim muito triste mesmo que de fato me mobilizou muito E f A mem ria de Kinker tem cheiro e cores s o os seus sentidos que abrem as portas daquele hospital nas suas lembran as a partir do odor f tido e do tom brilhante da entrada do hospital que ele come a a reconstruir as cenas que presenciou ao entrar naquela institui o A descri o feita por ele d conta de um ambiente onde o descaso era a t nica dos servi os ali prestados O hospital apresentado como um lugar com dois perfis sendo eles o exterior onde os corredores s o limpos e brilhantes neste momento ele inclusive chega a compar lo com o hall de entrada do hotel onde estava sendo realizada a entrevista e o ambiente interior no qual havia muita destrui o Seu relato em torno da institui o mostra que o que se tinha ao inv s de assist ncia era descaso Os pacientes andavam nus com frio e as moscas partilhavam os mesmos espa os que os internos Entretanto sua descri o n o para por a Em seguida Kinker fala que havia tamb m um s rio problema quanto alimenta o pois no armaz m do hospital n o havia alimentos e os funcion rios iam a cada dia na venda tentar comprar um pouco de arroz Comprar alimentos era uma dificuldade isso porque o hospital tinha muitas d
260. o o relato da ent o coordenadora de sa de mental Vit ria Maria Barbosa que descrevia naquela ocasi o a visita a um hospital psiqui trico da cidade expondo seu interior e suas pr ticas No entanto o nome da institui o visitada n o foi pronunciado mas com a descri o do seu relato constata se que se trata do Hospital Jo o Ribeiro Cf o texto de abertura citado na introdu o deste trabalho 32 Sobre a emerg ncia da reforma psiqui trica no Brasil Cf AMARANTE 1994 e 2003 3 FOUCAULT 1979 As Santas Casas de Miseric rdia na aus ncia de uma institui o espec fica para o tratamento da loucura abrigavam e buscavam tratar os homens e mulheres nomeados de loucos 68 que inspirava o quadro daquela institui o Ele afirmava que aqueles infelizes viviam encarcerados em estreitos cub culos privados de toda e qualquer vista que at a do c u lhes vedada mais a frente ele continua parece que entre n s a desgra a da perda do uso das faculdades intelectuais se acha qualificada de crime atroz pois punida com a pena da pris o 35 Assim com um que pela natureza do c rcere onde se executa se converte na de morte discurso denunciativo o provedor tomou iniciativas que resultaram no decreto de 18 de Julho de 1841 determinando a cria o do Hosp cio de Pedro IP primeiro hospital para doentes mentais no Brasil o qual inaugurava um lugar pr prio para a loucura e assinalava o nascime
261. o poder que historicamente e cientificamente lhe fora atribu do Chegava finalmente a tarde do dia 7 de setembro de 1963 momento da t o propalada solenidade de inaugura o que contava com a presen a de autoridades civis militares e eclesi sticas al m da numerosa representa o da classe m dica da cidade O jornalista incumbido de noticiar o acontecimento afirmava que com a inaugura o daquele hospital n o somente o dr Jo o Ribeiro estaria de parab ns mas toda Campina Grande que recebia assim das m os de um de seus mais abnegados filhos um dos melhores hospitais de neuropsiquiatria e reabilita o de todo o nordeste do pa s O in cio da reportagem transmitia que Conforme noticiamos ser inaugurado hoje s 16 horas o Instituto Campinense de Neuropsiquiatria e Reabilita o Funcional de propriedade do dr Jo o Ribeiro no bairro da Liberdade sem d vida mais um hospital que se incorpora a vida campinense para melhor atendimento das necessidades da numerosa popula o N o ser todavia um Hospital de cl nicas mas um nosoc mio especializado que visar o aperfei oamento do corpo humano atrav s da recupera o motora dos defeitos f sicos de algumas criaturas bem como o lugar certo para os d beis e En 61 cl nicos dos nervosos de um modo geral Um nosoc mio esta a express o que nomeia a institui o inaugurada uma palavra que apesar de ser usada para designar hospital
262. o psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e depend ncia de subst ncias psicoativas com capacidade operacional para atendimento em munic pios com popula o superior a 70 000 habitantes 136 Entrevista n 04 137 Entrevista n 06 141 psiquiatra tem se constitu do a partir de um contingente insuficiente tornando impratic vel a presen a de m dicos psiquiatras em todos os Centros de Aten o Psicossocial Trata se conforme Edmundo Gaud ncio de interesses opostos entre a psiquiatria e a psican lise A psiquiatria defendendo a ideia de que a psicoterapia seria um elemento secund rio mesmo que necess rio reintegra o desse paciente a si mesmo e sociedade Uma reintegra o que apontaria como primeiro passo a necessidade de elimina o dos sinais e sintomas agudos t picos da doen a mental por meio da medicaliza o e da interna o hospitalar E a psican lise por sua vez defendendo a ideia de que o ser humano pode ser reintegrado sa de mental mediante apenas a abordagem psicanal tica que se faria na aus ncia de prescri es medicamentosas Segundo Edmundo decorre desses interesses opostos os verdadeiros embates que t m se constitu do entre essas reas do saber Essa aus ncia de psiquiatras no processo de reformula o da assist ncia em sa de mental algo apontado por muitos que vivenciaram a reforma em Campina Grande De acordo com o relato de Jo o Virg nio nenh
263. oa assist ncia na qual at mesmo uma alimenta o de qualidade era negada a esses sujeitos Sendo assim o relato de Tereza bastante significativo e possibilita ter uma ideia do porqu de nenhuma atitude mais enf tica ter sido tomada a n vel local antes mesmo que pudesse ser instaurada uma interven o federal dentro da institui o Sendo assim poss vel que alguns contratos pol ticos fossem estabelecidos nesses encontros Por m os meandros dessas rela es da fam lia Ribeiro com a Ag ncia de Vigil ncia Sanit ria n o s o poss veis de serem relatados neste trabalho pois os limites das fontes coletadas n o permitem mas a partir de alguns relatos pode se afirmar que havia rela es de for as bastante atuantes no funcionamento desta institui o Outro relato que sinaliza nessa mesma dire o o da m dica Eliane Dantas que no momento da entrevista encontrava se trabalhando na Cl nica Psiqui trica Dr Maia Segundo ela os rg os fiscalizadores instauravam formas de fiscaliza es diferenciadas em rela o ao Hospital Jo o Ribeiro e em rela o Cl nica Dr Maia Sobre isso ela afirma o seguinte Eu sempre fiquei assim angustiada com o seguinte porque eu sabia como que eles trabalhavam l e como eles trabalhavam aqui a vigil ncia chegava aqui era um horror a vigil ncia chegava l eu n o percebia esse temor do hospital porque quando chega aqui a gente sabe que o que a vigil ncia quiser a
264. odelo de aten o sa de mental instituindo que a interna o psiqui trica deva acontecer no Hospital Geral quando os recursos terap uticos ofertados em n cleos especializados no atendimento aos portadores desses transtornos n o forem suficientes para atender situa o de crise e n o nos hospitais psiqui tricos como consta no referido Projeto de Lei No segundo caso o veto se justifica pelo fato de o Projeto de Lei em refer ncia apresenta meios para a constru o e a amplia o de hospitais psiqui tricos confrontando se destarte com a proposta de reforma da assist ncia psiqui trica Ent o revela se a necessidade do veto haja vista que a rede de aten o sa de mental com servi os de base comunit ria territorial torna se indispens vel na supera o do modelo hospitaloc ntrico Cf Lei estadual n 7 639 de 23 de julho de 2004 97 O vereador Ol mpio Oliveira naquele momento exercia o seu primeiro mandato na cidade Diante das discuss es sobre a reforma psiqui trica na C mara era um dos mais interessados em analisar o caso do Hospital Jo o Ribeiro Foi autor da propositura da 13 sess o especial que trata do caso espec fico do hospital e em outra ata do dia 20 de abril de 2005 apontava para a necessidade de designar uma comiss o para visitar aquele hospital pedindo naquela oportunidade agilidade pois segundo ele as not cias que chegavam eram grav ssimas de algo assim que lembra um campo de co
265. oema Aurora de Nova York escrito em 1930 A aurora de Nova York tem Quatro colunas de lodo E um furac o de pombas Que explode as guas podres A aurora de Nova York geme Nas vastas escadarias A buscar entre as arestas Ang stias indefinidas A aurora chega e ningu m em sua boca a recebe Porque ali a esperan a nem a manh s o poss veis E as moedas como enxames Devoram rec m nascidos Os que primeiro se erguem em seus ossos adivinham N o haver para so nem amores desfolhados S n meros leis e o lodo De tanto esfor o baldado A barulheira das ruas sepulta a luz na cidade E as pessoas pelos bairros v o cambaleando insones Como se houvessem sa do De um naufr gio de sangue tradu o de Chico Buarque de Holanda Cf http www letras com br chico buarque a aurora de no va york traducao espanhol Consultado em 8 de julho de 2010 S7 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 23 88 Frederico Garcia Lorca poema Aurora de Nova York 80 R 89 estava encerrado atr s daquelas grades envoltos em fezes sarna piolhos frio e doen as Segundo ela a interven o n o pretendia acabar com a loucura porque a loucura uma causa humana e a reforma n o significava um decreto para isso mas se trata de dar uma assist ncia mais humanit ria e digna para aqueles pacientes que n o conhecem outra coisa al m do sof
266. onfian a Possivelmente pensaram que a minha presen a ali era para fiscalizar e quem sabe encontrar algumas outras irregularidades j que a institui o continua funcionando a n vel ambulatorial Sendo assim pouco consegui extrair devido a essa recep o Al m desta dificuldade outras assolaram meus dias de pesquisadora Por se tratar de um processo recente e ainda em curso muitas fontes n o puderam ser acessadas pois caminhavam em segredo de justi a ou assegurada pela tica m dica que ainda n o permite sua publicidade Entretanto estas dificuldades me possibilitaram al ar outros v os e convocar outros fios para fazer parte deste tecido Feitas estas considera es pode se tratar agora de alguns di logos que s o propostos ao longo do presente trabalho Trata se de entrecruzamentos bibliogr ficos que possibilitaram desnaturalizar e questionar este ser ai da loucura O primeiro contato com a obra Hist ria da loucura na Idade Cl ssica de Michel Foucault foi fundamental para que pudesse pensar 30 Por meio da genealogia tratarei de questionar os conceitos que nomeiam a loucura pois atrav s desse m todo o conhecimento desnaturalizado constituindo a express o de uma contra natureza A proposta mostrar que a loucura n o natural mas que ela hist rica e nomeada de acordo com as necessidades e exig ncias de cada sociedade Sobre a discuss o deste m todo Cf NALLI 2006 QUEIROZ 2004 FOUCAULT 2005c
267. or detr s das grades dos hosp cios Os discursos presentes naquela sess o buscavam construir novos espa os na sociedade para os homens e mulheres que viviam enclausurados e tinham suas vidas anuladas por meio do poder psiqui trico Entretanto n o se tratava apenas de trazer aqueles atores para conv vio social mas a proposta era de torn los cidad os Segundo os historiadores Carla e Jaime Pinsky Ser cidad o ter direito vida liberdade propriedade igualdade perante a lei em resumo ter direitos civis tamb m participar do destino da sociedade votar ser votado ter direitos pol ticos Os direitos civis e pol ticos n o asseguram a democracia sem os direitos sociais aqueles que garantem a participa o do indiv duo na riqueza coletiva o direito educa o ao trabalho ao sal rio justo sa de a uma velhice tranquila De acordo com esta exposi o ser cidad o ter garantia de seus direitos perante as leis mas acrescento a esta explana o que a constru o da cidadania n o se opera apenas por meio da legisla o ela tramada e enredada por meio das rela es sociais na vida cotidiana no face a face que a garantia dos direitos igualdade se articula Desse modo sob a proposta da cidadania pautada no respeito diferen a e n o na igualdade que a reforma psiqui trica se assenta O psiquiatra Paulo Amarante ressalta que a ideia de cidadania n o vista na reforma psiqui
268. ordem em torno da loucura ordem esta que n o mais legitimada por meio de exclus o e segrega o sociais Neste sentido a reforma psiqui trica antes de tudo uma reforma pr tico conceitual que atua por meio da linguagem com o intuito de desconstruir a negatividade existente em torno da loucura propondo por meio deste movimento a reintegra o social dos homens e mulheres que vivem enclausurados por detr s dos muros que dividem a norma social do seu avesso Assim observa se como a re conceitua o est presente nas leis da reforma psiqui trica Digo leis pois entendo que n o apenas a lei federal que opera a regulamenta o da assist ncia psiqui trica mas a proposta reformista operacionalizada de diversas formas de acordo com cada estado ou munic pio como vimos na lei campinense e na lei estadual de assist ncia sa de mental 56 BIRMAN 1994 p 43 157 Nosografia o termo usado para designar a descri o met dica das doen as 98 Foi dada a oportunidade de observar como esta re conceitua o proposta pelos reformadores da sa de mental est presente na fala dos militantes reformistas que expuseram suas propostas por meio dos discursos presentes na C mara dos Vereadores de Campina Grande Tamb m p de ser observado neste cap tulo que as discuss es acionadas pela legisla o em torno da loucura apontam para a normatiza o dos sujeitos de direito sendo o louco ausentado das a es pol ticas da
269. orializando o leitor na historicidade deste processo tendo em vista que este evento n o ocorreu apenas na cidade de Campina Grande mas est inserido numa trama hist rica em que se observam resson ncias nacionais e internacionais Para tanto elegi algumas fontes que servir o para dar suporte a esta historicidade Assim est o presentes neste segundo cap tulo algumas leis federais a exemplo da lei n 1 132 de 1903 a primeira lei republicana que versa sobre o tratamento a alienados al m desta utilizo tamb m a lei n 24 559 de 1934 que disp e sobre a profilaxia mental a assist ncia e prote o pessoa e aos bens dos psicopatas e a fiscaliza o dos servi os de psiquiatria Em seguida o projeto de lei do deputado Paulo Delgado projeto n 3 657 de 1989 que tramitou no congresso durante doze anos at a sua efetiva o em 2001 com a lei n 10 216 de reforma psiqui trica Durante estes dozes anos v rias mudan as ocorreram no projeto inicial desse modo alguns substitutivos e pareceres que reformularam o projeto inicial tamb m fazem parte desta trama a exemplo do substitutivo ou parecer n 8 de 1991 e o de n 43 de 1999 Reconhecendo ainda a influ ncia italiana neste processo participa deste trabalho a lei italiana n 180 de 1978 de autoria de Franco Basaglia que versa sobre a reforma psiqui trica naquele pa s Al m destas leis conto com a mudan a de nomenclatura do c digo civil brasileiro quando este trata das p
270. orma psiqui trica Rio de Janeiro Fiocruz 1994 SANTOS Wagner Germiniano dos Enredando Campina Grande nas teias da cultura 1965 2002 Disserta o de mestrado apresentada ao Departamento de P s Gradua o em Hist ria da Universidade Federal de Pernambuco UFPE Recife 2008 SARAMAGO Jos O evangelho Segundo Jesus Cristo S o Paulo Companhia das Letras 2005 SILVA FILHO Lino Gomes da S ntese hist rica de Campina Grande 1670 1963 Jo o Pessoa Grafset 2005 SILVA Priscilla Maria de Castro A reforma psiqui trica no munic pio de Campina Grande PB luz da hist ria oral tem tica Trabalho Acad mico Orientado para a conclus o do curso de Enfermagem da Universidade Estadual da Para ba UEPB Campina Grande 2007 TEDESCHI Losandro Antonio Limites de g nero limites do mundo mem rias de mulheres agricultoras e a luta por direitos sociais In Hist ria Oral Revista da Associa o Brasileira de Hist ria oral V 12 n 1 2 Rio de Janeiro Associa o Brasileira de Hist ria jan dez 2009 TOLEDO Antonio Luiz de et al C digo Civil C digo Comercial C digo de Processo Civil Constitui o Federal S o Paulo Saraiva 2005 185 VATTIMO Gianni Introdu o a Heidegger Lisboa Edi es 70 1987 186 CAT LOGO DAS FONTES Legisla o e Lei federal n 1 132 1903 e Lei federal lei n 3 071 1916 e Lei federal n 24 559 1934 e Lei federal 7 853 1989 e Lei federal n
271. os lingu sticos n o s eram poss veis de ser decifrados mas eram convocados a se pronunciarem A presen a da loucura nas ruas da cidade despertava o riso a compaix o as inj rias as grosserias e a tro a muitas vezes cruel Sentimentos mistos e contradit rios que oscilando entre a aceita o e a rejei o demonstram a exist ncia de um espa o de conv vio entre o louco e o n o louco no qual ambos sabiam como se defender um do outro Os personagens da loucura possu am uma visibilidade imediata fazendo sua apari o frente popula o urbana por meio dos vestu rios ex ticos de h bitos estranhos de atitudes diferentes de gestos e palavras algumas vezes incompreens veis mas engra adas e convocadas a serem ditas A loucura se constitu a assim como um espet culo cujos pap is representados pelos v rios personagens da cidade eram capazes de distinguir a insanidade da raz o sem excluir a possibilidade de conviv ncia Diferenciados por meio de suas falas de seus gestos de suas posturas e suas apar ncias os personagens aqui descritos eram ao mesmo tempo 2 MORAIS 1985 p 77 2 MORAIS 1985 p 78 2 ENGEL 2001 p 24 45 discriminados e tolerados ridicularizados agredidos mas igualmente protegidos e aceitos A A o 27 loucura ainda n o se constitu a como uma inquieta o para os demais cidad os O jornalista Ronaldo Dino mais um escritor amante de Campina Grande e
272. ospital n o dispunham de camas para dormir Quanto higiene do local e dos pacientes essa era descrita como prec ria sendo comum verificar casos de internos que tinham piolhos ou n o recebiam o asseio adequado Naquela oportunidade o interventor afirmava que o que estava acontecendo no Hospital Jo o Ribeiro era todo um processo que ao inv s de recuperar os pacientes fazia com que fosse criada uma esp cie de depend ncia Como p de ser visto a produ o de discursos sobre esta institui o hospitalar come a a ocupar as p ginas dos jornais locais Na oportunidade em que Fernando Kinker assumia a dire o do hospital o Jornal da Para ba veiculava uma reportagem intitulada Interventor do Minist rio da Sa de assume a dire o do Jo o Ribeiro Nela estava posto que o hospital apesar de n o corresponder aos crit rios adequados para o tratamento dos pacientes continuava atendendo ao p blico Naquela oportunidade alguns problemas encontrados dentro de suas depend ncias passavam a ser conhecidos pela sociedade a exemplo de equipes insuficientes para realizarem o trabalho instala es f sicas comprometidas e aus ncia de um 26 Ver anexo 6 2 Jornal da Para ba dia 27 de abril de 2005 105 projeto terap utico apropriado recupera o dos pacientes Essas s o algumas das irregularidades que segundo a equipe de reformadores foram encontradas no hospital Foi a partir dessas narrativas e des
273. ossibilidades de escrever a hist ria da reforma psiqui trica em Campina Grande N o tive a pretens o de produzir por meio de minha escrita a resposta mas algumas poss veis respostas a uma quest o que ampla o suficiente para que este trabalho n o a esgote e para que outras margens sejam habitadas ou revisitadas Fica portanto o desafio para quem ousar se enveredar pelos estudos em torno da loucura A proposta a de desnaturalizar os discursos produtores de verdades sobre a assist ncia em sa de mental e seus pacientes Neste exerc cio de desnaturalizar as verdades sobre a loucura espero que este trabalho tamb m seja questionado pois na medida em que escrevemos terminamos involuntariamente 178 por cristalizar outras verdades que precisam ser combatidas e estilha adas para que n o se tornem perenes Enfim espero ter contribu do de forma significativa para a reflex o do estado da arte da reforma psiqui trica na medida em que busquei relativizar a sua atua o Pretendi problematizar a forma manique sta em que esta se encontra posicionada contra o antigo modelo de assist ncia existente dentro dos hospitais psiqui tricos Com isso espero ter conseguido mostrar que os sujeitos nomeados loucos mesmo recebendo uma assist ncia aparentemente mais humanit ria e menos segregante n o est o livres e exercendo sua cidadania como pretendiam os reformadores mas continuam presos s amarras discursivas e s pr ticas prod
274. ou l com um coto de bra o porque tinha comido a m o Ele lembra que diante daquele caso perguntou paciente porque que ela havia feito aquilo ao que ela respondeu dizendo que era porque estava bem salgadinha Esse fato n o impactou apenas a Adhemar ele ganhou espa o nas p ginas dos jornais como o caso do Di rio da Borborema que o intitulou da seguinte maneira Doente mental internada ap s comer os dedos das m os O texto jornal stico dava conta de que Maria Aparecida Silva 30 anos de idade havia sido internada no Hospital Regional em Campina Grande depois de ter comido parte de todos os dedos das m os De acordo com uma vizinha Maria Aparecida mora sozinha com o seu esposo que portador de defici ncia visual e que h cerca de um m s ela come ou a comer os dedos lentamente intensificando a mutila o nos ltimos dias Ela estava com a blusa toda ensanguentada Os dedos j estavam comidos pela metade e podres devido o alto n vel de infec o afirmava a vizinha Ivonete da Silva De acordo com o parecer m dico devido infec o avan ada o que restou de seus dedos teve de ser amputado pois em alguns restaram apenas a primeira falange A agressividade da loucura n o se direciona apenas ao corpo do outro ela se instaura e atinge o corpo de quem a porta como o caso de Maria Aparecida que em um processo lento e possivelmente doloroso comeu parte de todos os dedos das m os Mas esse n
275. oucura A palavra louco parece ser apresentada e questionada como um termo m gico que tem o poder de tornar invis vel o sofrimento e a dor daquelas exist ncias rel mpagos ou daquelas vidas an nimas que n o s o dadas a ver ou a ler sen o pelo nome de loucos Neste sentido o Ressalto que as palavras louco loucura e doente mental s o entendidas aqui enquanto conceitos e como tal fruto de combates e conflitos hist ricos que lhes atribu ram ao longo do tempo sentidos de verdade Portanto compreendo que estes conceitos n o s o naturais eles t m uma localiza o espa o temporal ou seja foram constru dos historicamente de acordo com as normas e as exig ncias da sociedade na qual encontram se inseridos Neste sentido estes conceitos n o s o inerentes aos sujeitos mas s o elaborados para nome los e sobre eles produzir significados 7 Termo utilizado por Michel Foucault no texto A vida dos homens infames Cf FOUCAULT 2003 p 205 13 discurso de Vit ria utiliza argumentos ret ricos para chamar aten o do que em nome da ci ncia m dica estava sendo permitido dentro daquela institui o Outro desdobramento de sua argumenta o ret rica se d na medida em que ao questionar aquela situa o sua pergunta j anuncia uma resposta Verdade ou loucura assume no seu relato um papel estrat gico na medida em que busca mostrar que o sofrimento e dor encontrados naquele ambiente n o s o loucura mas
276. oucura Rio de Janeiro Editora 34 1999 PIMENTEL Cristino Peda os da hist ria de Campina Grande Campina Grande PB Livraria Pedrosa 1956 Mais um mergulho na hist ria campinense Campina Grande PB Caravela 2001 PINSKY Jaime PINSKY Carla B Hist ria da cidadania S o Paulo Contexto 2003 184 PORTELLI Alessandro Sempre existe uma barreira a arte multivocal da hist ria oral In Ensaios de Hist ria Oral S o Paulo Letra e Voz 2010 A filosofia e os fatos narra o interpreta o e significado nas mem rias e nas fontes orais Tempo Rio de Janeiro vol 1 n 2 1996 PROUST Marcel O Tempo redescoberto 15 ed S o Paulo Globo 2004 QUEIROZ Andr O presente e o intoler vel Foucault e a Hist ria do Presente Rio de janeiro 7 Letras 2004 RAMOS Gilm ria Salviano Entre o sublime nome de m e e o monstruoso crime Inventariando pr ticas de abortos e infantic dios na Para ba 1960 1970 Disserta o de mestrado apresentado ao programa de P s Gradua o em Hist ria da Universidade Federal de Pernambuco UFPE Recife 2009 R MOND Ren Algumas quest es de alcance geral guisa de introdu o In FERREIRA Marieta de Morais AMADO Jana na Org Usos amp abusos da hist ria oral Rio de Janeiro Editora FGV 2006 pp 203 209 ROTELLI Franco Superando o manic mio o circuito psiqui trico de Trieste In AMARANTE Paulo Org Psiquiatria social e ref
277. passaria todas as inst ncias da sociedade tampouco de um sil ncio total o qual apagaria a presen a desta institui o da paisagem urbana Por m uma mudez que se alojou na imprensa na pol tica local e nas pr prias quest es de sa de do munic pio Trata se do sil ncio de suas pr ticas este sil ncio que foi rompido por meio dos discursos presentes nos notici rios nas hist rias de vida de pacientes e familiares nos debates pol ticos locais S o estas inst ncias que estimuladas pela reforma passaram a produzir outros discursos que redefiniam o ser louco e sua rela o com a sociedade e as pr ticas m dicas Estes discursos fazem parte das pol ticas da reforma psiqui trica que come aram a se instaurar no Brasil em meados dos anos de 1970 Pol ticas essas que tinham como motor as reivindica es do Movimento dos Trabalhadores em Sa de Mental MTSM o qual em 1987 lan a m o do lema Por uma sociedade sem manic mio Esta pol tica da reforma faz uso de estrat gias discursivas com a proposta de combater s pr ticas vigentes isso acontece na medida em que aciona palavras como manic mio hosp cio doente mental e loucura Conceitos estes que como poder ser visto no segundo cap tulo foram ao longo da reforma gradativamente sendo substitu dos com o intuito de diluir a negatividade existente em torno de homens e mulheres nomeados de loucos Os integrantes desse movimento buscavam construir na rela o com fam
278. plo de Chico Maca ba dono da venda que lhe agradava dando lanches e cafezinhos Outro dia na presen a de Chico o Natal que gostava de brincar come ou a contar a hist ria de Ad o e Eva para Joel afirmando que quando Eva teve vontade de comer ma Ad o foi comprar na venda de 2 MORAIS 1985 p 76 MORAIS 1985 p 77 2 MORAIS 1985 p 77 44 Chico que j naquela poca custava 3 000 r is explorando assim o Ad o Na ocasi o estava e 24 presente um tenente do ex rcito que caiu na gargalhada Dias depois num domingo Natal entrava na Sorveteria Fl rida juntamente com Joel e o tenente que estava naquele estabelecimento com sua noiva chamou os para a mesa e pediu para que Joel recontasse a hist ria de Ad o e Eva Joel quem foi o primeiro homem do mundo Foi Ad o De que foi feito De barro E a primeira mulher Foi Eva que foi feita de uma costela de Ad o e uma cauda de cachorro Continuou o tenente E o que foi que Eva comeu Uma ma que Ad o comprou no Chico Maca ba por 3 000 r is E depois Joel Depois cagou um queijo de coalho Todos acharam muita gra a das coloca es de Joel As perip cias desse ator do desatino s o significativas no sentido de mostrar como a loucura convivia ao lado dos que eram considerados e nomeados de normais Insanidade e normalidade dividiam os mesmos espa os e partilhavam de uma linguagem onde os c dig
279. pos quando ele entra em crise anda quebrando tudo dentro de casa e s vezes tenta espanc la Diante disso quando ele est em casa ela n o confia mais em dormir com a porta do quarto aberta Neuza se recorda ainda que uma das ltimas vezes em que Marcelo recebeu alta da Cl nica Dr Maia numa quarta a A Ronie 6 feira no domingo j estava de volta ao hospital por causa da sua agressividade Entrevista n 14 5 Entrevista n 14 Entrevista n 15 174 Por meio desses relatos pode se constatar que a periculosidade da loucura mais real que imagin ria ou seja a sociedade criou historicamente uma negatividade que envolve o corpo desses atores hist ricos por m por meio dessas hist rias de vida trazidas para essa escrita poss vel identificar a periculosidade nas a es desses sujeitos Justifica se portanto o fato dessas m es serem contr rias nova forma de assist ncia posta pela reforma psiqui trica Para elas mais c modo e seguro internar seus filhos no momento da crise em hospitais e acompanh los por meio de visitas feitas diariamente O m dico Adhemar Dantas que trabalhou no Hospital Jo o Ribeiro durante 30 anos traz de sua mem ria as formas mais inusitadas em que ele viu a loucura se configurar Entre essas formas a viol ncia a t nica do comportamento desses atores hist ricos nomeados loucos Ele afirma que naquele hospital ele viu casos terr veis como o da mulher que cheg
280. qual uma m quina fotogr fica armazenou em sua mem ria um lbum dos acontecimentos presenciados nas depend ncias do Hospital Jo o Ribeiro Em seguida Eliane continua seu relato falando das dificuldades de se trabalhar naquele hospital Ela afirma que s vezes faltavam medica es e quando precisava usar uma medica o melhor n o havia na farm cia do hospital A alimenta o tamb m era outro problema pois tinha per odos em que era boa e per odos em que era ruim Ela conclui que o Hospital Jo o Ribeiro deveria mesmo passar por uma interven o mas uma interven o no sentido de melhorar as condi es de assist ncia Desde 1988 que ela n o trabalha mais naquele hospital mas ela afirma que sempre soube que ali precisava de mudan as O Hospital Jo o Ribeiro sobre o qual pouco ou nada se falava come a a tomar forma os discursos come am a contornar sua mem ria com significados que o aproxima de um campo de concentra o onde o descaso a desumanidade a falta de assist ncia e o sofrimento caracterizam os servi os ali prestados A reforma psiqui trica exerce uma fun o importante na verbaliza o e exposi o do que estava acontecendo naquele hospital Por m alguns relatos buscam mostrar que desde h algum tempo as condi es de tratamento ali j eram bem 5 Entrevista n 04 5 Entrevista n 04 117 prec rias Tal o caso do relato da m dica Eliane Dantas que trabalhou no Jo o Ribeiro duran
281. que tamb m insiste em escrever suas mem rias afirma que n o se pode deixar de falar nos doidos de Campina Eram pessoas que tinham perturba es mentais e que nos enchiam de risos afirma Dino De suas lembran as s o trazidos alguns desses personagens da loucura que marcaram poca na cidade Em uma cr nica intitulada Os doidos de Campina ele menciona sujeitos como Guarda Roupa Engole Trave Barrola Cad Terezinha Ab lio Doido Dr M rio Circuito Dona Maria Pereira Bacalhau Peneira Carbureto Personagens que pela sua singularidade atribu am outros significados s ruas da cidade Nota se que a loucura se constitu a como algo t o ex tico e extravagante que os codinomes que se colavam aos corpos desses personagens j naquele momento pareciam querer traduzir a estranheza dessas vidas Neste sentido pode se afirmar que nas d cadas de 1940 e 1950 em Campina Grande a loucura ainda n o se constitu a como um problema para as autoridades municipais N o existia a demarca o de um territ rio de exclus o no espa o urbano entre a loucura e a normalidade Os c digos emitidos entre ambas eram pass veis de leitura os corpos n o se repeliam nem se configuravam enquanto amea a em potencial ordem p blica e integridade f sica das pessoas Entretanto o processo de moderniza o vivido desde o in cio daquele s culo por meio do com
282. que meu irm o tava tinha quatro ou era cinco pronto A ele pagava um sal rio m nimo O relato de Elena significativo no sentido de mostrar que a resist ncia n o acontecia apenas por parte dos familiares pois o pr prio Eduardo quando queria retornava sozinho ao Hospital Jo o Ribeiro para ser internado Elena lembra que l n o existia uma equipe de profissionais necess ria ao atendimento daqueles pacientes n o havia m dico de plant o contando apenas com a atua o das enfermeiras mas que ainda assim Eduardo fazia quest o de estar l Neste sentido pode se perceber que mesmo diante das irregularidades presentes naquela institui o havia quem a preferisse ao inv s dos novos servi os prestados pelos CAPS Ainda de acordo com o relato de Elena os CAPS prestam um bom servi o e t m uma equipe maravilhosa de profissionais bem preparados mas ela lembra que depois que fecharam o Hospital Jo o Ribeiro Eduardo tentou fazer tratamento no CAPS mas ele n o gostava de l Ela afirma que o motivo de ele n o gostar dos CAPS eram os conflitos existentes entre os pr prios pacientes A atitude de Eduardo representa uma esp cie de combate aos novos servi os Ele um sujeito nomeado louco que vive em constantes interna es em virtude do uso de lcool Sua a o demonstra que ele um corpo desejante ele quem dita as regras a serem seguidas em rela o ao seu tratamento Na exterioridade do seu desejo est o os di
283. que servia para enxugar a todos Ainda de acordo com a reportagem o interventor e a equipe de interven o teriam se emocionado ao presenciar a felicidade de um paciente tomando banho com sabonete e afirmando que era a primeira vez que tomava banho com aquilo que fazia espuma aaa 38 Mata burro uma esp cie de ponte de traves espa adas destinada a vedar o tr nsito de animais 3 Entrevista n 09 0 Entrevista n 09 Entrevista n 09 42 Grifo do jornal Jornal Correio da Para ba dia 28 de abril de 2005 111 Esse novo artigo de higiene pessoal que passa a compor a cena do banho pode parecer algo insignificante diante da dimens o de ter aquelas pessoas juntas tomando banho com jatos de mangueira sem o direito m nima privacidade que requer em nossa sociedade um ato de higiene pessoal Por m o que essa pequena diverg ncia chama a aten o para o fato de a mem ria n o ser nica Um acontecimento afeta s pessoas com intensidades diferentes e al m disso as v rias mem rias revisitam o passado e o reconstroem de acordo com quem o vivencia Segundo Alessando Portelli A hist ria oral e as mem rias pois n o nos oferece um esquema de experi ncias comuns mas sim um campo de possibilidades compartilhadas reais ou imagin rias Qualquer sujeito recebe estas possibilidades sua maneira e se orienta de modo diferente em rela o a elas Mas essa mir ade de diferen as individuais nada
284. r Prot Riadar on Agra do O Prol Dr Marcus Joaquim Macio de Carvalho Sandra Regina Ala nes ha F TIMA SAIONARA LEANDRO BRITO ANDAN AS QUE CORTAM OS CAMINHOS DA RAZ O AS VIV NCIAS INSANAS E A ATUA O DA REFORMA PSIQUI TRICA EM CAMPINA GRANDE PB Disserta o apresentada ao Programa de P s Gradua o em Hist ria da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para a obten o do grau de Mestre em Hist ria COMISS O EXAMINADORA Prof Dr Antonio Torres Montenegro Orientador Universidade Federal de Pernambuco UFPE Prof Dr Alarcon Agra do Examinador Universidade Federal de Campina Grande UFCG Prof Dr Durval Muniz de Albuquerque Junior Examinador Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN Prof Dra Regina Beatriz Guimar es Neto Examinadora Universidade Federal de Pernambuco UFPE RECIFE 2011 Dedico esta escrita a todas aquelas exist ncias rel mpago que ao longo da pesquisa me receberam com o sorriso sincero da insana alegria S o estes homens e mulheres que est o presentes nas linhas e entrelinhas desse trabalho BRITO F tima Saionara Leandro Andan as que cortam os caminhos da raz o as viv ncias insanas e a atua o da reforma psiqui trica em Campina Grande PB Disserta o Mestrado em Hist ria Centro de Filosofia e Ci ncias Humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 2011 RESUMO Os movimentos da reforma psiqui tric
285. rabalho ter dado a ver um pouco das viv ncias dos pacientes que necessitam de tratamento psiqui trico em Campina Grande mesmo reconhecendo o limite de ter apenas trazido para este texto os discursos sobre eles e n o o discurso deles Espero ter conseguido ao fim deste percurso mostrar a produ o da imagem que por meio da reforma psiqui trica come ou a ser constru da em torno da sa de mental em Campina Grande e particularmente em torno do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Imagem esta que foi elaborada pelos conflitos e embates atuantes nos diversos mbitos da sociedade a exemplo daqueles existentes entre as reas do saber que buscam se apossar da loucura e instaurar significados em torno de sua assist ncia Suponho que a trajet ria produzida aqui n o passa de uma vontade de responder quest o instaurada inicialmente qual seja Como o Hospital Jo o Ribeiro que tinha suas pr ticas assistenciais submersas no sil ncio emerge por meio dos discursos produzidos estimulados e legitimados pela reforma psiqui trica Reconhe o que em alguns momentos deslizei do campo de possibilidades que esta pergunta permite fugi para outras margens Isso se deu possivelmente devido amplitude da quest o posta e da variedade das fontes consultadas Acredito que a partir desses desvios fiz emergir novas propostas de pesquisas outras quest es e quem sabe tenha conseguido abrir para aqueles que se interessam pela tem tica novas p
286. ratamento daquelas vidas que foram estigmatizadas pela doen a mental Portanto as pr ticas existentes dentro daquela institui o ganham cores contornos e sentidos de real por meio dos discursos que se assentam sobre a lei da reforma psiqui trica Lei esta que instaura uma ruptura em rela o ao tratamento daqueles atores nomeados de loucos determinando seu tratamento as pr ticas em torno de seus corpos e seu estar no 95 mundo 2 2 Fechem as portas dos asilos abram as do cora o A luta contra o modelo de assist ncia psiqui trica que estimulou o governo federal a intervir e desativar o Hospital Jo o Ribeiro em Campina Grande no ano de 2005 j se fazia presente na cidade Na manh do dia 24 de maio de 2002 estava sendo realizada na C mara dos Vereadores a 9 sess o especial intitulada sess o em homenagem ao dia da luta ERROR ee i 97 antimanicomial O objetivo da vereadora Maria Lopes Barbosa autora da propositura 98 era tecer considera es sobre o resgate da cidadania do doente mental Na ata h a informa o de que um convite foi enviado para o Dr Jo o Ribeiro para participar da sess o mas ele n o compareceu Cf Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 28 gt No cap tulo seguinte ser o apontadas e discutidas as diversas for as favor veis ou contr rias a essa manuten o do status quo da
287. ravando acirradas disputas pol ticas nas elei es at 1996 Durante esse per odo Enivaldo foi eleito deputado estadual e em seguida deputado federal Atualmente ele presidente do Partido Progressista PP na Para ba Por m a participa o da fam lia Ribeiro na pol tica local bem mais ampla Daniella Ribeiro filha de Enivaldo Ribeiro vereadora pelo PP em Campina Grande e seu irm o Aguinaldo Ribeiro deputado federal tamb m filiado ao PP Al m disso Virg nia Velloso Borges esposa de Enivaldo Ribeiro prefeita do munic pio de Pilar na Para ba Neste sentido nota se que as rela es pol ticas estabelecidas pela fam lia Ribeiro ocupam uma extensa rede n o s no munic pio de Campina Grande mas se estendendo para outras localidades do estado Al m desses outro componente desta fam lia que tamb m ocupou posi es pol ticas foi o pr prio Dr Jo o Ribeiro que foi prefeito de Massaranduba munic pio vizinho a Campina Grande de 1996 a 2000 Como foi dito uma das maiores disputas pol ticas travadas pela a fam lia Ribeiro aconteceu em oposi o ao grupo Cunha Lima Primeiro Ronaldo Cunha Lima que sucedeu Enivaldo Ribeiro na prefeitura de Campina Grande em 1983 e permaneceu no cargo at 1989 quando foi sucedido pelo seu filho C ssio Cunha Lima de 1989 a 1992 A partir de ent o a altern ncia se dava entre C ssio e pol ticos apoiados por ele como o caso de Felix Ara jo Filho em 1993 que governou a
288. rcio do algod o ir instaurar uma rasura na vida desses personagens ao possibilitar e estimular a emerg ncia das institui es que ir o servir de recept culo para estas vidas errantes da loucura que em pouco tempo ter o a sua rostidade gradativamente apagada das ruas da cidade 1 2 A moderniza o da cidade e a reinven o do espa o urbano Os discursos de moderniza o urbana acionavam na primeira metade do s culo passado fortes mudan as para Campina Grande Tais mudan as foram sendo instaladas na cultura no social e na economia da cidade Os novos signos eram direcionados rumo ao progresso civiliza o e ao desenvolvimento Assim esta cidade que j possu a o superlativo no nome necessitava estender esse superlativo s suas a es e fei es para a CUNHA 1986 pp 13 14 28 Jornal Di rio da Borborema dia 24 de abril de 2003 46 partir de ent o poder ser comparada aos grandes centros desenvolvidos no Brasil e qui fora dele O processo de moderniza o no Brasil e especificamente em Campina Grande provocou deslocamentos contradi es e conflitos por trazer consigo questionamentos dos valores rurais e no lugar destes fazer emergir valores liberais pr prios das classes burguesas Diante disso os valores patriarcais crist os e agr rios sofreram in meras rasuras e foram pouco a pouco sendo desvalorizados pelas novas tend ncias e estilos de vida ditos modernos
289. rdo com suas coloca es observa se que para aquelas exist ncias nada era destinado nem banheiros roupas medicamentos ou colch es restando lhes apenas a vida e sua fiel companheira a loucura Neste sentido o pronunciamento deste ator da reforma psiqui trica em Campina Grande torna vis vel o tipo de tratamento que segundo ele vinha sendo oferecido dentro daquela institui o Os signos de dor e sofrimento eram emitidos por meio de seu relato ajudando a construir uma mem ria na qual as representa es negativas a exemplo da desassist ncia circundavam aquela casa hospitalar As pr ticas executadas em seu interior das quais pouco 4 KINKER 2007 pp 16 17 Vidas dos homens infames usado aqui em alus o ao texto de Michel Foucault Cf FOUCAULT 20083 pp 203 222 70 ou nada se falava tomavam corpo construindo portanto uma imagem de descaso em torno daquele ambiente No dia seguinte quela sess o especial ocorrida na C mara o jornal Di rio da Borborema veiculava uma reportagem falando sobre a situa o em que se encontrava o Hospital Jo o Ribeiro O texto jornal stico anunciava para a popula o campinense a poss vel morte desse hospital afirmando que caso a institui o n o se adequasse s normas exigidas pelo Minist rio da Sa de dificilmente votaria a funcionar Isso segundo o jornalista Severino Lopes devido s prec rias condi es em que se encontrava o manic mio interditado pe
290. rece um modelo de transforma o pris o e de forma o escola tea 121 FOUCAULT 2006c pp 17 18 122 MACHADO 1978 p 95 123 MACHADO 1978 p 155 137 O m dico migra para as diversas reas e busca formas de controle que se expandem por todo o tecido social dita regras elabora estrat gias mede os espa os projeta a cidade e a vida de seus habitantes A medicina desloca as causas da doen a do corpo doentio e passa a localiz las em tudo que o cerca na sua vizinhan a Qualquer pessoa que n o esteja enquadrada nas normas de higiene propostas pela medicina social e qualquer lugar que n o fa a parte da nova engenharia da cidade tornam se sin nimos de doen a e portanto de amea a vida Neste sentido em nome da preven o das doen as que a atua o m dica passa a exercer formas de normatiza o das vidas dos atores hist ricos e das rela es sociais exercidas por eles Toda a cidade se v sob o controle da medicina social dessa vontade de normatiza o que a medicina passa a construir as institui es de sa de n o mais como lugar de assist ncia pobreza mas como espa o de controle social Nesse territ rio f rtil e prop cio emergem os hosp cios e junto com eles o seu principal ator o psiquiatra O m dico psiquiatra respons vel por transformar loucura em doen a e por meio de seu diagn stico que esse novo doente necessita ser tratado medicado e vigiado para que esse mal n o se ala
291. revista n 15 7 De acordo com o prontu rio de Kleyton o progn stico m dico referente F 20 o que equivale segundo a Classifica o Internacional das Doen as Esquizofrenia Cf Classifica o Estat stica Internacional de Doen as e Problemas Relacionados Sa de Psiquiatria e Neurologia CID 10 Vol 1 S o Paulo Edusp 2008 121 vaga Ela lembra que havia pessoas que se queixavam das condi es encontradas ali mas o problema eram os pr prios internos pois esses pacientes que t m problemas mentais n o s o muito limpos e disciplinados Observa se que as experi ncias no Hospital Jo o Ribeiro s o m ltiplas cada ator afetado de forma diferente Assim as marcas e impress es deixadas nas mem rias de cada um s o m ltiplas e ao mesmo tempo singulares pois pertencem a cada sujeito de maneira nica Maria Jos Santos m e do Paciente Walmir Santos lembra que quando chegava para visitar seu filho ela n o achava os pacientes limpos Ela o encontrava meio sujo e mal cheiroso mas segundo ela o lugar onde era realizada a visita era limpinho Nota se que o relato de Maria Jos harmoniza se com o relato do interventor Fernando Kinker e o de Florianita Campos os quais afirmam que os corredores da entrada do pr dio eram limpos e brilhantes As marcas presentes no relato de Maria Jos dizem respeito higieniza o daquele ambiente hospitalar Ainda de acordo com suas lembran as Walmir pegou s
292. revisto pela previd ncia social a qualquer pessoa que dele necessite Neste sentido pode se observar que pautada numa quest o econ mica a for a da implanta o dessa nova proposta de assist ncia em sa de mental a ressocializa o e a humaniza o desses atores hist ricos nomeados loucos Diante disso o discurso jornal stico passa a dar nfase a essa proposta quando lan a reportagens utilizando se dessa nova linguagem Em 27 de abril de 2005 o Jornal da Para ba trazia a informa o de que para oferecer um tratamento humanizado e de qualidade aos pacientes estariam sendo inauguradas no m s seguinte em Campina Grande duas Resid ncias Terap uticas que receberiam os pacientes que foram abandonados por suas fam lias no Hospital Jo o Ribeiro Na ocasi o da inaugura o dessas duas resid ncias uma masculina e outra feminina ocorrida no dia 18 de maio de 2005 o discurso era de que essas institui es visavam ajudar aos 16 pacientes egressos de longa interna o no Hospital Jo o Ribeiro a se reintegrarem sociedade criando v nculos de moradia Al m disso as resid ncias dispunham de uma estrutura de tr s quartos equipadas com m veis e todos os utens lios necess rios para que os pacientes pudessem morar sozinhos 14 Entrevista n 06 5 Entrevista n 02 16 Entrevista n 06 17 Jornal da Para ba dia 27 de abril de 2005 152 sob a orienta o de cuidadores Nota se portanto que a palavra de or
293. rimento Diante do sofrimento que Vit ria presenciou naquela institui o o qual segundo ela fez quest o de fotografar e trazer para a plen ria para que todos tivessem a oportunidade de visualizar o que at ent o se chamava de assist ncia psiqui trica em Campina Grande e fazendo alus o ao poema Sequelas e sequelas de Austreg silo Carrano ela questionava Quem disse que s se morre uma vez O questionamento que Vit ria levantado naquela ocasi o apontava para o fato de que a morte habitava aquela institui o por meio das viv ncias de seus internos Exist ncias que morriam todos os dias e tornavam a viver para em seguida morrer novamente Homens e mulheres estigmatizados por um diagn stico m dico Estigma este que se instala em seus corpos em suas a es e em suas vidas como afirmava naquela sess o o m dico Gildaz a vida muda como a cor dos frutos ent o a assist ncia psiqui trica necess ria que ela mude de uma forma lenta e gradual mas sempre enfrentando resist ncias Porque o doente psiqui trico pode ter certeza de que ele sempre foi exclu do Podem ter certeza que o doente mental fica estigmatizado Eu sou psiquiatra h 36 anos e 8 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 16 9 Sequelas n o acabam com o tempo Amenizam Quando passam em minha mente as horas de espera sinceramente tenho d de mim N na garga
294. rnos 46 eram residentes ou seja haviam sido abandonados pela fam lia e passaram a morar no hospital Diante disso a prefeitura de Campina Grande estaria fechando contrato com duas resid ncias para que pudessem receber os pacientes que j podiam voltar para o conv vio dos lares mas que haviam sido abandonados pelas suas fam lias A proposta era a de fazer com que esses pacientes pudessem morar no local recebendo al m do tratamento humanizado o acompanhamento m dico e de profissionais capacitados para essa tarefa denominados de 12 cuidadores 1 Jornal Di rio da Borborema dia 29 de agosto de 2004 l Jornal Di rio da Borborema dia 18 de agosto de 2004 2 Jornal da Para ba dia 19 de abril de 2005 150 Esta reportagem tem como for a motora a proposta dos reformadores no munic pio pois faz parte do momento da interven o ocorrida no Hospital Jo o Ribeiro Neste sentido apoiada nas a es reformistas ela produz signos de negatividade para o ambiente hospitalar enquanto territorializa os espa os dessas novas institui es criando sentidos de verdades que se instalam sobretudo na linguagem Assim ao inv s de personagens que fazem parte do mbito da medicina como enfermeiros e m dicos um outro ator passa a existir e ele nomeado de cuidador Nota se portanto que a ideia desconstruir a sinon mia loucura patologia refazendo n o apenas o espa o de tratamento mas os pr prios atores hist ricos Ain
295. ro multivocal resultado do trabalho comum de uma pluralidade de autores em di logo Por ltimo fa o duas observa es que julgo importantes para a compreens o deste trabalho a primeira diz respeito aos relatos orais que comp em esta escrita para o quais optei por fazer uma breve corre o ortogr fica eliminando principalmente as repeti es exaustivas mas preservando ao m ximo os termos e express es pr prias da linguagem do entrevistado a Entendo que esta escolha torna a escrita deste trabalho mais leve e agrad vel Quanto segunda observa o trata se da autoria dos relatos alguns entrevistados as autorizaram a utiliza o de seus nomes enquanto outros as n o quiseram ser identificados as diante disso passei a nome los as por nomes fict cios que ser o informados em nota de rodap na medida em que aparecerem na escrita Sendo assim antes de adentrar no texto gostaria de alertar que este trabalho apenas mais um fio presente no tecido costurado por intertextos te ricos por experi ncias de vida de sujeitos m ltiplos vidas inacabadas que se fazem refazem e desfazem nas pr ticas cotidianas nas falas e sobretudo por meio das experi ncias da loucura na cidade de Campina Grande Portanto desejo ao modo de Nietzsche que esta escrita funcione como uma flecha que um atira assim como no vazio para que o outro a recolha e possa por sua vez tamb m l a do enviar a sua agora em outra dire o
296. rometer a ordem p blica ou 3132 a seguran a das pessoas ser recolhido em estabelecimentos de alienados Nota se que esta primeira lei de assist ncia psiqui trica no Brasil j encontrava se centrada no discurso patol gico da loucura Nesse decreto as autoridades fazem uso do termo mol stia mental para elaborar a exclus o daqueles que representavam o avesso da norma social enquadrando os como portadores de uma patologia incur vel e construindo para esses desviantes lugares pr prios quais sejam os estabelecimentos para alienados Segundo Robert Castel O alienado aparece assim como a figura limite o ltimo dos exclu dos por um processo de rejei o que esmaga os homens A necessidade dessas exclus es n o colocada em quest o pois elas s o a contrapartida do movimento da civiliza o A finalidade da assist ncia sempre a de preservar a ordem social ou ideol gica fornecendo aos mais deserdados a assist ncia que devem manter ou restaurar sua depend ncia em rela o ordem 93 Assim os discursos alienistas e higienistas em nome da ordem e brio das cidades expeliam as conting ncias sociais para os asilos Fossem os de mendic ncia ou os de alienados mentais estas institui es apoiadas nesses discursos instauravam e reafirmavam a diferen a ao buscar solucionar o problema social da anti norma Apesar de constar de forma ainda bastante t mida a nomenclatura patologiz
297. ros antes mesmo da atua o do grupo Cunha Lima no poder do estado De acordo com a data desta reportagem do jornal Di rio da Borborema naquele momento C ssio estava engajado na sua candidatura para governador e portanto encontrava se afastado at mesmo da administra o do munic pio do qual havia renunciado para pleitear o novo cargo o que o impossibilitava de atuar de forma direta em qualquer frente de decis es relacionadas a essas quest es Mesmo diante de toda essa trama pol tica que contornava a situa o do Hospital Jo o Ribeiro os reformadores faziam quest o de tentar esclarecer que o que estava acontecendo n o era uma quest o de pol tica local mas uma interven o feita pelo Minist rio da Sa de em parceria com a Justi a Federal Como afirma Kinker eu sempre tentei ser muito claro no sentido assim n o o Fernando que est fazendo a interven o nem muito menos uma coisa pol tico partid ria nem de qualquer outro tipo de interesse isso aqui uma interven o determinada pela Justi a Federal que avaliou que insustent vel a situa o do hospital e eu vim como representante do Minist rio porque a justi a pediu para que o Minist rio indicasse algu m pra avaliar a situa o e ver como determinar o processo o que era poss vel melhorar e avaliar se o hospital tinha ou n o condi es de continuar que era bem claro essa coisa da senten a do juiz 193 102 Jornal Di rio da Borborema dia 07
298. rrendo de fome e eu n o comi eu n o consegui porque n o tinha lugar pra lavar as m os sabe Era uma coisa chocante assim ent o essas coisas b sicas e m nimas que a gente faz l n o tinha n o tinha cuidado nem com as pessoas mais bem tratadas Os impactos descritos anteriormente pelo interventor tamb m fazem parte das lembran as de Florianita Trata se de um ambiente aparentemente limpo por fora mas com as o Hospital Psiqui trico do Juquery localizado em S o Paulo uma das mais antigas col nias psiqui tricas do Brasil Fundada em 1898 pelo psiquiatra Franco da Rocha essa institui o tem uma rea correspondente a 150 hectares e chegou a internar em suas depend ncias cerca de 14 mil pacientes Em 2005 foi atingida por um inc ndio que destruiu o setor administrativo do pr dio o que terminou por acelerar o processo de desativa o que vinha enfrentando h d cadas Sobre a hist ria do Juquery Cf CUNHA 1986 9 CAIS Centro de Aten o Integral a Sa de localizado na cidade de Santa Rita do Passa Quatro no estado de S o Paulo foi inaugurada em 1949 a princ pio com a finalidade de atender pacientes portadores de pneumatologia tubercul sica era chamado de Sanat rio Col nia Santa Rita Em 1973 atrav s do Decreto n 1 637 73 passou a pertencer rea da psiquiatria e recebeu os primeiros pacientes psiqui tricos vindos Hospital Psiqui trico do Juquery O CAIS era um hospital de grande porte qu
299. s direitos n o apenas dos pacientes de sair do enclausuramento em que viviam submetidos mas significava tamb m a legitima o das a es dos movimentos de reforma psiqui trica que desde a d cada de 1970 hasteavam a bandeira de luta por uma melhor assist ncia aos pacientes que necessitam de tratamento psiqui trico no Brasil Os debates sobre essa nova assist ncia em Campina Grande se estendiam at a C mara dos Vereadores quando os discursos e as pr ticas reformistas da sa de mental legitimaram uma interven o federal no Hospital Jo o Ribeiro no ano de 2005 Assim na manh do dia 24 de maio desse mesmo ano encontravam se reunidos autoridades pol ticas m dicos estudantes representantes das inst ncias de sa de do munic pio a imprensa entre outros com o prop sito de debater a situa o em que se encontrava aquele hospital Naquela manh a tribuna da C mara contava com o pronunciamento do m dico George Ramalho Em sua fala ele transmitia o orgulho de ter trabalhado naquela institui o ocupando o cargo a frente da enfermaria de lcool e droga a qual se manteve ativa durante dezesseis anos Diante da situa o em que se encontrava o hospital naquele momento ele fazia uma an lise diagn stica e uma avalia o verificando que estar discutindo o fechamento do Jo o Ribeiro naquela oportunidade significava uma grave crise na psiquiatria de Campina Grande Ramalho colocava que n o estava ali para falar a favor ne
300. s ent o eram condi es inadequadas Eu sempre gostei muito daqui era muita muita gente sempre tinha muita gente fazendo alguma coisa Os pacientes tudo cheio de les es nas pernas T nhamos alas que dava vontade de chorar porque d i ver o sofrimento humano Quem sofre mais com tudo isso a s o os pacientes que tinha uma boa assist ncia m dica Eles n o eram assistidos do ponto de vista de suas necessidades enquanto pessoa Desde fora a gente j sentia o cheiro de urina de fezes assim que exalava l de dentro O hospital atingiu um ponto que tava superpopulado e se uma coisa atinge o PEI E 5 x te 8 MS Ee a EP m ximo insuport vel tende regress o e morre As condi es aqui s o indescrit veis era Entrevista n 01 realizada com Geraldo Medeiros J nior em 05 de outubro de 2010 O entrevistado ex secret rio de sa de do munic pio de Campina Grande atuou no Conselho Municipal de Sa de de 1996 a 2005 quando foi convidado para ser Secret rio de Sa de do munic pio e atuou no cargo at o in cio do ano seguinte 2006 Entrevista n 02 realizada com Jo o Virg nio Ribeiro em 02 de setembro de 2009 O entrevistado filho de Jo o Ribeiro e atuou no hospital como administrador Entrevista n 03 realizada com Tereza Valen a Nome fict cio j que a entrevista preferiu que a sua identidade fosse preservada em 03 de fevereiro de 2010 A entrevistada atuou por v rios anos como sanitarista
301. s estimulando assim m ltiplos discursos a exemplo daqueles produzidos por meio dos debates da C mara dos Vereadores como ser visto mais frente Entretanto importante ressaltar que o Hospital Jo o Ribeiro frente a essa nova proposta de assist ncia psiqui trica tornou se um caso espec fico na cidade de Campina Grande Ser visto mais adiante por meio dos v rios discursos que abordam o processo de interven o que este um caso singular pois por outro lado a popula o conta com os servi os prestados pela Cl nica Psiqui trica Dr Maia tida como o oposto em termos de assist ncia em sa de mental o que a faz sobreviver s cont nuas inspe es feitas pelo Programa Nacional de Avalia o do Sistema Hospitalar PNASH Psiquiatria instaurado pelo Minist rio da Sa de Dito de outra forma n o se trata de analisar o fechamento do Hospital Jo o Ribeiro como sendo apenas um resultado da reforma psiqui trica pois se assim o fosse a Cl nica Dr Maia tamb m teria fechado as suas portas A proposta analisar os interst cios Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande Casa F lix Ara jo intitulada Sess o para discutir a situa o do Hospital Psiqui trico Dr Jo o Ribeiro realizada em 24 de maio de 2005 p 10 Este conceito usado aqui na perspectiva de Erving Goffman para quem o indiv duo estigmatizado aquele cuja identidade social inclui qualquer atr
302. s julgados comentados antes mesmo de ocorrerem Sendo assim penso que os relatos orais trazidos para essa escrita podem ajudar a compreender a forma o da crosta discursiva e dos r tulos postos sobre o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Entretanto trabalhar esses relatos constitui se como um desafio pois trazer para a escrita a complexidade de uma inst ncia da vida e da sensibilidade das pessoas algo bastante dif cil para n o dizer imposs vel O que fazem boa parte dos historiadores que trabalham com as fontes orais tentar a partir dos questionamentos de suas pesquisas elaborarem um plano que d sentido ao que dito pelo entrevistado Dessa forma o sentido do texto que composto por relatos orais n o est dado no relato mas constru do por quem o transforma em escrita Como afirma Etienne Fran ois o objeto hist rico sempre o resultado de sua elabora o pelo historiador neste sentido a hist ria constru o E S o dezessete as entrevistas que comp em este cap tulo as quais est o inseridas na fabrica o existente na rela o entrevistadora e entrevistado Por meio delas procurei analisar algumas quest es tais como o que se fala sobre o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Quais s o as rela es pol ticas presentes no processo de interven o ocorrido na institui o no ano de 2005 Quais s o os conflitos e as disputas existentes entre as reas do saber atuantes na sa de mental Estas for
303. s ncia e nos apresenta este enquanto multiplicidade e fluxo de vida Assim o contato com o pensamento proustiano possibilitou pensar os relatos orais e os atores que comp em a escrita 48 Cf JAMES 2004 PROUST 2004 31 deste texto em sua pluralidade abandonando portanto palavras como coer ncia verdade ou contradi o e passando a rastrear os significados de seus relatos Proust tamb m torna se importante para esta escrita por meio de sua rela o com a mem ria Para este autor a mem ria est em movimento pois ao mesmo tempo em que rememora tamb m analisa e reconstr i as sensa es Al m disso suas lembran as n o s o mimeses ou seja n o reconstroem a realidade ou a trazem para o presente tal qual aconteceu mas ao inv s disso elas representam um meio de aprendizado e de deslocamento Assim a mem ria depende da maneira como os eventos afetam a cada um de forma distinta Os interesses de cada um tornam diversas as mem rias desse modo enquanto uma pessoa ter dado meia aten o a um incidente outra poder ter guardado profundos remorsos Al m dos relatos orais utilizo as fontes jornal sticas que estimulados pela reforma deram a ver a elabora o de uma mem ria sobre o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro a proposta n o trazer essas fontes como comprova o do que estava acontecendo naquele momento mas problematiz la enquanto uma fonte produtora de discursos e significados em tor
304. s de mem ria de alguns atores hist ricos Al m dessas fontes est o em constante di logo com este trabalho a produ o nacional e internacional sobre a reforma psiqui trica Por meio da an lise destas fontes viso mostrar a singularidade desse processo e sobretudo as suas liga es com outros acontecimentos hist ricos sobre a tem tica em quest o Palavras chave Loucura Reforma Psiqui trica Hospital Jo o Ribeiro Sil ncio ABSTRACT The psychiatric reform movements began to gain strength from the 1980s in Brazil producing several erasures in the history of psychiatry Thus hospice and psychiatry as having taken the madness began to be challenged by other knowledge areas such as psychology and psychoanalysis Thus hospice and psychiatry taken as holders of madness began to be challenged by other knowledge areas such as psychology and psychoanalysis Several clashes were being established around the designated subject of crazy until in 2001 a law was passed 10 216 psychiatric reform which legitimizes the actions of reformers in mental health Thus the present work narrates a history of psychiatric reform that was introduced in Campina Grande city and its performance in Jo o Ribeiro Hospital This is the process of intervention that occurred at that institution in 2005 which culminated in his disqualification and deactivation by the Ministry of Health The proposal is to analyze and discuss statements of psychiatric reform who
305. s estabelecidas entre esses sujeitos nomeados de loucos e a sociedade dita normal Que tipo de contato se estabelecia nessa rela o entre a loucura e a racionalidade nas d cadas que antecederam a inaugura o do primeiro hosp cio na cidade Em seguida investigo na historiografia local o processo de moderniza o que se fortalecia na cidade naquele per odo o qual se fundando na ideia de progresso e desenvolvimento cient fico cavou o territ rio prop cio para o aparecimento do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Esse m todo segundo Jos Carlos Sebe 2005 nasce da impossibilidade de transcrever a oralidade para a forma escrita da exata maneira como foi dito Sendo assim o importante manter o sentido e n o exatamente a forma Cf KINKER 2007 27 Viso por meio deste movimento marcar a separa o entre a loucura que habitava o espa o aberto das ruas e a loucura enclausurada no ambiente fechado do hospital A proposta mostrar que aqueles atores da loucura que passaram a viver dentro do Hospital Jo o Ribeiro s o hist ricos e n o estiveram ali desde sempre Tampouco essa institui o teve o seu aparecimento junto s primeiras casas e as primeiras ruas mas ela fruto de um processo que pretendia tornar Campina Grande civilizada evolu da e moderna No segundo cap tulo intitulado A loucura na ordem das leis procuro situar uma discuss o que aborda a trajet ria da reforma psiqui trica no Brasil territ
306. s novas institui es Uma esp cie de resist ncia silenciosa era criada quando se recusavam a levar os usu rios dos servi os psiqui tricos para fazerem tratamento nesses novos servi os emergentes na cidade e preferiam pagar para que o paciente pudesse ser atendido no hospital Antonio Maia complementa essa ideia quando afirma que depois que o Hospital Jo o Ribeiro foi fechado e foram criados esses novos servi os de atendimento a demanda na Cl nica Dr Maia mais que dobrou O que acontece segundo ele que em Campina Grande existem alguns CAPS com pessoas qualificadas altura para trabalhar e prestar um timo servi o aos usu rios mas uma grande parte das cidades do interior abre CAPS apenas para receber os recursos do Minist rio da Sa de Diante disso ele afirma que favor vel que se feche qualquer servi o de sa de que n o esteja prestando um bom atendimento popula o e n o apenas os hospitais Outra cr tica direcionada por Antonio diz respeito postura dos CAPS em rela o aos hospitais Segundo ele quando o paciente recebe alta a cl nica faz um encaminhamento por escrito para que ele possa ser acompanhado no CAPS o que n o uma rela o de troca pois os CAPS n o encaminham os pacientes que necessitam de interna o para a Cl nica Dr Maia Neste sentido instaura se uma rela o conflituosa entre estas institui es de sa de mental em Campina Grande Como afirma Edmundo Gaud ncio essas novas inst
307. s se caracterizaram no Brasil como institui es de assist ncia psiqui trica que al m de doentes mentais abrigavam refugiados pol ticos o que j n o funciona mais desde a d cada de 1970 Cf GULLAR 2009 Parecer n 8 de 1991 Este parecer reformula o projeto de lei n 3 657 de 1989 do deputado Paulo Delgado que culmina na lei da reforma psiqui trica em 2001 46 Mais detalhes sobre a produ o deste folheto de cordel ser o vistos no segundo t pico deste cap tulo MONTEIRO 2004 p 1 72 Observa se que as palavras usadas por meio da reforma psiqui trica est o revestidas de poder e significados Termos como manic mio hosp cio sanat rio s o usados de forma estrat gica pois emitem signos negativos em torno destes espa os com base em estrat gias como estas que os conceitos em torno da loucura passaram a ser des constru dos Desse modo a quest o da reformula o dos conceitos exerce um papel importante frente a esse processo Sobre este aspecto o modelo de reformula o italiano mais uma vez exerce influ ncia sobre a perspectiva brasileira nele que os reformadores da sa de mental no Brasil buscam a inspira o necess ria para elaborar a sua pr pria legisla o A reforma psiqui trica na It lia aciona um novo discurso na tentativa de retirar a negatividade que envolve a loucura Assim os basaglianos usam no lugar da palavra loucura a express o experi ncia sofrimento executando desse modo um
308. s sociais desempenhados pelos personagens tornam poss veis as mem rias em torno dos eventos Al m desses relatos a constru o discursiva em torno do Hospital Jo o Ribeiro conta ainda com os relatos daqueles atores que vivenciaram a experi ncia de ter algum familiar internado em suas depend ncias ou que sentiram na pele os efeitos da interna o As s 70 71 lembran as de Elena Medeiros irm do paciente Eduardo Medeiros emitem signos nessa constru o Ela se recorda que o que mais chamava a sua aten o era a forma de tratamento pois eles faziam umas coisas de trancar pessoas junto com pacientes totalmente agitados Al m disso ela lembra que tinha que levar o caf o almo o e o jantar todos os dias porque a comida de l n o prestava Elena descreve a sopa que era fornecida no hospital como um 72 caldo velho sem verdura sem nada 2 73 74 E Neuza Duarte m e do paciente Marcelo Duarte por sua vez relata que l era muito bom e que as pessoas falam em maus tratos mas segundo ela isso n o existia Neste sentido ela continua afirmando que uma pena um hospital daquele ter fechado e que as pessoas andam falando coisas que ela nunca presenciou pois ela n o se lembra de ter visto nenhum funcion rio maltratando algu m l dentro Neuza acrescenta que no Hospital Jo o Ribeiro todo mundo gostava de seu filho Em sintonia com esse relato est o de Hosana Marques m e do paciente
309. sas imagens que a sociedade passou a ter acesso din mica do Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Neste momento essa institui o que repousava no sil ncio perante a sociedade campinense e que apenas produzia alguns poucos ecos entre aqueles personagens que estavam de alguma forma ligado ao seu funcionamento funcion rios pacientes familiares e alguns reformadores da sa de mental no munic pio rompe esse sil ncio e passa a ser constru da ou reconstru da por meio de m ltiplos discursos os quais a delinearam ora como um ambiente de descaso e desumanidade como foi visto nas reportagens acima ora como um ambiente de lembran as boas de alegria e bons tratos como poder ser visto em alguns relatos orais importante ressaltar que essa constru o imag tico discursiva em torno do hospital acontece pela influ ncia da reforma psiqui trica o discurso reformista da sa de mental que ir servir de mediador entre as demais narrativas que passaram a contornar a institui o sejam elas favor veis ou n o s condi es de tratamento ali oferecidas Assim inicialmente elegi a narrativa de um dos principais representantes da reforma no Hospital Jo o Ribeiro o interventor Fernando Sfair Kinker Como foi dito na reportagem Kinker tem uma longa hist ria na reforma psiqui trica no Brasil Em 1989 ele participou como terapeuta ocupacional do primeiro processo de desinstitucionaliza o de um hospital psiqui trico ocorrido no pa
310. scursos que apossados de um lugar de saber e poder buscam instaurar uma verdade em torno do seu corpo e dos Elena est se referindo a uma segunda interven o realizada a n vel local ocorrida no ano de 2007 por meio da qual foram identificadas in meras irregularidades e ficou proibida a interna o de qualquer paciente no Hospital Jo o Ribeiro Atualmente o hospital funciona apenas como ambulat rio 4 Entrevista n 12 Entrevista n 12 159 espa os que ele deveria ocupar Mas Eduardo se recusa e cria linhas de fugas quando ele mesmo vai ao hospital para ser internado No entanto essa atitude de Eduardo tem uma explica o racional Nada melhor do que o discurso historicamente autorizado como os da rea psi para dizer que esse tipo de a o gerado pela cristaliza o depend ncia e condicionamento institucional causado por longos anos de interna o em uma institui o total O discurso de Eduardo negado e negativado ele desacreditado e o seu desejo explicado apenas pela oposi o raz o loucura De acordo com Michel Foucault Desde a alta Idade M dia o louco aquele cujo discurso n o pode circular como os dos outros pode ocorrer que a sua palavra seja considerada nula e n o seja acolhida n o tendo verdade nem import ncia n o podendo testemunhar na justi a n o podendo autenticar um ato ou um contrato n o podendo nem mesmo no sacrif cio da missa permitir a transubstancia o
311. se importante ressaltar que esta uma hist ria produzida a partir da vis o deste memorialista ou seja sua escrita est imbu da de intencionalidades Assim poss vel que Pimentel estivesse se impactando com o que o seu olhar o permitia enxergar nas ruas da cidade ou tamb m poss vel que a sua proposta fosse a de instaurar um combate contra as pol ticas atuantes na cidade j que ele aponta em diversos momentos do seu texto para o descaso da municipalidade em torno desses personagens O autor continua afirmando que por onde quer que se transitasse era poss vel defrontar se com esses sujeitos infelizes inclusive crian as todos se valendo da caridade das ruas Pimentel acrescenta que em tempos de campanha pol tica algu m ousa olhar para essa gente com piedade prometendo grandes melhoramentos se o doente trouxesse no bolso um t tulo de eleitor Segundo ele A dor amparada d i menos H outra dor cruciante a falta de carinho e dedica o Ainda h outra dor que desalenta a do miser vel que se sente abandonado Esta a imagem de Campina Grande que nos anos de 1950 era constru da por este memorialista Uma cidade repleta de dores e sofrimentos dos seus filhos abandonados pelas ruas Diante de seus escritos uma esp cie de banaliza o da mis ria parecia tomar conta de boa parte da sociedade pois de acordo com Pimentel n o havia nenhuma iniciativa de combate pobreza espalhada pelas ruas da cidade Uma dessas
312. ser da cientificidade fez com que a medicina moderna localizasse sua 120 pr pria data de nascimento em torno dos ltimos anos do s culo XVIII Neste sentido este 118 DELEUZE 1995 p 14 11 MACHADO 1979 p XIV 120 FOUCAULT 2006c p VII 136 saber necessitou n o apenas instituir uma linguagem pr pria com c digos por meio dos quais se decifrassem a verdade do corpo mas ele mesmo cuidou de construir um lugar onde a verdade m dica pudesse ser exercida e legitimada a partir de ent o que na cartografia das cidades emerge o hospital O lugar da doen a que antes era o lugar da vida a exemplo da fam lia do ura dos cuidados espont neos e testemunho do afeto e do desejo comum da cura tudo no ambiente a Di E 121 familiar entrava em cumplicidade para ajudar a natureza que lutava contra o mal A partir do aparecimento da cl nica o lugar da doen a passou a ser o lugar artificial do hospital onde existe uma dist ncia consider vel entre o sujeito portador de todo mal o doente e aquele portador de todo saber e da confiabilidade da cura o m dico Entre esses dois personagens uma fenda se abre dando lugar a um vazio que preenchido pela doen a ou melhor a patologia com toda a cientificidade que esse termo comporta Mas a atua o da medicina n o ir se limitar ao ambiente fechado dos hospitais Roberto Machado ao analisar a emerg ncia da medicina social no Brasil afirma que a imagem do m dico nas cid
313. significa o do presente enquanto leitura a partir de um passado que se atualiza Diante disso os relatos orais mais uma vez passam a tingir esse trabalho com as cores das viv ncias desses sujeitos da loucura A import ncia da mem ria se d quando os documentos ao se distanciarem da escola dita positivista n o s o mais considerados apenas pelas informa es que fornecem mas principalmente pela sua articula o discursiva e pelas suas condi es de produ o neste momento que entram em cena as formas an nimas e silenciosas de se contar a hist ria A proposta produzir um deslocamento passando da produ o discursiva apenas em torno da institui o hospitalar para a produ o de discursos em torno dos novos servi os e de seus pacientes S o as vidas errantes dos atores da loucura que interessam a essa escrita Portanto procurei coletar e analisar os relatos orais que instauram significados em torno desses corpos ordin rios desses sujeitos n mades e silenciados pelo discurso m dico psiqui trico que em grande medida se interessa apenas pela doen a e n o pelo doente que procura analisar apenas as formas de assistencialismo e n o os personagens que s o por ele assistidos que enxerga apenas a loucura e n o o seu sujeito Neste sentido al m dos relatos orais o discurso jornal stico tamb m exerce uma import ncia significativa na produ o desses MONTENEGRO 2010 p 40 BRITO 2009 p 286 147
314. sil com o prop sito de situar o leitor quanto historicidade do tema em debate Dar se a ver uma an lise dos discursos que enquadram a loucura na ordem das leis 2 1 Hospital Jo o Ribeiro a cr nica de uma morte anunciada Na manh de s bado do dia 7 de abril de 2001 era publicada no jornal Di rio da Borborema a reportagem intitulada com letras garrafais Lei pro be os manic mios Nela a informa o de que o ent o presidente da Rep blica Fernando Henrique Cardoso havia sancionado no dia anterior a lei que proibia a cria o de novos manic mios p blicos e pretendia acabar gradualmente com os j existentes De acordo com o texto jornal stico o ent o Ministro da Sa de Jos Serra naquela ocasi o afirmava que o governo iria privilegiar hospitais pequenos e levar ao extremo a t cnica do hospital dia no qual os pacientes ficam internados apenas em estado muito grave Para ajudar a compor a informa o jornal stica o texto contou com uma foto no centro da reportagem que trazia a imagem do presidente assinando a lei posicionado na frente do bras o que simboliza a rep blica brasileira Mais abaixo do lado esquerdo da reportagem a jornalista Maria Izabel Freitas assinalava que o presidente atribuiu ao ent o ministro da sa de Jos Serra esta transforma o t o profunda no setor da assist ncia sa de mental Jornal Di rio da Borborema dia 07 de abril de 2001 7 O hospital dia na a
315. sm tico comunicativo e alegre l Entrevista n 16 2 Entrevista n 16 83 De acordo com o prontu rio de Miguel o progn stico m dico referente F 20 6 o que equivale segundo a Classifica o Internacional das Doen as a Esquizofrenia Simples Cf Classifica o Estat stica Internacional de Doen as e Problemas Relacionados Sa de Psiquiatria e Neurologia CID 10 Vol 1 S o Paulo Edusp 2008 4 Segundo Miguel a primeira vez em que foi interno se deu em decorr ncia de um acesso de esquizofrenia porque lia muito Nossos melhores amigos s o os livros dizia ele quando me encontrava pelos corredores da Cl nica Dr Maia Ele relatava que adora ouvir m sicas cl ssicas e que quando estava em casa escutava Mozart 122 funcion rios machucavam e davam chave de bra o era um verdadeiro ostracismo Miguel afirma A desumanidade os maus tratos a p ssima alimenta o a t nica do relato de Miguel A comida era lavagem n o tinha banho todo dia e existia muito roubo l dentro j roubaram muita coisa minha l mas eu deixei pra l L era horr vel eles me tratavam como um bicho com desprezo uma maldade etc 259 Diante destes relatos pode se constatar que o Hospital Jo o Ribeiro come a a ser fabricado recebendo como diria talo Calvino pesadas crostas de discursos Estes discursos o tira do lugar silencioso e calmo em que antes repousava e o acomoda em outro lugar bem mais contest
316. sos pacientes Afeto e compreens o J disse l no in cio FECHEM AS PORTAS DO HOSP CIO ABRAM AS DO CORA O Fechem as portas dos asilos abram as do cora o com este verso o poeta convocava seus leitores e todos ali presentes a participarem da reforma e lutarem pela vida daqueles homens e mulheres que segundo ele foram condenados pelo fato de serem portadores de transtornos psiqui tricos Em sua exposi o ele afirmava que apesar de ter muitos anos de vida este era um tema sobre o qual ele ainda n o havia pensado e nunca imaginou que iria escrever sequer um verso sobre este assunto Entretanto diante das informa es que lhe foram passadas sentiu se sensibilizado ao ponto de comover se para a escrita daqueles versos Pude observar que os relatos de Vit ria talvez tenham sido chocantes ao ponto de deslocar o poeta Manoel Monteiro Segundo ele foram seus argumentos que o possibilitou pensar sobre a loucura Ele exp s em seu pronunciamento que a escrita do cordel se deu por meio das informa es passadas por Dr Vit ria Desse modo concluo que o poeta n o teve a experi ncia de estar dentro de uma institui o psiqui trica e ou n o vivenciou a loucura de perto pois o que o co moveu para a escrita foi a fala de algu m que lutando pela reforma psiqui trica no munic pio lhe passou informa es sobre o tema Sendo assim o cordel do poeta Manoel em grande medida a express o de uma agente da reform
317. spital Jo o Ribeiro apontavam para o fato de que uma institui o de seu porte n o poderia ser fechada Como ele afirma em uma outra ata do dia 30 de mar o de 2005 cabe C mara se posicionar contraria ao fechamento daquela institui o que tem h d cadas prestado relevantes servi os cidade de Campina Grande Cf Ata da 16 sess o ordin ria intitulada Pronunciamento do vereador Paulo de Tarso acerca de seu desligamento da bancada de sustenta o do prefeito municipal realizada no dia 30 de mar o de 2005 p 15 7l Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 7 72 M dico ortopedista propriet rio de um hospital refer ncia em trauma na cidade 76 reformistas Segundo ele recentemente tr s doentes com problemas mentais andaram quebrando vidra as num hospital Sendo este um dos fatores que o levava a discordar 7 P 7 B compreens vel que Targino se inteiramente do fechamento daquela institui o posicionasse favor vel ao funcionamento do Hospital Jo o Ribeiro pois enquanto representante do sindicato dos hospitais ele defendia e lutava pela perman ncia destas empresas na cidade Neste sentido Targino articulava um discurso que apelava para a periculosidade da loucura Seus argumentos em favor do hospital em quest o buscavam mostrar que a presen a nas ruas da cidade daqueles homens mulheres crian as e idosos que se encontra
318. ssa nova institui o em Campina Grande os reformadores passaram a instaurar uma estrat gia que colocava essa institui o no mbito da humaniza o da loucura Um movimento chamado Domingo no CAPS representava um elo entre aqueles personagens hist ricos nomeados loucos e a sociedade dita normal Neste evento acontecia a realiza o de atividades art stico culturais oficinas de beleza brech e exibi o de filmes O projeto contava com a participa o de 220 portadores de transtornos mentais O objetivo era Jornal Di rio da Borborema dia 14 de mar o de 2003 7 At ent o a nica cidade do estado que contava com este tipo de institui o era a capital Jo o Pessoa 8 Jornal Di rio da Borborema dia 14 de mar o de 2003 20 primeiro CAPS instalado na cidade foi o CAPS II chamado Novos Tempos inaugurado em 18 de dezembro de 2003 149 promover a reinser o social e a intera o desses pacientes com a equipe t cnica e familiares al m da sua reabilita o para a inser o na comunidade Diante deste discurso pode se afirmar que em oposi o a este modelo de assist ncia pautado na cidadaniza o da loucura est o modelo prestado pelos hospitais psiqui tricos De acordo com uma reportagem veiculada pelo jornal Di rio da Borborema intitulada Minist rio da Sa de inspeciona hospitais o governo n o iria mais admitir abusos contra pacientes portadores de transtornos mentais assistidos pelo
319. ssist ncia em sa de mental um recurso intermedi rio entre a interna o e o ambulat rio onde s o desenvolvidos programas de aten o e cuidados intensivos por equipe multiprofissional visando substituir a interna o integral Os cuidados em hospital dia na assist ncia sa de mental devem abranger um conjunto diversificado de atividades desenvolvidas em at cinco dias da semana de 2 a 6 feira com carga hor ria di ria de 8 horas Cf BRASIL 2009 p 50 8 Jornal Di rio da Borborema dia 07 de abril de 2001 61 acentuando que foi sua energia frente ao Minist rio da Sa de que permitiu uma mudan a t o grandiosa A jornalista dava nfase extin o dos manic mios e passava para a popula o de Campina Grande a informa o de que apenas seriam internados os pacientes que estivessem em estado muito grave Por m de acordo com a lei mencionada n o se trata de acabar com as interna es mas de privilegiar a assist ncia fora do mbito hospitalar ou em institui es que ofere am cuidados mais humanit rios a exemplo daquelas que possuam equipes multiprofissionais Desse modo as pol ticas de sa de mental pautadas em modelos de assist ncia extra hospitalar tornavam se efetivadas a partir da aprova o da lei n 10 216 de 06 de abril de 2001 Trata se da lei da reforma psiqui trica que tramitou no congresso nacional por doze anos at sua aprova o Conhecida como lei Paulo Delgado ela passou a significar o
320. ssist ncia prestada dentro daquele ambiente hospitalar e afirma o seguinte Eu lembro que eu chegava em casa e eu levava muito tempo pra dormir passei meses assim porque n o dava pra n o lembrar do que a gente via l n Pessoas sem roupas pessoas mal alimentadas pessoas presas contidas nas suas camas a mais assim completa falta de humanidade pessoas tomando banho juntas pessoas que n o t m sequer um sabonete A alimenta o n Eles comiam muito osso se alimentavam com muito osso as condi es higi nicas do hospital voc abria a geladeira e encontrava osso junto com gua de beber a falta total de estrutura as camas sem colch es Eu lembro que chovia na poca ent o tinha dia em que a gente chegava l e tinha compartimentos completamente alagados e as camas enferrujadas O impacto vivenciado por L via enfatizado diante das dificuldades dela conseguir dormir esse problema n o aconteceu em apenas um dia espec fico mas se estendeu por meses o que demonstra que para ela a situa o do Hospital Jo o Ribeiro era bastante deplor vel e impactante A mais completa falta de humanidade assim que ela caracteriza a forma como os pacientes eram tratados dentro daquele ambiente Mais uma vez a aus ncia de sabonete na higiene corporal faz parte das lembran as dos agentes da reforma psiqui trica mas n o apenas isso faltavam colch es roupas e alimenta o adequada o que restava era apenas camas enferrujad
321. sso lutar contra a lei e n s n o podemos lutar contra a lei A sa de mental uma das reas mais arenosas do espa o da discuss o em sa de espa o da luta pelo direito do cidad o que tem que portar uma doen a mental Essa n o f cil porque isso mexe com muitas vari veis e na verdade toca fundo a alma Nesta exposi o a lei exerce um papel supremo contra o qual n o se pode levantar suspeitas ou se opor Lutar contra a lei na acep o de Andr Luiz algo inconceb vel Por meio dela a justi a busca igualar todos na mesma categoria a de cidad os de direito Assim o discurso do secret rio de sa de aciona autoridade legitimidade e poder para a lei da reforma psiqui trica no Brasil j que esta uma lei que n o pode ser confrontada pois tem como prop sito tornar os homens e mulheres nomeados de doentes mentais em atores da cidadania As leis legitimam a assist ncia em sa de mental e por meio de rela es discursivas constroem a ordena o da loucura Segundo Michel Foucault o discurso da institui o 55130 est na ordem das leis Desse modo acrescento que tal discurso legitimado e aciona rela es de poder que estabelecem lugares pr prios para aqueles que s o nomeados de loucos Aqui abro um espa o para uma an lise hist rico conceitual das leis que contornam a assist ncia psiqui trica no Brasil Viso por meio deste movimento mostrar que esse novo modelo de assist
322. stava para fechar os familiares ficaram apavorados sem saber o que iriam fazer com aquele paciente dentro de casa Jo o relata o seguinte os familiares dos pacientes aqui aos gritos sem saber o que iriam fazer com esse pessoal dentro de casa gente que tinha matado o pai e a m e n o queria dentro de casa com medo de morrer gente que tinha destru do uma casa e a fam lia tinha medo de colocar essa pessoa dentro de casa Chegou um ponto de uma m e chegar pra mim e dizer que ia construir um quarto fora de casa com uma grade ou seja uma sela pra colocar ele dentro e ficar dando s a comida por que ela disse que n o ia enlouquecer por causa dele que nem ia deixar aquela pessoa matar os netos dela porque tinha crian as dentro de casa Ent o foi um per odo horr vel que eu passei 84 Entrevista n 10 85 Entrevista n 03 170 aqui dentro horr vel foi uma situa o constrangedora e humilhante que eu passei f f i Pi i 86 aqui dentro foi uma coisa assim impressionante Jo o Virg nio lembra que esse foi um per odo muito complicado pois ele tinha que dar conta da imprensa que estava a todo momento em frente ao hospital e ainda tentar ajudar os familiares a se acalmarem diante daquela situa o do retorno dos pacientes para casa A mem ria de Jo o cola se a outros relatos como o caso de Hosana Marques m e do paciente Kleyton Marques Segundo ela quando seu filho voltava para casa era muito perigoso porqu
323. stre atingindo aqueles que n o sendo crivados pelo o diagn stico psiqui trico s o ditos normais Essa institui o tem como principal medida a separa o como afirma a historiadora Magali Engel No mundo do asilo o conv vio entre loucura e a n o loucura seria reduzido aos contatos indispens veis que ocorreriam sob o olhar vigilante do m dico Por m mais do que exilar a loucura o hosp cio deveria ser organizado de tal forma que mesmo intirnamente n o pudesse haver contatos entre os sexos entre as diferentes condi es sociais e sobretudo entre os diferentes tipos de doen a mental A efic cia terap utica da interna o estaria portanto intimamente relacionada ao aprimoramento e satisfa o da classifica o dos doentes e da doen a Aos loucos o hosp cio e para ambos o psiquiatra Segundo Machado atrav s da psiquiatria que o m dico penetra ainda mais profundamente na vida social d as cartas em um Jogo que passa a existir segundo regras por ele mesmo criadas A psiquiatria n o portanto apenas uma forma de controle ideol gico que gera a atua o de uma inst ncia social sobre outra Sua fun o n o apenas a de justifica o e penetra o no corpo social Sua a o muito mais ampla e profunda ela bem mais eficaz do que se possa imaginar ela atinge diretamente o corpo das pessoas uma realidade que desempenha um papel de transforma o dos indiv duos assumindo o encargo de
324. sujeitos ainda n o se constitu am como um perigo em potencial n o estando vinculados a sua identidade os signos da criminalidade que anos depois estar o colados aos seus corpos atuando como um dos motivos do enclausuramento Esses atores transitavam com certa liberdade pelas ruas da cidade eram alvos de apelidos insultos tro as mas tamb m ganhavam cuidados carinho ajuda Eram sujeitos que caminhavam por uma fronteira quase invis vel pois viviam margem da sociedade dita normal mas estavam ali na esquina na cal ada na lanchonete ou seja possu am seu espa o de pertencimento e conviv ncia em meio a esses outros personagens Diante disto trago para este cap tulo alguns fragmentos dessas hist rias de vida escritos pelos memorialistas particularmente por Cristino Pimentel que parece ter se sensibilizado com a loucura e sobre ela tra ou v rias linhas de significados Foi em suas obras 1 E x z o Zu 2 As discuss es em torno da periculosidade da loucura ser o abordadas nos pr ximos cap tulos 36 que localizei a maior parte dos registros de casos de loucura trazidos para esta escrita A proposta a de tornar vis veis as rela es estabelecidas pela loucura em Campina Grande antes do surgimento do primeiro hosp cio o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro Al m disso busco mostrar como o discurso da modernidade do progresso e da civiliza o presentes na cidade naquelas d cadas atuaram por meio do sa
325. t rias mas os processos de interven es ocorridos nesses hospitais foram lentos e problem ticos no mbito da justi a 7 a 10 Ed De acordo com Florianita Campos em Camaragibe os propriet rios entraram na i eta i E m 2 108 Justi a e conseguiram ganhar uma liminar impedindo a interven o Em Caic o8 o propriet rio n o conseguiu ganhar na justi a mas as for as pol ticas atuantes no munic pio terminaram barrando a atua o dos reformadores e tornando o processo bem mais lento J em Campina Grande o processo aconteceu de maneira relativamente r pida todo o processo de interven o ocorrido no Hospital Jo o Ribeiro durou pouco mais de tr s meses Ora porque a interven o no Hospital Jo o Ribeiro mais uma vez se constitui como um acontecimento singular em rela o aos demais De acordo com os relatos dos agentes do Minist rio da Sa de como Florianita e Kinker as rela es pol ticas locais se constitu ram como apoiadoras da causa em Campina Grande diferentemente do caso de Caic por exemplo o que terminou por ajudar o processo de interven o e a atua o da reforma psiqui trica nessa cidade Assim torna se poss vel afirmar que a singularidade do processo ocorrido em Campina Grande teve a influ ncia das for as pol ticas atuantes nesse munic pio Ainda em rela o a esses apoios estabelecidos em Campina Grande que terminaram por ajudar interven o ocorrida no Hospital
326. ta o das Resid ncias Terap uticas do programa de Volta pra Casa dos Centros de Aten o Psicossocial CAPS e tamb m fez parte do processo de interven o ocorrido no Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro no ano de 2005 Os programas aqui citados foram implantados pela reforma psiqui trica e ser o especificados mais a frente Jo o Ribeiro faz alus o ao nome do propriet rio da institui o Trecho que comp e a pedra de funda o da institui o presente em lugar vis vel no hall de entrada da recep o complementado pela seguinte afirma o Este edif cio um monumento erguido f esperan a e amor ao povo de Campina Estas paredes que se alteiam n o s o apenas cimento e argila 12 Em seu texto Vit ria Barbosa p e em quest o e desnaturaliza a no o atrelada ao senso comum de que o louco nada sente e nada sabe Ao adentrar aquela institui o logo p de perceber o qu o falacioso era o argumento do motorista que sustentava a ideia de que a situa o das pessoas internas ali era triste somente para n s enquanto que para eles tanto faz s o loucos mesmo Assim ela utiliza a fala do motorista enquanto estrat gia para desnaturalizar as representa es em torno da loucura e do louco que comum a maioria das pessoas Diante disto seu olhar n o indiferente quela realidade e choca se com o sofrimento dos pacientes al m da aus ncia de colch es de camas de uma comida di
327. tade do s culo XIX que por meio de den ncias possibilitou a emerg ncia dos hosp cios no cen rio urbano Trata se de um relat rio do provedor da Santa Casa de Miseric rdia do Rio de J aneiro Jos Clemente que em 1839 denunciava o horror 30 Dentre os rg os respons veis pela fiscaliza o dos hospitais psiqui tricos t m se a Ag ncia de Vigil ncia Sanit ria do Estado AGEVISA e o Programa Nacional de Avalia o dos Servi os Hospitalar PNASH Psiquiatria 31 As atas que abordam as quest es da sa de no munic pio no per odo analisado n o incluem a situa o do Jo o Ribeiro Como exemplo disso tem se a ata intitulada Discuss o acerca da diminui o do n mero de AIHs nos hospitais de Campina Grande datada de 28 de maio de 2003 Nela o Jo o Ribeiro n o mencionado quando desde 2002 j se constatava uma diminui o em suas AIHs verba federal repassada pelo Minist rio da Sa de para o custeio de leitos p blicos em hospitais Outras atas a exemplo da 24 sess o do dia 17 de abril de 2002 a 26 sess o do dia 23 de abril de 2002 a 29 sess o do dia 06 de maio de 2004 e a 34 sess o do dia 17 de maio de 2005 s o exemplos expressivos de atas que tratam da sa de do munic pio e n o abordam quest es sobre a sa de mental e o Hospital Jo o Ribeiro A nica exce o a ata do dia 24 de maio de 2002 intitulada Sess o em homenagem ao dia da luta antimanicomial onde p de ser encontrad
328. tais psiqui tricos 15 Nesta obra M rquez por meio de seus personagens procura recuperar as numerosas viv ncias marginais buscando recompor os peda os das mem rias alheias no intuito de relatar o assassinato de Santiago Nasar que fora executado de forma brutal pelos g meos Pedro e Pablo Vic rio em respeito honra de sua irm ngela Vic rio A morte de Santiago foi anunciada em toda a redondeza sendo ele o nico a n o saber da t o propalada emboscada Cf MARQUEZ 2010 Lei municipal de n 4068 de 30 de dezembro de 2002 64 Esta lei municipal vai al m das diretrizes federais postas na lei 10 216 De acordo com o que era fixado a n vel nacional ficava vetada a interna o de pacientes portadores de transtornos mentais em institui es com caracter sticas asilares ou seja aquelas que n o ofereciam servi os m dicos de assist ncia social psicol gico ocupacional de lazer entre outros Al m disso no artigo 3 da lei federal est esclarecido que responsabilidade do Estado o desenvolvimento da pol tica de sa de mental a assist ncia e a promo o de a es de sa de aos portadores de transtornos mentais com a devida participa o da sociedade e da fam lia Mais a frente afirma que esta assist ncia ser prestada em estabelecimentos de sa de mental assim entendidas as institui es ou unidades que ofere am assist ncia em sa de aos portadores de transtornos mentais Nos art
329. tala es daquele edif cio o qual oferecia para os que necessitavam recuperar o seu organismo e para os enfraquecidos das faculdades mentais apartamentos devidamente equipados salas de visita sal es diversionais sala de recupera o motora apartamento de banho de luz enfim todos os compartimentos onde o dr Jo o Ribeiro desempenha o seu magn fico sacerd cio em favor da reabilita o dos que o procuram l 55 oriundos das mais variadas partes do Nordeste 5 Jornal Di rio da Borborema 4 de setembro de 1963 5 Jornal Di rio da Borborema 4 de setembro de 1963 Jornal Di rio da Borborema 4 de setembro de 1963 55 A reportagem emitia signos de moderniza o por meio da descri o dos ambientes Mas os signos emitidos pela escrita do jornalista tamb m elaboravam outros sentidos Segundo o texto aquela era uma institui o que teve origem do esfor o e abnega o de seu diretor que ao especializar se em neuropsiquiatria n o alimentava nenhum desejo de permanecer simplesmente como cl nico de sua especialidade m dica Mas Jo o Ribeiro queria impulsionado pela sua voca o permanecer em contato di rio com os seus doentes o que s poderia acontecer num nosoc mio poss vel que este seu desejo e voca o de permanecer ao lado dos enfraquecidos mentais tenha feito com que ao longo dos anos em que funcionou aquela institui o alguns pacientes se tornassem moradores
330. tamb m por ter me ajudado com suas revis es textuais A Gesimiel Santos pelas corre es feitas no meu texto e pelas alegres e inteligentes conversas A todos aqueles e aquelas que me ajudaram a sorrir quando as ang stias preenchiam os meus dias de aprendiz de historiadora Alyere Aline Solon Alane Alex Joelma Pierry Sonaly Eben zer Edylane a voc s que tornaram os meus dias mais leves e me impulsionaram a um novo come ar Ainda agrade o a Thiago de Oliveira Medeiros por ter me ensinado que a vida um eterno devir e que reinventar se sempre necess rio Obrigada Thiago pelas suas sugest es cr ticas e leituras do meu texto Voc est nas linhas e entrelinhas dessa escrita por todas as formas em que atuou na minha vida Agrade o em especial a minha m e Maristela Leandro Brito e a minha av Amara Leandro da Silva pelo amor carinho educa o apoio e acima de tudo por terem me ensinado que viver n o uma tarefa f cil por isso necess rio for a para lutar pelos nossos ideais Ao CNPq pelo financiamento que possibilitou esta pesquisa e a escrita deste texto Por fim gostaria de agradecer a todos e a todas que contribu ram direta ou indiretamente para esta pesquisa escrita amadurecimento te rico metodol gico e sobretudo pela experi ncia de vida SUM RIO INTRODUC AO sa isa aiii cata a qa aa ada 10 1 A Nau dos Loucos abre suas portas c ii iieeeeerereeeeeereraeee 1
331. te quando compartilhavam atitudes irracionais era perigosa para as pretens es de se construir Campina Grande como uma cidade moderna Necess rio portanto fazia se destilar purificar separar a racionalidade da irracionalidade numa pretens o de isolar esses corpos para que n o contaminassem o homem moderno Assim de acordo com Agra Para os animais naturais ou sociais currais com cercas para os loucos os asilos de alienados para os mendigos os asilos de mendicidade para os criminosos a pris o Estes sujeitos portanto eram vistos como homens que haviam sido dominados pela irracionalidade representada pela primazia de seus corpos sobre seus c rebros Sujeitos que representavam a pr pria nega o do projeto de civiliza o baseado no uso da raz o pretendido para as cidades Seres submetidos natureza vista como influ ncia nociva pois contraposta ci ncia n Neste sentido apoiados na l gica da separa o entre racional e irracional ou civilizado e selvagem os discursos em torno da loucura come aram a se redefinir O louco passou a ser visto como um sujeito que necessitava de cuidados pr prios pois ele n o era considerado igual aos demais e terminava por barrar a trilha da moderniza o da cidade Neste momento o discurso m dico cient fico encontrou um territ rio f rtil na cidade para impor a sua ordem e se apossar da loucura 3 CAVALCANTI 2000 p 73 4 AGRA 2008 p 84 85 41 AGRA 2008 pp
332. te a ideia de multiplicidade descontinuidade fluidez e mobilidade das rela es Nesta abordagem n o existe um p ndulo do qual tudo emana mas v rias ra zes que se cruzam confrontam se e constroem sentidos multifacetados Segundo estes autores Um rizoma n o come a nem conclui ele se encontra sempre no meio entre as coisas Entre as coisas n o designa uma correla o localiz vel mas uma dire o perpendicular um movimento transversal riacho sem in cio nem fim que r i suas duas margens e adquire velocidade no meio Cf DELEUZE amp GUATARRI 1995 60 Desde o in cio da Rep blica no Brasil uma legisla o espec fica para estes que s o tidos como o avesso da normalidade passou a ser tecida legalizando sobretudo a diferen a Neste sentido leis decretos e portarias h mais de um s culo v m sendo incessantemente postos pelos representantes do governo no sentido de ordenar a desordem da loucura Trata se de uma teia diagn stica que tem por finalidade capturar ou enquadrar em nome do direito e da medicina estas viv ncias que deslizam dos significados produzidos pela s bia racionalidade Sendo assim tenho por objetivo neste cap tulo mostrar e analisar os discursos presentes nos debates postos na C mara dos Vereadores que tratam da reforma psiqui trica e sua efetiva o no Hospital Jo o Ribeiro convocando para essa escrita as diversas leis que versam sobre a assist ncia psiqui trica no Bra
333. te treze anos mas que segundo ela j n o trabalhava mais neste hospital h um bom tempo ou seja seu relato pode ter sido influenciado pelo discurso reformista mas a sua experi ncia de trabalho naquele hospital que anterior ao processo de interven o j demonstra uma esp cie de desconforto com as condi es ali existentes Outro exemplo a narrativa de Tereza a qual afirma que quando fiscalizava o Hospital Jo o Ribeiro sequer poderia imaginar que iria surgir essa tal de reforma psiqui trica e que j nessa poca eram constatadas in meras irregularidades As recorda es do m dico psiquiatra Edmundo Gaud ncio ex funcion rio do Hospital Jo o Ribeiro que trabalhou l na d cada de 1980 tamb m s o bastante significativas no sentido de mostrar que as condi es de tratamento denunciadas pelos agentes da reforma psiqui trica n o se constitu am como uma novidade mas faziam parte da hist ria da institui o Segundo ele o Jo o Ribeiro se caracterizava como um macro hospital que abrigava cerca de quatrocentos pacientes que terminavam por ser tratados de uma forma que hoje e j aquela poca n o condizia com o tratamento que se espera em rela o dignidade humana Segundo ele os pacientes estavam entregues ao descaso a uma subalimenta o s m s condi es de higiene em suma a uma condi o dentro da qual eles n o eram assistidos do ponto de vista de suas necessidades enquanto pessoas
334. tica quando afirma que o estado se exime de fazer campanhas publicit rias de reeduca o na sociedade porque do ponto de vista econ mico a doen a mental n o gera os mesmos impactos como o v rus H1N1 a dengue ou o pr prio tabagismo Diante disso a popula o n o conta com nenhuma medida governamental em rela o desconstru o dessa negatividade em torno dos pacientes psiqui tricos Essa repercuss o da periculosidade dos pacientes que estavam saindo do Hospital Jo o Ribeiro n o se constitu a como algo que apenas fazia parte da percep o de pessoas que mantinham uma certa dist ncia em rela o ao saber psiqui trico e que portanto desconheciam esses atores da loucura Os pr prios funcion rios que estavam compondo a nova forma de assistencialismo proposta pela reforma psiqui trica emitiam signos de negatividade em torno desses pacientes e temiam trabalhar nas novas institui es De acordo com L via Sales em Campina Grande apenas existia assist ncia hospitloc ntrica ent o o que as pessoas conheciam da rea da psiquiatria era que o portador de transtorno mental aquele que deve agredir porque se isso que eles fazem dentro do hospital ent o seria isso que eles fariam nas novas institui es Segundo L via esse um pensamento historicamente constru do e que teve um peso muito grande na constru o dessa nova rede assistencial na cidade Diante disso o que acontecia era o seguinte Eu lembro que quando
335. tificava a investida m dica em todos os recantos da sociedade sob o prop sito de evitar as doen as Tratava se da necessidade de salvar a popula o das doen as infecciosas sendo a loucura uma das mais combatidas a qual poderia se alastrar por meio da degeneresc ncia E provocando um grande mal para toda a sociedade Outra mudan a consider vel nas pr ticas discursivas e n o discursivas que delimitam o lugar social da loucura estava presente na alian a do saber psiqui trico com a justi a A promulga o do C digo Civil brasileiro em 1916 exerceu grande influ ncia no campo da sa de mental quando estabelecia por meio da lei n 3 071 de janeiro daquele ano que 136 T ei federal n 24 559 de 3 de julho de 1934 A profilaxia tinha como prop sito a erradica o das doen as infecciosas com maiores iniciativas de combate no mbito da doen a mental As estrat gias profil ticas de controle da doen a mental difundidas principalmente a partir dos anos 20 do s culo passado sob a gide dos princ pios eug nicos de pureza da ra a propalados pelos defensores de uma pol tica de higiene mental serviram para de um lado ampliar os mecanismos de identifica o dos que deveriam ser imediatamente internados e de outro estender os tent culos do poder do psiquiatra para muito al m dos limites do mundo asilar Tratava se sobretudo do controle da vida social dentro e fora do hosp cio Sobre essa discuss o Cf ENGEL 200
336. tua o semelhante separados da sociedade mais ampla por consider vel per odo de tempo leva uma vida fechada e formalmente administrada a exemplo dos hospitais para doentes mentais em que o principal foco refere se ao mundo do internado e n o ao mundo do pessoal dirigente Cf GOFFMAN 2008 p 11 FOUCAULT 2005a p 10 11 FOUCAULT 2006a p 215 Entrevista n 13 160 N zia Ara jo m e do paciente Andr Ara jo tamb m relata que Andr n o queria ir para o CAPS Segundo ela conseguiram uma vaga para ele no CAPS e inicialmente ele teria de comparecer l em quatro dias da semana mas ele n o queria se tratar l Ent o ela lembra que Andr come ou a ficar agressivo e bateu em uma funcion ria da equipe chegando inclusive a tirar sangue do rosto dela Diante disso N zia afirma que diminu ram os dias de tratamento que ao inv s de quatro dias na semana passaram a ser apenas um dia interessante notar que a atitude da equipe do CAPS diante da agress o de Andr foi diminuir os dias de tratamento Atitude essa bastante aparentada com a ideia de castigo pois se ele foi agressivo ent o o castigo ser diminuir os dias de sua perman ncia na institui o quando deveria ser o oposto pois poss vel que Andr estivesse necessitando de um acompanhamento mais rigoroso para tentar sanar a sua agressividade Personagens como Eduardo Kleyton e Andr que se recusam a fazer tratamento nessa nova institui
337. tudo ativa l tudo ativa quer dizer o abandono em que se encontra uma pessoa dessa Mais uma vez os pacientes dividem os espa os com os insetos Os entulhos o capim e as formigas compartilhavam a dita rea de laser que aqueles pacientes dispunham Nas recorda es de Tereza eles estavam cheio de les es e as formigas terminavam por agravar o quadro dermatol gico dessas les es presentes nos membros inferiores Mas essa n o era a nica cena que chamava aten o dessa sanitarista Ela lembra que quando chegava na lavanderia do hospital estavam l os len is pendurados dos quais escorria um caldo escuro e ficavam l como se estivessem torcidos e lavados Em outro momento a sua mem ria reconstr i uma das fiscaliza es feitas Tereza Valen a afirma que naquela ocasi o encontrou baratas nos recintos diante disso pediu para telar todas as janelas mas quando voltou um ano depois a situa o era a mesma a barata fazendo caminho por l Ainda segundo ela existiam muitos pacientes que dormiam nus e em muitas camas n o havia len is Nesse momento a entrevistada interage comigo e afirma que desejaria que eu fosse uma mosquinha aproveitasse que n o havia telas e entrasse em todos os setores pra ver como era Apenas com o sentido da vis o seria poss vel de acreditar nas condi es existentes dentro daquele hospital Assim como Geraldo que se impactou com o que os seus olhos enxergavam Tereza desejava que eu visua
338. tui o tamb m n o as s o N o havia um p ndulo central do qual emanavam as for as que possibilitavam o seu funcionamento e tal qual um rizoma as rela es dentro e em torno do Hospital Jo o Ribeiro aconteceram pelo meio e se emaranharam ligando se de tal modo que se tornou imposs vel decifr las Restaram apenas liga es descont nuas como afirma Gilles Deleuze e F lix Guatarri o rizoma se distingue absolutamente das ra zes pois ele tem formas diversas desde a sua 17 Entrevista n 04 135 extens o superficial ramificada em todas as dire es at sua concre o em bulbos O rizoma portanto tudo o que se op e a uma raiz pendular de onde emergem todas as for as ele um emaranhado de linhas aparentemente fr geis e sem filia o Sendo assim as rela es pol ticas trazidas para esta discuss o poss veis apenas por meio dos relatos orais s o apenas um entre os incont veis n s que se formaram no emaranhado das rela es estabelecidas pelo Hospital Jo o Ribeiro A proposta aqui n o foi a de encontrar o lugar de onde emanavam os poderes que deram sustenta o e legitimidade para que a institui o permanecesse por tantos anos atuando na cidade inclusive poss vel que esse lugar n o exista pois tal qual o rizoma ele n o localiz vel Neste sentido a proposta foi tornar vis vel alguns encontros que instauraram significados em torno das quest es pol ticas dentro e fora desta institui o i
339. ualidade onde de fato muitos pacientes se encontravam em grau de desnutri o garantir a medica o adequada e o fornecimento desta medica o garantir que todos tivessem colch es e roupa de cama Uma situa o de muito dif cil resolu o esta a imagem tecida em torno do hospital e que anuncia a sua morte Um lugar onde a desumanidade tornava se latente e as condi es b sicas de vida dos pacientes eram negadas Um espa o permeado por dor e sofrimento era o que se encontrava ali de onde se esperava um tratamento adequado e digno para aqueles pacientes que h muito tempo haviam deixado de habitar as ruas da cidade Este o quadro daquela institui o pintado pelo interventor com todos os fundamentos reformistas e intencionalidades de quem necessitava desautorizar as pr ticas ali existentes O relato de Kinker expressivo na medida em que dar a ver as pr ticas ou melhor o descaso no interior de uma institui o da qual pouco ou nada se falava Em contato com os documentos da C mara pude observar que mesmo com a promulga o da lei da reforma 28 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara Municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 3 Ata da 13 sess o legislativa especial da C mara municipal de Campina Grande 24 de maio de 2005 p 4 67 psiqui trica que prop e fiscalizar e tornar p blico o acompanhamento das pr ticas hospitalares at o momento em que se instala a interven o
340. uanto quest o da exist ncia destas institui es pois a proibi o manuten o e constru o de novos U Lei federal de n 10 216 de 06 de abril de 2001 19 Segundo Paulo Amarante 1996 p 19 este projeto de lei que prop e a progressiva extin o dos hospitais psiqui tricos e sua substitui o por outras modalidades de assist ncia n o tem apenas esse resultado isto a organiza o dos setores a ele contr rios para a trajet ria do movimento pela reforma psiqui trica no Brasil significa um marco pol tico da maior import ncia ao possibilitar a amplia o at ent o in dita do debate p blico sobre a loucura a doen a mental a psiquiatria e suas institui es 0 Parecer federal n 8 de 1991 substitutivo do projeto de lei n 3 657 de 1989 20 Parecer federal n 43 de 1999 substitutivo do projeto de lei n 3 657 de 1989 65 hospitais psiqui tricos j n o abrangia todo territ rio nacional mas dependia das necessidades de cada regi o Estes pareceres juntamente com a lei municipal de reforma psiqui trica est o fortemente influenciados pela perspectiva do m dico italiano Franco Basaglia autor da lei n 180 da reforma psiqui trica na It lia A lei italiana em seu artigo 77 par grafo 6 afirma que r RE RA p Ee ara a SR Das ue cao E E absolutamente proibido construir novos hospitais psiqui tricos utilizar os j existentes como divis es psiqui tricas especializa
341. ue esta lei disp e sobre a extin o progressiva dos manic mios e sua substitui o por outros recursos assistenciais Desse modo esta palavra usada com o intuito de desconstruir a rede de assist ncia s doen as mentais at ent o vigente e implantar um novo modelo de tratamento que n o utilize como meio a segrega o e exclus o daqueles que necessitam de assist ncia psiqui trica As discuss es sobre a reforma psiqui trica em Campina Grande emitiam signos em torno de palavras como manic mio e hosp cio Al m desta reportagem citada anteriormente um folheto de cordel produzido no ano de 2002 intitulado Novos tempos para o doente mental cuidar sim excluir n o de autoria de Manoel Monteiro faz uso destes termos em algumas de suas estrofes A palavra manic mio Causa arrepios na gente Por ser um lugar sombrio Gradeado e repelente Com um saldo negativo Em recuperar doente Hospital Psiqui trico Ou sanat rio e hosp cio Aonde o doente Submetido ao suplicio De ficar preso n o trazem Um pingo de beneficio PASSOS 2009 p 128 o poeta Ferreira Gullar pai de dois filhos diagnosticados como esquizofr nicos afirma em uma cr nica intitulada Uma lei errada que a reforma lan a m o da palavra manic mio j ent o fora de uso e que por si s carrega conota es negativas numa poca em que aquele tipo de hospital n o existe mais Ainda segundo ele os manic mio
342. ue foi em meio a estas discuss es que o texto de Vit ria Barbosa assim como outros discursos em torno do Hospital Jo o Ribeiro ganharam espa o al m de for a e efeito de verdade esta teia de sentidos m ltiplos e multifacetados que me proponho a analisar e trago para este trabalho com o prop sito de dar a ver os n s os pontos de encontro os distanciamentos as rupturas e sobretudo as singularidades que este processo da reforma psiqui trica e da interven o ocorrida no Hospital Jo o Ribeiro trouxe para Campina Grande Trata se portanto de uma an lise dos discursos que instauram sobre a loucura um novo regime de tratamento no qual a vida no ambiente familiar toma o lugar da segrega o hospitalar Assim pode se afirmar que a loucura libertada Ela parece est se desprendendo de sua Nau aquele estranho barco retratado por Michel Foucault em sua Hist ria da loucura que deslizava ao longo dos rios da Ren nia e dos canais flamengos a Nau dos Loucos que levava sua carga insana de uma cidade para outra A imagem destes barcos que estiveram presentes na imagina o das pessoas no in cio da Renascen a exercia a fun o de expurgar a loucura dos muros da cidade e torn la prisioneira de sua pr pria partida Como afirma este autor O louco um prisioneiro no meio da mais livre e da mais aberta das estradas o passageiro por excel ncia isto o prisioneiro da passagem Ei la prisioneira de
343. ue n o mais se ligavam ao meio natural Assim a depend ncia humana da luz natural sua orienta o temporal pela posi o ocupada pelo sol o transporte por meio de carros a tra o animal e o trabalho na agricultura foram sendo substitu dos pela luz el trica pelo tempo abstrato medido pelo rel gio pelo transporte por meio de trens e carros e pelo trabalho nas ind strias e no com rcio Tornava se necess rio que a moderniza o pudesse ser vista pelos transeuntes Assim Campina Grande passou a ser redesenhada a arquitetura da cidade come ou a ser refeita a partir de linhas retas casar es imponentes ruas largas e salubres espa os arejados etc sendo condenado tudo que representasse o oposto disso a exemplo de becos estreitos e escuros casebres sem ventila o os quais representavam os h bitos rurais e podiam ser foco de prolifera o de doen as e perniciosidade Na gest o do prefeito Vergniaud Wanderlei 1935 1937 1940 1945 esse processo de moderniza o e transforma o da cidade se intensificou instaurando inclusive a es violentas e ditatoriais com alguns cidad os perdendo seus direitos de propriedade chegando a ser praticamente expulsos de suas casas para dar lugar a essa nova arquitetura Obras como a constru o do Mercado P blico e do Matadouro a implanta o da Empresa Telef nica e de um novo pr dio para Companhia de Luz a constru o do pr dio da Prefeitura Municipal o Grande Hotel a revitali
344. ugar certo para d beis e cl nicos dos nervosos de um modo geral Uma obra que emitia signos de progresso e avan o cient fico Logo essa pode ter sido a raz o pela qual a solenidade contou com a participa o de tantas autoridades a exemplo de civis militares e eclesi sticos al m de alguns representantes da classe m dica da cidade pois essa seria uma forma de as autoridades mostrarem popula o que apoiavam e partilhavam daquela realiza o Afinal aquele significava um ritual de progresso aperfei oamento e melhoramento da sa de p blica ainda pouco comum na regi o Aquela inaugura o contou ainda com as b n os da mais alta personagem religiosa cat lica da cidade a sua excel ncia e reverend ssima autoridade dom Manuel Pereira da Costa bispo diocesano de Campina Grande que distribuiu suas b n os em todos os compartimentos e instala es do Instituto de Neuropsiquiatria e Reabilita o Funcional Assim a presen a desta institui o na cidade passou a compor n o apenas o cen rio com sua muralha imponente mas tamb m a mem ria de boa parte da popula o que via naquele hospital o lugar da loucura por excel ncia Enfim o Hospital Psiqui trico Jo o Ribeiro que nasce da proposta de atendimento Neuropsiqui trico ou seja cuidados no mbito da neurologia e tamb m da psiquiatria anos mais tarde come a gradativamente a se y 3364 transformar no ambiente fechado ou campo
345. um dos membros do PNASH que estiveram envolvidos no processo de interven o eram psiquiatras eles eram assistentes sociais soci logos e psic logos mas n o havia psiquiatras Jo o afirma tamb m que as normas postas nessas portarias que come aram a surgir em 2002 foram elaboradas por pessoas que atuam na rea de direitos humanos a exemplo de fil sofos e de soci logos deixando de fora a participa o dos m dicos psiquiatras A equipe de interven o era formada em sua maioria por psic logos tal o caso de Florianita Campos L via Sales e Vit ria Barbosa e um terapeuta ocupacional como o caso de Fernando Kinker Entretanto estava presente na equipe uma m dica psiquiatra chamada Suzana Robortella que havia sido enviada pelo Minist rio da Sa de De acordo com alguns relatos al m dessa m dica outra psiquiatra da pr pria cidade tamb m passou a integrar a equipe Ainda assim not ria a atua o de v rios psic logos sobrepujando o n mero de m dicos psiquiatras Florianita exp e que as portarias do Minist rio da Sa de dever o ser revistas pois de acordo com ela a aus ncia de psiquiatras na reforma se d pela falta de interesse dos estudantes por esse tipo de forma o Ent o ela cita o exemplo de outros pa ses como o Canad que tem uma faixa de treze psiquiatras para cada mil habitantes o que segundo ela bem diferente da realidade brasileira que disp e de um n mero abaixo de 0 1 para o mesmo
346. umentos ao triunfo da burguesia e a um saber institu do pela no o de cientificidade abrindo novas passagens na tentativa de exorcizar o perigo dos espa os p blicos possibilitando uma nova leitura do espa o urbano e da vida social de seus transeuntes Segundo a historiadora Maria Clementina P da Cunha o componente do perigo foi o argumento que serviu como pilar de sustenta o para a institui o asilar j que esta surgiu como uma esp cie de mecanismo de defesa social Com os te ricos da degeneresc ncia essa imagem do perigo foi ainda mais enfatizada esta marca de Caim ser transferida atrav s das gera es e aprofundada nas proles degeneradas de loucos e semi loucos escondidos entre as multid es urbanas Essa ideia de perigo que passou a contornar a imagem da loucura recebeu influ ncia das teorias de Cesare Lombroso 1835 1909 M dico e criminologista Lombroso preconizava que a partir da an lise de determinadas caracter sticas som ticas seria poss vel antever I MACHADO 1978 p 377 MACHADO 1978 p 380 CUNHA 1986 pp 27 28 CUNHA 1986 pp 78 79 164 aqueles indiv duos que se voltariam para o crime Pautado nas teorias evolucionistas ele afirmava que existem caracter sticas do tipo heredit rias que s o natas ao criminoso Esses estigmas como denominava ele pr prio poderiam ser identificados a partir da dimens o do cr nio do formato da mand bula e da assimetria da f
347. uzidas agora por esta nova forma de assist ncia Este trabalho significa portanto apenas a paragem de um voo onde as palavras n o cessam de querer voar Agora estou abrindo a gaiola onde as aprisionei por algum tempo e espero que elas possam ganhar outros significados na linguagem dos leitores que com elas entraram em contato 179 REFER NCIAS AGRA Giscard Farias Modernidade aos goles a produ o de uma sensibilidade moderna em Campina Grande 1904 a 1935 Disserta o de Mestrado apresentado ao Programa de P s Gradua o em Hist ria da Universidade Federal de Pernambuco UFPE Recife 2008 AMARANTE Paulo Asilos alienados e alienistas In Reforma Psiqui trica Rio de Janeiro Editora Fiocruz 1994 Org Psiquiatria Social e O homem e a serpente outras hist rias para a loucura e a psiquiatria Rio de Janeiro Fiocruz 1996 Loucos pela vida a trajet ria da reforma psiqui trica no Brasil Rio de Janeiro Fiocruz 2003 ASSIS Machado O alienista S o Paulo Martin Claret 2008 BASAGLIA Franco Escritos selecionados em sa de mental e reforma psiqui trica Rio de Janeiro Geramond 2005 BIRMAN Joel COSTA Jurandir Freire Organiza o de institui es para uma psiquiatria comunit ria In AMARANTE Paulo Org Psiquiatria social e reforma psiqui trica Rio de Janeiro Fiocruz 1994 BOM MEIHY Jos Carlos Sebe Manual de hist ria oral S o Paulo Edi es Loyola 2005 BR
348. va pol tica que vinha sendo empregada pelo Minist rio da Sa de 33 Entretanto mesmo sendo favor vel nova pol tica seu texto transbordava medo e inseguran a diante da retirada daqueles pacientes do Hospital Jo o Ribeiro afirmando que depois da interven o daquela casa hospitalar j estava enfrentando graves problemas com os pacientes psiqui tricos que estavam chegando ao Hospital Universit rio Segundo ele estes pacientes estavam levando inseguran a aos m dicos funcion rios e ainda a outros pacientes posto que aquela institui o n o dispunha de uma estrutura adequada de atendimento a um paciente em crise psic tica Conclu a sua escrita da seguinte forma Enfim j que Decreto n o Rem dio espera se uma solu o para esse problema O discurso em torno dos dist rbios mentais como sin nimos de descontrole f sico e at viol ncia se transformava em perigo e amea a por meio da fala de Jos Targino e de Evaldo N brega dois m dicos que demonstravam por meio de seus pronunciamentos a inseguran a com a sa da dos pacientes psiqui tricos de dentro daquela institui o Diante destes relatos observa se que a presen a destes atores nas ruas da cidade apontava para uma poss vel viol ncia contra a normalidade e a ordem Portanto o ambiente fechado do Hospital Jo o Ribeiro era o lugar onde deveriam ser mantidos estes pacientes J que Decreto n o Rem dio uma provid ncia deveria ser to
349. vam naquele hospital constitu a uma amea a ao bem estar dos demais cidad os De acordo com o seu pronunciamento a retirada destes pacientes do hospital constitu a um perigo para a sociedade A imagem da viol ncia f sica e do descontrole como uma extens o da loucura passou a rondar a hist ria da psiquiatria tornando se uma das justificativas para o aprisionamento daqueles sujeitos nomeados de loucos A psicopatologia no s culo XIX se ocupou de uma s rie de objetos pertencentes delinqu ncia sendo eles o homic dio o suic dio os crimes passionais os delitos sexuais os roubos e agress es Assim a loucura foi historicamente associada criminalidade por isso retir la do ambiente hospitalar significava para Targino trazer o perigo para a sociedade Um exemplo da constru o da periculosidade da loucura no Brasil podia ser visto no artigo 16 da lei n 24 559 de 3 de julho de 1934 Uma vez hospitalizado dever o paciente ser imediatamente examinado pelo m dico de plant o que redigir uma nota cl nica t o minuciosa quanto poss vel visando o estado som tico e mental do internado e fazendo especialmente ressaltar a natureza das rea es perigosas evidentes ou presum veis Necess rio se fazia que o parecer m dico fosse minucioso para que n o restassem d vidas de que aquele paciente que necessitava de tratamento psiqui trico constitu a um perigo eminente para a sociedade De acordo com esta lei
350. vas institui es Alguns relatos orais mais essa reportagem veiculada pelo Di rio da Borborema emitem signos de negatividade de irregularidades e desassist ncia por parte dessas novas 48 Jornal da Para ba dia 10 de abril de 2005 Jornal Di rio da Borborema dia 15 de abril de 2008 162 institui es que no discurso jornal stico pretendeu se instituir como o oposto aos hospitais espa os constru dos como sin nimos do mal Na constru o dessa nova rede de assist ncia observa se uma extensa zona onde o discurso exerce seu poder de definir se como verdadeiro por meio dos textos jornal sticos das falas dos agentes reformadores e dos familiares e pacientes os conflitos se instauram e dessa zona emerge uma nova verdade sobre a loucura Novos sujeitos passam a fazer parte das ruas da cidade a circularem por entre os demais transeuntes rumo a uma nova forma de tratamento localizada nos CAPS e nas Resid ncias Terap uticas Por m outros tantos sujeitos e familiares caminham na contram o dessas institui es e procuram abrigo naquela dita pela reforma psiqui trica como a antiga velha ultrapassada e carcomida forma de assist ncia m dico psiqui trica Diante disso um questionamento colocado quais sentidos de verdade s o produzidos em torno dessas vidas errantes Neste t pico foi discutida a emerg ncia de uma gama de discursos que se instalaram em torno das institui es psiqui tricas produzindo uma rela o
351. veiculadas em Campina Grande que abordam a emerg ncia dessas novas institui es e seria exaustivo dar conta de todas elas nesta escrita Entretanto as reportagens trazidas para essa discuss o possibilitam construir uma ideia do que estava acontecendo na sa de mental nesta cidade Por meio dos textos jornal sticos aqui expostos poss vel identificar quais verdades passaram a ser constru das em torno dessas institui es e como o discurso manique sta mais uma vez passa a atuar no sentido de desconstruir a antiga velha e ultrapassada forma de tratamento psiqui trico em nome de uma nova moderna e humana assist ncia No entanto diante dessa nova forma de assistencialismo o que dizem os trabalhadores da sa de mental e os familiares 2 Jornal Di rio da Borborema dia 18 de maio de 2005 Jornal Di rio da Borborema dia 2 de julho de 2005 2 Pedro Gabriel Delgado irm o de Paulo Delgado o formulador da lei da reforma psiqui trica aprovada em abril de 2001 2 Jornal da Para ba dia 20 de agosto de 2005 26 Jornal da Para ba dia 30 de agosto de 2005 154 As mem rias de Tereza Valen a ex funcion ria dos rg os fiscalizadores s o bastante significativas Ela afirma que tamb m j trabalhou em CAPS e que a din mica dessas novas institui es infelizmente n o ajuda muito na recupera o dos pacientes De acordo com seu relato toda quarta feira havia reuni es para discutir a situa o de cada paciente ness
352. via Sales Novos tempos sa de mental CAPS e cidadania no discurso de usu rios e familiares Disserta o apresentada ao Programa P s Gradua o Interdisciplinar em Sa de Coletiva para obten o do t tulo de mestre pela Universidade Estadual da Para ba UEPB Campina Grande 2006 181 COOPER David Psiquiatria e antipsiquiatria em debate Porto Afrontamento 1977 CORAZZA Sandra Mara Labirintos da pesquisa diante dos ferrolhos In COSTA Marisa Vorraber Caminhos Investigativos novos olhares na pesquisa em educa o Rio de Janeiro DP amp A 2002 COSTA Jurandir Freire Hist ria da psiquiatria no Brasil um corte ideol gico 5 ed Rio de Janeiro Garamond 2007 CUNHA Maria Clementina Pereira O espelho do mundo Juquery a hist ria de um asilo Rio de Janeiro Paz e Terra 1986 DELEUZE Gilles Os signos In Proust e os signos Rio de Janeiro Forense Universit ria 2006 Mil plat s capitalismo e esquizofrenia vol 1 Rio de Janeiro Editora 34 1995 DUBOIS Christian Heidegger introdu o a uma leitura Rio de Janeiro Jorge Zahar 2004 ENGEL Magali Gouveia Os del rios da raz o M dicos Loucos e Hosp cios Rio de Janeiro 1830 1930 Rio de Janeiro Editora Fiocruz 2001 FOUCAULT Michel Doen a mental e psicologia Rio de Janeiro 2 ed Tempos Brasileiros 1984 vida dos homens infames In Ditos e Escritos estrat gia poder saber vol 4 Rio de Janeiro Forense Univers
353. vida perante a justi a De acordo com L vinas a justi a uma inven o da racionalidade ocidental moderna a qual ele repudia pois por meio dela tenta se neutralizar a diferen a Para ele a palavra n s acionada pelo discurso jurista n o um ve culo de justi a mas sim o resultado da injusti a pois coloca os sujeitos lado a lado e n o face a face Assim todas as leis aqui discutidas exercem uma fun o em torno da loucura qual seja a de construir os espa os na sociedade para alocar esses atores sociais Trata se de quest es democr ticas de igualdade e justi a Tais quest es apontam para o horizonte da tica Desse modo nos pr ximos cap tulos poder ser visto como estes discursos da reforma psiqui trica se instalam na linguagem da imprensa e dos relatos orais de homens e mulheres atuantes na rea da psiquiatria a exemplo dos reformadores dos profissionais bem como dos familiares e pacientes que vivenciaram esta experi ncia de ruptura da assist ncia m dico psiquiatra 158 HUTCHENS 2004 pp 139 154 99 CAP TULO III RELATOS ORAIS ENREDANDO OS ESPA OS PARA A LOUCURA NA CIDADE O instante veio e passou o tempo leva nos at onde uma mem ria se inventa foi assim n o foi assim tudo o que dissermos que foi Jos Saramago O evangelho Segundo Jesus Cristo Na visita que eu fiz me deparei com pessoas que andavam nuas pelo hospital os quartos n o tinham camas colch e
354. vidas errantes que marca os peda os da hist ria dessa cidade descritas por Pimentel a da Rainha Joana Caracterizada por este autor como Flor que murchou no galho da vida sem ser colhida e sem o contato que doira o viver das criaturas da terra que o de se sentir possu da e afagada para a perpetua o da esp cie Esta segundo ele a dor que martiriza essa pobre mulher velha e louca que vive a perambular pelas ruas de Campina PIMENTEL 1956 p 156 PIMENTEL 1956 p 156 38 Grande deixando ver que foi bonita e que sonhou com um noivo no verdor da mocidade onde apenas encontrou os espinhos da desilus o De acordo com Pimentel a falta de um amor na vida da Rainha Joana foi o terr vel mal que lhe tirou o ju zo E agora desajuizada com a beleza acabada mendiga e louca carrega a marca que a vida ingratamente lhe imp s Desprezada estira a m o em s plica para o que comer Dorme pelos terra os escuros onde chega sutil qual c o furtivo e de onde expulsa as vezes quando o c u vai se doirando com os raios da madrugada Sua bagagem composta de uma cesta na qual conduz um vestido usado um cobertor um velho par de sapatos um pente e um vidro de leo perfumado com o qual acaricia os cabelos possivelmente tentando reviver os anos da mocidade em que a beleza de sua cabeleira chamava a aten o dos mo os que a cortejavam Segundo Pimentel houve um tempo em que a Rainha Joana pe
355. vos que impulsionaram a implanta o da reforma psiqui trica no Brasil Segundo ele eram investidos alt ssimos custos farmacol gicos fornecidos na assist ncia hospitalar juntamente com os gastos astron micos que eram pagos pela previd ncia social a particulares para que os pacientes fossem mantidos albergados no interior dos hospitais Espa o que ele 8 Jornal da Para ba dia 19 de abril de 2005 151 caracteriza como dep sito de pessoas socialmente desqualificadas e portanto rejeitadas pela sociedade Jo o Virg nio Ribeiro partilha dessa ideia quando afirma que em torno de 90 dos pacientes psiqui tricos recebem um aux lio reabilita o que passa a ser administrado pela fam lia Ent o o paciente ao necessitar de interna o gerava ao governo duas despesas uma com a fam lia e outra com os altos custos hospitalares para mant lo internado Assim segundo Jo o nasce da a ideia de ressocializa o como uma quest o especificamente econ mica Edmundo Gaud ncio afirma que os psic logos e psicanalistas t m advogado que a concess o do auxilio reabilita o aos portadores de transtornos mentais tem gerado um quadro de cristaliza o e depend ncia da sua condi o de doente pois o paciente e seu familiar empenhariam esfor os no sentido da n o recupera o Sendo assim ele afirma que se trata de uma quest o de recidadaniza o quando no entanto estaria sendo negado um direito de cidadania como o aux lio p
356. withdrew from the silence care practices present in that hospital and stimulated the production of the memory of this institution through the media professionals in the area of mental health and family For the construction of this history I chose some texts as sources of memoirist that address the theme of madness the minutes of the Board of Aldermen where some of discussions happened about this process local newspapers Brazilian law that deals with psychiatric care historiography local and the oral reports of memory of some historical actors In addition to these sources are in constant dialogue with this work national and international production to the psychiatric reform Through analysis of these sources I intend to show the uniqueness of that process and especially their links with other historical events on the topic in question Key words madness psychiatric reform Jo o Ribeiro Hospital silence AGRADECIMENTOS Aqui se faz presente o momento de gratid o a todos aqueles que tornaram poss vel a realiza o deste trabalho a todos que ao lerem este texto estar o lendo a si pois est o em cada palavra per odo ideia pontua o e encontram se impressos nesta escrita que se faz dan ante fluxo de paix es e gratid o por todos aqueles que se apresentam como po tica e arte de exist ncia neste momento da minha vida Em primeiro lugar gostaria de agradecer ao professor Severino Vicente professora Socorro Abreu a Joel
357. za o do A ude Velho al m da constru o de avenidas largas como o caso da Floriano Peixoto a pavimenta o de dezenas de ruas a implanta o de pra as e a remodela o de todo o centro da cidade se constitu ram como as principais a es de Wanderley 33 CAVALCANTI 2000 p 69 34 AGRA 2008 p 88 35 CAVALCANTI 2000 p 71 48 Aliado a esse projeto era necess rio mudar o comportamento das pessoas instituindo regras adotadas por meio de medidas legais Assim a lei que substitu a o c digo de posturas do munic pio promulgada em 1953 em seu Cap tulo III Se o II que trata da limpeza p blica colocava que estava proibido ter su nos dentro dos muros e chiqueiros no per metro urbano da cidade e das vilas a n o ser em pocilgas modernas e higienizadas ficava proibido ainda riscar paredes janelas portas ou muros das casas As medidas profil ticas determinavam que as casas que possu ssem algum enfermo com doen as epid micas ou contagiosas deveriam comunicar s autoridades sanit rias al m disso a casa que estivesse em tal situa o deveria ser rigorosamente desinfetada Ficava tamb m terminantemente proibida a venda de quaisquer iguarias ou g neros aliment cios por interm dio de pessoas portadoras de mol stias infecto contagiosas O ar dessa cidade moderna e civilizada deveria ser puro leve e cheiroso assim os odores tamb m necessitavam ser controlados Diante disso ficava

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